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Uma possibilidade infinita de conexão e informação nos torna sujeitos verdadeiramente livres? Partindo dessa questão, Han delineia a nova sociedade do controle psicopolítico, que não se impõe com proibições e não nos obriga ao silêncio: convida-nos incessantemente a nos comunicar, a compartilhar, a expressar opiniões e desejos, a contar nossa vida. Ela nos seduz com um rosto amigável, mapeia nossa psique e a quantifica através dos big data, nos estimula a usar dispositivos de automonitoramento. No pan-óptico digital do novo milênio - com a internet e os smartphones – não se é mais torturado, mas tuitado ou postado: o sujeito e sua psique se tornam produtores de massas de dados pessoais que são constantemente monetizados e comercializados. Neste ensaio, Han se concentra na mudança de paradigma que estamos vivendo, mostrando como a liberdade hoje caminha para uma dialética fatal transformando-a em constrição: para redefini-la é necessário tornar-se herege, voltar-se para a livre escolha,
Tipologia: Trabalhos
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BYUNG-CHUL HAN, nascido em Seul, é considerado um dos filósofos mais interessantes da atualidade. Ex-professor da Staatliche Hochschule für Gestaltung, em Karlsruhe, atualmente leciona filosofia e estudos culturais na Universität der Künste, em Berlim, e é autor de ensaios sobre a globalização e a hipercultura.
Uma possibilidade infinita de conexão e informação nos torna sujeitos verdadeiramente livres? Partindo dessa questão, Han delineia a nova sociedade do controle psicopolítico, que não se impõe com proibições e não nos obriga ao silêncio: convida-nos incessantemente a nos comunicar, a compartilhar, a expressar opiniões e desejos, a contar nossa vida. Ela nos seduz com um rosto amigável, mapeia nossa psique e a quantifica através dos ¿(g data, nos estimula a usar dispositivos de automonitoramento. No pan-óptico digital do novo milênio - com a internet e os smartpliones - não se é mais torturado, mas tuitado ou postado: o sujeito e sua psique se tornam produtores de massas de dados pessoais que são constantemente monetizados e comercializados. Neste ensaio, Han se concentra na mudança de paradigma que estamos vivendo, mostrando como a liberdade hoje caminha para uma dialética fatal transformando-a em constrição: para redefini-la, é necessário tornar-se herege, voltar-se para a livre escolha, para a não conformidade.
SUMARIO
Proteja-me do que quero Jenny Holzer
(Können) produz até mais coações do que o dever (Sollen) disciplinar, que expressa regras e interditos. O dever tem um limite; o poder não. Portanto, a coerção proveniente de po der é ilimitada e, por esse motivo, encontramo-nos em uma situação paradoxal. A liberdade é a antagonista da coerção. Ser livre significa estar livre de coerções. Ora, mas essa liber dade que deveria ser o contrário da coação também produz ela mesma coerções. Doenças psíquicas, como depressão ou burnout 1 são expressões de uma profunda crise da liberda de: são sintomas patológicos de que hoje ela se transforma muitas vezes em coerção. O sujeito do desempenho, que se julga livre, é na realidade um servo: é um servo absoluto, na medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente a si mesmo. Nenhum senhor o obriga a trabalhar. O sujeito absolutiza a vida nua e trabalha. A vida nua e o trabalho são dois lados de uma mesma moeda: a saúde representa o ideal da vida nua. A esse servo neoliberal a soberania é estranha, ou melhor, a liberdade daquele senhor que, segundo a dialé tica hegeliana servo-senhor, não trabalha e apenas goza. Essa soberania do senhor consiste em elevar-se além da vida nua e, consequentemente, em aceitar até mesmo a própria morte.
I _ Também conhecido como síndrome do esgotamento profissional rN.T,].
Esse excesso, essa forma excessiva de vida e gozo, é estranha ao servo trabalhador, preocupado com a vida nua. Ao con trário da suposição hegeliana, o trabalho não liberta o servo:
no obriga também o senhor a trabalhar: a dialética hegeliana servo-senhor conduz à totalização do trabalho. O sujeito neoliberal como empreendedor de si mesmo é incapaz de se relacionar livre de qualquer propósito. Entre empreendedores não surge amizade desinteressada. Con tudo, ser livre significa originalmente estar com amigos. Liberdade (Freiheit) e amigo (Freund) possuem a mesma raiz indo-europeia. Fundamentalmente, a liberdade é uma palavra relacionai. Só nos sentimos realmente livres em um relacionamento bem-sucedido, em um feliz «estar junto». O isolamento total para o qual conduz o regime neoliberal não nos torna livres de fato. Assim, nos dias de hoje, coloca- -se a pergunta: para escapar à fatídica dialética da liberdade que a transforma em coerção, não deveriamos redefinir ou reinventar a liberdade? O neoliberalismo é um sistema muito eficiente - diria até inteligente - na exploração da liberdade: tudo aquilo que pertence às práticas às e formas de expressão da liberdade (como a emoção, o jogo e a comunicação) é explorado. Ex plorar alguém contra sua própria vontade não é eficiente, na
à liberdade individual, copula com o outro de si mesmo. O capital se multiplica enquanto competimos livremente uns com os outros. A liberdade individual é uma servidão na medida em que é tomada pelo capital para sua própria multiplicação. Assim, o capital explora a liberdade do indi *I víduo para se reproduzir: «Na livre concorrência, não são
do capital se realiza por meio da liberdade individual. Des sa maneira, o indivíduo livre é rebaixado a órgão genital do capital. A liberdade individual concede ao capital uma subjetividade «automática», que o incita à reprodução ativa. Assim, o capital «pare» continuamente «filhotes». 5 A liberda de individual, que atualmente assume uma forma excessiva, é nada mais nada menos do que o excesso do próprio capital.
De acordo com Marx, a partir de determinado estágio do seu desenvolvimento, as forças produtivas (força de trabalho humana, modo de trabalho e meios de produção) entram
I Ibid.. p. 31 3. 5 Karl Marx. () capiíol: (oíiic.i tl¡i iioiioiniii poiítiai. Livro I: () pio- (i‘>so Jc produção tio iiipii.il. Trad. de Rubens hnderíc. Sào Paulo: Boi- reinpo. 20 j 3, p. 2( »3.
os indivíduos que são liberados, mas o capital». 4 A liberdade
em contradição com as relações de produção dominantes (de propriedade e dominação). Isso ocorre porque as forças produtivas se desenvolvem continuamente. Logo, a indus trialização gera novas forças produtivas que contrariam as relações de propriedade e de dominação típicas do feuda lismo. Essa contradição provoca crises sociais que impelem a mudanças nas relações de produção. A antítese é elimina da pela luta do proletariado contra a burguesia, que produz uma ordem social comunista. Diferente da suposição de Marx, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção não pode ser su perada através de uma revolução comunista: ela é de fato in superável. E exatamente por causa dessa contradição intrínseca e permanente que o capitalismo escapa para o futuro. Assim, o capitalismo industrial se mutacionou em neoliberalismo e em capitalismo financeiro com modos de produção imateriais e pós-industriais, em vez de transformar-se em comunismo. O neoliberalismo, como mutação do capitalismo, torna o trabalhador um empreendedor. Não é a revolução comunista, e sim o neoliberalismo que elimina a exploração alheia da classe trabalhadora. Hoje, cada um é um trabalhador que ex plora a si mesmo para a sua própria empresa. Cada um é senhor e servo em uma única pessoa. A luta de classes também se transforma em uma luta interior consigo mesmo.
O regime neoliberal transforma a exploração imposta por outros em uma autoexploração que atinge todas as «classes». Essa autoexploração sem classes é completamente estranha a Marx e torna a revolução social impossível, já que esta é basea da na distinção entre exploradores e explorados. E, por causa do isolamento do sujeito de desempenho explorador de si mes mo, não se forma um Nós político capaz de um agir comum. Quem fracassa na sociedade neoliberal de desempenho, em vez de questionar a sociedade ou o sistema, considera a si mesmo como responsável e se envergonha por isso. Aí está a inteligência peculiar do regime neoliberal: não permite que emerja qualquer resistência ao sistema. No regime de explo ração imposta por outros, ao contrário, é possível que os ex plorados se solidarizem e juntos se ergam contra o explorador. Essa é a lógica que fundamenta a ideia marxista da «ditadura do proletariado», que pressupõe, porém, relações repressivas de dominação. Já no regime neoliberal de autoexploração, a agressão é dirigida contra nós mesmos. Ela não transforma os explorados em revolucionários, mas sim em depressivos. Atualmente, já não trabalhamos por causa de nossas próprias necessidades, e sim pelo capital. O capital gera suas próprias necessidades, que erroneamente percebemos como se fossem nossas. O capital representa uma nova transcendência, uma nova forma de subjetivação. Uma vez
mais, somos arremessados para fora do plano imánente da vida, no qual a vida se relaciona consigo mesma em vez de se sujeitar a um fim extrínseco. A política moderna é caracterizada pela emancipação da ordem transcendente, ou seja, das premissas fundamentadas na religião. Uma política, uma politização completa da so ciedade, só seria possível na Modernidade, na qual os recur sos transcendentes de fundamentação já não têm nenhuma validade. Assim, as normas de ação poderíam ser livremente negociáveis. A transcendência cedería lugar ao discurso imá nente à sociedade. Logo, a própria sociedade teria que se er guer uma vez mais a partir de sua imanência. Entretanto, essa liberdade é novamente abandonada no momento em que o capital ascende a uma nova transcendência, a um novo senhor. Com isso, a política acaba se convertendo novamente em servidão: se torna serva do capital. Queremos ser realmente livres? Acaso não inventamos Deus para não termos que ser livres? Diante de Deus, estamos sempre em dívida, somos sempre culpados 6. Mas a culpa
() () substantivo alemã«> .S'« IhiLI signiíic a tanto ■ culpa” qmmu• -dí\ i • da o I forma malogi. seu adjetivo derivado pode <o :radu- zido tanto como culpado ou endividado l.ssa ambiguidade do cctiio e explorada por Man em sua comparação entre o- capitalismo e a retipão ¡Ni.].
uma mobilidade sem fronteiras na internet. Hoje, essa eufo ria já se mostrou uma ilusão. A liberdade e a comunicação ilimitadas se transformaram em monitoramento e controle total. Cada vez mais as mídias sociais se assemelham a pan- -ópticos digitais que observam e exploram impiedosamente o social. Mal nos livramos do pan-óptico disciplinar e já en contramos um novo e ainda mais eficiente. Com fins disciplinares, os internos do pan-óptico ben- thaminiano eram isolados uns dos outros, de modo que não conversassem. Os internos do pan-óptico digital, por sua vez, comunicam-se intensivamente e expõem-se por von tade própria. Participam assim, ativamente, da construção do pan-óptico digital. A sociedade digital de controle faz uso intensivo da liberdade. Ela só é possível graças à autorreve- lação e à autoexposição voluntárias. O Grande Irmão digital repassa, por assim dizer, seu trabalho aos internos. Assim, a entrega dos dados não acontece por coação, mas a partir de uma necessidade interna. Aí reside a eficiência do pan-óp tico digital. A transparência também é reivindicada em nome da liber dade de informação. Na verdade, ela não é nada mais do que um dispositivo neoliberal. Ela vira tudo violentamente para fora, para que possa produzir informação. Nos modos atuais de produção imaterial, mais informação e mais comunicação
significam mais produtividade, aceleração e crescimento. A informação é uma positividade que, por carecer de interiori- dade, pode circular independente do contexto. Isso permite que a circulação de informações seja acelerada à vontade. O segredo, o estranhamento ou a alteridade represen tam barreiras à comunicação ilimitada. Por isso, em nome da transparência, devem ser desmontados. A comunicação sofre uma aceleração quando se aplaina, isto é, quando to dos os limiares, os muros e os abismos são eliminados. As pessoas também são «desinteriorizadas», porque a interiori- dade atrapalha e retarda a comunicação. Contudo, a desin- teriorização da pessoa não acontece de forma violenta, mas sim como exposição voluntária de si mesmo. A negativi- dade da alteridade ou do estranhamento se transforma na positividade da diferença ou da diversidade comunicáveis, consumíveis. O dispositivo da transparência obriga a uma exterioridade total com o objetivo de acelerar a circulação de informação e comunicação. No final, a abertura serve à comunicação sem limites, que é oposta ao fechamento, à reserva e à interioridade. Uma conformidade total é outra consequência do dispo sitivo da transparência. A supressão de divergências faz parte da economia da transparência. A conexão e a comunicação totais já possuem em si um efeito nivelador. Geram um efeito
políticos, para transformar individuos em objeto de escán dalo. A reivindicação por transparência pressupõe a posição de um espectador a ser escandalizado. Não é urna deman da de um cidadão engajado, mas de um espectador passivo. A participação ocorre em forma de reclamação e queixa. Povoada por espectadores e consumidores, a sociedade da transparência funda urna democracia de espectadores. A autodeterminação informacional é urna parte essencial da liberdade. Já na deliberação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha sobre o censo nacional em 1984, lê-se:
O direito à autodeterminação informativa não seria com patível com uma ordem social e seu respectivo sistema le gal nos quais, aos cidadãos, nao lhes fosse permitido saber quem, o que, quando e sob quais circunstâncias se obtêm alguma informação a seu respeito.
No entanto, isso foi num momento em que se acredita va que era necessário confrontar o Estado como instância de dominação que arrancava dados dos cidadãos contra a vontade deles. Essa época passou há muito tempo. Hoje nos expomos voluntariamente sem qualquer coerção, sem qual quer decreto. Colocamos na rede todo tipo de dados e infor mações pessoais, sem avaliar as consequências. Esse caráter incontrolável representa uma gravíssima crise da liberdade.
Tendo em vista a quantidade de informação que se lança voluntariamente na rede, o próprio conceito de proteção de dados se torna obsoleto. Hoje, caminhamos para a era da psicopolítica digital, que avança da vigilância passiva ao controle ativo, empur rando-nos, assim, para uma nova crise da liberdade: até a vontade própria é atingida. Os big data são um instrumento psicopolítico muito eficiente, que permite alcançar um co nhecimento abrangente sobre as dinâmicas da comunicação social. Trata-se de um conhecimento de dominação que permi te intervir na psique e que pode influenciá-la em um nível pré-reflexivo. A abertura do futuro é constitutiva para a liberdade de ação. Contudo, os big data tornam possíveis prognósticos so bre o comportamento humano. Dessa maneira, o futuro se torna previsível e controlável. A psicopolítica digital transfor ma a negatividade da decisão livre na positividade de um estado de coisas. A própria pessoa se positiviza em coisa, que é quan- tificável, mensurável e controlável. Nenhuma coisa porém é livre: todavia, é mais transparente do que uma pessoa. Os big data anunciam o fim da pessoa e do livre-arbítrio. Cada dispositivo, cada técnica de dominação, produz seus próprios objetos de devoção, que são empregados para a submissão, materializando e estabilizando a dominação.