




























































































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este documento oferece uma visão histórica da psicologia social no brasil, abordando a primeira publicação sobre o assunto em 1936, o início dos cursos universitários e as divergências entre duas importantes figuras: raul briquet e arthur ramos. O texto também discute a importância da psicologia social como ciência básica para a solução de problemas sociais conscientemente. Além disso, são apresentadas as especialidades da psicologia social e a relação entre psicologia e sociologia.
Tipologia: Notas de aula
1 / 188
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
São Paulo 2012
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob a orientação da Professora Doutora Mary Jane P. Spink.
São Paulo 2012
Aos meus avós, Leonina e Jair Prioli, que apesar de terem partido no período de conclusão deste trabalho, permanecerão sempre presentes.
Ao Felipe, meu companheiro de pesquisa e de vida, por ter lido e relido inúmeras vezes este trabalho. Por ter levantado tantas questões (im)pertinentes. Por me fazer refletir. Por me fazer persistir;
À minha orientadora, Profª. Drª. Mary Jane P. Spink, por ter me acolhido e me apoiado durante todo o período de realização desta pesquisa. Por ter me feito desembrulhar (e tecer) novas redes;
Aos meus pais, Rejane e Mauricio, pela confiança, carinho e apoio incondicional. Sem vocês eu (literal e figuradamente) não estaria aqui!
À Profª. Drª. Maria Cristina G. Vicentin, ao Prof. Dr. Francisco Javier Tirado Serrano e ao Prof. Dr. Lupicinio Íñiguez Rueda, pelas sugestões que fizeram no exame de qualificação. À Cris, agradeço, também, por ter me acompanhado e me apoiado durante toda minha trajetória na PUC-SP. Ao Francisco e ao Lupi, sou igualmente grata pela acolhida durante meu estágio doutoral na Universidade Autônoma de Barcelona.
Aos colegas do Núcleo de Práticas Discursivas da PUC-SP, do Seminário Medicine-Networks (GESCIT) e do Laicos-Iapse pelo acolhimento, pelas conversas e pelas discussões que, sem dúvida alguma, ressoarão ainda por muitos e muitos anos;
Aos amigos María e Luiz, por terem nos recebido com tanto carinho em terras catalãs. Moltes gràcies!
À Marlene, por estar sempre disposta a me ajudar a ultrapassar as barreiras da burocracia;
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa e do estágio doutoral.
A Psicologia Social apresenta inúmeras definições, abordagens teóricas e objetos de estudo. Nesta tese, embasados em pesquisas da Teoria Ator-Rede, argumentamos que esses não são diferentes aspectos ou atributos de um mesmo objeto, mas elementos que ajudam a performar diferentes versões desse objeto. São, portanto, elementos que fazem Psicologias Sociais diferentes, embora relacionadas entre si. Que fazem uma Psicologia Social múltipla, ou seja, que é mais do que uma ao mesmo tempo em que é menos do que muitas. Para construir esse argumento, lemos e relemos livros-texto de Psicologia Social disponíveis em duas bibliotecas de referência, buscando identificar como eles descrevem as práticas, referenciais teóricos, objetivos e locais de atuação da disciplina. Após essa leitura, observamos que vários desses manuais abordam a crise que assolou a Psicologia Social na década de 1970 e decidimos buscar materiais que nos ajudassem a contar melhor essas histórias. Além disso, decidimos selecionar duas dissertações de mestrado e duas teses de doutorado defendidas na área, afinal, esses trabalhos tendem a descrever de forma mais detalhada os procedimentos utilizados. Por fim, fizemos um levantamento de textos de acadêmicos e documentos de domínio público que abordam a criação do título de especialista em Psicologia Social. Tratamos todos esses materiais não apenas como “textos”, mas como materialidades que produzem efeitos, se conectam, se articulam com outros textos, com outras práticas. Ou seja, os tratamos como materialidades que produzem certas realidades da Psicologia Social. Buscamos, com isso, chamar a atenção para a possibilidade de ordenar e de coordenar a realidade de diferentes modos. De reconhecer que em uma disciplina cabem múltiplos e diversos actantes. De fazer uma Psicologia Social que busca conexões complexas que articulam humanos a não humanos e que performam múltiplas realidades.
Palavras-chave: Psicologia Social; Multiplicidade; Teoria Ator-Rede.
Social Psychology has many definitions, theories and objects of study. In this dissertation, based on Actor-Network Theory, we argue that these are not different aspects or attributes of a single object, but elements that help to perform different versions of this object. They are, therefore, elements that make Social Psychologies different, although related to each other. They produce a multiple Social Psychology, which is more than one and, at the same time, less than many. To build this argument, we read and reread textbooks on Social Psychology that were available in two reference libraries. After an initial approach to those books, we observed that many of them talk about the reference crisis that assailed Social Psychology in the 1970s. Therefore, we decided to look for materials to help us tell these histories better. As a next step, we selected two master and two doctoral dissertations in the area, since this kind of work tends to describe the procedures used with more details. Finally, we looked up academic texts and public domain documents related to the creation of the Specialist Title in Social Psychology. We treated all those materials not only as “texts”, but as materialities that produce effects, relate to each other, articulate with other texts, with other practices. That is, we treated them as materialities that produce certain Social Psychology realities. In doing so, we strived to call attention to the possibility of ordinating and coordinating reality in different ways, of recognizing that there are multiple and diverse actants in a discipline and of making a Social Psychology that searches for complex connections that articulate humans and non- humans and perform multiple realities.
Key words: Social Psychology; Multiplicity; Actor-Network Theory.
No Brasil, a Psicologia Social é uma área do conhecimento que apresenta inúmeras definições, abordagens teóricas e objetos de estudo. Alguns autores a consideram uma subárea da Psicologia, outros acreditam que ela é a interseção da Psicologia com a Sociologia. Há ainda aqueles que afirmam que o adjetivo “social” não delimita uma subdivisão temática ou conceitual, mas enfatiza a importância do compromisso político que todo psicólogo deve ter. Uns baseiam-se nas leituras do Materialismo Histórico-Dialético para estruturar sua prática profissional. Outros preferem as leituras construcionistas ou ainda as da Teoria das Representações Sociais. Há psicólogos(as) sociais cognitivistas, behavioristas, psicanalistas, comunitários... O Conselho Federal de Psicologia - CFP (2003, p. 1), por exemplo, define Psicologia Social como a área da Psicologia que “[...] atua fundamentada na compreensão da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social.” Já para Cornelis van Stralen (2005), pesquisador e docente da área, esta não é uma subdivisão ou uma especialidade da Psicologia, mas sim o campo no qual se dá sua interseção com a Sociologia. A associação representativa da área^1 , por sua vez, sustenta que toda Psicologia é social, uma vez que parte do pressuposto de que ser Psicologia Social significa assumir o compromisso ético-sócio-político que todo(a) psicólogo(a) deve ter (ABRAPSO, 2002). Essa diversidade de objetos, teorias e práticas já foi abordada por muitos pesquisadores(as), de diferentes maneiras, em distintos momentos históricos. Alguns(as) apresentaram suas diferenças teóricas e epistemológicas, outros(as) enfocaram as transformações que elas sofreram no decorrer de sua história, discutiram suas práticas de formação, ou falaram das redes sociais que as desenvolveram. Arthur Ramos seguiu o primeiro desses caminhos: no seu livro “Introdução à Psicologia Social” (1936/2003)^2 , o autor discorre sobre diferentes teorias e objetos que formam essa disciplina. Para ele,
(^1) Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). (^2) A primeira edição deste livro foi publicada em 1936, período em que, no Brasil, começavam a ser ministrados os primeiros cursos e publicadas as primeiras obras de e sobre Psicologia Social – o primeiro curso foi ministrado por Raul Briquet, em 1933, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e o segundo foi ministrado dois anos mais tarde, por Arthur Ramos, na Escola de Economia e Direito da extinta Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, sendo que, deste último curso, resultou seu livro “Introdução à Psicologia Social” (BOMFIM, 2004). Nesses primeiros anos, “[...] a psicologia social estava inserida nos estudos de direito, de economia, de educação e de medicina e se beneficiava igualmente de contribuições biológicas, psicanalíticas,
a dificuldade de definição da psicologia social reside na imprecisão dos seus objetivos. Sendo uma disciplina relativamente recente, não há acordo, no campo de seus cultores, no sentido de delimitar-lhe os objetivos nítidos e a extensão de suas aplicações. Enquanto que, para uns, a psicologia social se aproxima da psicologia (McDougall), para outros, o seu objeto de estudo quase se confunde com o da sociologia (Ellwood, Ross). [...] De um lado, no pólo da psicologia, tudo o que não pertencesse à psicologia fisiológica seria psicologia social: o homem é um animal gregário e todas as suas funções psíquicas só se compreenderiam no jogo das suas reações sociais [...] De outro lado, todos os fatos sociais, tendo o homem como centro, reconheceriam uma base psicológica, e toda a sociologia se converteria numa psicologia social. (RAMOS, 2003, p. 27).
De acordo com Ramos (2003), a Psicologia Social mais “psicológica” – tal como aquela proposta por McDougall – preocupar-se-ia, sobretudo, em estudar o processo de moralização dos indivíduos; ao passo que a vertente mais “sociológica” de Ross buscaria identificar os fenômenos sociais que possibilitam uniformidades de sentimentos, crenças e volições^3. Já para Ellwood, a Psicologia Social seria o estudo dos modos em que grupos e indivíduos influenciam-se mutuamente, incluindo nesses estudos não somente aspectos sociais da consciência individual, mas também os aspectos mentais da associação. “A psicologia social torna-se aqui uma parte da sociologia; será uma „sociologia psicológica‟ [...]. Os problemas da psicologia serão [...] os mesmos da sociologia; a psicologia social estudará simplesmente o lugar dos fatores psíquicos nesses problemas.” (RAMOS, 2003, p. 28).
comportamentais, sociológicas e antropológicas.” (SÁ, 2007, p. 8). Como era um campo ainda pouco conhecido, o objetivo de seus difusores era, sobretudo, apresentar uma visão generalista e panorâmica dessa “nova” área do conhecimento (BOMFIM, 2004). 3 Aqui é importante ressaltarmos que Ramos (2003) faz referência, sobretudo, a autores norte-americanos da primeira metade do Século XX. No entanto, ele reconhece que a Psicologia Social tem raízes muito anteriores: ela nasceu “[...] com os filósofos gregos, nas teorias dos sofistas, e mais especialmente na República de Platão e na Política de Aristóteles. [...] Mas foi na metade do século XVIII até começos do século XIX, que uma plêiade de economistas políticos, moralistas, juristas e criminólogos começou a conceder uma grande importância ao fenômeno da interação mental dos homens” (p. 30, grifos do autor). De acordo com ele, participaram desse processo autores como Bain, Lazarus e Stemthal, Spencer, Darwin e Bagehot, Sighele, Rossi e Le Bon; mas foi o sociólogo francês Gabriel Tarde “[...] o verdadeiro iniciador da psicologia social, tal como é considerada hoje. [...] A obra de Tarde influenciou toda uma escola de sociólogos e filósofos norte-americanos, especialmente a Edward A. Ross e J. Mark Baldwin. Toda uma escola norte-americana de psicologia social concedeu á imitação e à sugestão um papel preponderante no estudo dos fenômenos psicossociais.” (p. 32, 33). Diversos autores posteriores a Ramos também consideram que a Psicologia Social moderna é um fenômeno americano. Gordon Allport (1954, p. 3, 4), por exemplo, apresenta essa disciplina dizendo que “embora as raízes da psicologia social possam ser encontradas no solo intelectual de toda a tradição ocidental, seu atual florescimento é reconhecido como sendo um fenômeno caracteristicamente americano”. Já Lindzey (apud FARR, 2000) e Lindzey e Aronson (apud FARR, 2000) sustentam que a Psicologia Social possui um “longo passado” – que faz parte de uma tradição de pensamento ocidental, principalmente europeia – e uma “curta história”, que começou quando ela se tornou uma ciência experimental, sobretudo nos Estados Unidos. De acordo com Robert Farr (2000), essa distinção está permeada por uma filosofia de ciência específica – o Positivismo. Além disso, ela acarreta em narrativas bastantes parciais sobre a história da Psicologia Social, uma vez que tende a privilegiar apenas as formas mais “psicológicas” da disciplina.
surgimento de um determinado discurso da psicologia em relação ao social, mostrando como ela passa a problematizar a relação indivíduo x sociedade tomando o próprio indivíduo como matriz para pensar o social. Procuramos assim entender o modo pelo qual o social é objetivado pela psicologia em um determinado momento. (SILVA, 2005, p. 10, 11, grifo da autora).
Ainda que não partam da construção discursiva que sugere a priorização da proposta genealógica de Foucault, diversos(as) autores(as) – como Silvia Lane (2007a)^5 , Jefferson Bernardes (2001)^6 , Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2003)^7 – também falam das transformações que essa área do conhecimento sofreu no decorrer de sua (curta) história. No entanto, o foco deles(as) é outro: eles(as) não falam dos diferentes discursos sobre o social, mas das diferenças epistemológicas, metodológicas e, sobretudo, éticas que marcaram dois momentos da história da Psicologia Social: um anterior e outro posterior à crise de referência que assolou essa área do conhecimento nas décadas de 1960 e 1970. Como veremos no capítulo 3, o primeiro fundamenta-se em princípios positivistas e tem como principais referências autores norte-americanos. O segundo, por sua vez, critica o biologicismo e o individualismo da Psicologia e propõe uma ciência comprometida com a transformação social. Já Mary Jane e Peter Spink (2007, p. 565)^8 nos chamam a atenção para o fato de que um mesmo momento histórico pode constituir uma arena de diversidade: as observações de Peter Lunt (2003) “[...] sobre a variedade de „histórias‟ da psicologia social que se organizam em volta de eixos diferentes servem de alerta para a possibilidade que essas diferentes „histórias‟ têm, como função principal, o apoio a atualidades também diferentes.” Para falar das “múltiplas versões de atualidades” (sic.) da Psicologia Social, os autores buscam,
(^5) O texto citado é um capítulo do livro “Psicologia Social: o homem em movimento”, publicado pela primeira vez em 1984 com o objetivo de oferecer um “conhecimento alternativo” ao modelo norte-americano de Psicologia Social, que até então embasava a maioria dos textos disponíveis sobre essa área do conhecimento. Além de buscar suprir essa lacuna na literatura acadêmica, esta obra visava contribuir com o fortalecimento de uma Psicologia voltada para os problemas concretos da realidade brasileira, bem como com a formação de profissionais que atuassem como agentes de transformação social (LANE, 2007a, 2007b). 6 O texto de Bernardes (2001) também discorre sobre a história dessa “nova” Psicologia Social. Ele foi publicado pela primeira vez em 1998, no livro-texto “Psicologia Social Contemporânea” – livro este pensado e produzido por membros da ABRAPSO/SUL a fim de apresentar uma síntese “[...] das discussões temáticas que podem configurar o campo d 7 a Psicologia Social Crítica.” (STREY et al., 2001, p. 9). Publicado pela primeira vez em 1988, o texto escrito pelos autores para apresentar a Psicologia Social faz parte de um livro didático. Dirigido a um público jovem, este livro busca introduzir as diferentes abordagens teóricas, objetos de estudos e áreas de atuação da Psicologia. 8 Este texto foi publicado pela primeira vez em 2005, em um livro sobre História da Psicologia. Segundo seus organizadores, esse livro foi pensado para servir de apoio a professores de graduação e busca apresentar uma visão da História da Psicologia que, diferentemente daquela encontrada na literatura mais conhecida no Brasil, não se restringe a que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos: a esta “[...] se acrescenta, sempre, as contingências do saber psicológico em terras brasileiras.” (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2007, p. 13).
inicialmente, entender como diferentes livros de texto recentes definem essa disciplina. Após ler os índices, introduções e prefácios desses materiais, concluem que
há alguns pontos de intersecção entre essas diferentes “atualidades” que permitem identificá-las como psicologias sociais; mas há diferenças significativas. De um lado, encontramos uma psicologia social do biológico, do intra-individual, do interindividual e do grupo; no meio, uma psicologia social da subjetividade, da linguagem, das representações sociais, dos grupos e dos processos políticos; e, de outro lado, uma psicologia social centrada na interação social, na reprodução, na mudança e nos movimentos coletivos. (SPINK, M. J.; SPINK, P., 2007, p. 569).
E, então, se perguntam: “se todos eles são textos recentes sobre a psicologia social, por que são tão diferentes?” Para responder a essa segunda questão, recorrem a livros de texto “clássicos” – tais como os de Floyd Allport (1924/1994); Henri Tajfel e Colin Fraser (1978); Ignacio Martín-Baró (1983) e Silvia Lane e Wanderley Codo (1984/2007) – e nos contam como eram as “atualidades” de ontem. Em sua dissertação de mestrado, Robson da Cruz (2008)^9 também abordou diferentes Psicologias Sociais a partir de uma perspectiva histórica, mas o fez seguindo outros caminhos. Seu objetivo era “[...] traçar possíveis relações entre a produção de conhecimento da disciplina e as questões sociológicas que envolvem o desenvolvimento de uma comunidade científica.” (p.15). Para isso, analisou os artigos publicados em um dos principais periódicos brasileiros da área – a revista “Psicologia & Sociedade” – no período de 1986 a 2007. As questões que nortearam essa análise foram: “quais os centros e núcleos de desenvolvimento de Psicologia Social no Brasil?”, “qual o perfil dos autores?”, “quais as temáticas dos trabalhos?”, “quais as características metodológicas das pesquisas publicadas?” e “qual a relação entre a produção de conhecimento e o contexto de produção?”. Ao buscar respostas para essas questões, Cruz (2008) acabou percorrendo os caminhos sugeridos por várias disciplinas científicas: seguiu tanto os passos dos historiadores – já que analisou textos e eventos do passado – , quanto dos sociólogos da ciência e dos cientistas da informação – uma vez que visou encontrar possíveis relações entre “[...] a produção de conhecimento e as questões sociológicas que envolvem o desenvolvimento de uma comunidade científica.” (p. 15), além de compreender “[...] como o processo de informação e comunicação do conhecimento estabelece ligações com a formação e o desenvolvimento de um campo do saber.” (p. 15).
(^9) Esse trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Cornelis Johannes van Stralen e defendido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
administrativas, datas de criação, objetivos, número de vagas e número de professores); bem como sobre as disciplinas voltadas à Psicologia Social (períodos em que são oferecidas, professores, objetivos, conteúdos, obras e autores mais utilizados). Esses dados permitiram que o pesquisador fizesse uma comparação entre a situação do Brasil em 1983 e 1993, e entre Brasil e América Latina em 1993. O estudo realizado por Elizabeth de Melo Bomfim (1994) também aborda várias maneiras de pensar a Psicologia Social e busca contribuir para sua formação. No entanto, diferentemente de Ozella (1991, 1996), a pesquisadora não investigou práticas de ensino, mas as atividades realizadas pelos profissionais da área. Para isso, ela realizou dez entrevistas e aplicou quinze questionários em psicólogos(as) sociais, sendo que os dados obtidos por meio desses procedimentos foram submetidos a uma análise de conteúdo. Esse estudo deu continuidade a uma investigação realizada anteriormente por Bomfim e colaboradores (1992), na qual “[...] foi apresentado um quadro da produção teórico-metodológica e vários relatos de práticas desenvolvidas pelos psicólogos sociais no Brasil.” (BOMFIM, 1994, p. 201). Essas pesquisas exemplificam alguns dos inúmeros caminhos que poderíamos percorrer para falar da Psicologia Social no Brasil. No entanto, nesta tese, optamos por seguir outro rumo: não fizemos uma historiografia, nem analisamos práticas de ensino ou de intervenção profissional. Tampouco nos propusemos a fazer uma cartografia dessa disciplina
(^12) Segundo Latour (1994a; 2001), apesar de ter a mesma etimologia, as palavras complexo e complicado possuem significados distintos, que nos permitem diferenciar dois tipos de realidades. O adjetivo complexo refere-se à irrupção simultânea de múltiplas variáveis que não podem ser tratadas separadamente; enquanto que complicado se refere à presença de diferentes variáveis que podem ser tratadas individualmente e que podem ser somadas e transformadas em uma “verdade” – ou, para usar o vocabulário do autor, que podem ser fechadas em uma caixa preta.
praxiológico não é universal, é local. Ele necessita de uma especificação espacial.” (p. 54, tradução nossa, grifo da autora). Nesse gênero ontológico, uma afirmação sobre o que a Psicologia Social é deve ser complementada por outra que indica onde isso ocorre. Sendo assim, nesta tese, não falamos da Psicologia Social brasileira, mas falamos de alguns lugares em que, no Brasil, a Psicologia é Social. Falamos, por exemplo, de trabalhos acadêmicos, documentos e livros introdutórios. Além disso, para compreendermos o que o ser faz, não podemos desconsiderar as praticidades envolvidas nos processos que performam a realidade (MOL, 2002). Desse modo, os caminhos metodológicos que percorremos foram guiados por algumas das práticas que performam a Psicologia Social brasileira. Aqui é importante explicitarmos que essas práticas não incluem somente as intervenções psicossociais, trabalhos de campo, entrevistas ou experimentos. Mas, seguindo a proposta de Isabelle Stengers (2006 apud MORAES; ARENDT, 2010, p. 60), nesta tese,
a prática designa as ciências „se fazendo‟, ela engloba o ajuste de instrumentos, a escritura de artigos, as relações de cada participante com os colegas, mas também com tudo isto que e todos aqueles que contam ou poderiam contar em sua paisagem. Nada está pronto. Tudo está por negociar, por ajustar, alinhar e o termo prática designa a maneira pela qual tais negociações, ajustes, alinhamentos constringem e especificam as atividades individuais sem por isso determiná-las.
E como, em diferentes lugares, práticas distintas tendem a acontecer, a Psicologia Social tende a variar de um lugar para o outro: aqui, ela é a intersecção da Psicologia com a Sociologia; ali, é um mecanismo de transformação da realidade social; acolá, é o estudo científico dos processos de influência grupal. Nesta tese, argumentaremos que esses não são diferentes aspectos ou atributos de um mesmo objeto, mas elementos que ajudam a performar diferentes versões desse objeto. São, portanto, elementos que fazem Psicologias Sociais diferentes, embora relacionadas entre si. Que fazem uma Psicologia Social múltipla, ou seja, que é mais do que uma ao mesmo tempo em que é menos do que muitas. Para sustentar esse argumento, primeiramente, apresentaremos os conceitos e ideias que direcionaram nosso percurso. Para isso, no primeiro capítulo, abordaremos, ainda que de forma breve, algumas das ideias centrais da Teoria Ator-Rede (TAR), tais como o princípio da simetria generalizada e as noções de tradução, mediação, ator-rede e associação. No capítulo 2, discutiremos a noção de multiplicidade proposta por Mol (1999, 2002), bem como suas implicações metodológicas, epistemológicas e ontológicas. Mais especificamente,
“diferentemente dos livros monotemáticos, o livro-texto é uma tentativa de organizar a disciplina; de responder à pergunta „o que é a disciplina hoje‟, seu foco, suas áreas de estudo, suas questões principais.” (SPINK, M. J.; SPINK, P. 2007, p. 566). Ou seja, esses manuais mais “gerais” tendem a falar de diversas correntes teóricas, áreas de atuação e objetos de estudo ao mesmo tempo em que tratam essa disciplina como algo singular. São, portanto, um bom “lugar” para acompanharmos alguns dos modos de coordenação de diferentes versões da Psicologia Social brasileira^15. Outro critério que utilizamos para selecionar os livros e manuais que compuseram o corpus desta tese foi a nacionalidade dos(as) autores(as). Dentre todas as obras introdutórias, selecionamos somente aquelas que eram de autoria de pesquisadores(as) brasileiros(as) ou de estrangeiros(as) que atuam profissionalmente no Brasil. Para conhecer suas nacionalidades e/ou filiação institucional consultamos, primeiramente, o banco de dados da Plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br/), sendo que, nos casos em que os(as) autores(as) não estavam aí cadastrados, buscamos dados sobre sua atuação profissional por meio do motor de buscas Google (www.google.com.br). É importante ressaltarmos que, ao estabelecermos esse critério, não estamos propondo que livros de autores(as) estrangeiros(as) não contribuam para performar a Psicologia Social no Brasil. Afinal, vários deles estão disponíveis nas bibliotecas de nossas universidades, são citados em nossas pesquisas e estudados em nossas disciplinas – no curso de graduação em Psicologia da USP, por exemplo, um dos textos que compõem a bibliografia básica da disciplina Psicologia Social I é o manual do polonês emigrado nos Estados Unidos Solomon Asch (1952/1997)^16. No entanto, como optamos por não fazer uma etnografia, não acompanhamos as práticas que esses textos e autores ensejam na realidade brasileira. Os livros de autoria de pesquisadores “nacionais”, por sua vez, em geral, falam de pesquisas e experiências profissionais realizadas no Brasil. Assim, independentemente do uso que se faz
(^15) Consultamos, também, o SciElo – Scientific Electronic Library Online (http://www.scielo.br), uma vez que, no Brasil, esta é uma das bases de dados virtuais mais utilizadas para a consulta de textos acadêmicos. No entanto, não encontramos nenhum artigo que obedecesse aos nossos critérios de busca. No período da consulta (dezembro de 2010), estavam disponíveis 118 textos relacionados à Psicologia Social, mas nenhum deles buscava introduzir essa disciplina. A maioria dos artigos escritos por autores brasileiros relatava pesquisas da área (como, por exemplo, SATO, 2007; SILVA, QUEIRÓS, 2006; MATTOS, FERREIRA, 2004); outros discutiam um conceito ou abordagem teórica específica (como PAIVA, 2000; CROCHÍK, 2008; ARENDT, 1998); uma subdivisão da Psicologia Social (como FREITAS, 1998; ARENDT, 1997; TRAVERSO-YEPEZ,
deles, esses materiais falam de algumas das Psicologias Sociais que são feitas em nosso país^17. Após uma leitura inicial desses livros, observamos que vários deles abordavam a crise de referência que assolou a Psicologia Social na década de 1970. Ao descrever esse momento histórico, enfatizavam as controvérsias e discrepâncias entre a proposta de Aroldo Rodrigues e a de Silvia Lane. Desse modo, decidimos buscar materiais que nos ajudassem a contar melhor essa história. Para isso, consultamos os bancos de dados das bibliotecas da PUC-SP, do IP-USP e do SciElo (www.scielo.br), usando nesta busca as seguintes palavras-chave: “Silvia Lane”, “Aroldo Rodrigues” e “Crise da Psicologia Social”. Em um terceiro momento, percorremos os corredores das bibliotecas onde estavam dispostas as teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação em Psicologia Social das duas universidades. Após lermos os resumos de todos os trabalhos concluídos entre 1990 e 2011 e identificarmos seus objetos de estudo, linhas teóricas e estratégias metodológicas, selecionamos duas pesquisas (uma de cada universidade) que faziam Psicologias Sociais bastante diferentes e que “transitavam” por áreas do conhecimento distintas. É importante ressaltarmos que esses trabalhos não representam a totalidade das pesquisas realizadas e defendidas nos dois programas de pós-graduação. Eles são apenas exemplos de como a Psicologia Social pode ser diferentemente performada. A leitura da tese e da dissertação selecionadas nos pareceu tão interessante que resolvemos selecionar mais dois trabalhos. No entanto, desta vez não recorremos às bibliotecas da PUC-SP e da USP, mas ao site da associação representativa da área, no qual buscamos as referências dos dois trabalhos premiados no “II Concurso de Teses, Dissertações e Artigos da ABRAPSO”. Optamos por descrever apenas quatro trabalhos (e não cinco, dez, vinte ou todos), pois esses nos pareceram suficientes para sustentar o argumento central de nossa pesquisa. Afinal, como dissemos anteriormente, nosso objetivo não é fazer uma cartografia da Psicologia Social brasileira, mas falar de alguns lugares em que, no Brasil, a Psicologia é Social. Contar histórias sobre teses e dissertações da área nos pareceu um interessante caminho para falar da multiplicidade da Psicologia Social no Brasil pois, de um modo geral, esses materiais apresentam de forma detalhada os procedimentos metodológicos utilizados. Afinal, ao menos em teoria, as sessões de materiais e métodos de textos científicos “[...] especificam tanto quanto possível as práticas de investigação. Elas evidenciam [ instantiate ] o
(^17) Os anexos 1 e 2 apresentam as obras que obedeceram aos nossos critérios de seleção.