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A atuação da psicologia na proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual no brasil, analisando as diretrizes legais e os desafios enfrentados pelos profissionais. O texto destaca a importância da escuta especializada, da prevenção e da atuação interdisciplinar, além de discutir a necessidade de romper com a visão assistencialista das políticas públicas e garantir o direito à proteção como um direito fundamental.
Tipologia: Esquemas
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Para falarmos sobre as contribuições da Psicologia para a proteção de crianças e adolescentes contra violência se- xual é necessário nos situarmos quanto às diretrizes atinen- tes à temática que se encontram em vigência no Brasil. Nesse percurso, buscaremos estabelecer um diálogo entre políticas públicas e a atuação profissional de psicólogas(os), na pers- pectiva de uma Psicologia comprometida com as necessida- des da população brasileira. O Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) nos orienta quanto à relação com a sociedade, com a profissão, com as entidades profissionais e com a ciência, embasado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Dentre as diretrizes que consti- tuem os Princípios Fundamentais do CEPP, encontramos que a(o) psicóloga(o) contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de violência, que atuará com responsabilidade social e que considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais (CFP, 2005). Ainda, na Nota Técnica CFP n. 001/2018, sobre os impac- tos da Lei nº. 13.431/2017, o Sistema Conselhos de Psicologia fez uma análise crítica desta que é a mais recente norma legal bra- sileira relacionada à violência contra crianças e adolescentes. Nela foi ponderado, por exemplo, que não houve de- bates públicos durante a tramitação do Projeto de Lei que a
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precedeu, o que impediu que diversas(os) profissionais, pes- quisadoras(es), organizações, movimentos sociais, entida- des e demais segmentos envolvidos pudessem participar de sua construção. Além disso, que ao se referir ao estabeleci- mento de um Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, promoveu uma dissociação com o já existente (CONANDA, 2006), que sequer foi revogado. Também, foi considerado um equívoco que o documento legal não defina estratégias de prevenção nem de articulação das políticas públicas e, mais, que reduz as ações voltadas à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência a apenas duas: Depoimento especial e Escuta especializada. Na Lei n. 13.431/17 está consignado pelo artigo 4.º, parágrafo 1.º:
Para os efeitos desta Lei, a criança e o adoles- cente serão ouvidos sobre a situação de violên- cia por meio de escuta especializada e depoi- mento especial.
No Decreto n. 9.603/18, que regulamenta a Lei nº 13.431/2017, a definição de Depoimento especial está descrita no artigo 8.º:
Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.
A definição de Escuta Especializada, por sua vez, está descrita no artigo 19:
A escuta especializada é o procedimento realiza- do pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com
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à Rede de Proteção à infância e adolescência, como Saúde, Assistência social, Educação, Segurança pública e Sistema de justiça — deve lidar com marcos legais, objetivos, tarefas e públicos variados. Cada campo e cada caso incide diretamen- te na demanda que chega às(aos) profissionais, assim como sobre seu modo de atendê-la.
A atuação da(o) psicóloga(o) em interface ou direta- mente em políticas públicas traz especificidades à prática pro- fissional, em estreita e contínua articulação entre o embasa- mento em referenciais teórico-metodológicos aplicáveis ao contexto e a análise crítica da demanda. Gesser (2013), em pesquisa sobre desafios à atuação de psicólogas(os) nas po- líticas públicas, aponta que “Estiveram muito presentes, na história da Psicologia brasileira, teorias que respondiam aos anseios das elites de controlar, higienizar, diferenciar e catego- rizar indivíduos” (GONÇALVES, 2010, apud Gesser, 2013, p. 68).
[…] Hoje a Psicologia tem produzido muitos conheci- mentos que rompem esse viés normalizador, hi- gienista e individualizante de ciência e de atua- ção profissional. Há um enfoque cada vez maior na construção de referências com vistas a uma atuação profissional comprometida com a garan- tia dos direitos humanos (GESSER, 2013, p. 69).
Nesse sentido, a autora se baseia em outros autores que, assim como ela, sugerem que seja superada a analo- gia entre direitos humanos e direitos constitucionais , visando à compreensão de que os primeiros são transversais à vida das
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pessoas e os segundos são mecanismos que pretendem garan- ti-los, sobretudo em sistemas produtores de violações, como racismo, sexismo, misoginia, LGBTIfobia, colonialismo, im- perialismo, escravismo, entre outros. Portanto, concluiu pela:
[...] necessidade de a Psicologia ter um posicio- namento voltado para o rompimento da noção de políticas públicas como uma assistência às pessoas que se encontram em situação de vulne- rabilidade e a incorporação da noção dessas po- líticas como um direito da população legitimado pela constituição. Esse posicionamento transcen- de a questão legalista, abrangendo também a di- mensão ética, da potencialização do sujeito para a promoção da autonomia e da superação do sofrimento ético-político (GESSER, 2013, p. 74).
Aproximando-se do tema da atuação da Psicologia junto às políticas públicas do Sistema de Garantia de Direitos à Criança e ao Adolescente, Alves (2013) analisa o papel da(o) psicóloga(o) como especialista cujo discurso versa sobre a sub- jetividade, com finalidade de avaliar e/ou intervir. Entende que a(o) psicóloga(o) se baseia em “noções consideradas cientí- ficas” e “técnicas de exame”, as quais explicam “sentimentos e desejos”, “motivação subjetiva do indivíduo” e “aspectos da história íntima, pessoal”, sendo compreendidas como “produ- toras de um discurso de verdade” (ALVES, 2013, pp. 99-100). Contudo, ainda que haja uma pluralidade de referenciais técnico-científicos que discutem e fundamentam práticas da Psicologia relacionadas ao fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes, a escolha de quais referenciais utilizar estará relacionada ao entendimento da(o) profissional quanto aos propósitos desse uso. Nesse sentido, Arantes (2013) diz:
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procedimento de trabalho, baseados em teorias próprias” (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016, p. 834). As autoras destacaram, ainda, que fatores subjetivos das(os) profissionais podem afetar a forma como tomam o caso desde o princípio, assim como as conclusões e os encaminhamentos que decidem realizar. Ademais, as condições do contexto em que atuam — institucionais e sociais — também influenciam a compreen- são e a forma de agir perante as situações de violência sexual. É importante frisar que tempo e recursos (técnicos e estru- turais) são variáveis fundamentais quando se trata de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo que, na maioria das vezes, são escassos. Portanto, se faz necessária a garantia de recursos humanos e materiais adequados para o atendi- mento à demanda, seja pela complexidade do fenômeno, seja pelo volume de trabalho possível de ser atendido pelas(os) pro- fissionais. Estruturação, capacitação, formação continuada e supervisão se tornam fatores imprescindíveis, não apenas para as(os) psicólogas(os), como também para as(os) demais pro- fissionais que atuam através da intersetorialidade.
Especificamente no contexto do trabalho com si- tuações de abuso sexual contra crianças e ado- lescentes, a articulação entre áreas da saúde e da justiça é inevitável, uma vez que as situações são geralmente muito complexas e com evidên- cias muitas vezes contraditórias ou pouco claras. […] Sendo um problema de saúde, o abuso sexual deve ser pensado, conhecido e discutido pelas disciplinas dessa área. Entretanto, não é apenas a área da saúde que está envolvida e participa ativamente das intervenções nesses problemas, mas as áreas da educação, da justiça e da assis- tência social atuam nessas situações diretamente,
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configurando-as, portanto, como uma questão in- terdisciplinar. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2014, p. 918)
No âmbito do Sistema de justiça, as práticas profissio- nais da Psicologia são predominantemente avaliativas , dada a interface com o Direito Criminal. Há, ainda, a possibilidade de atuação na esfera do Direito da Infância e da Juventude, no contexto de aplicação de Medidas Protetivas e Medidas Socioeducativas, onde também são realizadas avaliações psi- cológicas com a finalidade de subsidiar decisões judiciais. 2 Neste contexto é importante considerar como bem aponta- ram Pelisoli e Dell’Aglio (2016):
Decisões sobre estes casos são complexas e devem ser feitas com muito cuidado, uma vez que frequentemente implicam em grande impacto na vida das crianças/adolescentes vítimas e suas fa- mílias. […] é fundamental que os profissionais te- nham cuidado ao elaborar seus documentos, con- siderando que as avaliações psicológicas podem indicar probabilidades de ocorrência da situação
2 BRASIL. Lei nº 8.089, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assesso- rar a Justiça da Infância e da Juventude; e artigo 151. Compete à equipe interpro- fissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminha- mento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judi- ciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico, Parágrafo único. Na ausência ou insuficiência de servidores públicos integrantes do Poder Judiciário responsáveis pela realização dos estudos psicossociais ou de quaisquer outras es- pécies de avaliações técnicas exigidas por esta Lei ou por determinação judicial, a autoridade judiciária poderá proceder à nomeação de perito, nos termos do artigo 156 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
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correlação dos aspectos técnicos e éticos às diretrizes e bases legais das políticas públicas em que a Psicologia está inserida tem sido menos explorada. É imperativo que qualquer práti- ca profissional esteja não apenas atenta ao estado da arte da ciência psicológica como também às diretrizes, às bases le- gais e aos preceitos éticos da profissão.
A que se está chamando escuta, afinal? Este termo atual- mente é empregado em variados contextos - científicos, pro- fissionais, midiáticos, senso comum, etc. — e isso tem gerado diferentes compreensões tanto quanto às formas de escutar como quanto aos objetivos de quem escuta e às expectativas de quem fala. Para a temática ora em debate, algum alinha- mento se faz mister, uma vez que se tem no horizonte as pre- missas éticas da atuação profissional e o compromisso social da Psicologia como ciência e como profissão. A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (BRASIL, 2008) apresenta uma interessante conceitua- ção, qual seja, que escutar “significa, num primeiro momento, acolher toda queixa ou relato do usuário mesmo quando apa- rentemente não interessar diretamente para o diagnóstico e tratamento” (BRASIL, op. cit., p. 24). Na história da Psicologia, cujas origens remontam a práticas de observação e classificação , escutar passou a fazer parte das técnicas de abordagem a pessoas em sofrimen- to mental ou psíquico no fim do século XIX (JACÓ-VILELA; FERREIRA, 2006). Desde então, tornou-se uma das atividades essenciais da atividade profissional e pressupõe não apenas a posição de alguém disposto a falar, mas, do ponto de vista profissional, as habilidades e ferramentas técnicas de quem se dispõe a ouvir com atenção.
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Silva e Vianna (2014) pontuam:
Encontrar alguém em posição de escuta desejan- te é condição para que surja a palavra, a palavra que faz Sujeito. […] Quando se trata da infância e adolescência, é importante destacar que, para além da demanda social que nos é endereçada, por trás das queixas familiares ou institucionais desta criança ou adolescente, precisamos possi- bilitar que ele venha a formular sua própria de- manda (SILVA; VIANNA, 2014, p. 90)
Nesse sentido é importante compreender, por exem- plo, que escuta e oitiva são práticas conceitualmente distintas, sendo que ter compreensão de tal distinção é condição fun- damental à prática profissional da Psicologia. E porque deve ser especializada a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual? Para refletir sobre essa questão, retomamos que a Convenção sobre os Direitos da Criança está embasada em quatro gran- des princípios, a saber:
(1) não discriminação; (2) melhor interesse da criança; (3) direito à sobrevivência e ao desenvolvimento; (4) respeito à opinião da criança.
Tais princípios devem nortear as ações voltadas à Proteção Integral de crianças e adolescentes para o enfrenta- mento da violência sexual, tanto pelas(os) profissionais que atuam em qualquer interface com o tema, quanto pela socie- dade e pelo Estado. Segundo Arantes (2016), a lógica da Proteção Integral ao mesmo tempo em que reconhece a criança como sujeito
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A Psicologia contribui no antes, no durante e no depois quando se trata de crianças e adolescentes e enfrentamento da violência sexual, pois estuda os fenômenos psicológicos individuais e sociais a ela relacionados. Está inserida em di- versas áreas de atuação, avalia e atende crianças, adolescen- tes e suas famílias, se articula com outros campos de saber e atuação, dada a complexidade que reconhece na questão e, ainda, analisa possíveis impactos à vida das pessoas e coletivi- dades envolvidas. Na sequência, o Eixo 3 abordará especificamente a atua- ção da(o) psicóloga(o) nos serviços de proteção de crianças e adolescentes em situação de violência sexual.