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Formação em Saúde Coletiva: Objetivos, Conceitos e Ações, Esquemas de Psicologia

Este documento discute os objetivos de formação em saúde coletiva, enfatizando a importância de estabelecer relações entre conceitos da psicologia social da saúde e realidades observadas. Além disso, identifica processos sociais e seus determinantes, reflete sobre propostas de intervenção em diferentes contextos, considera o processo saúde-doença e a vulnerabilidade social, e privilegia ações coletivas na comunidade. O texto também aponta a necessidade de integrar ações da saúde em uma combinação estratégica entre estado e comunidade, reorientar o sistema de saúde e mudar os estilos de vida da população, e a importância de envolver ativamente os sujeitos na democratização do conhecimento da saúde.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Reginaldo85
Reginaldo85 🇧🇷

4.5

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
Psicologia Social na Atenção Básica:
relatório das atividades desenvolvidas no estágio
Relatório das atividades do estágio:
Psicologia Social na Atenção Básica,
desenvolvidas durante o ano de 2008,
supervisionado pela docente Luciana
Nogueira Fioroni.
Júlia Amorim Santos
Marcela Contessotto da Silva
- Novembro de 2008 –
São Carlos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Psicologia Social na Atenção Básica:

relatório das atividades desenvolvidas no estágio

Relatório das atividades do estágio: Psicologia Social na Atenção Básica, desenvolvidas durante o ano de 2008, supervisionado pela docente Luciana Nogueira Fioroni.

Júlia Amorim Santos Marcela Contessotto da Silva

- Novembro de 2008 – São Carlos

Psicologia Social na Atenção Básica: relatório das atividades desenvolvidas no estágio

A Psicologia inseriu-se no campo da saúde pública transpondo conceitos teóricos e técnicas de intervenção clínica para um contexto institucional e social complexo. A Psicologia Sócio-histórica em diálogo com a Saúde Coletiva, repensa a prática psicológica em contextos comunitários e institucionais. Este trabalho visa a inserção de alunos de psicologia no contexto dos cuidados em saúde do PSF. O modelo de trabalho adotado foi o de apoio matricial em equipes multiprofissionais. Os objetivos de formação foram: estabelecer relações entre conceitos de Psicologia Social da Saúde com realidades observadas; identificar processos sociais e seus determinantes, refletindo sobre propostas de intervenção nos diferentes contextos, considerando-se o processo saúde-doença e o conceito de vulnerabilidade social, e privilegiar ações coletivas na comunidade. Foi atribuída especial importância para a construção do diagnóstico institucional enfocando a necessidade de compreensão e análise do contexto. Durante as atividades, os alunos articulados com a equipe, realizaram acolhimentos, visitas domiciliares, consultas conjuntas, grupos de educação em saúde, participação em espaços de construção do trabalho coletivo, e proposição de novas ações em saúde. O suporte pedagógico ocorreu com reuniões semanais de supervisão, grupo de estudos quinzenal, realização de levantamento bibliográfico dirigido pelas necessidades práticas, leituras, resenhas e confecção de diários de campo. Como resultados é possível apontar melhora na capacidade de observação, discriminação e interpretação da realidade de forma coerente entre o referencial teórico e a proposta de trabalho, estabelecendo relações entre subjetividade e processos/fenômenos sociais. Observou-se também uma qualificação do serviço, com a presença de estagiários no cotidiano trazendo questionamentos e propostas que colocam a equipe para refletir sobre sua prática.

Palavras-chave: Psicologia Social da Saúde; Estratégia da Saúde Família; Apoio Matricial

1. INTRODUÇÃO

Tendo como base o referencial teórico-metodológico da Psicologia Sócio-histórica, mais especificamente da Psicologia Social da Saúde em diálogo com a Saúde Coletiva, compreendemos o processo saúde-doença como fenômeno biopsicossocial e cultural, buscando repensar a prática psicológica em contextos comunitários e institucionais. Trabalha-se com o conceito ampliado de saúde, definido como resultado dos modos de organização social da produção no contexto histórico de uma sociedade, exigindo a formulação e a implantação de uma política que invista na melhoria da qualidade de vida de sujeitos e coletividades, garantindo-lhes a saúde como direito de cidadania e como recurso fundamental para a vida diária. Tanto na literatura como em no grupo de trabalho em questão, discute-se a necessidade da construção do diagnóstico institucional enfocando a necessidade de compreensão e análise do contexto onde serão desenvolvidas as atividades, bem como o conhecimento da população alvo, suas dificuldades, valores, preferências e práticas. Assim, foi estabelecido que fizéssemos um levantamento de ações e serviços de promoção, prevenção, assistência e educação em saúde em uma USF, identificando campos de intervenção e necessidades da equipe e da população atendida para depois realizar atividades de intervenção. As atividades realizadas ocorreram em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, mais especificamente com a diretoria de Atenção Básica de Saúde, e alunos da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade - UFSCar. Avaliações internas de docentes da UFSCar apontam que as atividades do psicólogo na Atenção Básica a partir da Residência Multiprofissional (que iniciaram no início de 2007), abriram um novo campo de trabalho e apontam a necessidade de maior envolvimento de estudantes de graduação para fortalecer a formação nesta área, considerando as deficiências na grade curricular.

1.1 Metodologia de Intervenção Consideramos que os estagiários são sujeitos participantes dentro da instituição, sendo necessário estabelecer o diálogo constante entre estes e os profissionais de saúde do local, já que ambos colaboram na produção de conhecimento e na modificação do ambiente

onde estão inseridos. Assim, compreendemos que o processo de inserção dos estagiários na rotina da instituição não ocorre de forma linear. Estes entram em contato com assuntos de pouca familiaridade, sendo necessárias verdadeiras construções implicadas nos diálogos ali estabelecidos.

Como não separamos as atividades de estágio (prática) das atividades de pesquisa, tomamos como recurso metodológico para mapeamento e compreensão do serviço: ƒ Observação participante: mais do que o registro sistemático do modo de trabalhar das pessoas, este tipo de observação se inspira na pesquisa etnográfica e busca compreender o cotidiano, procurando reconstruir a sua lógica. Observamos o modo como se organiza e realizam o trabalho, a relação entre os profissionais de saúde e os pacientes, além da relação entre os próprios profissionais, discussões sobre a assistência ali oferecida e atividades voltadas para a promoção e prevenção de saúde. ƒ Conversas não-estruturadas: lançamos mão deste recurso para estreitar relações com os profissionais de saúde do ambulatório, além de visar uma maior compreensão do funcionamento e das relações dentro do ambulatório. ƒ Pesquisa bibliográfica e documental: esta metodologia serve como um apoio teórico para a compreensão dos processos e formas de organização do sistema de saúde. Além disso, possibilitou uma aproximação em relação às demandas do serviço. A pesquisa bibliográfica e documental foi realizada em distintos momentos do estágio para complementar esta continua e relativa construção dos discursos. Consideramos este como sendo um momento essencial para a produção de idéias que terão expressão progressiva no decorrer do estágio. A revisão bibliográfica está diretamente ligada ao caráter construtivo-interpretativo que atribuímos à produção de conhecimento.

1.2 Referencial Teórico-Metodológico As condições de vida e saúde têm melhorado de forma contínua e sustentada na maioria das nações, no último século, graças aos progressos políticos, econômicos, sociais e ambientais, assim como aos avanços na saúde pública e na medicina. Mesmo assim ainda é comum encontrar a permanência de profundas desigualdades nas condições de vida e saúde entre os países, e dentro deles, entre regiões e grupos sociais. A internacionalização da produção, distribuição e consumo, e a globalização da economia podem ser consideradas

O processo se estende para década de setenta e em 1978 ocorre a I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata. As principais propostas se voltam para a atenção primária, reafirmando a saúde como direito humano fundamental, em que as desigualdades são inaceitáveis e os governos têm responsabilidade pelas necessidades sociais do cidadão. A Conferência também garante o direito da população de participar das decisões do campo da saúde (BUSS, 2000). Em 1986 é redigida a Carta de Otawa, um dos documentos fundadores da promoção de saúde. Ela associa este termo a um conjunto de valores que engloba qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação, parceria, etc. Propõe integrar as ações da saúde em uma combinação estratégica (responsabilidade múltipla) entre Estado (políticas públicas) e comunidade (reforço da ação comunitária); além de apontar a necessidade da reorientação do sistema de saúde e da mudança nos estilos de vida da população (BUSS, 2000). Na década de 80, uma série de ações faz com que a promoção da saúde passe a associar-se a medidas preventivas sobre o ambiente físico e os estilos de vida, e não mais exclusivamente sobre indivíduos e famílias. As intervenções são dirigidas à transformação dos comportamentos do sujeito e há a constatação do papel protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde, incluindo padrão adequado de alimentação e nutrição, habitação, saneamento básico, boas condições de trabalho, oportunidade de educação ao longo de toda vida, ambiente físico limpo, apoio social para as famílias, etc. As ações se voltam para coletivo de indivíduos e para o ambiente, compreendido num sentido amplo, de espaço físico, social, político e cultural, através de políticas públicas e de condições favoráveis ao desenvolvimento da saúde e dos reforços da capacidade dos indivíduos e comunidades.

1.3 A Saúde Pública no Brasil e o SUS Nas décadas de 1970 e 1980, acontecimentos nos âmbitos social, político e econômico resultam em profundas mudanças na sociedade brasileira. Um processo crescente de endividamento externo, juntamente com um regime político autoritário, começa a enfraquecer o Estado e a incentivar movimentos sociais que reivindicavam melhores condições de vida. A administração de Getúlio deixa como herança para a área da

saúde, a Previdência Social, a privatização da assistência médica e um modelo privado prestador de serviços pagos pelo Estado. Nesse contexto, começa a surgir uma grande mobilização social que ficou conhecida como movimento sanitário, aliado aos altos índices de desemprego, às altas taxas de mortalidade materna e infantil e ao aumento das doenças infecto-contagiosas (SCILIAR, 1987). Esse movimento foi responsável pelas novas concepções do pensar e fazer saúde de uma maneira mais humana e universal; que só poderia ser alcançada através de uma ampla reforma sanitária. Ele tem como conquista a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que redefiniu o conceito de saúde para uma concepção mais ampliada e dinâmica - a saúde como produto social resultante da ação de diversos determinantes: acesso a lazer, escola, saneamento básico, trabalho, serviços de saúde, entre outros. A partir das propostas desta Conferência, a saúde foi incluída na Constituição do Brasil de 1988, no capítulo da Seguridade Social, como um direito de todos e dever do Estado, o que representou um avanço em relação à Constituição anterior (CARDOSO & CAMARGO-BORGES, 2005). O Sistema Único de Saúde – SUS- foi implantado no Brasil a partir de 1988 juntamente com a nova Constituição e na Lei Orgânica de Saúde. A partir da concepção ampliada de saúde, à fim estruturar o cuidado da população, propõe-se ações e serviços que integram uma rede regionalizada, hierarquizada e descentralizada. O serviço prestado deve seguir princípios como a universalidade, a equidade, a integralidade, a partir da articulação de ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação da saúde, prezando pela participação comunitária (BRASIL, 1990; BRASIL, 2000; COHEM, 2004). Brasil (1990) define universalidade como o acesso à saúde a todos os cidadãos e acesso sem discriminação, cabendo ao Estado assegurar este direito aos serviços de saúde para todos indistintamente. O princípio da equidade tem como objetivo diminuir desigualdades, assim este não prevê a igualdade do acesso aos serviços de saúde, pois as pessoas não são iguais, elas têm necessidades diferentes. Esse princípio prevê a “discriminação positiva” que busca dar prioridade aos grupos sociais mais vulneráveis, ou seja, o investimento é maior em áreas na qual a carência é maior. A concepção de integralidade reconhece os vários fatores que influenciam no processo saúde-doença, presta serviços de forma continuada com a garantia de prevenção, promoção de saúde, cura e reabilitação. Este princípio também prevê a articulação com outras políticas públicas como

Desta forma, depois de quase 20 anos da implantação do SUS, a discussão de princípios de cuidado à saúde e formas para a implantação de suas diretrizes vem crescendo cada vez mais nos meios governamentais, universitários, nos serviços e nos movimentos sociais.

1.4 Estratégia de Saúde da Família – ESF: uma proposta de reorganização do trabalho em saúde A Estratégia de Saúde da Família (ESF), instituída desde 1994 no Brasil, visa possibilitar a reorganização das práticas assistenciais em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças e realizado principalmente em hospitais. Nesta proposta, a atenção, está centrada na família, entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às Equipes de Saúde da Família uma compreensão ampliada do processo saúde-doença e da necessidade de intervenção de uma determinada comunidade, indo além das práticas meramente curativas, estendendo-se à promoção de saúde do local (BRASIL, 2001). O trabalho em equipe é destacado no conjunto das características do Programa de Saúde da Família (PSF), como um dos pressupostos mais importantes para a reorganização do processo de trabalho (SILVA & TRAD, 2005). A equipe que permanece na unidade é denominada equipe de referência, tendo uma composição multiprofissional visando um caráter transdisciplinar (BRASIL, 2004). Esta seria composta por médico de saúde da família, enfermeiro, dentista, auxiliar de enfermagem, auxiliar de dentista e agentes comunitários de saúde (SILVA & TRAD, 2005). O funcionamento integrado da equipe de referência pressupõe tomá-la como um espaço coletivo, onde se discute tanto casos clínicos, como casos sanitários ou de gestão, visando uma participação na organização local (CAMPOS & DOMITTI, 2007). Silva e Trad (2005), apontam que a equipe de saúde da família deve conhecer as famílias do território de abrangência, identificar os problemas de saúde e as situações de risco existentes na comunidade, elaborar um plano e uma programação de atividades para enfrentar os determinantes do processo saúde/doença, além de desenvolver ações educativas e intersetoriais relacionadas com os problemas de saúde identificados. Assim, estariam prestando assistência integral às famílias sob sua responsabilidade no âmbito da atenção básica.

Gomes e Pinheiros (2005) trabalham com a concepção de três conjuntos de sentidos sobre a integralidade: a integralidade como traço da boa medicina, a integralidade como modo de organizar as práticas e a integralidade como respostas governamentais a problemas específicos de saúde. Entre estes vários sentidos, pode-se considerar integralidade como um valor a ser sustentado que consistiria em uma resposta ao sofrimento do paciente que procura o serviço de saúde, e um cuidado para que este não seja a redução ao aparelho ou sistema biológico. Assim integralidade estaria presente no encontro, na atitude do profissional de saúde em reconhecer, para além das demandas explícitas, as necessidades dos cidadãos no que diz respeito à sua saúde. Para atingir tal concepção, é necessário que as práticas de cuidado sejam organizadas respeitando uma “horizontalização” dos programas anteriormente verticais, desenhados pelo Ministério da Saúde, superando a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde. Estes mesmos autores dizem que se pode reconhecer, nas estratégias de melhoria de acesso e desenvolvimento de práticas integrais, o acolhimento, o vínculo e a responsabilização dos vários atores em questões clínica e sanitária, buscando uma intervenção resolutiva. O acolhimento, enquanto diretriz operacional propõe que seja invertida a lógica da organização e do funcionamento do serviço de saúde, prezando por um atendimento usuário-centrado. Para isto, concepções e diretrizes instituídas no Sistema Único de Saúde como universalidade, equidade e integralidade são reafirmadas, priorizando a relação trabalhador-usuário em parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. Essas transformações são potenciais construtoras de vínculo, aproximando quem oferece ou presta serviço de quem o recebe. Personaliza-se, assim, a relação entre os vários atores, sendo que consideramos que esta deve ser essencialmente compromissada, solidária e aparecer como “ fruto de uma construção social e parte de um esforço que envolve equipe, instituições e comunidade ” (GOMES & PINHEIROS, 2005). Temos, também, como conceito chave a vulnerabilidade social (AYRES et al , 1998), que pretende refletir e explicar os diferentes graus e naturezas da suscetibilidade de indivíduos e coletividades aos riscos de adoecimento, considerando as particularidades de cada situação, entendida no conjunto dos aspectos sociais (ou contextuais), programáticos (ou institucionais) e individuais (ou comportamentais).

O cuidado à saúde é um direito garantido em lei na Constituição Federal, mas este não pode ser entendido puramente como a democratização do consumo da assistência médica, embora esta lhe seja fundamental. Saúde é mais do que a oferta de serviços, mesmo que públicos, uma vez que não podemos deixar de relacionar a falta de saúde da população com a profunda desigualdade social brasileira devido a ausência de atenções sociais e políticas públicas nos vários âmbitos da vida dos cidadãos (SPOSATI & LOBO, 1992). Não basta o avanço virtual da norma em considerar a saúde como direito. Sposati e Lobo (1992) apontam que a representação do trabalhador da saúde e de seus interesses é uma mediação que circula na realização concreta do direito uma vez que são estes que dão forma a tais direitos à população ao atendê-la no balcão, na consulta ou na portaria, são aqueles que constituem a dinâmica do funcionamento dos serviços. Assim, para que haja uma transformação na prática e cuidado à saúde, os profissionais dos serviços devem ter claro o seu papel de agente transformador, assegurando a participação e o controle social, tornando transparentes as informações, criando vínculos efetivos entre usuários e equipe, e estabelecendo relações de trocas e confiança (GOMES & PINHEIROS,2005). Serapioni (2005) aponta pesquisas que defendem que uma grande dificuldade para a re-orientação das práticas se dá devido à falta de profissionais com perfil, competência e habilidades necessárias para compor uma equipe apta a desenvolver uma abordagem familiar, além de uma grande rotatividade dos profissionais nos serviços de saúde.

1.5 Como conhecer as famílias do território de abrangência e planejar ações e serviços? Para conhecer as condições nas quais as pessoas vivem, trabalham, se relacionam e adoecem, é necessário conhecer o território onde essas pessoas estão inseridas. A partir desse conhecer deve haver uma responsabilização por parte da equipe de saúde para com os indivíduos e os espaços onde estes se relacionam. Dessa forma a adscrição da clientela é um processo que visa definir as relações de compromisso, bem como de elaborar estratégias de ação não somente voltada para o individuo, mas para todo o contexto social em foco.

Neste sentido, é preciso considerar o território não somente como um espaço físico, pois isso implicaria apenas em uma definição estática do espaço físico da qual a Unidade de Saúde faz parte, limitando-se a definir o número de famílias, distribuição por faixa etária e por patologias, entre outros. O território tem que ser considerado como decorrente do processo histórico resultante da ação de homens concretos e em permanente transformação. Este é, portanto, uma construção, sendo:

produto da dinâmica onde tencionam-se as forças sociais em jogo. Uma vez que essas tensões e conflitos sociais são permanentes, o território nunca está pronto, mas sim em constante transformação. Ao mesmo tempo em que território é um resultado, é também condição para que as relações sociais se concretizem. E, sendo construído no processo histórico é historicamente determinado, ou seja, pertence a uma dada sociedade, de um dado local, que articula as forças sociais de uma determinada maneira (SÃO PAULO, 2007). Como resultado, é preciso entender a maneira como a vida local se organizou ao longo do tempo, por exemplo, o tipo de equipamentos sociais e onde eles estão situados; as habitações; a circulação dos meios de transporte; a utilização dos espaços e equipamentos como praças, escolas, igrejas, etc. A partir disso, é preciso que a Unidade de Saúde conheça a história dos indivíduos, bem como a representação destes sobre o serviço, pois isso será determinante para definir o modo como as relações usuário-serviço serão estabelecidas. Depois disto é preciso planejar as ações. Para o planejamento de serviços de saúde deve-se priorizar um trabalho intersetorial, incluindo a participação conjunta dos moradores, comitês, instituições governamentais e não-governamentais, criando assim, elos que promovem compromissos sociais e buscando organizar uma reposta aos problemas de saúde de um determinado território (ACÚRCIO et al 1998). Acúrcio et al (1998) afirmam que as experiências têm sugerido que, para elaborar um plano de ação consistente, é preciso ter informações suficientes para completar a pirâmide abaixo.

POLÍTICA DE SAÚDE SERVIÇOS DE SAÚDE E SERVIÇOS AMBIENTAIS SERVIÇOS SOCIAIS AMBIENTE FÍSICO (^) SOCIOECONÔMICOAMBIENTE PERFIL DE DOENÇAS COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DA POPULAÇÃO CAPACIDADE DE AÇÃO DA POPULAÇÃO Os autores afirmam que a base da pirâmide é constituída pelas informações sobre as estruturas, interesses e capacidade de agir da população. Isto seria importante para analisar o potencial da população para a contribuição e envolvimento na elaboração da ação.

distorções teóricas, práticas descontextualizadas e psicologização dos problemas sociais, os que impedem de perceber o caráter histórico dos fenômenos sociais e suas implicações político-ideológicas. Outros autores apresentam este mesmo posicionamento, mas especificam a crítica à área da saúde, afirmando que muitas destas abordagens predominantemente utilizadas se baseiam em um saber biomédico, que classicamente comporta uma visão de saúde reduzida à "ausência de doença", privilegiando os determinantes biológicos em detrimento dos sociais na interpretação dos fenômenos saúde e doença (ROZEMBERG & MINAYO, 2001). Na década de 1970, juntamente com várias modificações no cenário político brasileiro e latino- americano, há uma “produção” de novos sujeitos sociais, juntamente com a construção de novas pautas de reivindicações e movimentos organizados, como por exemplo no caso do Brasil, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Há um processo de questionamento das antigas formas de intervenção em várias áreas do conhecimento, sendo construído, inclusive, um novo olhar e novos métodos de intervenção para a Psicologia. Passa-se então a consolidar um novo olhar considerando sujeitos biopsicossocial e cultural, configurado na abordagem que se denomina Psicologia Social (sócio-histórica). A partir do questionamento das formas tradicionais transpostas à atuação do psicólogo em nosso país, e do confronto e processo de elaboração de novos saberes, há autores que colocam que a Psicologia Social surge e apresenta uma abordagem que não foca nem o indivíduo nem a sociedade, mas sim aquela zona que comporta as relações entre os dois. Jovchelovitch (2004) defende uma mudança na conceituação do saber que o desloca de uma relação dualista e dicotômica entre indivíduo e sociedade para a intersubjetividade e interobjetividade da forma representacional, considerando a diversidade das formas do saber e das racionalidades que estas formas contêm. Afirma que o foco no “entre” é um dispositivo puramente teórico, no entanto é nesta zona de mediações profundamente relacionadas que se encobre e revela o psicossocial. Categorias como a identidade, o eu, o discurso, a representação, e a ação podem ser encontrada neste espaço enfocado por esta abordagem.

A Psicologia Social se contrapõe à abordagens cartesianas fortemente presentes nas concepções de ciências atuais, que consideram que é através de uma racionalidade que se atinge o saber (JOVCHELOVITCH, 2004; ROZEMBERG & MINAYO, 2001). Nos detemos a explicitar rapidamente algumas críticas às perspectivas positivistas para que haja uma melhor compreensão da abordagem aqui defendida. Jovchelovitch (2004) coloca que as dicotomias estão tão profundamente arraigadas no pensamento e auto-interpretação ocidental que até hoje continuam influenciando o conjunto de ciências sociais. Nesta perspectiva, o desenvolvimento e o progresso do saber tornam-se um processo através do qual as estruturas internas do conhecimento libertam-se da emoção, do habitus e da autoridade imposta pela cultura, para atingir a sua forma plena e racional, “verdadeira”, “desculturada” e “deslocalizada”, livrando-se assim das “impurezas” de quem o produz. Busca-se, assim, a perfeita descrição do objeto do saber. A autora aponta, como forma de aproximar a discussão para o âmbito da Psicologia, que abordagens como o behaviorismo e o cognitivismo se constituíram sobre a hipótese cartesiana. Para uma contraposição, como já foi apontado anteriormente, considera-se a coexistência dinâmica (interferência e especialização) de diferentes modalidades de saber, sendo que estes correspondem a relações específicas entre o homem e seu contexto (JOVCHELOVITCH, 2004). Parte-se de um referencial que se esforça para entender o processo histórico em seu dinamismo, provisoriedade e transformação, buscando compreender a prática empírica dos sujeitos da sociedade, dialogando com suas ideologias, interesses e luta social. Apesar de uma impossibilidade do isolamento de características pessoais com aspectos culturais, deve-se considerar que a realidade social é construída a partir de interações sociais, sendo necessário considerar minimamente as histórias pessoais e conhecimentos individuais em uma comunidade, contextualizando e pensando no dinamismo da vida dos indivíduos que compõe um determinado coletivo (MINAYO, 1999). Desta forma, ao considerar um diálogo dos sujeitos com suas ideologias, interesses e luta social, esta abordagem da Psicologia Social aposta na construção do fazer conjunto, coletivo e valorizam a localidade e as interações dela decorrentes (CAMARGO-BORGES & CARDOSO, 2005).

própria mudança a partir dos recursos de que dispõe. Montero (2005), autora da Psicologia Social Comunitária, afirma que psicólogos, ou qualquer outro agente externo que realizarem alguma intervenção em comunidade, devem buscar desenvolver um fortalecimento comunitário. Assim, estes estariam atuando como facilitadores ou catalisadores do processo de mudança. A partir de um processo de fortalecimento, que teria um caráter de transformar o ambiente e as pessoas envolvidas neste, o controle e o poder estariam centrados na comunidade, sendo que esta poderia apoderar-se de bens e serviços e desenvolver conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida, atuando de maneira comprometida, consciente e crítica (MONTERO, 2005). Na perspectiva da Saúde Coletiva, este processo de maior autonomia e co-responsabilização colabora para a melhora das condições de vida nas comunidades. Camargo-Borges & Cardoso (2005) afirmam que pensar a Psicologia Social da Saúde traz conceitos potentes e propostas de ação que muito se aproximam dos pressupostos de trabalho da Estratégia da Saúde da Família. Vemos que os dois discursos se organizam em torno de eixos que apostam na construção do fazer conjunto, coletivo e valorizam a localidade e as interações dela decorrentes. Desta forma, este espaço é um convite à reflexão e a problematização das possíveis formas de intervenção local, numa postura criativa para a composição de novos trabalhos, mais consoantes com cada realidade local.

1.6.1 Apoio Matricial: uma proposta concreta de intervenção das assistências especializadas nas Unidades de Saúde da Família O apoio matricial em saúde objetiva assegurar retaguarda assistencial especializada além de prover um suporte técnico-pedagógico às equipes de referência. Este modelo permite que os profissionais tanto da equipe de referência, quando profissionais da equipe matricial atuem de modo transdisciplinar, sem utilizar percursos de encaminhamentos intermináveis, e sem lançar mão da burocracia da referência e da contra-referência, facilitando o contato direto entre referência encarregada do caso e especialista de apoio (BRASIL, 2004; CAMPOS E DOMITTI, 2007).

Campos e Domitti (2007) apontam que profissionais da equipe matricial podem atuar na elaboração conjunta de projetos terapêuticos, auxiliando na implantação deste projeto; quando necessário podem programar uma série de atendimentos ou de intervenções especializadas, mantendo sempre um contato com a equipe de referência; ou até mesmo apoiando simplesmente através da troca de conhecimento e de orientações entre equipe e apoiador. Para tal contato planejam-se encontros periódicos. Estes mesmos autores apontam que esta proposta seria um arranjo organizacional e uma metodologia para a gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica entre distintas especialidades e profissões. Para que este modelo funcione, é essencial que se facilite a comunicação entre distintos especialistas e profissionais, além de construir um sistema que produza um compartilhamento de responsabilidades pelos casos e pela ação prática e sistemática de cada projeto terapêutico específico. Desta maneira, constitui uma forma de organizar e ampliar a oferta de ações em saúde, lançando mão de saberes e práticas especializadas, sem que o usuário deixe de ser cliente da equipe de referência. Como já foi apontado, no contexto da Saúde Coletiva, mais especificamente na USF, o trabalho apresenta uma configuração própria, pois tem como objeto a relação dos indivíduos em um determinado território, assim o processo de trabalho é necessariamente interdisciplinar, possibilitando uma articulação dos vários saberes. Aqui o psicólogo acostumado com uma prática clínica que considera um setting terapêutico e o ato psicológico que lida com a queixa do paciente e com a patologia, tendo paradigmas técnicos estabelecidos e seu trabalho protegido, precisa ampliar seu objeto. Segundo Campos & Guarido (2007) o foco não pode ser a patologia, construindo uma proposta terapêutica baseada na doença que restringe o espaço subjetivo do indivíduo ao sofrimento. É preciso considerar não somente os aspectos subjetivos do indivíduo, mas sim lidar com toda a rede de subjetividade que o envolve. Desta forma o psicólogo trabalhará com o sujeito integral tendo que lançar mão de um pensar psicológico que é possível na medida em que as relações se constroem. Assim, o psicólogo como um membro da equipe matricial precisa lidar com a dificuldade de substituir sua prática tradicional, ofertando para a equipe seu conhecimento adquirido, pois isto implica que a saúde mental deve ser objeto de envolvimento de toda