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PSICOPATOLOGIA para o curso de Psicologia da UFF em 2004, no muito ... A Psicopatologia e a Semiologia psiquiátrica (e, muito provavelmente,.
Tipologia: Esquemas
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MÁRCIO AMARAL
Este livro é resultado do meu retorno a ministrar um curso completo de PSICOPATOLOGIA para o curso de Psicologia da UFF em 2004, no muito aprazível Campus do Gragoatá. Isso me obrigou a fazer uma nova e sistemática revisão do tema, depois de mais de vinte anos. A rigor, nunca o abandonei, tendo mesmo publicado sobre ele uma série de artigos. Seu projeto inicial era bastante modesto: uma apostila para fornecer dados suplementares e de fácil acesso para os alunos. Durante a sua elaboração, entretanto, sofreu uma ampliação considerável. Afinal, o que mais fiz em 40 anos de carreira, foi examinar detidamente pacientes psiquiátricos; aplicar, dentro do possível, uma semiologia sistematizada à caracterização dos seus sinais e sintomas; discutir seus casos com alunos e me esforçar para conseguir bem delimitar termos e conceitos, a partir também do estudo da principal bibliografia existente para o tema. Com muita frequência, os leitores observarão considerações críticas em relação a certas afirmações contidas na obra de autores que são habitualmente tratados como se fossem verdadeiros “monstros sagrados” da Psicopatologia. Ocorre, porém, que muitos dos conceitos por eles mesmos apresentados são absolutamente inconciliáveis entre si (além de, por vezes, contraditórios ou pouco claros). Assim, pareceu-me obrigatório o seu entrechoque e crítica. Se há, aliás, alguma unidade neste livro, ela se prende exatamente a essa crítica permanente e entrechoque de afirmações de vários autores, além de um esforço imenso de respeitar e até mesmo resgatar a etimologia dos termos e expressões utilizados; além da crítica ao mau uso de muitas expressões consagradas. Um trabalho do gênero nunca é uma obra totalmente individual. É fruto, também, de inúmeras discussões travadas com as pessoas com quem se conviveu em um serviço qualquer. Citei diversas observações verbais de vários colegas e alunos cujo crédito é de difícil atribuição. A todos o meu agradecimento e reconhecimento.
(deriva de espelhos: um diante de outro, até quase o infinito, como fazem muitos em nossa área) é sinal de falta de espírito científico. É importante que nunca percamos de vista a dificuldade inevitável que representa diferenciar as variações mais extremas do normal , das manifestações mais propriamente patológicas. Qualquer pessoa sabe existir uma variação enorme na capacidade mnêmica, por exemplo, entre as pessoas em geral, sem que isso implique “anormalidades” necessariamente. O mesmo se pode dizer em relação a todas as outras funções psíquicas*. Os estudiosos da área desenvolveram dois critérios para avaliação da normalidade que, se aplicados de forma complementar, poderão muito nos ajudar a não incorrer em erros grosseiros. O primeiro, e mais óbvio, é o critério estatístico. Assim, teoricamente, seria possível desenvolver um esforço de “quantificação” das várias funções psíquicas (não sem violentar algumas delas seriamente). O instrumento resultante, se aplicado a uma população escolhida ao acaso, tenderia a produzir curvas conhecidas como “do chapéu” ou “do sino”. Aqueles que ficassem nos seus extremos seriam considerados anormais. As limitações e utilidade desse tipo de critério são óbvias. Sua aplicação unilateral à inteligência, por exemplo, implicaria a classificação dos muito inteligentes também como anormais. Já sua aplicação em outros campos poderia levar à conclusão de que a cárie dentária, por exemplo, é “normal”, apenas porque a maior parte de uma população específica delas sofre. O outro critério foi denominado teleológico e implica denominar normal apenas o que for mais adaptativo e interessante para um indivíduo e/ou para sua espécie. O “normal” seria intimamente ligado a um IDEAL. Segundo esse critério, a genialidade seria, então, a “maior normalidade” possível em relação à
inteligência. Esse critério, porém, não pode ser utilizado de forma rígida quando nos dirigimos às populações e procuramos gerar políticas de saúde pública. O melhor exemplo disso apareceu na nossa própria área de trabalho. A psicanálise das décadas de 1960 e 70 desenvolveu critérios tão pretensamente teleológicos, que sua aplicação levava à conclusão de que praticamente todas as pessoas eram “anormais”, precisando a ela se submeter. Por essas razões, o bom investigador deve trabalhar com os dois critérios e aplicá-los isoladamente, ou em conjunto, dependendo da situação. Não se deve esquecer, ainda, da consideração do desenvolvimento , na aplicação desses critérios de normalidade, especialmente nos dois extremos da vida. Comportamentos plenamente aceitáveis e até adaptativos em alguns períodos da vida, podem ser considerados muito “estranhos ou diferentes” em outros. É bom lembrar, também, que o desenvolvimento, especialmente no que se refere à mente humana, nunca é linear ou respeitam “manuais” rígidos, especialmente para aquisições de hábitos na infância. Há muitas marchas e contramarchas nesse processo de desenvolvimento e, com freqüência, um “recuo” pode ser a preparação para um novo salto, da mesma maneira que, para saltar um rio, temos que recuar. Os leitores repararão também que, com muita frequência, não tentaremos oferecer definições das funções psíquicas estudadas, simplesmente porque elas não podem ser propriamente definidas. Não há nisso demérito algum à Psicopatologia ou à Psicologia. A física não produziu, até hoje, – e certamente não produzirá nunca – uma definição para energia e, no entanto, todos com ela lidam, medem, produzem, dela vivem, etc. Isso significa apenas que os mais básicos fenômenos da natureza não são passíveis de redução às palavras. (GW Leibniz, “Novos Ensaios”). DEFINIR é etimologicamente ligado a dar um fim, encerrar , controlar completamente algum problema anterior e a Razão humana está longe de poder controlar os fenômenos mais fundamentais da natureza. Sempre que um autor tenta definir afeto , por exemplo, acaba
I- A ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA Para que uma entrevista psiquiátrica atinja seus objetivos, é imprescindível que o entrevistador bem aplique sua capacidade de observar, investigar, e, por fim, descrever o que foi observado e investigado. O olhar mais apurado e educado pode descobrir uma infinidade de dados em referências ou observações que não seriam valorizadas por um observador descuidado. A incapacidade de bem descrever aquilo que foi observado e colhido depois de uma investigação ativa, leva, inevitavelmente, à sua perda ou à diminuição do seu interesse. Além disso, as demais especialidades médicas dispõem de uma infinidade de recursos outros que podem suprir as deficiências de uma entrevista mal feita. O psiquiatra, e o psicólogo, ao contrário, dispõem quase que somente da sua boa capacidade de entrevistar*. Não deixamos de dispor de alguns exames complementares, e mesmo do exame físico, por exemplo, que podem nos fornecer também alguns dados. Entretanto, segundo o desenvolvimento da nossa especialidade até hoje, a positividade encontrada em algum exame complementar, como eletroencefalografia (EEG), tomografia computadorizada (TC) ou tomografia por emissão de pósitrons (PET), costuma indicar que a condição examinada não é propriamente psiquiátrica e que as manifestações comportamentais observadas decorrem de um distúrbio orgânico identificável. Essa foi a principal razão para o desenvolvimento dos enormes esforços no sentido de produzir classificações
que são muito complexas; providas de diversos eixos diagnósticos; com critérios muito rígidos de inclusão e exclusão, e assim por diante. Se a entrevista propriamente dita se inicia apenas quando nos identificamos e fazemos a identificação do paciente, a observação de um paciente , porém, pode se iniciar muito antes disso. Assim, quando vemos um paciente caminhando em nossa direção, ou quando ouvimos ruídos, gritos, etc. provenientes de alguma situação que envolva aquele que logo estaremos entrevistando, a observação já se terá iniciado e os dados relevantes dessa observação deverão constar do Exame Psíquico que deveremos escrever, durante ou ao final da entrevista. Evitando cair no lugar comum de dizer que o entrevistador deve ser acolhedor, atento, cuidadoso, etc., gostaríamos de assinalar que os pacientes psiquiátricos, mas também dos consultórios de psicologia, tendem a estar passando por uma situação de perda de confiança na humanidade e neles mesmos. Isso, por si só, deve ser motivo para que procuremos ser sinceros e francos, inclusive em relação às nossas próprias limitações. O produto redigido a partir de uma entrevista denomina-se anamnese. A anamnese psiquiátrica tem muitas peculiaridades em relação à das demais especialidades. Os dados de identificação de um paciente funcionam como uma espécie de “moldura” em relação a tudo o que vai ser investigado e já nos fornecem diversos indícios em relação aos caminhos que a entrevista poderá seguir. Pensamos ser imprescindível que o entrevistador proceda a uma identificação formal da pessoa que está examinando, mas que não se esqueça de também se identificar. Freqüentemente, o paciente não sabe como foi parar naquele lugar e nem o que pretendemos “ fazer com ele ”. Quando nos identificamos de maneira clara, eliminamos boa parte do mal estar que costuma acompanhar uma entrevista não solicitada. Existe ainda, uma série de
esquizofrenia residual (ver adiante), uma vez que, os oligofrênicos tenderam a apresentar suas dificuldades desde a primeira infância*. 4 - Estado civil – É em relação ao risco de suicídio, que esse dado tem mais importância. É fato comprovado a partir de diversas fontes, pelo menos entre os ocidentais, a elevação do seu risco para aqueles que vivem sozinhos: solteiros, divorciados e, especialmente, viúvos. 5 - Naturalidade e Nacionalidade – As doenças mentais são das que melhor se distribuem do ponto de vista social, pois atingem todas as classes, raças, povos, indiscriminadamente. Uma coisa, porém, comprovadamente, aumenta o risco de uma pessoa desenvolver uma delas, a ruptura de laços culturais e sociais. Essa é a razão pela qual, os emigrantes (ou imigrantes, dependendo do referencial) em geral, apresentam um risco aumentado para adoecer, do ponto de vista psiquiátrico. Isso é melhor demonstrado entre os finlandeses que vivem na Suécia, os quais representam cerca de 8% da população e são “superrepresentados” em todos os levantamentos epidemiológicos para transtornos mentais. Durante muitos anos, falamos na emigração como fator essencial para explicar o fenômeno, até que nos lembramos daqueles povos que não reconhecem fronteiras nem associam sua identidade cultural a um pedaço de terra qualquer, como os ciganos e os judeus de outras épocas os quais, nem por isso, estão submetidos a um risco maior para adoecer do ponto de vista psiquiátrico. Por isso, hoje valorizamos muito mais a ruptura de laços culturais e sociais do que a emigração. 6 - Religião – Esse dado, além de ser um marco de identidade de uma pessoa, também pode nos ajudar a avaliar melhor certas crenças aparentemente estranhas compartilhadas por certos grupos e, com isso, poupar-nos de cometer certos erros. Já recebemos, porém, pacientes trazidos para internação por
pastores e “ pais de santo ”, pois haviam perdido, por conta do início de uma doença psiquiátrica, a capacidade de diferenciar o simbólico (que toda a literatura religiosa tem) do concreto na vida compartilhada. Na lista acima, deixamos de incluir o papel do nome da pessoa como um fator, senão de risco, pelo menos de um problema de identificação. Ouvimos, recentemente, em uma palestra de uma lingüista, a demonstração de algumas correlações entre o nome atribuído a algumas pessoas e certos tipos de “ risco psicológico ”, digamos assim. Os grandes escritores já o haviam intuído, e o primeiro deles foi Goethe , no seu “ Afinidades Eletivas”. Dostoiévski também se utilizou do recurso com grande efeito dramático, especialmente em “ Crime e Castigo”. De qualquer maneira, estamos certos de que uma má aceitação do próprio nome é algo que a psicologia não pode desprezar. Um bom registro mnêmico inicial, dos dados de identificação colhidos, é muito importante, mas não há problema algum no retorno à sua indagação no curso da entrevista, uma vez que alguns certamente nos escaparão. De qualquer maneira, pensamos ser inaceitável que, a qualquer pretexto, especialmente em uma instituição, e em relação a pacientes internados, não se proceda à identificação formal de um paciente. Pensamos ser muito importante, pelo menos no início de sua prática profissional, que o interno ou médico recém formado tente se disciplinar na aplicação estrita de um roteiro de entrevista, até mesmo para que, no futuro, o possa aplicar de forma mais livre. Vimos, com bastante freqüência, algumas pessoas, que não haviam se disciplinado nesse sentido, valerem-se do expediente de pedir ao paciente que falasse “ sobre a sua infância” , ou “ sobre os seus problemas ”. Esse tipo de pergunta funciona quase como uma senha para a comunicação de que, durante aquela entrevista, não haverá muita investigação. Sem nenhuma dúvida, a infância tem muita importância e, para a sua investigação, há um item específico no roteiro aqui proposto.
invariavelmente, prejudicial. Por vezes, esquecemo-nos do bom princípio, válido para qualquer entrevista que não seja uma mera aplicação de um questionário formal: é a resposta a uma pergunta que deve ser tomada como referência para a seguinte. Por isso, aquela precipitação assinalada costuma atrapalhar o andamento e o resultado de uma entrevista. Existem como que certas “linhas” de investigação para cada um dos transtornos psiquiátricos. Assim, quando algum dado colhido faz surgir uma suspeita qualquer, o entrevistador deverá seguir aquela “pista” até o seu esgotamento, ou seja, até a sua confirmação ou afastamento. Costumamos comparar esse trabalho ao dos bons garimpeiros que, a partir do encontro de algumas pepitas dispersas, procuram pelo veio que levará à mina do metal ou mineral procurado. Por vezes, esse processo pode se prolongar por quase toda uma entrevista, ou mesmo se repetir continuadamente, o que costuma disparar mal estar no entrevistador. Essa talvez seja a razão principal para a tendência a abraçar precipitadamente hipóteses não muito bem investigadas. Há que aprender a conviver com a dúvida. A História da doença Atual (HDA) da clínica médica em geral é mais propriamente atual , ou seja, refere-se aos acontecimentos recentes, do que a que aplicamos em psiquiatria. Como a quase totalidade das condições psiquiátricas tende a ter um curso crônico, ou seja, uma longa duração, a HDA de nossos pacientes pode se iniciar décadas atrás. Certamente caberá aqui uma tentativa de desfazer o mal entendido que se formou em relação à palavra crônico , a qual passou – por um processo fácil de compreender – a ser associada à deterioração quando, em verdade, refere-se apenas ao tempo de instalação e evolução de uma doença e isso não implica, necessariamente, em deterioração ou incapacitação. Deve-se envidar um esforço especial em bem caracterizar a primeira crise de um paciente e também a atual e suas circunstâncias. A intensidade da
investigação das demais dependerá do seu número, uma vez que alguns pacientes sofreram dezenas delas, inclusive cursando com internações. Quando somos solicitados a fazer perícias, os esforços nesse sentido devem ser redobrados, até por que, nesses casos, costumamos dispor de muito mais tempo. A boa caracterização da situação d e um paciente nos períodos intercríticos e o fato dele ter retornado (ou não) aos níveis prévios de adaptação , costuma ser de grande valia até para o próprio diagnóstico da condição de que o paciente sofre. A boa caracterização dos níveis prévios de adaptação de um paciente é absolutamente necessária, até mesmo para que tenhamos um referencial de maneira a bem avaliar os resultados da terapêutica aplicada. Frequentemente, médicos e psicólogos incorrem no erro de julgar que um “nível de melhora” alcançado por um paciente não foi suficiente, apenas porque não tinham a mínima idéia acerca do seu nível prévio de adaptação. Além disso, o bom balizamento dos marcos temporais---para os acontecimentos de interesse clínico---costuma ser muito útil para o estabelecimento de correlações, inclusive de natureza etiológica. Não será demais talvez aqui assinalar que, em verdade, os pacientes em geral não têm diagnóstico algum. Nós é que temos algum diagnóstico para eles. O diagnóstico é um instrumento de trabalho do profissional e não uma espécie de “ tatuagem ” grudada na pele daqueles que examinamos. Um olhar para a história da nossa nosologia mostra que diversas “doenças” surgiram, desapareceram, retornaram, tiveram seu nome modificado, e assim por diante. Além disso, é sempre bom não perder de vista essa dimensão histórica e pensar que o mesmo pode acontecer com transtornos hoje constantes das classificações os quais podem simplesmente desaparecer ou passar a receber outro nome. Nesse sentido, nossas classificações funcionam mais à maneira de “ andaimes ” que servem para que se vá “ construindo ” e organizando um saber (os quais devem ser periodicamente “desmontados”) do que propriamente como uma
qualidade de vida. Esse é o acolhimento que todos os seres humanos procuram nas relações com outros seres humanos e é natural que isso seja mais verdadeiro ainda em relação a um profissional que escolheu tentar entender as principais motivações para o comportamento dos seres humanos. Tentando evitar repetições, deve-se dar especial atenção à maneira como a pessoa reagiu e enfrentou os períodos de transição, ou “ ritos de passagem ”, como a psicologia tem elegantemente denominado esses períodos. Temos apenas uma pálida idéia da dificuldade que implica, por exemplo, o início do controle dos esfíncteres, do desenvolvimento da comunicação verbal, da socialização e das primeiras idas à escola, por exemplo. Por isso, uma boa investigação de como esses períodos foram enfrentados por alguém pode nos dar muitos dados sobre essa pessoa. O mesmo se pode dizer com relação à maneira de uma pessoa reagir diante da menarca; da puberdade; do início do interesse sexual e amoroso; do servir ao exército; do casamento e assim por diante. Da mesma forma que alguns animais precisam, periodicamente, trocar de casca e, ao fazê-lo, costumam atravessar período de enorme fragilidade, as transições citadas também não deixam de representar uma “ troca de casca ”, com todas as suas conseqüências. Por fim, diríamos que para pelo menos duas condições psiquiátricas a HDA e a HP como que se confundem e interpenetram: as Oligofrenias e os Transtornos da Personalidade, uma vez que tiveram início e se desenvolveram junto com o indivíduo. Na História Familiar , além da procura pelas óbvias e possíveis correlações genéticas, deve-se tentar desenvolver uma impressão acerca da dinâmica familiar do núcleo do qual o paciente provém. Com isso, pode-se não só identificar o papel nela desempenhado, como também fazer uma razoável idéia acerca das demais pessoas da família, especialmente: com quais deles se poderá contar; e de quais se deverá esperar maior resistência ao tratamento. Um bom critério para discriminar os casos nos quais alguma intervenção junto à
família é imprescindível, dispensável ou mesmo prejudicial, é o grau de dependência do paciente em relação a ela. Esse é, aliás, o mesmo princípio que implica a necessidade quase absoluta da participação da família nos tratamentos de crianças em geral. Ou seja: se o paciente é muito dependente, a participação muito ativa da família é indispensável (pelo menos de início e enquanto durar), enquanto para aqueles que são razoavelmente independentes, a intervenção familiar pode ser até mesmo prejudicial. É no Exame Psíquico de um paciente que o psiquiatra ou psicólogo mais é obrigado a exercitar uma boa semiologia. Por isso, esse tão importante item do exame psiquiátrico será tomado como fio condutor de todo o trabalho que se seguirá. Por ora, é bom que enfatizemos a necessidade de que, nesse ponto, se evitem os termos técnicos e se priorize a descrição. O termo técnico, não antecedido pela descrição, como que “ empastela ” o dado e faz com que se perca a particularidade das manifestações de um paciente específico, tirando todo o interesse de um registro médico/psicológico qualquer. Recentemente, lemos em sessão clínica do IPUB um exame psíquico escrito no presente e isso nos causou profundo efeito, pois reforçou o aspecto de atualidade que todo exame psíquico deve ter. Como nosso objetivo maior, ao redigir esse opúsculo, foi aproveitar cada minúcia e sutileza que possam enriquecer a entrevista psiquiátrica e melhorar o seu registro, reproduziremos o exemplo: ” O paciente está acompanhado da avó. Veste bermudas jeans e blusa de malha. Tem pés e mãos sujas. Seus cabelos estão oleosos e penteados para a frente, em forma de franjinha, lembrando, de forma bizarra, um penteado feminino. Seus dentes estão em mau estado, com os incisivos centrais quebrados, cariados e sujos de farelos de biscoito...Acompanha o entrevistador, senta-se e permanece balançando suavemente a perna cruzada sobre a outra com os braços repousando sobre o colo...”
Se existissem sinais e sintomas específicos para cada uma das doenças psiquiátricas, não se perderia tempo raciocinando em torno de síndromes. Como não é assim que as coisas se dão, o diagnóstico sindrômico é absolutamente imprescindível, até porque, também do ponto de vista do tratamento, as terapias psiquiátricas são, quase todas elas, mais propriamente sindrômicas do que dirigidas especificamente às diversas doenças, ou seja, um diagnóstico sindrômico autoriza o início de uma terapêutica. Uma Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas e pode decorrer de mais de um transtorno, distúrbio, entidade nosológica. É bom que não nos esqueçamos de que, do ponto de vista semiológico, um sinal tem muito mais valor do que um sintoma , até porque, é observado diretamente, sem precisar da intermediação da informação verbal e, por isso, é de mais difícil simulação (tentar convencer alguém de que se está sofrendo de algum mal que não está presente) ou dissimulação ( tentar esconder de alguém alguma manifestação efetivamente presente, respectivamente). Um bom recurso, aliás, para a confirmação de uma suspeita da existência de simulação ou dissimulação, é a observação do paciente fora da situação artificial da entrevista. Ninguém simula ou dissimula por muito tempo e em todas as situações da vida. Uma grande discordância entre as condutas na entrevista e no convívio com outros pacientes deve ser motivo para que suspeitemos da sua presença. Se a combinação de sinais e sintomas se desse ao acaso, haveria infinitas síndromes, ou, em verdade, não haveria síndrome alguma, pois elas não teriam qualquer utilidade. Felizmente, essa combinação se dá de forma a que se consiga caracterizar pouco mais de dez síndromes psiquiátricas, variando esse número de autor para autor e dependendo da inclusão na lista de uma variedade de síndromes orgânico-cerebrais descritas nas últimas décadas. Só para darmos um exemplo: para o que se denominou Síndrome Orgânica da Personalidade no DSM III (terceira edição da Classificação norte-americana das doenças
mentais), poderia haver um desdobramento em diversas síndromes, dependendo da lesão ser predominantemente fronto-orbital, dorso-lateral do lobo pré-frontal, temporal. O termo deriva de “ SYN-DROMUS” : aquilo que anda junto. Teria sido Galeno quem primeiro as caracterizou e elas demarcariam o início da medicina propriamente dita. Por fim, elas representam ainda aquilo que os grandes pensadores gregos tanto valorizavam: uma CONSTANTE (como o Pi, ou o teorema de Pitágoras). O diagnóstico sindrômico ajuda a organizar o raciocínio e a selecionar aquelas entidades que mais provavelmente estão determinando as manifestações observadas. Ele é também extremamente útil na identificação das simulações e também dos episódios dissociativos e/ou conversivos nos quais a sugestionabilidade é fator importante. Como os pacientes não conhecem as síndromes tendem a simular ou a fazer a conversão/dissociação associando sinais e sintomas que habitualmente não ocorrem juntos, da mesma forma que as conversões que cursam com paralisias ou parestesias (sensação de “ formigamento ”) não respeitando os trajetos neuronais. A Hipótese Diagnóstica Nosológica deverá ser feita a partir do entrechoque da HDA com o Diagnóstico Sindrômico atribuído a um paciente. Como o diagnóstico nosológico em psiquiatria tem um caráter evolutivo*^ (ou seja, necessita da observação do paciente por períodos determinados), ao final de uma entrevista estaremos apenas autorizados a fazer uma hipótese diagnóstica. É importante que assinalemos aquela que julgamos a mais provável, mas o recurso a itens das classificações como “ Psicoses não especificadas ” também pode ser aceito para aqueles casos nos quais a investigação ativa não autorizou a feitura de uma hipótese mais específica. O