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Nos poemas de hesíodo e na tragédia de ésquilo, prometeu é apresentado como o herói mitológico que roubou o fogo aos deuses e deu-lhe à humanidade, transformando o curso dos destinos e permitindo a existência de uma inteligente e projetiva humanidade. Este deus previdente e inventivo é considerado o primeiro beneficiador dos humanos, dando-lhes as técnicas e a inteligência necessárias para avançar da noite para o dia.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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RESUMO: Exploramos aqui as conexões do mito de Prometeu com o nascimento do iluminismo ocidental. O estudo tem como base as obras de Hesíodo e Ésquilo, a partir das interpretações de Werner Jaeger e Junito Brandão. Nos poemas de Hesíodo, Prometeu é aquele titã que roubou o fogo de Zeus para entregá-lo à humanidade. Por este gesto, Prometeu e seus protegidos são duramente castigados por Zeus. Assim, mergulhados em um mun- do de incontáveis e incontornáveis males, os homens, honestos, conquistam a esperança de uma boa vida através do trabalho infatigável. Na tragédia de Ésquilo, Prometeu é apresentado como o iluminador e protetor da humanidade. Multi-sábio foi ele quem deu pensamento aos homens, pois estes faziam tudo sem razão. Todas as técnicas e artes humanas são devidas a Prometeu, o previdente. Aqui o mito revela o fundo a partir do qual brota a sabedoria humana: o sofrimento e a dor. No mito, revela-se, de modo essencial, a exigência do trabalho e a presença do sofrimento como condições de uma existência humana definida e considerada do ponto de vista do iluminismo. A sabedoria é a força capaz de fazer o homem superar os obstáculos e as adversidades. Prometeu representa, dessa forma, uma imagem primordial da condição humana cuja sabedoria é conquistada pelo trabalho e pela dor. PALAVRAS-CHAVE: Prometeu, Sabedoria, Trabalho, Dor ABSTRACT: We explore the connections of the myth of Prome- theus with the Western Enlightenment and the human condition. The study is based on the works of Hesiod and Aeschylus, from O iluminismo de todos os tempos sonhou com a vitória do conhecimento e da arte sobre as forças interiores e exteriores adversas ao Homem. Ésquilo não analisa esta crença em Prometeu. Celebra apenas o herói pelos benefícios que trouxe à humanidade, ajudando-a no seu esforço para passar da noite ao dia por meio do progresso e da civilização. Werner Jaeger
imagem primordial da condição humana. (1) Nele encontramos ricas conexões e intuições teóricas para a investigação das origens do pensamento ocidental. (2) Prometeu é o deus-titã sacrificado por Zeus por ter ousado proteger os humanos, roubando dos deuses e dando a eles o fogo, símbolo de todas as artes e técnicas de que os seres humanos, então, eram desprovidos. Ele representa a imagem arque- típica da prospecção, da previsão e, portanto, da manipulação do tempo; ou seja, da inserção do homem em uma nova dimensão do tempo, projetiva e não mais cíclica, na qual estão contidos e limitados todos os seres da natureza. (3)
interpretations of Werner Jaeger and Junito Brandão. In the poems of Hesiod, Prometheus is one Titan who stole fire from Zeus to give it to humanity. By this gesture, Prometheus and his protected are severely punished by Zeus. So immersed in a world of endless and unavoidable evils, men, honest, have a hope of a good life through working tirelessly. In the tragedy of Aeschylus, Prometheus is shown as the illuminator and protector of humanity. Multi-wise, he gave men the ability to think, for they were all without reason. All technical and human arts are due to Prometheus, the foresight. Here the myth reveals the background where wisdom springs from: suffering and pain. In the myth, it appears, essentially, the requirement of work and the presence of suffering as a condition of human existence defined and considered from the standpoint of the Enlightenment. Wisdom is the force that can make men overcome obstacles and adversities. Pro- metheus is thus a primordial image of the human condition whose wisdom is gained through work and pain. KEYWORDS: Prometheus, Wisdom, Work, Pain Prometeu traz o bem e a salvação para a hu- manidade, ao passo que os males vêm de seu irmão Epimeteu, aquele que pensa depois, o imprevidente. Este é o arquétipo que representa a imprevisão e a estultice do momento, a subordinação à natureza, ao dado e ao tempo cíclico que retorna sempre. (4) No mito, tal como encontramos nas poesias de Hesíodo e na tragédia de Ésquilo, os bens humanos são dádivas de Prometeu, o previdente, o inventor e doador das técnicas aos homens néscios. Com a entrega do fogo, símbolo das técnicas e da inteli- gência, Prometeu transforma o percurso dos destinos humanos, tornando possível uma existência humana inteligente e projetiva.
Nos poemas, Os trabalhos e os dias e Teogonia (séc. VIII-VII aC, prov.), Hesíodo apresenta Prome- teu como aquele deus que roubou o fogo a Zeus para entregá-lo à humanidade néscia e sofredora. Este deus pretensioso, “Prometeu de curvo-tramar” que enfrenta Zeus, “Deus dos homens e dos Deuses”, para o bem da humanidade é, na poesia de Hesíodo, o herói mitológico protetor da humanidade. Em razão de seu amor à humanidade, enganou Zeus que, por isso, o castiga cruelmente. Segundo a Teogonia , Zeus castigou duramente Prometeu por este pretender beneficiar a humani- dade em detrimento dos deuses. Mandou prendê-lo com correntes inquebrantáveis ao meio de uma coluna “...e sobre ele incitou uma águia de longas asas/ela comia o fígado imortal, ele crescia à noite/ todo igual o comera de dia a ave de longas asas...” (HESÍODO, 2001, p. 135) Prometeu enganara Zeus em duas ocasiões. Primeiro, quando em Mecona, se “discerniam Deuses e homens mortais”, Prometeu, ao dividir um grande boi, astutamente, reservou para os homens as carnes e para os deuses, as alvas gorduras e, depois, quando roubou o fogo a Zeus. (5) Leiam-se os versos de Hesíodo (2001, p. 135-9) em que são apresentadas, na Teogonia , a cólera e o ressentimento de Zeus contra Prometeu e seus protegidos: ...Zeus de imperecíveis desígnios soube, não ignorou a astúcia; nas entranhas previu males que aos homens mortais deviam cumprir-se. Com as duas mãos ergueu a alava gordura, raivou nas entranhas, o rancor veio ao seu ânimo, quando viu alvos ossos do boi sob dolosa arte. Por isso aos imortais sobre a terra grei humana Queima os alvos ossos em altares turiais. E colérico disse-lhe Zeus agrega-nuvens: “Filho de Jápeto, o mais hábil em seus desígnios, ó doce, ainda não esqueceste a dolosa arte!”. Assim falou irado Zeus de imperecíveis desígnios... Deste modo, Zeus negou aos homens o fogo. Mas uma vez mais Prometeu engana Zeus roubando- -lhe o fogo e entregando-o aos homens. Furioso Zeus decide criar um mal para os mortais. Vejam-se os versos de Hesíodo (1996, p. 25-7), em que são introduzidos, a partir da cólera de Zeus, os mitos de Prometeu e Pandora em Os trabalhos e os dias : Então encolerizado disse o agrega-nuvens Zeus: Filho de Jápeto, sobre todos hábil em tuas tramas, apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas; grande praga para ti e para os homens vindouros! supor que os arquétipos sejam as impressões gravadas pela repetição de reações subjetivas.” (p. 61/2) Os arquétipos são imagens originárias que se constituem como “forças ou tendências” que levam “à repetição das mesmas experiências”. Dessa maneira, um arquétipo “traz consigo uma ‘influência’ específica ou uma força que lhe confere um efeito numinoso e fascinante ou que impele à ação.” Assim, é “a partir do tesouro das imagens primordiais” que se produzem as inovações e as novas formas (eidos) subjetivas e sociais. O arquétipo seria, pois, “... uma espécie de força primordial que se apodera da psique e a impele a transpor os limites do humano, dando origem aos excessos, à presunção (inflação!), à compulsão, à ilusão ou à comoção, tanto no bem como no mal.” (p. 61/2) É, a partir destas “imagens primordiais”, que surgem e ressurgem os novos eidos do social, as ideias e os heróis, gênios ou santos.
doando muito/alegra-se com o que tem e em seu ânimo se compraz”. E, depois de aconselhar o irmão a ter cuidado com as mulheres, “de insinuadas ancas” que, não têm em mira, senão o “celeiro”, conclui: “Se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo, assim faze: trabalho sobre trabalho, trabalha.” (HESÍODO, 1996, p. 49-51) Assim, é no trabalho que o homem pode encontrar a única esperança de uma vida boa, justa e pacificada.
Para Werner Jaeger, Hesíodo é o poeta do tra- balho e da justiça, é aquele que instaurou o “mundo do espírito”. Segundo Jaeger (1995, p. 85), a obra de Hesíodo revela uma cultura e uma sociedade muito diferentes daquela de Homero. Os “Erga, apresenta a mais viva descrição da vida campestre da metró- pole grega no final do séc. VIII [aC].” Enquanto a obra de Homero acentuará sobretudo “que toda a educação tem o seu ponto de partida na formação de um tipo humano nobre, o qual nasce do cultivo das qualidades próprias dos senhores e dos heróis”. De acordo com Jaeger (1995, p. 85), em Hesíodo, afirma-se o “valor do trabalho” como “segunda fonte da cultura”. Isto é confirmado pela tradução que a posteridade deu ao título da obra: Os trabalhos e os dias. É preciso, pois, observar que “a vida despreocupada da classe senhorial em Homero, não deve induzir-nos em erro: a Grécia exige dos seus habitantes uma vida de trabalho”. A forma e o conteúdo da obra, seja no mito de Prometeu no qual “...Hesíodo encontra a solução para o problema do cansaço e dos sofrimentos da vida humana”, seja no mito das Cinco idades, o qual deveria explicar a razão da “...enorme distância entre a própria existência e o mundo resplandecente de Homero, e reflete a eterna nostalgia do Homem por melhores tempos”, seja ainda no “...mito de Pandora, que é alheio ao pensamento cavalheiresco e exprime a concepção triste e prosaica da mulher como fonte de todos os males”, revelam, segundo Jaeger, a “herança popular” de Hesíodo em total contraste “à cultura da nobreza” homérica. (JAEGER , 1995, p. 89-90) O trabalho e os sofrimentos devem ter aparecido algum dia no mundo. Não podem ter feito parte, desde a origem, da ordem divina e perfeita das coisas. Hesíodo assinala-lhes como causa a sinistra ação de Prometeu, o roubo do fogo divino, que encara do ponto de vista moral. Como castigo, Zeus criou a primeira mulher, a astuta Pandora, mãe de todo o gênero humano. Da caixa de Pandora, saíram os demônios da doença, da velhice, e outros males mil que hoje povoam a Terra e o mar. (JAEGER , 1995, p. 95) Hesíodo seria o poeta da diké, o “profeta do direito”. Segundo Jaeger, Hesíodo deixa claro que a rapina e a luta traz infelicidade, incerteza e que portanto é preciso reconhecer o “valor do trabalho”. “O trabalho é celebrado como o único caminho, ainda que difícil, para alcançar a arete. O conceito abarca simultaneamente a habilidade pessoal e o que dela deriva – bem-estar, êxito, consideração”. A arete em questão não é mais a aristocrática guerreira, como em Homero, mas a “...do homem trabalhador, que tem a sua expressão numa posse de bens moderada”. (JAEGER , 1995, p. 100) Assim, o que importa é uma virtude que será alcançada com o suor do próprio rosto. Em Hesíodo, não importam mais as atividades competitivas ligadas à moral aristocrática, mas aqueles associadas à “calada e tenaz rivalidade no trabalho”. (JAEGER , 1995, p. 100) Ganhar o pão com o suor do próprio rosto não uma maldição, mas uma benção necessária. Pois é através dele que o homem conquista a virtude, a arete. Assim, segundo Jaeger “ressalta, com perfeita nitidez, que Hesíodo quer com plena consciência colocar ao lado do ades- tramento dos nobres, tal como se espelha na epopéia homérica, uma educação popular, uma doutrina da arte do homem simples”. (JAEGER , 1995, p. 100) Esta doutrina encontra na justiça e no trabalho as bases fundamentais nas quais ela e sustenta. É, pois, com Hesíodo que uma nova classe popular até então excluída da cultura ganha sua autoconsciência e independência. (JAEGER, 1995) Em suma, é com o poeta Hesíodo que segundo Jaeger “...começa o domínio e o governo do espírito, que põe o seu selo no mundo grego. É o ‘espírito’, no sentido original, o autêntico spiritus, o sopro dos
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deuses, que ele próprio descreve como verdadeira experiência religiosa...”. (JAEGER , 1995, p. 105) Assim, justiça e virtude estarão associadas à capacidade de trabalho do homem. Com isto passa ao centro das preocupações não mais o espírito de guerra e a rapina, mas o cálculo de um benefício talvez menor e seguramente mais sofrido, mas cer- tamente mais seguro e justo, através do trabalho, cuja atividade é um constante desafio. Será preciso, pois, aceitar o sofrimento do trabalho como condição de uma vida justa e pacificada.
A análise de Junito de Souza Brandão sustenta tese semelhante à de Jaeger. Segundo Brandão (1999, v.I, p. 163/4), duas leis fundamentais na Teogonia “... estão intimamente ligadas: a necessidade do traba- lho e o dever de ser justo. Trabalho e Justiça jamais poderão separar-se, porque a carência do primeiro gera a violência, isto é, a injustiça”. A “...lei do trabalho é fundamentada numa razão metafísica, quer dizer, num mito: o mito de Pandora”, que se inicia já com o castigo de Prometeu. Nos Erga, Hesíodo faz um elogio do trabalho e da justiça. O trabalho aparece como “...um preceito imposto pela vingança de Zeus. O mito de Prometeu e Pandora explica a origem dessa lei, assim como todas as desgraças que atormentam o homem...”, enquanto que, com o mito das Cinco Idades, se revela a “ne- cessidade da justiça”. Somente “...a dedicação ao trabalho e à justiça assegura a prosperidade nesta vida e a recompensa na outra. Ao revés, os que se deixam dominar pela hýbris, pela ‘démesure’, pelo descomedimento, serão implacavelmente castigados nesta e no além” (BRANDÃO, 1999, v.I, p. 164). De acordo com Brandão (1999, v.I, p. 165), em “...Hesíodo, o ánthropos, o homo, isto é, o hú- mus, o barro, a argila, o ‘descendente’ de Epimeteu e Pandora”, é aquele “que ganha a vida duramente com o suor de seu rosto”, enquanto, em “...Homero, o herói se mede por sua arete, excelência, time e honra pessoal; em Hesíodo, a arete e a time se traduzem pelo trabalho e pela sede de justiça”. Os mitos de Prometeu e Pandora “...explicam a origem do ‘desígnio do pai dos deuses e dos homens a que ninguém escapa’ e a punição dos mortais” (BRANDÃO, 1999, v.I, p. 166). Prometeu, “filho de Jápeto, bem antes da vitória final de Zeus, já era um benfeitor da humanidade. Essa filantropia, aliás, lhe custou muito caro.” Foi pelo seu amor pelos homens que Prometeu acabou por enganar seu primo Zeus que ...vendo-se enganado, ‘cólera encheu sua alma, enquanto o ódio lhe subia ao coração’. O terrível castigo de Zeus não se fez esperar: privou o homem do fogo, quer dizer, simbolicamente do nûs, da inteligência, tornando a humanidade anóetos, isto é, imbecilizou-a. (BRANDÃO, 1999, v.I p. 166) Entretanto, uma vez mais o heróico Prometeu ousou enfrentar Zeus, “...roubou uma centelha do fogo celeste, privilégio de Zeus, ocultou-a na haste de uma férula e a trouxe à terra, ‘reanimando’ os homens. O Olímpico resolveu punir exemplarmente os homens e a seu benfeitor”. (BRANDÃO, 1999, v.I p. 167) Zeus, então, imaginou para os humanos, tristes pesares, através de uma mulher, a “irresistível Pandora” e contra Prometeu sofrimentos sem igual. Consoante a Teogonia (521-534), Prometeu foi acorrentado com grilhões inextricáveis no meio de uma coluna. Uma águia enviada por Zeus lhe devorava duran- te o dia o fígado, que voltava a crescer à noite. Heracles, no entanto, matou a águia e libertou Prometeu, com a anuência do próprio Zeus, que desejava se ampliasse por toda a terra a glória de seu filho, e a despeito de seu ódio, Zeus renunciou ao ressentimento contra Pro- meteu... (BRANDÃO, 1999, v.I, p. 167) Quanto ao “belo mal”, foi, de acordo com a intepretação de Brandão (1999, v.I, p. 168), Her- mes que lhe encheu “...o coração de artimanhas, impudência, astúcia, ardis, fingimento e cinismo. (...) Por fim, o mensageiro dos deuses concedeu- -lhe o dom da palavra e chamou-a Pandora, porque são todos os habitantes do Olimpo que, com este presente, ‘presenteiam’ os homens com a desgraça!”. Foi, pois, Pandora que, por curiosidade, levou o mal aos homens. Até então, a humanidade vivia como raça divina, sem doenças, fadigas, maldades, “mas,
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portanto de escolher entre dedicar-se “ao trabalho, à justiça e ao respeito aos deuses” ou deixar-se levar pela Hýbris, o descomedimento, a injustiça e a ociosidade. Os primeiros “terão seus celeiros cheios e uma vida farta e tranquila”, os outros “serão escravos da fome e da miséria”. Assim, em Hesíodo, seja no mito das cinco idades, seja principalmente no mito de Prometeu, a dedicação ao trabalho, com todos os seus pesares e dores inevitáveis, é o horizonte que se abre ao ho- mem identificado com uma vida pacífica, comedida e justa. O homem será senhor do seu destino somente na medida em que se lança com tenacidade ao tra- balho, dia após dia, sem descanso. Caso contrário, ocioso e incontinente, se tornará escravo da sorte e da injustiça, do acaso e da violência.
Outra versão do mito de Prometeu é apresen- tada, ainda na antiguidade grega, pelo poeta trágico Ésquilo (1984a), em sua obra Prometeu acorrentado , na qual se revelam principalmente os elementos e virtudes intelectuais e ao caráter trágico do herói. Prometeu sabe que foi seu humanismo, seu desejo de ajudar aos “homens desgraçados” a causa de sua desdita. Prometeu é, pois, o deus protetor dos homens. “Previdente”, “astuto”, “multissábio”, foi ele quem lhes deu razão e pensamento, pois faziam tudo “sem razão”. As artes e as técnicas, os números e as palavras também são dádivas de Prometeu. Enfim, todas as technes humanas são devidas a Prometeu: os remédios, as curas, a adivinhação, o conhecimento dos sonhos. Prometeu é também profeta e conselheiro. Por fim, em um fragmento de Ésquilo (1984b, p. 219) de obra intitulada Prome- teu portador do fogo , o coro canta Prometeu como aquele que dá a vida e os dons aos homens.
Para Jaeger (1995, p. 309), o Prometeu acor- rentado, de Ésquilo, seria a “tragédia do Gênio”, a tragédia do espírito. Enquanto na maioria de suas obras, a tragédia acontece desde fora, porque vem de fora, em Prometeu acorrentado, ela vem de dentro. Os sofrimentos do deus titânico foram originados por uma ação desejada e deliberada de modo plenamente consciente e autônomo. Entre- tanto, essa não diz respeito a uma tragédia de tipo pessoal. Trata-se da “tragédia da criação espiritual”. Prometeu, ele mesmo, é o “fruto espontâneo da alma de poeta de Ésquilo”. Prometeu torturado, de acordo com Jaeger (1995, p. 209) “...encarna para Ésquilo o destino da humanidade. (...) Todos os séculos viram nele a imagem da Humanidade”. Jaeger, desta maneira, formula a ideia de que a fé fundamental de Ésquilo, seria precisamente a concepção de que somente pela dor e pelo sofri- mento, o ser humano pode chegar ao conhecimento. De acordo com Jaeger (1995, p. 313), ao contrário de Hesíodo para quem Prometeu não passava de um traidor que roubou o fogo de Zeus, sendo por isto castigado, Ésquilo cuja força de imaginação nós nunca saberemos “honrar e admirar suficien- temente”, ...descobriu nesta façanha o germe de um símbolo humano imortal: Prometeu é o que traz a luz à huma- nidade sofredora. O fogo, essa força divina, torna-se o símbolo sensível da cultura. Prometeu é o espírito criador da cultura, que penetra e conhece o mundo, que o põe a serviço da sua vontade por meio da organização das forças dele de acordo com os seus fins pessoais, que lhe descobre os tesouros e assenta em bases seguras a vida débil e oscilante do Homem. (JAEGER, 1995, p. 313) Segundo Jaeger (1995, p. 310), ainda, “...a concepção fundamental do roubo do fogo encerra uma ideia filosófica de tão grande profundidade e grandiosidade humana, que o espírito do Homem jamais a poderia esgotar”. Prometeu representa assim a “heroica audácia espiritual” do homem. Diz Jaeger (1995, p. 311): O iluminismo de todos os tempos sonhou com a vitória do conhecimento e da arte sobre as forças in- teriores e exteriores adversas ao Homem. Ésquilo não analisa esta crença em Prometeu. Celebra apenas o herói pelos benefícios que trouxe à humanidade, ajudando-a no seu esforço para passar da noite ao dia por meio do
progresso e da civilização. De acordo com Jaeger (1995, p. 312) Pro- meteu representa o poder do “espírito criador” do homem. Prometeu reconhece o valor superior do es- pírito como princípio governante do mundo, por isso separa-se dos titãs. Ele percebeu “...que a sua causa era desesperada, por só reconhecerem a força bruta, quando é apenas o engenho espiritual que governa o mundo”. Entretanto, Prometeu continua sendo “...um titã, pelo seu desmedido amor, que pretende erguer violentamente a humanidade sofredora acima dos limites que lhe impôs o soberano do mundo, e pelo orgulhoso ímpeto da sua força criadora”. Assim, este pathos trágico da auto-superação do homem “se eleva do sentimento à reflexão, do afeto trágico ao conhecimento trágico. Chega, com isso, ao mais alto ponto que a tragédia pretende atingir.” (JAEGER, 1995, p. 312) Deste modo, consuma-se a fé fundamental de Ésquilo na bênção da dor. É no caminho da dor que se vence o caos. Nesse caminho, encontra-se “...o fundamento originário da religião trágica de Ésquilo. Todas as suas obras se fundam nesta grande unidade espiritual” (JAEGER, 1995, p. 313). A fé na ideia de que o sofrimento é uma benção, segundo Jaeger (1995, 313) revela a força gigantesca de “uma vontade reformadora cheia de profundidade e de ardor”. Ésquilo, então, pode encontrar algum re- pouso e liberdade de espírito. A vitória de final Zeus sobre os Titãs é celebrada pelo poeta, pois trata-se simbolicamente da vitória do espírito so- bre a violência, da cultura sobre o caos. E foi Zeus “cuja essência só pode ser pressentida nos efeitos dolorosos da sua ação” quem “rasgou aos mortais o caminho dos conhecimentos, com esta lei: pela dor à sabedoria”. Só neste conhecimento o coração do poeta trágico acha repouso e se liberta “do peso da dúvida que o atormenta”. Serve-se, para tanto, do mito, que se transforma em puro símbolo, ao celebrar o triunfo de Zeus sobre o mundo originário dos titãs e da sua força provocadora da hybris. Apesar de todas as violações, sempre renovadas, a ordem vence o caos. Tal é o sentido da dor, ainda quando não o compreendemos (JAEGER, 1995, p. 314). Finalmente Jaeger (JAEGER, 1995, p. 314) conclui sua interpretação do Prometeu de Ésquilo com palavras que expressam, com magnificência e gratidão, a importância e a grandeza da obra: Eis, no Prometeu, o sentido da ‘harmonia de Zeus’, que os desejos e pensamentos humanos nunca poderão ultrapassar, e à qual, em último recurso, também a titânica criação da cultura humana terá de submeter-se. Deste modo, de acordo com Jaeger (1995, p.
O mito de Prometeu revela a essência e o sentido do sofrimento e da sabedoria humana. O trabalho e suas penas são condições necessárias de uma humanidade sofredora que, em meio a tantos males, busca o ideal de uma vida pacificada, boa e justa. Ao mesmo tempo, o mito revela o nascimento do espírito como a tragédia propriamente humana. O sofrimento é uma benção que conduz a humani- dade à sabedoria, sem a qual o homem jamais teria conseguido ultrapassar a si mesmo e constituir o mundo da cultura. (7)
BRANDÃO, J. S. Mitologia grega. Rio de Janeiro: Vozes,