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Análise Semiótica de Programas de Entrevistas: Formatos e Efeitos, Notas de estudo de Comunicação

Uma análise semiótica de dois programas de entrevistas transmitidos pela televisão brasileira: casos de família do sbt e programa silvia poppovic da tv cultura. A análise aborda os sujeitos em cena, o cenário e os objetivos do programa, com o objetivo de entender os efeitos acionados pelas diferentes construções de formatos.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

A_Santos
A_Santos 🇧🇷

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Programas de entrevistas: formatos
e efeitos
Dimas Alexandre Soldi
Índice
1 Introdução............................... 2
2 Do objeto: gênero e formato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
3 Da narrativa de conto de fadas à causa social . . . . . . . . . . . . . 6
4 Docaosàharmonia.......................... 12
5 Consideraçõesfinais.......................... 14
6 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Resumo
Programas televisivos são objetos amplos de significação do ponto de vista
das diversas linguagens que, em interação, os compõem. Porém, apesar da
diversidade de recursos utilizados em sua produção, sua estrutura narrativa de
base muito se assemelha à do conto canônico (o conto maravilhoso, segundo
V. Propp), no qual os actantes desempenham a mesma seqüência narrativa,
enquanto sujeitos em busca de objetos de valor enfrentando percursos de anti-
sujeitos. E até os valores pretendidos não destoam daqueles do passado, pois
parece que as paixões humanas continuam as mesmas. É o que se observa
na análise de dois programas de entrevistas transmitidos pela televisão brasi-
leira: Casos de Família, do SBT ePrograma Silvia Poppovic, da TV Cultura.
Neles, a escolha dos participantes dos programas, a forma como interagem,
Jornalista e mestrando do programa de pósgraduação em Comunicação Midiática da
Universidade Estadual Paulista, Unesp/ campus de Bauru. É também membro efetivo do
GESUnesp Grupo de Estudos Semióticos desde 2003 (www.faac.unesp.br/ges).
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Programas de entrevistas: formatos

e efeitos

Dimas Alexandre Soldi∗

Índice

1 Introdução............................... 2 2 Do objeto: gênero e formato..................... 3 3 Da narrativa de conto de fadas à causa social............. 6 4 Do caos à harmonia.......................... 12 5 Considerações finais.......................... 14 6 Referências bibliográficas....................... 15

Resumo

Programas televisivos são objetos amplos de significação do ponto de vista das diversas linguagens que, em interação, os compõem. Porém, apesar da diversidade de recursos utilizados em sua produção, sua estrutura narrativa de base muito se assemelha à do conto canônico (o conto maravilhoso, segundo V. Propp), no qual os actantes desempenham a mesma seqüência narrativa, enquanto sujeitos em busca de objetos de valor enfrentando percursos de anti- sujeitos. E até os valores pretendidos não destoam daqueles do passado, pois parece que as paixões humanas continuam as mesmas. É o que se observa na análise de dois programas de entrevistas transmitidos pela televisão brasi- leira: Casos de Família, do SBT e Programa Silvia Poppovic, da TV Cultura. Neles, a escolha dos participantes dos programas, a forma como interagem,

∗Jornalista e mestrando do programa de pósgraduação em Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista, Unesp/ campus de Bauru. É também membro efetivo do GESUnesp – Grupo de Estudos Semióticos – desde 2003 (www.faac.unesp.br/ges).

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a disposição no espaço e o uso do tempo produzem efeitos de sentido que ratificam a narrativa canônica. A investigação do formato dos dois programas evidenciará a organização das categorias actoriais, espaciais e temporais no nível discursivo e a forma como elas se estruturam no nível narrativo, salien- tando as figuras e seus respectivos temas.

Palavras-chave: televisão; programas de entrevistas; formatos; semiótica francesa; efeitos de sentido.

1 Introdução

O presente trabalho procura examinar aspectos do formato de dois progra- mas de entrevistas da televisão brasileira, numa tentativa de desvendar como eles são organizados e compará-los. O corpus da pesquisa, Programa Silvia Poppovic, da TV Cultura, e Casos de família, do SBT, são programas de com- portamento que têm como característica principal o fato de serem temáticos e de haver convidados (pessoas desconhecidas) discutindo o tema e expondo suas vidas. A tarefa de analisar programas de entrevistas televisivos não é fácil, já que são objetos passíveis de observação sob diversos pontos de vista. Pode- se empreender uma análise, por exemplo, por abordagem psicológica, numa tentativa de entender porque pessoas desconhecidas da grande mídia vão à TV para expor assuntos de foro íntimo. Ou, numa abordagem antropológica, observar os diversos tipos de sujeito que aparecem na televisão, suas identida- des e representações. Pode-se também fazer uma leitura apenas sob o ponto de vista técnico-comunicacional, identificando os recursos técnicos presen- tes. De qualquer forma, o que se pretende dizer é que enunciados televisivos são objetos de ampla significação e nenhuma teoria, por mais completa que seja, pode dar conta de todo o processo de comunicação e significação. Por essa razão, optou-se pela teoria semiótica francesa greimasiana, que oferece um instrumental capaz de apreender a diversidade e complexidade do objeto, seja ele um texto impresso, uma pintura, uma dança, uma propaganda ou um enunciado televisivo. Para explicar a opacidade de um texto, sua trama simbólica e suas estra- tégias persuasivas, a semiótica trata de examinar os procedimentos da cons- trução textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e de recepção, evidenciando “o que o texto diz e como diz o que diz”, famosa

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diálogo, as narrativas seriadas, o telejornal, as transmissões ao vivo, a poesia televisual, o videoclipe e outras formas musicais. Numa linha de raciocínio semelhante, Ciro Marcondes Filho (2001), classifica os seguintes tipos de gê- neros: o telejornal, o documentário, a revista da semana; as telenovelas, as mini-séries, os longa-metragens; o humor; programas de entrevistas com au- ditório; os programas esportivos; os musicais; e a publicidade na TV. François Jost (2004), no entanto, propõe um modelo classificatório mais sintético no momento em que faz referência há apenas três gêneros englobantes: o real, o fictício e o lúdico. A diferença entre os dois primeiros relaciona-se com a preponderância dos efeitos de realidade (telejornalismo, documentário, por exemplo) ou de ficção (novelas, minisséries, seriados), enquanto o último não tem comprometimento nenhum com esses dois efeitos, sendo híbrido (pen- semos, por exemplo, no gênero reality show, que é composto por diferentes formatos de diferentes gêneros). Desse modo, uma primeira classificação em termos de gênero já é possí- vel de ser concebida acerca do corpus deste trabalho. Seguindo as orientações dos três pesquisadores, os dois programas (Casos de família e Programa Sil- via Poppovic) classificam-se por programas de entrevistas com auditório cuja forma é fundada no diálogo que tem por objetivo construir um efeito de rea- lidade. São denominados talk-show ou programa de entrevista sobre o tema “comportamento”, que pretendem chegar à compreensão da realidade atra- vés do diálogo dos participantes. São arquitetados de modo a produzir um efeito de realidade, de verdade. Dessa forma, a principal característica dos dois programas é discutir o mundo real, daí seu caráter temático, pautando-se nos temas da realidade, mais especificamente da contemporaneidade. O Programa Silvia Poppovic, por exemplo, diz-se preocupado sempre com a “qualidade de vida”, com a necessidade de melhorar a vida no mundo con- temporâneo. Seus temas apresentam, portanto, um mundo com certas fragi- lidades decorrentes dos dias atuais, em que o ritmo de vida urbano, aliado às novas tecnologias e às novas formas de viver, acarreta significativas transfor- mações sociais, muitas vezes negativas. Nesse sentido, o programa discute as “conseqüências negativas do mundo contemporâneo” e procura encontrar soluções para contornar essa situação, ou seja, para sair de uma situação dis- fórica rumo a uma situação eufórica. Como exemplo, no mês de julho/ os temas das edições do Silvia Poppovic foram: “violência praticada pelos jovens” (09/07), “a difícil tarefa de encontrar a alma gêmea” (13/07), “dor crônica” (20/07) e “assédio sexual no trabalho” (27/07). O outro programa,

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Casos de família, também arquiteta a mesma ilusão de realidade quando ex- põe temas do mundo real (nesse caso, o próprio título já sugere). Sua tarefa principal é também encontrar soluções eufóricas para a situação disfórica vi- gente. Alguns temas do mês de julho foram: “ela não sai do salão de beleza” (06/07), “gosto de você, mas não suporto a sua família” (13/07), “minha fa- mília não aceita o meu trabalho” (20/07), “minha irmã trata melhor as amigas do que a mim” (27/07). O outro termo presente em nosso título também merece alguns esclare- cimentos. A definição de formato parece ser tão perturbadora, senão mais, quanto à definição de gênero, principalmente porque nas obras citadas ante- riormente esse termo nem sequer aparece. De qualquer forma, tomemos um caminho. Aronchi define o formato como “a forma e o tipo da produção de um gênero de programa de televisão” (2006, p. 8-9). Definição não muito precisa, mas que demonstra a capacidade de atualização, de uso, dos diferen- tes gêneros, de modo que um mesmo gênero pode englobar diversos formatos. O gênero telejornal, por exemplo, pode atualizar-se com formatos diferentes (basta comparar rapidamente o Jornal Nacional da Rede Globo com os ou- tros telejornais da mesma emissora ou de emissoras diferentes, o resultado mostrará que, por mais parecidos que eles possam ser, apresentarão significa- tivas diferenças em relação aos usos dos diferentes elementos verbais, visuais e sonoros). De qualquer modo, queremos dizer que os dois programas que constituem nosso corpus, embora sejam frutos do mesmo gênero, apresentam formatos diferentes, senão antagônicos. É o que veremos mais a fundo no decorrer deste trabalho. Ambos os programas apresentam atores semelhantes, em número de qua- tro, são assim figurativizados: 1. apresentadora, 2. especialista (este é o sujeito que vai até o programa para discutir o assunto de acordo com o seu conhecimento científico, geralmente tem formação em psicologia, psiquiatria ou psicanálise), 3. convidado (sujeito que vai ao programa para discutir o assunto de acordo com seu conhecimento empírico, relatando suas experiên- cias mais íntimas), 4. platéia. No programa da TV Cultura, a jornalista Silvia Poppovic é quem direciona o programa; em Casos de Família, é a jornalista Regina Volpato. O fato de as duas apresentadoras serem jornalistas corrobora o efeito de sentido de realidade, de verdade, de não-ficção. O Programa Silvia Poppovic,semanal, foi exibido às quintas-feiras à noite e reprisado no sábado à tarde, com duração de aproximadamente uma hora. No início do programa a apresentadora entra no cenário, cumprimentando a

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tante; 4- todas as funções conhecidas do conto definem um só tipo e se orga- nizam segundo uma única narrativa^2. A partir da hipótese proppiana, Greimas estabeleceu o inventário dos ac- tantes e dos papéis actanciais. Após essa remodelagem, que culminou com a narratividade do percurso gerativo de sentido, a teoria pôde ser aplicada em di- ferentes objetos, o que a tornou mais abrangente, possibilitando estudá-la em produtos dos meios de comunicação de massa^3. Mas se voltarmos a Propp, a mesma estrutura narrativa observada por ele nos contos de fadas continua predominando mesmo em gêneros predominantemente “reais” (JOST, 2004). Do mesmo modo, as análises semióticas de textos ficcionais podem ser trans- postas integralmente para a análise dos programas de entrevistas. Através dos estudos realizados por Greimas acerca da narratividade, é pos- sível conceber três tipos de actantes, Destinador, sujeito/anti-sujeito e objeto, que, quando concretizados em atores, assumem papéis temáticos, que nos contos de fadas são facilmente reconhecidos: uma princesa, na busca por um príncipe encantado, é surpreendida por um percurso de uma bruxa e só o seu pretendente, o príncipe, é quem pode ajudá-la, ou seja, sujeitos manipulados que estão em busca de objetos, mas que são surpreendidos pelo percurso de anti-sujeitos. Esse tipo de trama pode ser concebida por percursos narrativos decorren- tes de ações dos actantes definidos por Greimas: Entende-se por Destinador o actante que

comunica ao Destinatário-sujeito não somente os elementos da com- petência modal, mas também o conjunto dos valores em jogo; é também aquele a quem é comunicado o resultado da performance do Destinatário- sujeito, que lhe compete sancionar. Desse ponto de vista, poder-se-á, portanto opor, no quadro do esquema narrativo, o Destinador manipula- dor (e inicial) e Destinador julgador (e final) (GREIMAS; COURTÉS, 1983, p. 115).

Para Denis Bertrand (2003), o Destinador nas narrativas etnoliterárias (mi- tos, contos, rituais etc.) é caracterizado pela estabilidade, nas quais seu papel

(^2) Em “Em busca dos contos perdidos”, Mendes realiza uma análise morfológica dos con-

tos de Perrault, comparando-a a análise realizada por Propp. A autora demonstra a relevância dos estudos do autor russo mesmo quando aplicados à outra coletânea de contos. (^3) O GES-Com/Unesp/Bauru (Grupo de Estudos Semióticos em Comunica- ção) desde 1999 vem aliando semiótica francesa com estudos em comunicação: http://www.faac.unesp.br/pesquisa/ges/

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de Destinador é a tal ponto definido que não se espera outra atitude. Em suas palavras,

é ele quem atribui uma missão ao herói no momento do contrato, é ele que reconhece e avalia a ação concluída no momento da sanção. Papel cristalizado e permanente no universo do conto, o Destinador é o grande regulador que encarna o pano de fundo axiológico, definindo o desejável, o temível e o odiável logo de início, e avaliando ao final do percurso a conformidade das ações realizadas. É Deus, é o Rei e todas as instâncias delegadas da autoridade, que formam tantos papéis típicos e estereotipados do Destinador (o pai, o policial, o professor etc.) (2003, p. 342).

Já o sujeito é o actante que se define pela relação juntiva (junção ou con- junção) com o objeto (objeto almejado pelas aspirações do sujeito) e que, no seu percurso, revestido de valores modais (querer, dever, saber e poder-fazer) delegados pelo Destinador, cumpre uma performance em busca desse objeto, através do qual entra em conjunção ou disjunção com os valores descritos no enunciado. O sujeito recebe do Destinador competência modal para realizar a performance, a partir da qual será julgado pelo próprio Destinador (julgador). No programa Casos de família pode-se conceber, de forma bem definida e, na maioria das vezes, figurativizada, os três actantes propostos por Grei- mas. O programa é formado por quatro categorias de atores – apresentadora, especialista, convidados e platéia – cada um desempenhando papéis actanci- ais do nível narrativo. Num primeiro momento, é necessário explicitar como são organizados os convidados, as pessoas que já vivenciaram empiricamente o tema que será discutido em cada edição do programa. Em Casos de família a participação ocorre sempre em dupla, quatro duplas em cada edição. Em uma dupla, um indivíduo expõe o que o desagrada em relação ao parceiro, não reciprocamente, apenas um se queixa e o outro ouve a queixa que lhe cabe, tentando se defender, tudo isso com interrogações da apresentadora e julgamento dos demais. Entra, no cenário, uma dupla por vez, até todas as duplas contarem seus “casos” e, finalmente, serem julgadas pela platéia, pelo especialista e pela apresentadora que arremata o julgamento. O reclamante de uma dupla de convidados é o actante sujeito, que está em busca de uma relação conjuntiva com o objeto, este sempre implícito no enunciado (no tema). O reclamado (segundo integrante da dupla) é o anti- sujeito, que pelo seu percurso torna-se o objeto disjunto em relação ao su- jeito, é quem dissemina a desordem inicial, opondo-se ao percurso do sujeito.

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pessoa (você). O objeto aparece, inicialmente, em disjunção, numa relação disfórica com o sujeito, decorrente do percurso do anti-sujeito. O Destinador- manipulador e o Destinador-julgador sempre são os mesmos, são actantes fixos. Dessa forma, o que se tem é o esquema narrativo canônico (manipu- lação, competência, performance e sanção) muito bem definido. Os convida- dos (sujeito e anti-sujeito), após realizarem um contrato com a apresentadora (Destinador-manipulador), recebem competência modal do poder-fazer (po- dem reivindicar o seu objeto valor), realizam a performance (reivindicam) e, por fim, são julgados pelos outros participantes dos programas (Destinador- julgador). Essa organização, quando revestida por elementos semânticos, ma- nifesta conteúdos semelhantes aos das histórias investigadas por Propp, ou dos contos de fadas de Perrault, nas quais sempre há o duelo entre sujeito e anti-sujeito. Já o outro programa que integra o corpus constrói os papéis actanciais através da figurativização de seus atores em cena de uma forma diferente. No Programa Silvia Poppovic, os personagens que compõem o cenário não resul- tam em papéis actanciais perfeitamente delimitados, embora desempenhem papéis. Os convidados não adentram o programa em duplas, não têm laços familiares e, desde o início do primeiro bloco, já se encontram nos seus de- vidos lugares, ao lado da apresentadora e do especialista, formando parte de um círculo. O objeto-valor da narrativa não depende do tema diário do pro- grama, que talvez fosse o objeto modal, mas o grande objeto-valor, presente em todos os programas, relembrado pela apresentadora em todas as edições, é a “qualidade de vida”. O ator Silvia Poppovic sempre expõe, no início do

Casos de família exibidas entre os meses de julho e agosto de 2006, que constam em anexo no final deste trabalho. A maioria delas apresenta exatamente essa composição actorial, em que os actantes sujeito e anti-sujeito são figurativizados em atores durante a narrativa. Destas 30 edições, 76,66 % (23 edições) são concebidas deste modo (anexo 1). As sete edições restantes (anexo 2), no entanto, não obedecem a essa identificação actorial. Nestas, o anti- sujeito não está figurativizado em ator, ou seja, ele não participa diretamente da narrativa (não está presente durante o programa), apenas é convocado: “nossos filhos atrapalham o nosso relacionamento”; “gosto de você, mas não suporto a sua família”; “minha mãe é sempre enrolada pelos namorados dela”. Em outras, o sujeito aparece em segunda e terceira pessoas e o anti-sujeito está implícito no próprio sujeito: “ela só gosta de homens mais velhos”; “você aprontou tanto que ninguém te respeita mais”; “você não aceita a ajuda de ninguém”; “sua vida não pode parar”; “você se preocupa demais com o que os outros falam”. De qualquer forma, o que interessa é que em todos os casos há a presença marcante do anti-sujeito, o que cria o clima de dualidade.

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programa, qual o tema da edição e logo em seguida reforça o objetivo do programa: busca por uma melhor qualidade de vida no mundo moderno. Dessa forma, pode-se compreender essa estrutura narrativa da seguinte maneira: convidados, especialista, platéia e apresentadora são, em conjunto, o sujeito que almeja o objeto-valor, que é produzir um programa com infor- mações úteis para a sociedade contemporânea, já que todos, fazendo parte da mesma sociedade, são passíveis de sofrer a disforia apontada pelo tema. Esse sujeito, num primeiro momento, é motivado por um Destinador-manipulador abstrato: o desejo de estar em conjunção com “qualidade de vida”. Mas, num outro nível, o sujeito é persuadido por um Destinador figurativizado, que age individualmente, incitando-o a querer mais qualidade de vida, pelas conseqüências negativas decorrentes do mundo moderno, aquelas que sem- pre aparecem no tema: a própria apresentadora. Não há Destinador-julgador explícito, já que a finalidade do programa é discutir temas, é tentar contri- buir para “qualidade de vida”. O anti-sujeito, no principal esquema narrativo, também não aparece figurativizado^5.

Participantes do programa

Apresentadora (que representa o desejo de melhor qualidade de vida).

Apresentadora, es- pecialista, convida- dos e platéia.

Qualidade de vida

Actantes narrativos

Destinador Sujeito Objeto valor

Nesse sentido, evidentemente, os formatos dos programas são completa- mente diferentes: no primeiro os convidados queixavam-se uns dos outros à apresentadora e à platéia, de acordo com o tema do dia; no segundo, não há queixas, não há alguém (figurativizado) em quem “colocar a culpa” do pro- blema (tema) que o aflige, mas há um desabafo, uma conversa, uma exemplifi- cação. Neste, os convidados não vão ao programa para encontrar os culpados pelos seus problemas e puni-los, mas para serem exemplos que ilustrem o

(^5) Também, para a compreensão deste programa, foram investigadas 30 edições, que se- guem em anexo (3). Em Silvia Poppovic a estrutura é a mesma em todas as edições. O anti-sujeito nunca está concretizado em ator, é apenas sugerido, mas o problema já está con- trolado (em “ejaculação precoce”, por exemplo, os participantes embora ainda tenham o pro- blema já encontraram soluções para amenizá-lo) ou resolvido (em “violência doméstica”, por exemplo, os participantes já passaram pelo problema e já se recuperaram).

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posição distanciada dos outros, acentuam uma oposição temática julgadores vs. julgados, que num sentido mais profundo distingue os bons dos maus. Cada ator tem figurativização e tematização própria. De um lado, figurativi- zado pela união de apresentadora, platéia e júri, encontra-se o ator julgador que, assim instituído pelo saber popular, representa o povo, no sentido mais popular do termo: “a voz do povo é a voz de Deus”. Já o especialista, tam- bém membro do júri, desempenha o papel temático de representante do co- nhecimento científico. Assim, “Deus” e “ciência”, fé e razão, juntos, têm o poder para julgar e constituir o equilíbrio. A apresentadora torna-se também, até mesmo pela mediação que realiza entre ambos os lados, a figurativização desse próprio equilíbrio, como um pêndulo; alguns temas, como o da modera- ção e o da ponderação, contribuem para a aspectualização desse ator. Do lado oposto, encontram-se, divergentemente, os temas do caos, da desordem, do desequilíbrio, figurativizados pelos atores que estão em conflito, e que devem ser julgados. Nota-se, em Casos de família, um maniqueísmo que articula todo o processo de realização do programa: é a velha luta entre o bem o mal, entre o certo e o errado, entre o sujeito e o anti-sujeito. Esse aspecto não se apresenta dentro da estrutura do Programa Silvia Pop- povic, em que a actorialização e a espacialização contribuem para a consoli- dação do tema harmonia, que significa, segundo o dicionário Aurélio: “1. disposição bem ordenada entre as partes de um todo, 2. proporção, ordem e

  1. paz coletiva entre pessoas”. Embora as duas primeiras definições sejam válidas, é na última que se apóia a tematização. O clima entre as pessoas, exatamente por não haver julgamento entre as partes, é de cordialidade, de amizade, de igualdade e de intimidade. Todos os atores, apresentadora, es- pecialista, convidados e platéia, desempenham o mesmo papel temático, o de colaboração para uma melhor qualidade de vida. Ele se torna mais evidente principalmente em relação à disposição dos participantes no cenário, cujos lugares, da apresentadora, do especialista e dos convidados, formam parte de um círculo; todos se sentam lado a lado, como iguais, cultural e socialmente. De acordo com os temas dos programas, é possível pensar em uma oposi- ção inicial que reside em domínio particular vs. domínio público. Embora os dois programas tentem construir enunciados que se assemelhem ou que man- tenham relações intrínsecas com a vida real, a forma como isso se dá produz efeitos opostos. O Programa Silvia Poppovic preocupa-se em generalizar o tema, concedendo-lhe um caráter plural, já que todos, de alguma forma, estão envolvidos direta ou indiretamente com o assunto, da forma como já sugere o

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slogan “qualidade de vida”, reiterado em todos os programas pela apresenta- dora. Casos de Família, ao contrário, procura particularizá-lo nas entrevistas com os convidados, que “sofrem” diretamente o tema e apresentam como re- sultado efeitos diferentes em cada programa. No primeiro, a tentativa é apenas discutir o tema, exemplificando-o com a experiência dos entrevistados, que, na maioria das vezes, apresenta soluções eufóricas para o tema, de uma forma geral, talvez num modelo público de abordagem; no segundo, a tentativa é discutir o caso particular que se enquadra no tema, procurando encontrar uma solução para o caso específico, talvez numa abordagem particular do tema.

5 Considerações finais

Pela leitura do formato dos dois programas que fazem parte do corpus foi possível compreender como a articulação de seus diferentes elementos (orga- nização narrativa, atores, espaço, temas) conduz a efeitos de sentido diversos. Cada escolha, mesmo a mais ingênua, pode manifestar sentidos, e corroborá- los com isotopias figurativas com que o enunciado, em sua plenitude, deseja propor significações. Num primeiro momento, um formato constrói a sua estrutura narrativa semelhante à dos contos de fadas, em que o sujeito e o anti-sujeito têm papéis antagônicos e imprescindíveis para o efeito de dualidade presente. Como foi dito, essa estrutura aparece em cerca de 76% das edições que fazem parte do corpus deste trabalho do programa Casos de família, o que demonstra a sua recorrência decorrente talvez de sua eficiência como objeto midiático no sentido de atender aos padrões (de audiência, talvez) impostos pela emissora. O outro formato é articulado de tal modo que os atores exercem sempre um mesmo papel actancial, com um único objetivo, imprescindível para o efeito de cordialidade presente^6. Quando essa estrutura profunda é preenchida com elementos figurativos e temáticos, os efeitos de sentidos ficam claros e as comparações ficam ainda mais explícitas. Este trabalho, evidentemente, privilegiou determinados aspectos em de- trimento de outros, já que uma proposta de analisar um texto audiovisual que assuma todas as linguagens seria uma longa tarefa. Todavia acredita-se que, em relação ao formato, foi possível desvendar através de sua desconstrução os principais efeitos. É claro que a análise de outros elementos (tais como a

(^6) Vale ressaltar que o Programa Silvia Poppovic não está mais no ar; suas últimas edições

foram reprisadas no final de 2006.

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Anexo 1

Data de exibição Temas das edições de Casos de família 03/07 Não me entendo com o meu padrasto 04/07 Você coloca os meus filhos contra mim 05/07 Você faz promessas demais 06/07 Ela não sai do salão de beleza 07/07 Você me trocou por sua religião 11/07 Só caso se for no papel 14/07 Meu ex não deixa eu ter outro relacionamento 17/07 Ele diz que trabalha, mas eu não vejo o dinheiro 18/07 Não sei se quero me casar com você 20/07 Minha família não aceita o meu trabalho 21/07 O namorado da minha filha pensa que é o dona de casa 25/07 Tenho medo que meu filho se envolva com drogas 27/07 Minha irmã trata melhor as amigas do que a mim 28/07 Ela é a fofoqueira do bairro 31/07 Eu brigo muito com meu irmão gêmeo 01/08 Quero que meu pai participe mais da minha vida 03/08 Meu filho apronta, mas quem sofre as conseqüências sou eu 04/08 Ele se dedica mais ao carro do que a mim 08/08 Minha mãe não me deixa viver 09/08 Eu namoro você e não os seus amigos 10/08 Eu quero morar com o meu pai 11/08 Meu ex não sai da minha casa 14/08 Meu marido não admite que é ciumento

Programas de Entrevistas: Formatos e Efeitos 17

Anexo 2

Data de exibição Temas das edições de Casos de família 12/07 Nossos filhos atrapalham o nosso relacionamento 13/07 Gosto de você, mas não suporto a sua família 19/07 Ela só gosta de homens mais velhos 24/07 Você aprontou tanto que ninguém te respeita mais 26/07 Você não aceita a ajuda de ninguém 02/08 Minha mãe é sempre enrolada pelos namorados dela 07/08 Sua vida não pode parar