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Conjuntos infinitos e finitos: tamanho, propriedades e exemplos, Provas de Direito

Este documento aborda os conceitos de conjuntos infinitos e finitos, suas propriedades e exemplos, com ênfase no conjunto dos números naturais e no tamanho dos conjuntos. Também é discutida a existência de diferentes infinitos e o chamado conjunto de cantor.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Garrincha
Garrincha 🇧🇷

4.1

(47)

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Qual o tamanho do infinito?
Paulo Gusm˜ao
May 24, 2011
1 Introdu¸ao
Fascinante seria especular sobre a origem da no¸ao de infinito no esp´ırito
humano. Teria algo a ver com a percep¸ao da finitude da vida diante do
tempo? A percep¸ao da imensid˜ao que nos separa das estrelas? A vis˜ao do
horizonte como algo inating´ıvel? Existem tribos que o sabem contar at´e
dez. Possuem elas a no¸ao de um infinito? A eternidade dos esp´ıritos por
exemplo!? ao estariam todas essas poss´ıveis origens ligadas ao sentimento
primeiro do tempo como uma sucess˜ao de eventos? Se assim o ´e, o que
impede que essa no¸ao se estenda ao processo de contagem? Fato ´e que em
algum momento da hist´oria da humanidade, o infinito irrompeu o universo da
matem´atica se revelando, ao mesmo tempo, alicerce para seu desenvolvimento
e fonte de problemas filos´oficos ainda sem solu¸oes.
Se pedirmos a uma crian¸ca um exemplo de conjunto infinito, provavel-
mente o conjunto {1,2,3,4,5,6,7,8,9,10, ...}seria o escolhido. Se pensarmos
que os rudimentos do processo de contagem na hist´oria do homem datam do
paleol´ıtico, portanto a 15.000 anos, e que o conjunto acima, chamado con-
junto dos umeros naturais, ´e oriundo do desenvolvimento desse processo
de contagem, parece razo´avel dizer que de natural ele ao tem nada, em-
bora hoje ele nos seja completamente familiar. ´
E comum vermos, ap´os o
primeiro contato com os naturais, crian¸cas disputando entre si a capacidade
de dizer umeros gigantescos onde os termos utilizados ao os mais bizarros;
ao estaria nesse ato a tentativa de aprisionar o infinito dos naturais, dada a
incapacidade do esp´ırito de concebˆe-lo em sua totalidade? Na verdade, esta
incapacidade se revela mesmo no finitamente grande. Trabalhando no inte-
rior do universo finito da matem´atica, somos capazes de produzir umeros
ao gigantescos que qualquer pessoa se sentiria confusa somente na tentativa
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Qual o tamanho do infinito?

Paulo Gusm˜ao

May 24, 2011

1 Introdu¸c˜ao

Fascinante seria especular sobre a origem da no¸c˜ao de infinito no esp´ırito humano. Teria algo a ver com a percep¸c˜ao da finitude da vida diante do tempo? A percep¸c˜ao da imensid˜ao que nos separa das estrelas? A vis˜ao do horizonte como algo inating´ıvel? Existem tribos que s´o sabem contar at´e dez. Possuem elas a no¸c˜ao de um infinito? A eternidade dos esp´ıritos por exemplo!? N˜ao estariam todas essas poss´ıveis origens ligadas ao sentimento primeiro do tempo como uma sucess˜ao de eventos? Se assim o ´e, o que impede que essa no¸c˜ao se estenda ao processo de contagem? Fato ´e que em algum momento da hist´oria da humanidade, o infinito irrompeu o universo da matem´atica se revelando, ao mesmo tempo, alicerce para seu desenvolvimento e fonte de problemas filos´oficos ainda sem solu¸c˜oes. Se pedirmos a uma crian¸ca um exemplo de conjunto infinito, provavel- mente o conjunto { 1 , 2 , 3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 8 , 9 , 10 , ...} seria o escolhido. Se pensarmos que os rudimentos do processo de contagem na hist´oria do homem datam do paleol´ıtico, portanto h´a 15.000 anos, e que o conjunto acima, chamado con- junto dos n´umeros naturais, ´e oriundo do desenvolvimento desse processo de contagem, parece razo´avel dizer que de natural ele n˜ao tem nada, em- bora hoje ele nos seja completamente familiar. E comum vermos, ap´´ os o primeiro contato com os naturais, crian¸cas disputando entre si a capacidade de dizer n´umeros gigantescos onde os termos utilizados s˜ao os mais bizarros; n˜ao estaria nesse ato a tentativa de aprisionar o infinito dos naturais, dada a incapacidade do esp´ırito de concebˆe-lo em sua totalidade? Na verdade, esta incapacidade se revela mesmo no finitamente grande. Trabalhando no inte- rior do universo finito da matem´atica, somos capazes de produzir n´umeros t˜ao gigantescos que qualquer pessoa se sentiria confusa somente na tentativa

de concebˆe-los em sua representa¸c˜ao decimal. Um exemplo ´e a constu¸c˜ao abaixo, devida ao matem´atico polonˆes Hugo Steinhauss e ao matem´atico canadense Leo Moser. Coloquemos a = aa, isto ´e, 2 = 2^2 , colo- quemos b = b com um n´umero de triˆangulos em volta igual a b, por exemplo 2 = 2 = 4 = 4^4 = 256; coloquemos c = c com um n´umero de quadrados em volta igual a c. Definimos agora um mega como = 2 = 2 = 256 = 256 com 256 triˆangulos em volta, isto ´e, 256^256 com 255 triˆangulos em volta, ou ainda, (256^256 )^256 256 com 254 triˆangulos em volta. N˜ao se contentando com esses n´umeros absurdamente grandes, Moser continua o esquema com hex´agonos, hept´agonos etc. O que podemos dizer da existˆencia desses n´umeros quando n˜ao nos ´e sequer poss´ıvel concebˆe-los? E fato que essa´ existˆencia n˜ao coloca qualquer problema para o matem´atico profissional, mas podemos realmente dizer alguma coisa a respeito desse n´umero a n˜ao ser o fato de corresponder a uma enorme potˆencia de 2? Nos ´e mesmo imposs´ıvel, por exemplo, conceber seu sucessor imediato!! Parece ent˜ao que o infinito nos ´e dado como um todo sem que, entretanto, esse todo seja composto de partes. Esse conceito de infinito, chamado de infinito atual, revoltava Poincar´e, que dizia: “Quando eu falo de todos os n´umeros inteiros, eu quero dizer todos os n´umeros que n´os inventamos e todos aqueles que poderemos inventar um dia. Quando eu falo de todos os pontos do espa¸co, eu quero dizer todos os pontos cujas coordenadas s˜ao expressas por n´umeros racionais, ou por n´umeros alg´ebricos, ou por integrais, ou por toda outra maneira que poderemos inventar. E esse´ n´os poderemos que ´e o infinito”^1. Para ele, portanto, o infinito existe em potencial. Contrariamente, ultrapassando de longe Leibnitz com seu infinito atual(metaf´ısico), Couturat n˜ao somente dava `a matem´atica o direito de citar mas dava predominˆancia ao infinito atual. Ele dizia: “Os matem´aticos podem e sabem se dar tanto grandezas infinitas como finitas e isso porque eles (matem´aticos) se d˜ao na sua totalidade. Se eu escrevo:

2 representa uma grandeza divis´ıvel ao infinito contendo todas as suas partes integrantes. A igualdade ´e imperfeita ou simb´olica do ponto de vista

(^1) Derni`eres Pens´ees, p. 131

as discuss˜oes sobre a natureza do infinito matem´atico se esvaziaram, muito provavelmente em fun¸c˜ao dessa fecundidade. Seria esta uma atitute mera- mente pragm´atica?

2 Sobre conjuntos finitos

Iniciemos falando de algumas propriedades simples dos conjuntos finitos: imaginemos que a humanidade n˜ao ´e dotada da capacidade de contar e que, h´a um bar onde o cliente s´o ´e admitido se houver para ele uma cadeira dispon´ıvel. Numa noite de bom movimento, o propriet´ario quer saber se a casa est´a com sua capacidade esgotada. Admitindo-se que as pessoas n˜ao ficam sentadas todo o tempo, como fazer para obter tal informa¸c˜ao se ele n˜ao sabe contar? Ora, basta para isso que ele pe¸ca para que todos se sentem e em seguida observe se sobrou alguma cadeira vazia. Observamos assim que embora o propriet´ario n˜ao saiba contar ele conseguiu, por esse processo de associa¸c˜ao (cliente↔ cadeira), identificar se o conjunto de cadeiras tem ou n˜ao o mesmo tamanho que o conjunto de clientes (se existe ou n˜ao um cliente para cada cadeira). Digamos que o tamanho dos dois conjuntos seja o mesmo (dizemos, neste caso, que os dois conjuntos est˜ao em correspondˆencia um a um) e que num dado momento os clientes de uma das mesas pediram a conta, pagaram e foram embora. Os clientes que restaram formam um sub- conjunto do conjunto inicial, evidentemente de menor tamanho, uma vez que existem agora cadeiras vazias. Notem que o que fizemos ´e adotar o conjunto de cadeiras como conjunto referˆencia para determinar o tamanho do conjunto de clientes, e acabamos de mostrar que, dado um conjunto finito qualquer (no nosso caso, o conjunto de clientes) toda parte (i.e todo subconjunto) tem menos elementos que o todo. Admitindo-se agora que o propriet´ario, nesse dia, ap´os constatar a lota¸c˜ao da casa, permitiu que mais pessoas entrassem no recinto, fica evidente que o tamanho do conjunto de clientes aumentou, visto que o n´umero de cadeiras tornou-se insuficiente, ou seja, o tamanho de um conjunto finito qualquer aumenta ao adicionarmos elementos. At´e agora o que temos dito ´e bastante ´obvio e pode parecer mesmo ingˆenuo abordarmos tal assunto. Na verdade, a evidˆencia das propriedades de conjuntos finitos descritas acima vem do fato de estarmos impregnados das experiˆencias cotidianas que, desde pequenos, nos colocam em contato com um “ mundo finito” onde, mesmo antes de aprendermos a contar, fazemos associa¸c˜oes, correspondˆencias, agrupamentos de objetos.

Note que at´e o momento n˜ao falamos em quantidade de elementos de um conjunto, mesmo porque n˜ao sabemos contar, lembram-se? Se soub´essemos e observ´assemos com um pouco de aten¸c˜ao, ver´ıamos que o processo de con- tagem de um conjunto, digamos, com n elementos, nada mais ´e que um processo de correspondˆencia entre os elementos desse conjunto e o conjunto { 1 , 2 , ..., n}. O fato do s´ımbolo n representar uma quantidade prov´em de uma estrutura adicional introduzida; quando consideramos um conjunto de ele- mentos de mesma esp´ecie, mas distintos, como uma reuni˜ao de pessoas, temos imediatamente a id´eia de unidade e, conseq¨uentemente, a de uma cole¸c˜ao de unidades. Associamos a id´eia de unidade, o s´ımbolo 1. Ao reunirmos uma pessoa do conjunto com uma outra, representamos tal ato pelo s´ımbolo 1 + 1 que convencionou-se denotar pelo s´ımbolo 2, e assim por diante, ou seja, n representa uma quantidade por ser um ac´umulo sucessivo de unidades. Por- tanto, se voltarmosa nossa situa¸c˜ao original, em que n˜ao sabemos contar, e se temos uma correspondˆencia um a um entre um determinado conjunto e o conjunto { 1 , 2 , ..., n}, o m´aximo que podemos dizer ´e que eles tˆem o mesmo tamanho; n˜ao cabe falar em n´umero de elementos dos conjuntos pois esse processo de quantificar n˜ao ´e, por n´os, conhecido. Isso pode nos parecer a princ´ıpio n˜ao muito ´util, pois, em se tratando de conjuntos finitos, estamos interessados em geral, em determinar a quantidade de elementos. Entretanto, ao tratarmos de conjuntos infinitos, esta no¸c˜ao de quantidade de elementos se perde, pois o processo de contagem levaria um tempo infinito. Assim, o que nos interessa ´e estabelecer a existˆencia de um ou mais infini- tos, a partir do conceito tamanho, isto ´e, partindo de um conjunto infinito como referˆencia, e dado um outro conjunto infinito, ser´a que podemos es- tabelecer uma correspondˆencia um a um entre esses dois conjuntos? Se a resposta ´e sim, significa que eles tˆem o mesmo tamanho, caso contr´ario con- clu´ımos que existem infinitos de tamanhos distintos e, portanto, mais de um infinito.

Ap´os se dar conta disso, o gerente, ainda intrigado, perguntou ao matem´atico: Por que a necessidade do sistema de interfone simultˆaneo? Ora, meu caro, ´e necess´ario apenas por uma quest˜ao de tempo. Se o senhor tivesse que dar o sinal de mudan¸ca quarto por quarto, levaria um tempo infinito para fazˆe-lo, o que inviabilizaria a opera¸c˜ao. Resolvido o problema, eis que chega nas dependˆencias do hotel um grupo de cinco pessoas `a procura de hospedagem. Nesse momento, tendo o gerente j´a compreendido a id´eia, imediatamente interfonou para todos os quartos solicitando que, ao toque do sinal, cada h´ospede se deslocasse cinco quartos adiante do seu, na ordem crescente de numera¸c˜ao. Dessa maneira os quartos de n´umeros 1 ao 5 ficaram vagos, podendo portanto ser ocupados pelos rec´em chegados (ver figura 2).

Desgostosos com esses deslocamentos sucessivos, os h´ospedes dos quar- tos de n´umeros 50 ao 54 decidiram partir. Apesar da tentativa insistente do gerente de dissuadi-los de tal decis˜ao, ele viu-se com cinco quartos vagos e arrependido. Como iria agora explicar ao dono do hotel que, por conta de querer hospedar mais pessoas, havia perdido cinco h´ospedes? Ele n˜ao tinha argumentos para fazˆe-lo a n˜ao ser o de prestar bons servi¸cos, o que n˜ao era suficiente pois, ao hospedar mais cinco pessoas, nem sequer conseguiu aumentar o faturamento do hotel, visto que o n´umero de quartos ocupados permanecia o mesmo. Agora, pensou ele, estou com cinco quartos desocupa- dos e meu faturamento diminu´ıdo em cinco di´arias. De repente, como que de um estalo, ele pensou: Se posso acrescentar h´ospedes sem alterar meu faturamento, devo poder tab´em perdˆe-los sem alterar meu faturamento?! In- terfonou simultaneamente aos quartos de n´umeros 55 em diante e solicitou que, ao sinal, cada um retornasse 5 quartos. Dessa maneira conseguiu que seu hotel se encontrasse de novo com lota¸c˜ao esgotada, mantendo seu fatu- ramento inicial (ver figura 3).

As figuras acima representam, em cada caso, as correspondˆencias um a um que garantem que, em se tratando de conjuntos infinitos, acrescentar ou retirar uma quantidade finita de elementos n˜ao altera o tamanho do conjunto, fato que se revelou falso no caso de conjuntos finitos.

4 Cabe mais infinito no infinito?

Mais calmo agora, por ter resolvido todos os problemas, o gerente foi se ocupar de alguns detalhes referentes a compra e estoque de alimentos para poder dar conta das refei¸c˜oes de toda aquela gente. O card´apio do almo¸co seria carne seca com ab´obora e, de sobremesa, doce de mam˜ao. Nesse mo- mento, ele j´a n˜ao se inquietava mais com a chegada ou sa´ıda de h´ospedes, nem no que diz respeitoas refei¸c˜oes pois, em qualquer dos dois casos, o n´umero infinito de refei¸c˜oes preparadas seria exatamente o necess´ario e su- ficiente e daria conta de qualquer das duas situa¸c˜oes caso se apresentassem, bastando para isso fazer as mesmas correspondˆencias acima, s´o que desta vez entre h´ospedes e refei¸c˜oes. Como nem tudo ´e festa num hotel com uma infinidade de quartos, o gerente ´e chamado com urgˆencia a recep¸c˜ao por uma recepcionista que, embora tendo acompanhado de perto todo o desenrolar dos fatos, estava a ponto de ter um ataque de nervos. Gaguejando e muito p´alida, ela informou que acabara de receber um telefonema do dono do hotel, dizendo que estava para chegar o ˆonibus do hotel, com um n´umero infinito de lugares, completamente lotado de amigos seus, pessoas da mais alta estirpe, e que ele exigia a hospedagem dos mesmos, nem que para isso fosse necess´ario esvaziar o hotel. Esvaziar o hotel?? Bradou o gerente descontrolado, esse cara deve estar louco!!! Imagine vocˆe, falou elea recepcionista, j´a n˜ao per- turbei o suficiente os pobres coitados? Ora ´e: Senhores h´ospedes andem dez quartos adiante, ora ´e: Senhores h´ospedes, andem cinco para tr´as. Agora ele quer o quˆe? Que eu diga: Senhores h´ospedes fa¸cam suas malas e, ao sinal, dirijam-se ao ˆonibus que acaba de chegar para lev´a-los todos embora? J´a tive muito problema com h´ospedes, at´e tomei na cara, mas sempre foi com um n´umero finito deles. Apanhar de um n´umero infinito ´e algo pelo qual n˜ao pretendo passar!!! Ligue para ele de volta e diga que estou me demitindo e, se quiser, que venha ele mesmo resolver o problema. A recepcionista, desespe- rada com a situa¸c˜ao, tentou acalm´a-lo e sugeriu que antes de qualquer decis˜ao mais radical, ele contactasse o tal h´ospede matem´atico, quem sabe ele teria uma solu¸c˜ao miraculosa? E assim foi feito. Ao chegar `a recep¸c˜ao e tomar ciˆencia da situa¸c˜ao, e vendo o estado de desespero dos dois, o matem´atico desandou a rir, rir e rir, at´e que por fim conseguiu respirar e compenetrado falou: Eu tenho a solu¸c˜ao. N˜ao acreditando, os dois, gerente e recepcionista, sentaram-se para ouvir o que o matem´atico tinha a dizer: Interfone para os quartos e diga aos h´ospedes que, ao sinal, cada um se desloque para o quarto cujo n´umero ´e o dobro daquele em que est´a hospedado. Desta maneira, o

fosse dotada de uma porta lateral de sa´ıda. N˜ao ´e dificil ver que os novos h´ospedes poderiam agora ser alojados em tempo finito bastando para isso fazer a mesma opera¸c˜ao n → 2 n − 1 entre os passageiros (assim, somente as poltronas ´ımpares estariam ocupadas) e em seguida estacionar o ˆonibus nos fundos do hotel, de maneira que cada porta de sa´ıda ficasse exatamente em frente `aquela do quarto de mesma numera¸c˜ao. Com o objetivo de n˜ao mais incomodar o matem´atico durante o feriado, o gerente decidiu interpel´a-lo a respeito de um problema que, caso se ap- resentasse de novo, ele n˜ao saberia resolvˆe-lo. Caro senhor, disse ele, caso cheguem agora dois, trˆes, quatro ou um n´umero finito n qualquer de ˆonibus, com uma infinidade de lugares cada um, percebo que fazendo a opera¸c˜ao que acabamos de executar, repetidas vezes, consigo, sem problemas, alojar todos os novos h´ospedes. Pergunto ao senhor: Poderia eu, nesta dada situa¸c˜ao, alojar todos os h´ospedes dos n ˆonibus numa s´o tacada, isto ´e, sem fazer n vezes a opera¸c˜ao feita agora pouco? Sem d´uvida, respondeu o matem´atico. Primeiramente, saiba que, por quest˜oes de organiza¸c˜ao, cada passageiro de cada ˆonibus possui um crach´a indicando a qual ˆonibus ele pertence e qual poltrona ocupa. Assim, digamos, o passageiro do ˆonibus de n´umero 5 ocu- pando a poltrona de n´umero 3 possui um crach´a onde est´a escrito seu nome e o s´ımbolo p 5 , 3 (passageiro 5,3); aquele do ˆonibus de n´umero 7 ocupando a poltrona de n´umero 35 ter´a no crach´a, al´em do seu nome, o s´ımbolo p 7 , 35 e assim por diante. Al´em disso, observe que as vagas dos ˆonibus s˜ao dispostas como numa rodovi´aria, isto ´e, uma ao lado da outra. Sabendo disso, pe¸ca que, ao sinal, todos os passageiros des¸cam do seu ˆonibus pela respectiva porta ao lado de sua poltrona e que, feito isso, todos os ˆonibus se retirem do local, exceto o primeiro. Observe que os passageiros com suas indica¸c˜oes no crach´a ficar˜ao dispostos da maneira mostrada abaixo:

p 1 , 1 p 1 , 2 p 1 , 3 p 1 , 4 ...

p 2 , 1 p 2 , 2 p 2 , 3 p 2 , 4 ...

p 3 , 1 p 3 , 2 p 3 , 3 p 3 , 4 ...

pn, 1 pn, 2 pn, 3 pn, 4 ...

onde a primeira fila ´e formada pelos passageiros do ˆonibus n´umero 1, a segunda pelos passageiros do ˆonibus n´umero 2 e assim por diante. Note que como o ˆonibus de n´umero 1 est´a parado diante da primeira fila, disse o matem´atico, basta agora que dotemos cada passageiro de um n´umero ´ımpar e que, ao sinal, ele ocupe a respectiva poltrona no ˆonibus ali parado. O que vocˆe n˜ao sabe ´e que, j´a tendo sido isso por mim previsto, solicitei que os crach´as tivessem no seu verso uma numera¸c˜ao feita da seguinte maneira: o passageiro p 1 , 1 com o n´umero 1, o p 1 , 2 com o n´umero 3, passageiro p 2 , 1 com o n´umero 5, o passageiro p 3 , 1 com o n´umero 7 e assim em diante, seguindo a dire¸c˜ao das setas indicadas abaixo.

p 1 , 1 → p 1 , 2 p 1 , 3 → p 1 , 4 ... ↙ ↗ ↙ p 2 , 1 p 2 , 2 p 2 , 3 p 2 , 4 ...

↓ ↗ ↙ p 3 , 1 p 3 , 2 p 3 , 3 p 3 , 4 ... ↙ ..... ..... ..... ..... ...

pn, 1 pn, 2 pn, 3 pn, 4 ...

E claro agora que, com todas as poltronas ´´ ımpares ocupadas, basta que o ˆonibus estacione nos fundos do hotel, visto que os quartos de n´umero ´ımpar j´a est˜ao vagos via o procedimento “h´ospede do quarto de n´umero n desloca-se para o quarto de n´umero 2 n”. O gerente, ainda meio tonto com tudo aquilo, exclamou impressionado: Quer dizer que como o n´umero n de ˆonibus ´e qualquer, se chegarem 50, 100 ou 1 milh˜ao de ˆonibus com uma infinidade de lugares cada um e todos eles lotados, o tamanho do conjunto de todos esses passageiros ´e exatamente o mesmo que o conjunto dos n´umeros ´ımpares?! Sim, meu caro, ´e o que acabamos de ver, disse o matem´atico. Na verdade, observe que se tiv´essemos em vez de n filas de passageiros, infinitas filas (oriundas de uma infinidade de ˆonibus) a enumera¸c˜ao por ´ımpares seguindo as setas poderia tamb´em ser feita sem problemas. Isso mostra portanto que uma uni˜ao infinita de conjuntos infinitos, cada um dos quais do mesmo tamanho que o conjunto dos n´umeros naturais N = { 1 , 2 , 3 , 4 ...}, tem o mesmo tamanho que o con-

os n´umeros ´ımpares o conjunto das fra¸c˜oes negativas e enumerando o con- junto das fra¸c˜oes positivas somente com os n´umeros pares. O que pretendo tentar agora, ´e convencˆe-lo de que, a princ´ıpio, isso escapa sobremaneira `a intui¸c˜ao, isto ´e, se olharmos com aten¸c˜ao o conjunto dos racionais, teremos uma impress˜ao bastante forte de que este conjunto ´e maior que o conjunto dos n´umeros naturais. Primeiramente, ´e f´acil ver que o subconjunto formado pelas fra¸c˜oes da forma (^) n^1 isto ´e, {^11 , 12 , 13 , 14 , 15 , ..., (^1) n , ...} ´e do mesmo tamanho que o conjunto dos naturais. At´e a´ı nada de mais. Sabemos desde a es- cola que, al´em dos racionais, existem n´umeros que n˜ao s˜ao racionais, isto ´e, n´umeros que n˜ao podem ser escritos na forma pq (ou seja, como uma di- vis˜ao de dois n´umeros naturais p e q): s˜ao os chamados irracionais. Pode-se mostrar, por exemplo, que

2 ´e um desses n´umeros. A uni˜ao desses dois conjuntos ´e conhecida como o conjunto dos n´umeros reais positivos e vamos admitir tamb´em que podemos represent´a-lo como sendo o conjunto de to- dos os pontos de um semi-reta cuja origem ´e representada pelo n´umero 0, conforme a figura 5 abaixo.

Agora, se a e b s˜ao dois n´umeros quaisquer (racionais ou n˜ao) com a menor do que b, a distˆancia entre eles ´e o n´umero b − a. Ora, seja q bem grande, de maneira que (^1) q seja menor que b − a e considere o conjunto {^1 q , (^2) q , (^3) q , (^4) q , ...}. Este conjunto nos d´a uma parti¸c˜ao da semi-reta em segmentos de reta de tamanho (^1) q (cf. figura 6).

Assim, necessariamente, um dos elementos desse conjunto est´a entre a e b pois, caso contr´ario, ter´ıamos que o segmento entre a e b estaria contido no segmento entre pq e p+1 q para algum n´umero p, mas isso contradiz o fato de

que o segmento entre a e b tem tamanho b − a maior que (^1) q. Observe: o que acabamos de mostrar ´e que, como a e b s˜ao quaisquer, se fixamos a e tomamos b t˜ao pr´oximo de a quanto quisermos, sempre en- contraremos um racional entre eles. Ou seja, dado um n´umero qualquer, encontraremos, t˜ao perto dele quanto quisermos, um n´umero racional. Nesse momento o gerente completamnte impressionado, exclamou: Pelo que o senhor acaba de dizer, os n´umeros racionais ocupam praticamente toda a semi-reta?! Sendo assim, o tamanho do conjunto dos irracionais deve ser menor que o dos racionais, n˜ao ´e? Vocˆe tem raz˜ao quanto `a sua primeira afirma¸c˜ao, disse o matem´atico; o termo utilizado por n´os para expressar esse

seu sentimento ´e densidade. Dizemos que o conjunto dos racionais ´e denso no conjunto dos n´umeros reais. Quanto `a sua segunda coloca¸c˜ao...

5 Quantos infinitos existem?

Nesse momento, o gerente foi de novo chamado com a m´axima urgˆencia na portaria do Hotel. Parece que algo grave aconteceu, disse ele ao matem´atico, seria bom que o senhor me acompanhasse, caso necessitemos de sua ori- enta¸c˜ao. O que houve?, perguntou ele ao chegar a recep¸c˜ao. Sabe os h´ospedes amigos do propriet´ario? disse a recepcionista. Sim, o que ´e que tem eles? Vocˆe lembra que cada um deles estava acompanhado de uma crian¸ca, pois ´e, elas sumiram!! Como, sumiram?, indagou o gerente. E isso que estou´ dizendo, foi um tal do interfone tocar sem parar, um desespero total. Tive- mos a informa¸c˜ao de que eles foram vistos pela ´ultima vez brincando no jardim do infinito. Nesse momento, o gerente relaxou e, com um ar de sen- hor da situa¸c˜ao, disse: Tenho certeza de que todos subiram na ´arvore com uma infinidade de galhos - seria a ´unica possibilidade de perdˆe-los de vista. Arvore com uma infinidade de galhos?! Do que vocˆ´ e est´a falando?, retrucou o matem´atico. Eu, como consultor do hotel, deveria ser informado de toda e qualquer iniciativa de ocupa¸c˜ao de espa¸co f´ısico!! Quem autorizou o plantio dessa ´avore? Foi o pr´oprio dono, devolveu o gerente. Vamos l´a, quero ver isso de perto. Chegando ao jardim, o matem´atico foi obrigado a sentar-se de t˜ao p´alido que estava. O que est´a acontecendo?, indagou o gerente? Por que est´a com essa cara? E somente uma ´´ arvore com uma infinidade de galhos! Vocˆe sabe muito bem, disse o matem´atico, que essa esp´ecie de ´arvore tem a propriedade de que, ao final de cada galho, dois novos galhos se iniciam, um partindo para a direita e outro para a esquerda, e isso indefinidamente. Sim, e da´ı? Continua sendo somente um n´umero infinito de galhos, retrucou o gerente. Se cada um dos pais subir na ´arvore (sendo eles em n´umero infinito), todas as crian¸cas ser˜ao encontradas. N˜ao!!, gritou o matem´atico. Admitindo-se que elas percorram qualquer caminho infinito, em tempo finito, mesmo que todas elas sigam o mesmo caminho, a chance de encontr´a-las ´e pequena! N˜ao acredito, vocˆe deve estar brincando!, devolveu o gerente. Colocando- se agora mais s´erio do que nunca, o matem´atico disse: Vou mostrar que o tamanho do conjunto de todos os caminhos poss´ıveis ´e maior que a infinidade de pais; sendo assim, mesmo que todos eles saiama procura de seus filhos

1 → x 1 2 → x 2 3 → x 3 . . . n → xn . . .

Note que, segundo este argumento, em lugar de C poder´ıamos ter tomado qualquer conjunto infinito, isto ´e: qualquer conjunto infinito cont´em um sub- conjunto de mesmo tamanho que o conjunto dos naturais, portanto n˜ao existe nenhum conjunto infinito de tamanho menor que o conjunto dos naturais. Vou mostrar agora, disse o matem´atico, que C ´e de tamanho maior que os naturais. Para isso, basta mostrar que n˜ao ´e poss´ıvel estabelecer uma corre- spondˆencia um a um entre N e C, vocˆe concorda? Sim, concordo, respondeu o gerente. Bem, primeiramente, note que fazer uma tal correspondˆencia en- tre N e qualquer conjunto significa enumerar os elementos desse conjunto, ou seja, dizer quem ser´a o primeiro elemento, o segundo, o terceiro e assim su- cessivamente. Podemos dizer que essa correspondˆencia n˜ao ´e nada mais que uma listagem dos elementos do tal conjunto. Sendo assim, basta mostrarmos que em qualquer listagem de C, sempre haver´a um elemento de C n˜ao con- templado. Considere ent˜ao uma listagem qualquer, digamos, a representada a seguir:

1 → 0 , 110010100110 ... 2 → 0 , 001101111000 ... 3 → 0 , 111001010001 ... 4 → 0 , 101010101010 ...

... n → 0 , 0010111100111 ... . .

Vou agora exibir um elemento de C que n˜ao consta nessa listagem. Con- siderando os algarismos ap´os a v´ırgula, vemos que o primeiro algarismo do

primeiro elemento ´e 1, neste caso para obter nosso elemento coloco nesta posi¸c˜ao o algarismo 0. O segundo algarismo do segundo elemento sendo 0, coloco nesta posi¸c˜ao o algarismo 1. O terceiro algarismo do terceiro elemento sendo 1, coloco 0 nesta posi¸c˜ao. O quarto algarismo do quarto elemento sendo 0, coloco 1. O n-´esimo algarismo do n-´esimo elemento sendo, digamos, 0, coloco 1 na n-´esima posi¸c˜ao e assim por diante. Afirmo que o elemento acima n˜ao est´a na listagem dada. Por quˆe?, indagou o gerente. Ora, se es- tivesse na listagem, ele ocuparia uma posi¸c˜ao, ou seja, ele seria o elemento de n´umero, digamos, 245 da lista. Mas o elemento de n´umero 245 possui, como duzent´esimo quadrag´esimo quinto d´ıgito, o n´umero, digamos 1 e o el- emento que constru´ımos tem como d´ıgito, nesta posi¸c˜ao, o n´umero 0. Este racioc´ınio mostra que nosso elemento n˜ao pode estar em nehuma posi¸c˜ao da lista. Conclu´ımos assim que o infinito de C ´e maior que o de N. Que loucura! existem dois infinitos!!, exclamou o gerente. Para mim o infinito era um s´o, infinito ´e infinito, ora bolas. R´a! retrucou o matem´atico, o que vocˆe n˜ao sabe ´e que existem uma infinidade de infinitos distintos. Como assim? Vocˆe j´a ouviu falar em George Cantor?, perguntou o matem´atico. N˜ao, respondeu o gerente. Pois ´e, Cantor(1845-1918) um matem´atico russo que se naturalizou alem˜ao ´e considerado o grande te´orico do infinito. Todo esse estudo sobre o tamanho do infinito foi desenvolvido por ele. Ele mostrou, entre outras coisas, que, dado um conjunto infinito qualquer A, se considerarmos o conjunto P (A) formado por todos os subconjuntos de A, temos um conjunto infinito (note que ele cont´em todos os subconjuntos formados por um s´o elemento de A) de tamanho maior que o conjunto A. Por exemplo, no nosso caso, o conjunto P (N) cujos elementos s˜ao os subconjuntos de N, tem tamanho maior que N. Na verdade, mostra-se que P (N) tem o mesmo tamanho do conjunto C acima. Se agora tomarmos o conjunto P (C) formado por todos os subconjun- tos de C, obteremos um conjunto infinito de tamanho maior que C, e assim por diante. Isso mostra que temos uma seq¨uˆencia de conjuntos infinitos cada um maior que o outro, sendo o menor deles o conjunto N. Cantor deu nome a esses infinitos: s˜ao os chamados cardinais transfinitos. Usando uma no¸c˜ao chamada no¸c˜ao de ordem, Cantor obteve outros infinitos aos quais ele deu o nome de ordinais transfinitos [4]. O conjunto C acima ´e chamado con- junto de Cantor. Na verdade, o conjunto de Cantor foi por ele apresentado usando uma constru¸c˜ao completamente diferente, em que ele utilizava o con-

“sua totalidade”. Neste caso, mesmo que os pais tamb´em pudessem fazer o mesmo, num tempo finito, ter´ıamos uma quantidade enorme de camin- hos n˜ao percorridos, pois o tamanho do conjunto de tais caminhos infinitos ´e muito maior do que o do conjunto de pais. Foi admitindo essa situa¸c˜ao fict´ıcia (poder percorrer um caminho em sua totalidade, num tempo finito) que afirmei serem poucas as chances de encontrarmos todas as crian¸cas. As- sim, o que temos em realidade ´e que, em qualquer instante considerado, cada crian¸ca ter´a percorrido um n´umero finito de galhos. Para ach´a-las, basta portanto que os pais subam um pouco mais r´apido que as crian¸cas. Se ´e que isso ´e poss´ıvel!

BIBLIOGRAFIA

[1] Amoroso Costa, M. As id´eias fundamentais da matem´atica e outros ensaios. Editora Conv´ıvio, 1981, 3◦^ edi¸c˜ao. [2] Davis, P. J./ Hersh, R. L’univers Mathematique. Gauthier-Villards, 1985 [3] Dugas, R. Essai sur l’incompr´ehension math´ematique. Librarie Vuib- ert, 1940.

[4] Cunha, M.O., Lopes, C.N., Santos, A.B.A. Uma introdu¸c˜ao ao estudo dos n´umeros transfinitos Pr´e-publica¸c˜ao IM Uff [5] Gusm˜ao, P. O tudo e o nada. Em prepara¸c˜ao

[6] Hrbacek,K., Jech, T. Introduction to Set Theory Nova York, Marcel Dekker, 1978 [7] Poincar´e, H. Derni`eres Pens´ees. Flammarion, 1913.