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Uma análise detalhada do romance 'budapeste' de chico buarque, que explora o tema do duplo através da personagem josé costa, um escritor de monografias que vive duas vidas divididas entre o brasil e a hungria, duas mulheres e duas culturas. O texto também aborda a relação entre chico buarque e josé saramago, e como o tema do duplo se manifesta de forma inusitada no romance. Além disso, é discutido o papel da linguagem e da autoria nas obras de chico buarque.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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Centro de Letras e Comunicação Programa de Pós-Graduação em Letras – Mestrado Área de Concentração: Literatura Comparada Linha de Pesquisa: Literatura e História Dissertação Articulações do duplo em Budapeste e em O Homem Duplicado Danieli de Oliveira Vilela Pelotas, 2017
Danieli de Oliveira Vilela Articulações do duplo em Budapeste e em O Homem Duplicado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração: Literatura Comparada. Orientador: Prof. Dr. Alfeu Sparemberger Pelotas, 2 017
Dedico este trabalho ao meu duplo, meu esposo Fábio Pinheiro, à nossa filha Sophia e ao nosso filho Pedro, que vai nascer quase junto com esse trabalho.
Vivem em nós inúmeros; Se penso ou sinto, ignoro Quem é que pensa ou sente. Sou somente o lugar onde se Pensa e sente Tenho mais almas que uma. Há mais eus do que eu mesmo. Existo todavia Indiferente a todos. Faço-os calar: eu falo. Os impulsos cruzados Do que sinto ou não sinto Disputam em quem sou. Ignoro-os. Nada ditam. A quem me sei: eu escrevo. Ricardo Reis
Resumo VILELA, Danieli Oliveira. Articulações do duplo em Budapeste e em O Homem Duplicado. 2017. 92 , f. Dissertação (Mestrado em Letras – Literatura Comparada) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Letras e Comunicação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas - RS. A presente dissertação aborda a temática do duplo na literatura, bem como a desestabilização do sujeito pós-moderno. O estudo procura contribuir na expansão da análise do duplo, tema presente em muitas culturas e igualmente presente em muitas obras literárias, colocando dois romances em relação. Para dar suporte teórico ao estudo utilizaram-se autores da área da filosofia (Clement Rosset), da psicologia (Otto Rank, Freud e Jung) e da literatura (Tzvetan Todorov). O corpus literário de análise são as obras Budapeste (2003), do autor brasileiro Chico Buarque, e O Homem Duplicado (2008), do autor português José Saramago. Palavras-chave: duplo; doppelganger ; mise en abyme; Chico Buarque; José Saramago.
Lista de Figuras Figura 1. Johannes Vermeer, O Atêlie ou Alegoria da Pintura , 1666, óleo sobre tela, 1,30 x 1,10, Viena, Kunsthistorisches Museum ................................................. 34 Figura 2. Chico Buarque de Hollanda (1944 – ) .................................................... Figura 3. Eyck, Jan Van, O Casal Arnolfini , 1434, óleo sobre tábua, 0,80 x 0,60, Londres, Galeria Naciona l......................................................................................... Figura 4. Diego Velásquez, Las Ninãs , 1656, óleo sobre tela, 3,18 x 2,76, Madrid, Museu do Prado ........................................................................................................ Figura 5. Esquema da literatura encaixada em Budapeste , de minha própria autoria......................................................................................................................... Figura 6. Capa do livro Budapeste , publicado pela editora Companhia das Letras, projeto gráfico de capa de autoria de Raul Loureiro.................................................. Figura 7. José Saramago (1922 – 2010) ................................................................
12 Inúmeros autores, psicólogos, filósofos e artistas trataram do tema que em geral circula através da ideia de irmãos, sejam estes gêmeos ou não, sósias, máscaras, espectros, reflexos no espelho, sombras, ou da alma que de alguma forma é capturada e aprisionada num quadro, foto ou espelho. Assim, a presente dissertação divide-se em três capítulos, além da introdução e considerações finais. No primeiro capítulo da Dissertação, intitulado “O termo duplo e sua trajetória cultural”, é realizado um panorama do termo duplo na literatura, um tema que está em constante transformação e que por isso se torna sempre contemporâneo e passível de ser revisitado. No capítulo seguinte, intitulado “Os escritores, as obras e o tema do duplo” procedemos a uma apresentação dos autores trabalhados e seus universos romanescos. Ambos são extremamente conhecidos, entretanto, Chico Buarque ainda é mais lembrado como compositor do que como autor. Assim, este capítulo tem o intuito de analisar a atividade de Chico Buarque como escritor, situar no tempo e no espaço as obras analisadas, bem como o de verificar se os autores já haviam trabalhado com o tema do duplo em outras obras. À luz do referencial teórico apresentado, aborda-se, primeiramente, o romance Budapeste, cuja personagem, José Costa, trabalha como ghost-writer e vive uma crise de identidade motivada pela questão da autoria das obras e também pela vida dupla que leva, ora no Brasil, ora na Hungria, dividido entre duas mulheres, duas culturas, duas línguas, duas cidades, e especialmente entre o narrar e o ser narrado. E, posteriormente, é feita a análise do romance O Homem Duplicado, de José Saramago, que focaliza a personagem Tertuliano Máximo e seus questionamentos acerca de sua identidade depois de descobrir a existência de um homem idêntico a ele, mas com um estilo de vida completamente diferente e que ele passa a desejar. O terceiro e último capítulo, intitulado “O duplo e a narrativa em Budapeste e em O Homem Duplicado”, é dedicado à análise comparativa do duplo nas duas narrativas e a discutir sobre o lugar da narrativa na sociedade pós- moderna. Ainda com relação aos autores, Chico Buarque e José Saramago mantiveram uma relação de amizade e admiração e chegaram a trabalhar juntos num projeto denominado Terra. A obra é um livro com imagens do fotógrafo Sebastião Salgado,
13 que traz o prefácio assinado por José Saramago e um CD com quatro canções de Chico. O trabalho, lançado em 1997 pela editora Companhia das Letras, foi uma oportunidade de estreitar a relação entre eles. Uma curiosidade é que uma das canções de Chico, feitas para este projeto, chama-se “Levantado do Chão”, título tomado emprestado do romance de autoria de Saramago, de mesmo nome, publicado em 1980. Chico era leitor de Saramago e vice-versa, e o autor português chegou a escrever um texto a respeito de Budapeste em seus cadernos, que posteriormente foi colocado na orelha do livro de Chico: [...] um livro existe, deixará de existir, existirá outra vez. Uma pessoa escreveu, outra assinou, se o livro desaparecer, também desaparecerão ambas? E se desaparecerem, desaparecem no todo ou em parte Se alguém sobreviveu, sobreviveu neste, ou noutro universo? Quem serei eu, se tendo sobrevivido, não sou já quem era? Chico Buarque ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre um arame, e chegou ao outro lado. Ao lado onde se encontram os trabalhos executados com maestria, a da linguagem, a da construção narrativa, a do simples fazer. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro (SARAMAGO, 2008, s/p.). Finalmente, nosso estudo justifica-se pelo fato de que embora os dois autores sejam muito estudados, não há análises comparativas entre os dois autores no que tange às referidas obras.
15 O Romantismo alemão deu ao Duplo ( Doppelgänger ) uma ressonância trágica e fatal... ele pode ser o complementar, porém, mais frequentemente, é o adversário, que nos desafia ao combate... encontrar seu duplo é, nas tradições antigas, um acontecimento nefasto, até mesmo um sinal de morte (CHEVALIER, 2007, p. 354). Muito embora o termo tenha surgido com Richter durante o Romantismo alemão, a ideia de duplo está presente em narrativas desde a Antiguidade e ainda hoje é bastante produtivo, especialmente quando apoiado nesta questão atualíssima da fragmentação do eu no mundo globalizado, a solidão humana e a indiferença pelo outro ou impossibilidade de compreendê-lo e de se colocar no lugar do outro. Uma das primeiras denominações do termo foi alter-ego, nome dado aos sósias, nas comédias de Plauto. Essas pessoas tão parecidas a ponto de serem confundidas também foram chamadas de almas gêmeas, irmãos siameses ou almas irmãs, até que o termo se consagrasse no Romantismo como “duplo”. Posteriormente outras expressões também tiveram sua popularidade, como Je est un outre (eu é um outro) de Rimbaud, e el outro (o outro) de Borges. A premissa de Rimbaud, ao colocar o sujeito na primeira pessoa e o verbo na terceira, parece apontar para a ideia de que há um eu que me constitui e outros “eus” que não sou eu, ou seja, o sujeito se pensa sempre como eu e não como outro para o outro, que por sua vez também se pensa somente eu, e assim sucessivamente, como num jogo de espelhos. Essa formulação traz á tona uma questão antiga do ser humano: quem sou eu? El outro (o outro) de Borges, remete a narrativa que promove o encontro entre dois homens que estão num espaço temporal diferente, e que ora se reconhecem a si mesmos no outro, ora não se reconhecem naquele que é ele e ao mesmo tempo não é. Dessa forma, o processo de construção do duplo de Borges tem seu alicerce na relação entre semelhanças e diferenças. Conforme o próprio Borges diz: “Meu dever era conseguir que os interlocutores fossem bastante diferentes para serem dois e bastante parecidos para serem um” (BORGES, 2009, p.106). Há, em ambos, certa semelhança física, mas há naturalmente, uma diferença em função de seu distanciamento temporal e de tudo que um já viveu e que o outro
16 ainda viverá. Há, também, a diferença filosófica em virtude da ingenuidade juvenil e da experiência da velhice. E, por fim, há a relação entre o real e o onírico. No verbete “duplo”, do Dicionário de Símbolos , organizado por Chevalier e Gheerbrant, consta que em todas as culturas os animais foram representados em duplicata e isto não se dá única e exclusivamente por fins estéticos ou ornamentais, mas porque os animais representados possuem uma dupla polaridade simbólica para o bem ou para o mal, como se vê no trecho sobre o leão: “O leão, por exemplo, simboliza, por sua força, ao mesmo tempo o poder soberano e o apetite devorador, quer seja ele apetite de justiça vindicativa, quer seja o do déspota sanguinário, o da vontade de poder” (CHEVALIER, 2007, p. 353). Além disso, a duplicação pode ser uma forma de redobrar o sentido de uma das polaridades. Já as religiões, em sua maioria, entendem a alma como um duplo do homem, podendo separar-se do seu corpo através da morte, do sonho ou da magia e reencarnar tanto no mesmo corpo quanto em outro, dependendo da religião. Já em termos de conhecimento ou consciência de si, Chevalier aponta outro desdobramento, entre consciente e inconsciente. No Gênesis, o homem primeiro é um e, depois, Deus o transforma em dois e cria a mulher. A partir dessa cisão, o homem passa a ter uma espécie de “natureza dupla”, como se só através da união dos dois elementos separados o homem se sentisse completo novamente. Na mitologia grega esta duplicidade aparece no diálogo platônico O Banquete , escrito em torno de 380 a.C. na qual Aristófanes narra o mito da unidade primitiva do homem ou o mito do andrógino. Segundo ele, havia no início três gêneros de seres humanos, que seriam duplos de si mesmos, o masculino masculino, o feminino feminino e o andrógino, que possuía os dois gêneros, masculino e feminino. Este último ser se vangloriava de possuir tal força a ponto de poder competir com os deuses; Zeus, então, enfurecido com tal prepotência, decide puni-los partindo-os em dois e, a partir de tal cisão, uma multidão de indivíduos teria vagado incompleta, procurando constantemente a sua outra parte. Esse aspecto dual do ser humano em masculino/feminino, homem/animal, espírito/carne, vida/morte, aparência/essência, aponta para uma crença na metamorfose, tema trabalhado na literatura tanto no conto A Metamorfose (1915), de
18 O perseguidor, o gêmeo, o (a) bem-amado (a), o tentador, a visão de horror, o salvador, o duplo no tempo – mas poderíamos acrescentar outros mais. Ele assinala sua relação com o Bildungsroman (romance de formação), seu papel de catalisador de uma transformação profunda do eu e, consequentemente, sua não menos profunda ambiguidade (mal/bem, subjetivo/objetivo). Baseando-se na psicologia de Jung (conceito de “integração da personalidade”), ele caracteriza o duplo como uma parte não apreendida pela imagem de si que tem o eu, ou por ela excluída: daí seu caráter de proximidade e de antagonismo. Trata-se das duas faces complementares do mesmo ser (BRAVO, 2005, p. 263). Na Antiguidade e Idade Média, o mito do duplo se concentrava na unidade da consciência do sujeito, no homogêneo, no idêntico, nos gêmeos e/ou na semelhança física entre duas pessoas (sósias) e em muitas sociedades era sinal de mau agouro ou morte. O duplo homogêneo pode ser dividido em três categorias, o duplo enquanto gêmeo, o duplo como sósia e o duplo sobrenatural. Na literatura, o gêmeo é a primeira forma de duplo e, enredos motivados pela confusão causada por essa semelhança extrema e pela usurpação de identidades, são típicos de comédias que vão do dramaturgo romano Plauto, cujas peças remontam a 205 a.C., a Shakespeare, com sua Comédia dos Erros , na qual os protagonistas são reduplicados. Na peça, Shakespeare acrescenta aos gêmeos patrões, gêmeos criados, aumentando o grau de confusões e questionamentos sobre a identidade das personagens. Tanto a mitologia quanto a literatura apresentam inúmeros exemplos do duplo mágico ou sobrenatural, cuja origem está nas lendas em que um Deus assume os traços e a personalidade de um homem para passar a noite com uma mortal, e dessa união mítica entre o céu e a terra advenha um herói salvador, ou situações em que o homem também procura usar da prerrogativa dos deuses e utilizar a magia em seu proveito. Na mitologia grega, temos na história de Anfitrião a primeira narrativa sobre duas pessoas exatamente iguais. Anfitrião era o esposo de Alcmena. Júpiter enamorou-se de Alcmena, mas esta era muito fiel ao marido, por isso ele aproveitou a ausência de Anfitrião por ocasião da guerra de Tebas, tomou sua forma e enganou Alcmena para ter uma noite de amor com ela e desta união, viria a nascer Hércules. O encontro entre o eu e seu duplo, nesse caso, é algo que nunca coloca em cheque
19 a identidade daquele que se vê duplicado, uma duplicação geralmente momentânea ao qual se segue a reafirmação da identidade do ser uno inicial. A partir do final do século XVI, com o questionamento do homem acerca das religiões monoteístas e do fato de ser feito à imagem de Deus, deu-se a passagem da cultura centrada em Deus, para a cultura centrada no próprio homem. Com esta passagem, da concepção teocentrista para a concepção antropocentrista de mundo, configurou-se a presença do inverso, do heterogêneo e a divisão do eu, chegando à quebra da unidade no séc. XIX e permitindo inclusive a possibilidade de um fracionamento infinito no séc. XX, tornando crucial a questão da problemática da identidade. Assim, com o advento do cartesianismo, estabeleceu-se a relação binária sujeito-objeto e a concepção unitária do mundo deu lugar a uma concepção dialética de mundo que passou a representar o fracionamento do indivíduo. O romance que marca essa passagem do duplo homogêneo para o heterogêneo, na qual se observa um questionamento acerca da identidade única do sujeito é, conforme Nicole Bravo (2005), Don Quijote de la Mancha , de Miguel de Cervantes: Dom Quixote aspira a ser o duplo encarnado dos heróis dos romances de cavalaria, imitador, no plano da realidade, de um produto da arte (...) Mas aquele que se desdobrou (duplicou) cria para si a ilusão de agir sobre o exterior, quando na verdade não faz mais que objetivar seu drama interior.(...) A realidade é duplicada pela ficção e sofre sua influência, ainda que a intenção seja ridicularizá-lo (...) Dom Quixote é um herói da duplicidade moderna: ele fracassa na tentativa de unir o ideal à realidade. Vê-se aparecer a representação de um homem em dois, pela reunião de dois personagens que não se parecem e são complementares (BRAVO, 2005, pp. 267-268). Dessa forma, quando o nobre Alonso Quijano morre, simbolicamente, para dar vida a Dom Quixote de La Mancha, ele desdobra-se em duas personas complementares que, de certa forma, atualizam a problemática do duplo para uma relação do eu consigo mesmo. Assim, na representação do duplo enquanto ser heterogêneo, o que se percebe é conflitos de almas que buscam a si mesmas. Nesse sentido,