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Princípios de Reconhecimento de Duas Técnicas de Debitagem: Percussão Dura e Macia, Manuais, Projetos, Pesquisas de Arqueologia

Este artigo apresenta os resultados de pesquisas experimentais sobre as principais características de reconhecimento de duas técnicas de debitagem: a percussão direta dura e a percussão direta macia, utilizadas na pré-história do norte de minas gerais. O documento detalha as diferenças na aplicação da força, natureza e morfologia dos instrumentos de percussão, e gestos e posições do corpo, além de apresentar estigmas característicos de cada técnica.

O que você vai aprender

  • Quais materiais eram utilizados na pré-história do norte de Minas Gerais para as técnicas de debitagem?
  • Como se diferenciam os estigmas de percussão direta dura e percussão direta macia em peças arqueológicas?
  • Qual é a importância da experimentação na identificação de técnicas de debitagem pré-históricas?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Princípios de reconhecimento de duas
técnicas de debitagem: percussão direta
dura e percussão direta macia (tendre).
Experimentação com material do norte de
Minas Gerais
Maria Jacqueline Rodet1; Márcio Alonso2Resumo
Este artigo tem como objetivo apresen-
tar os resultados dos trabalhos experi-
mentais em busca dos principais critéri-
os de reconhecimento de duas técnicas
de debitagem: a percussão direta com
percutor duro (pedra) e a percussão di-
reta com percutor macio (madeira). A
pesquisa apóia-se em trabalhos de ex-
perimentação realizados com materiais
líticos e orgânicos provenientes do nor-
te de Minas Gerais (bacia do rio Perua-
çu) e na leitura tecnológica de peças ar-
queológicas desta mesma região.
Palavras-chave: Percussão direta dura,
Percussão direta macia, Arqueologia Ex-
perimental.
Abstract
This paper exposes results of experimen-
tal works to define the main identificati-
on criteria of two kinds of stone dressing:
first the direct percussion with hard ham-
1Doutora em arqueologia pré-histórica, Université de Paris X, Nanterre, França, bolsista CNPq –
jacqueline.rodet@gmail.com). Museu História Natural UFMG-UFMG - Rua Gustavo da Silveira, l.035 – B.
Santa Inês. Cx.P. 1275. Belo Horizonte/MG. CEP: 31080-010
2 Mestrando em arqueologia, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – mg.alonso@gmail.com.
Museu História Natural UFMG-UFMG
Rua Gustavo da Silveira, l.035 – B. Santa Inês. Cx.P. 1275. Belo Horizonte/MG. CEP: 31080-010
Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004
Artigo
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Princípios de reconhecimento de duas

técnicas de debitagem: percussão direta

dura e percussão direta macia ( tendre ).

Experimentação com material do norte de

Minas Gerais

Maria Jacqueline Rodet^1 ; Márcio Alonso^2 Resumo

Este artigo tem como objetivo apresen- tar os resultados dos trabalhos experi- mentais em busca dos principais critéri- os de reconhecimento de duas técnicas de debitagem: a percussão direta com percutor duro (pedra) e a percussão di- reta com percutor macio (madeira). A pesquisa apóia-se em trabalhos de ex- perimentação realizados com materiais líticos e orgânicos provenientes do nor- te de Minas Gerais (bacia do rio Perua- çu) e na leitura tecnológica de peças ar- queológicas desta mesma região.

Palavras-chave: Percussão direta dura, Percussão direta macia, Arqueologia Ex- perimental.

Abstract

This paper exposes results of experimen- tal works to define the main identificati- on criteria of two kinds of stone dressing: first the direct percussion with hard ham-

(^1) Doutora em arqueologia pré-histórica, Université de Paris X, Nanterre, França, bolsista CNPq – jacqueline.rodet@gmail.com). Museu História Natural UFMG-UFMG - Rua Gustavo da Silveira, l.035 – B. Santa Inês. Cx.P. 1275. Belo Horizonte/MG. CEP: 31080- (^2) Mestrando em arqueologia, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – mg.alonso@gmail.com. Museu História Natural UFMG-UFMG Rua Gustavo da Silveira, l.035 – B. Santa Inês. Cx.P. 1275. Belo Horizonte/MG. CEP: 31080-

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Artigo

mer (stone), second the direct percussi- on with soft hammer (wood). Our rese- arch was supplied by experimental seri- es with lithical and organic materials from Northern Minas Gerais (Peruaçu Basin), and by technical lecture of archeological elements from this same area.

Keywords: Hard percussion, soft percus- sion, experimentation archaeology.

Introdução

Atualmente temos um bom conheci- mento das diversas técnicas de debita- gem utilizadas no norte de Minas Ge- rais, particularmente ao longo da bacia do rio Peruaçu, afluente da margem es- querda do São Francisco. Um número im- portante de coleções líticas foi analisa- do, aproximadamente 60 séries (M.J.Rodet, 1999, 2006), o que permi- tiu reconhecer para a região no mínimo quatro técnicas de percussão distintas e utilizadas durante as fases de debitagem, de façonagem e/ou de retoque: a per- cussão direta dura, a percussão direta macia, a fraturação intencional e a pres- são.

Neste artigo, abordaremos somente duas destas técnicas: a percussão dire- ta dura e a percussão direta macia ( ten- dre), com percutor em madeira. Esta última, pouco ou mal conhecida no Bra- sil e ainda não descrita na bibliografia, mas presente nas séries arqueológicas estudadas em Goiás e Minas Gerais. Esta escolha justifica-se pelo fato de que no norte de Minas Gerais, certos estigmas observados sobre as peças líticas suge- rem a utilização de percutores macios; mas somente a experimentação permi- te a identificação real das técnicas utili- zadas para lascamento. Neste sentido, para identificar com segurança qual o tipo de percutor é utilizado nas coleções pré-históricas, fizemos uma série de ex- perimentações utilizando várias técnicas diferentes e com matérias-primas pro- venientes do setor estudado.

É graças a L. Coutier, 1929; que a utilização do percutor orgânico foi reco- nhecida na Europa, mas foram as expe- rimentações realizadas principalmente por F. Bordes,1947; M.H. Newcomer, 1975; J. Tixier, 1982; e mais recente- mente por J. Pelegrin, 1997; que real- mente permitiram o reconhecimento desta técnica. Ela aparece a partir do Acheulense médio e superior, sendo uti- lizada para debitagem de lâminas, so- bre rocha homogênea com grãos finos. Foi igualmente utilizada durante o Pale- olítico médio para o retoque e a façona- gem de peças bifaciais e no Paleolítico superior para a façonagem de instrumen- tos do tipo folhas de louro , por exem- plo. Durante o Neolítico a técnica é ob- servada para façonagem de lâminas bi- convexas de machado. No nosso caso, num primeiro momen- to, o procedimento foi o de comparar os estigmas observados sobre material ar- queológico brasileiro com o que havia sido reconhecido na Europa (Tixier, 1967; Ini- zan et al. , 1995; Pelegrin, 1997 etc.). A diferença é que na Europa esta técnica é realizada com percutores orgânicos ani- mais (grandes e pesados chifres de rena ou de cervo) para a produção de lâminas e não de lascas. Em Minas Gerais, mes- mo que os chifres tenham sido utiliza- dos, os nossos cervídeos têm, na maio- ria dos casos, pequenos chifres com peso que, em geral, pode ser insuficiente para ser usado como percutor. A exceção é o veado galheiro (Odocoileus virginianus ), que apresenta grandes chifres. Deste modo, para confirmar que se tratava realmente da utilização de um percutor macio, decidimos realizar um quadro experimental a partir de material brasileiro, utilizando a madeira no lugar do chifre, pois esta é onipresente no se- tor estudado, durante as fases de faço- nagem e retoque de objetos unifaciais e bifaciais. Não descartamos a possibilida- de da utilização do chifre na pré-história brasileira, mas nesta primeira fase deci- dimos utilizar somente a madeira, dei- xando o chifre para uma fase posterior.

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Rodet , M. J.; Alonso , M.

Nossa experimentação (Fig.02) con- firma o que pode ser observado no ma- terial arqueológico proveniente da bacia do Peruaçu, ou seja, ponto de impacto concentrado e presença freqüente de bulbo bem marcado.

Os mecanismos da fratura concoidal com percutor duro

O choque é “concentrado” em fun- ção da dureza dos dois materiais - do percutor e do bloco que recebe o im- pacto, provocando neste, uma fissura- ção circular iniciada por um cone (Fig.02). A fratura inicia-se no local do impacto e a onda de choque evolui. A parte móvel destaca-se (lasca ou lâmi- na). Uma má aplicação do gesto ou da força pode provocar um “acidente” do tipo fratura em Siret ou o refletido. Um percutor em “mau estado” – por exem- plo, com superfície ativa, contendo sa- liências após uso intenso, irregularida- des, pequenas depressões, quebras, etc, pode também ser responsável por acidentes do tipo refletido, ou pela pre- sença de dois ou três pontos de conta- to. A homogeneidade da matéria-prima influi também no processo. Quanto mais homogênea é a rocha, mais facilmente

a onda flui. Se, ao contrário, existem zonas de impurezas ou heterogêneas, estes setores facilmente vão absorver a onda de choque, o que resultará numa interrupção abrupta do desenvolvimento da lasca. Vale ressaltar que existe uma correspondência global entre a dimen- são do percutor e a dos produtos reti- rados. Na série experimental, objeto deste trabalho, foi observado o acidente refle- tido sobre uma grande parte das lascas, principalmente tratando-se do silexito. As lascas em quartzito são muito menos acometidas. O silexito do Peruaçu é, em geral, muito heterogêneo e se apresen- ta, freqüentemente, em faixas de gra- nulometria diferentes (como faixas se- dimentares). Geodos, impurezas, incrus- tações ou ainda zonas mais granulosas são também uma constante nesta rocha. Todos estes elementos são, em parte, responsáveis pelos acidentes, pois eles absorvem a onda de choque. Os outros elementos responsáveis são, provavel- mente, a força mal empregada, a locali- zação do golpe inicial, que às vezes não tem o recuo necessário (não ultrapas- sando assim um obstáculo), ou ainda a falta de abrasão persistente na borda do núcleo.

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Rodet , M. J.; Alonso , M.

Fig.02 – Percussão direta dura: para iniciar o núcleo e realizar suportes robustos empregamos percutores médios em forma de seixos de silexito. O núcleo é apoiado no chão e o movimento que o lascador realiza com o seixo é ligeiramente parabólico

Os percutores utilizados na pré-his- tória

Na pré-história do norte de Minas Ge- rais são utilizados seixos ovóides, em ge- ral com pelo menos um dos pólos conve- xos; blocos mais ou menos corticais ou nú- cleos em fim de utilização. A preferência são os seixos em sílex ou silexito (o neo- cortex, pouco espesso, fará o amortece- dor do impacto), as rochas metamórficas (quartzito, arenito silicificado, rocha que ab- sorve bem o impacto), ou mais raramen- te, as marcassitas (muito resistentes).

No caso de nossa experimentação os percutores utilizados foram pequenos ou médios seixos (em torno de 7cm) circula- res/ovóides provenientes do rio Peruaçu. Após utilização, os estigmas observados estão localizados nas zonas periféricas dos seixos. Trata-se de pequenas áreas rugo- sas, sensíveis ao toque, com pequenas de- pressões de poucos milímetros, resultantes dos impactos sobre a matéria-prima.

Os estigmas mais recorrentes (Pe- legrin, 1997) observados sobre as lascas de nossa série experimental

Os estigmas que foram observados são:

  • talão espesso (pelo menos de al- guns milímetros), liso, cortical ou face- tado, às vezes com cone incipiente. De acordo com J. Pelegrin (1997, 2001,
  1. a espessura do talão tem relação com o golpe, o qual deve ser dado no interior do plano de percussão. Sendo o percutor de material duro, um golpe pró- ximo à borda (mais frágil) poderia es- magá-la (talão esmagado), salvo exce- ção. Talões menos espessos podem es- tar ligados a uma abrasão da cornija;
  • o ponto de impacto é bem concentra- do e delimitado pela linha posterior do ta- lão (Fig.01). A formação do ponto de im- pacto relaciona-se com o volume do per- cutor e em conseqüência com o diâmetro da superfície de contato. Um percutor duro, contrariamente ao percutor macio, não permite uma expansão do ponto de conta- to que guardará uma concentração sobre uma superfície limitada. Em conseqüência, é freqüente observar uma fissuração em

torno do ponto de impacto - sillons laterais (fissurações), testemunhos da dureza (e da violência) do choque (Fig.03);

  • presença freqüente de linhas circula- res - finas e muito próximas umas das ou- tras - nos primeiros milímetros próximos ao ponto de impacto (como a propagação de pequenas ondas de choque – Fig.01). Estas linhas correspondem ao micro-esma- gamento causado pelo percutor de pedra, no momento da abertura da fratura inicial (encontro de duas massas duras). Em con- seqüência, elas são um bom indicador do contato com um percutor duro;
  • presença freqüente de esquilha bul- bar. Esta se inicia no contato do talão e se desenvolve em direção ao bulbo: o talão fende-se sob o impacto (Fig.03). Este acidente é um outro bom indicador da utilização de um percutor duro. O produto resultante desta técnica pode ter uma dimensão variada (peque- no à grande), dependendo principalmen- te do volume do percutor e do bloco. No entanto, estes produtos terão uma ten- dência a serem mais espessos.

Fig.03 – Estigmas da percussão direta dura: bul- bo bem marcado, ponto de impacto bem delimita- do, início da fratura visível, sillon lateral (fotos do alto e da esquerda), esquilla bulbar (foto direita), sinais de uma percussão violenta

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Princípios de reconhecimento de duas técnicas de debitagem: percussão direta dura e percussão direta macia ( tendre ). Experimentação com material do norte de Minas Gerais

Os percutores utilizados na pré-his- tória do norte de Minas Gerais

Não existe nenhum registro arqueológi- co no norte de Minas Gerais sobre a pre- sença direta de percutores macios. No sítio Russinho, Itacarambi, margem do São Francisco, foi encontrado um frag- mento de galhada de cervídeo (Koole e Prous, 2000); é possível que este tenha sido utilizado como percutor ou, então, que o fragmento tenha sido trazido ou abandonado no sítio por outros motivos. Para o sul do Brasil P.I. Schmitz et al. , (1990) sugerem a utilização de percu- tores macios de madeira em percussão indireta (percutor de madeira, punch em seixo e núcleo).

São os vestígios indiretos, ou seja, os estigmas deixados sobre as lascas que demonstram sua utilização. Nossa dúvida restringe-se ao tipo de percutor macio utilizado na pré-história brasilei- ra: madeira, osso ou chifre? Nossa hi- pótese é que todos estes três elemen- tos podem ter sido usados. A varieda- de, a abundância e, conseqüentemen- te, a facilidade de se obter percutores de madeira nos leva a pensar que os grupos privilegiaram estes últimos. Tan- to os chifres de cervídeos (Tixier, 1978; Pelegrin, 1997), quanto a madeira são extremamente eficazes. A diferença é

que para obtenção de percutores de chifre é preciso: caçar o animal ou re- cuperar seu chifre, na muda ou sobre um animal morto. De acordo com os estudos de A. Prous (Prous et al., 1984; Prous, 1991 a, b, 1997) e, mais recen- temente, (R. Kipnis, 2002), os cervíde- os foram animais constantemente ca- çados no vale do rio Peruaçu (norte de Minas Gerais) durante os últimos 12000 anos (BP). De fato, os ossos destes ani- mais foram utilizados na pré-história da região para a confecção de “espátulas”. Estas informações sugerem que os gru- pos pré-históricos estudados lidavam com as três matérias-primas: chifres, ossos e madeiras, conseqüentemente, poderiam utilizá-los também como per- cutores. Objetivando aproximar o máximo possível dos estigmas presentes nas peças arqueológicas, nossa experimen- tação foi realizada com rochas proveni- entes do norte de Minas Gerais, quartzi- to e silexito (Araújo, 1991). Os percuto- res duros são seixos circulares/ovóides, medindo aproximadamente 7,5 x 3,5cm de espessura, pesando 393,5g e 387,7g. Os percutores macios são bastões de madeiras, secos, de densidades variá- veis, provenientes daquela mesma re- gião (Quadro 01):

Quadro 01 – Percutores de madeira provenientes da área de estudo

Os estigmas para reconhecimento das técnicas utilizadas

Num primeiro momento apresenta- mos o conjunto das observações reali- zadas sobre material experimental, confeccionado a partir de experimen- tações realizadas na Europa, com chi- fre de cervo ou de rena, para extração de lâminas. Em seguida, apresentare-

mos os resultados de nossa experimen- tação de lascamento realizada com madeira para produção de lasca e não de lâminas, como na bibliografia cita- da. As lascas produzidas, curtas ou alongadas (aproximadamente 7cm), são de façonagem (aproximadamente 3cm) e de retoque (aproximadamente 1 ou 2cm).

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Princípios de reconhecimento de duas técnicas de debitagem: percussão direta dura e percussão direta macia ( tendre ). Experimentação com material do norte de Minas Gerais

Os estigmas observados a partir de experimentações européias com per- cutores de chifre sobre sílex (Bordes, 1947, 1967; Pelegrin, 1997)

Podem ser resumidos em:

  • bulbos difusos ou ausentes, talões não muito espessos, mas notáveis (em torno de 3 mm), pois o percutor precisa expandir-se sobre a massa;
  • lábios regulares e bem marcados na parte posterior do talão;
  • ângulo global entre talão e eixo de debitagem, em geral inferior a 80°;
  • produtos pouco espessos, com a parte distal geralmente fina, sem ondu- lações marcadas na face inferior;
  • possível presença de uma fissura lateral no setor proximal da lasca.

Os estigmas observados nas expe- rimentações com percutores em ma- deiras sobre silexito e quartzito do norte de Minas Gerais

Podem ser resumidos da forma a se- guir:

  • em geral, bulbos inexistentes; quando presentes são difusos;
  • talões têm uma espessura de 2 à 5mm;
  • lábios regulares, muito visíveis e bem marcados na parte posterior do ta- lão (Fig.04);
  • ângulo entre o talão de eixo de de- bitagem em torno de 80°;
  • eventualmente presença de fissura lateral próxima ao talão;
  • produtos pouco espessos. Em geral sem ondulações na face inferior; quan- do existem são discretas e se situam na porção final da lasca. Alguns produtos são quase retilíneos e longos. Algumas lascas atingiram a dimensão de 7,7 cm (Fig.04);
  • parte distal fina.

Fig.04 – Estigmas da percussão direta macia: à esquerda lasca em silexito; à direita lasca em quartzito. Nos dois casos nota-se o bulbo difuso ou inexistente, o lábio regular é bem marcado na parte posterior do talão.

Em geral, sobre o quartzito, o plano de percussão não foi abrasado. No material experimental realizado com percutor macio, a fratura mais co- mum localiza-se na porção proximal e apresenta a forma de pequena língua – lingüeta ( languette). Segundo J. Pelegrin (2005) esta fratura ocorre no momento do lascamento. Neste momento, a mas- sa sofre uma compressão axial excessi- va em sua parte proximal e a reação é a fratura em lingüeta (Fig.05). O fato do produto ser fino é um elemento a mais que favorece a quebra. Em relação à fissura lateral no setor proximal da lasca, esta corresponde ao início da formação de um bulbo. Este não consegue se realizar, em função dos motivos já enumerados anteriormente, e aparece em forma de uma pequena fissura partindo do setor bulbar em di- reção a uma das laterais da peça.

Fig.05 – Languette: “fratura involuntária... duran- te a debitagem. A onda de fraturação parece en- trar na face superior da lâmina, penetrar brusca- mente e sair em oblíquo”... (Inizan et al., 1995)

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Rodet , M. J.; Alonso , M.

As vantagens da utilização destas duas técnicas

A percussão macia permite a pro- dução de lascas pouco espessas, even- tualmente largas e invasoras, daí o in- teresse de utilizá-la durante a façona- gem do volume (Pelegrin, 1997). Quan- to mais nos aproximamos do objetivo final do lascamento, ou seja, do ins- trumento, menos massa deve ser reti- rada do volume. Assim, este tipo de percussão corresponde bem aos mo- mentos finais, onde a precisão na reti- rada da lasca é muito importante, pois uma lasca muito espessa pode destruir a peça.

Por outro lado, a percussão dura, mais versátil, é em geral utilizada em todas as fases das cadeias operatórias. Entre outras características ela permite a obtenção de grandes suportes robus- tos, que poderão ser transformados em (grandes ou médios) utensílios ou nú- cleos.

Enfim, a utilização intercalada des- tas duas técnicas no seio de uma ca- deia operatória demonstra uma certa “elaboração” da indústria lítica, pois o trabalho inicia-se com uma percussão dura e nas fases finais, momento de maior precisão, afina-se o trabalho uti- lizando um outro tipo de percussão mais adequada.

Observações finais

A experimentação arqueológica, um instrumento a ser utilizado somente para responder problemas específicos, aten- deu plenamente aos objetivos propos- tos. Nossa série experimental permitiu distinguir estigmas específicos da per- cussão macia, assim como confirmar os da percussão direta dura. A experimen- tação mostrou que sobre a rocha utili- zada, a madeira produz resultados se- melhantes ao do chifre (utilizado na Eu- ropa).

Depois de muitos anos estudando indústrias líticas, principalmente do vale do rio Peruaçu, norte de Minas Gerais, deparamo-nos com restos de lascamento pouco comuns para a re- gião. Estes restos atípicos eram em menor quantidade, sobretudo se com- parados àqueles provenientes da per- cussão dura. Uma comparação com material es- tudado por europeus permitiu uma ca- racterização inicial destes restos atípi- cos como resultantes do lascamento com percutor macio. Ao nosso ver a efetiva correlação com o material brasileiro so- mente poderia ser realizada a partir de um programa experimental, o qual nos colocaria em contato direto com este tipo de técnica. A realização do programa experi- mental permitiu-nos, então, observar os produtos do lascamento com ma- deiras diversas, rochas de boa e má qualidades para o lascamento, aciden- tes e, conseqüentemente, caracterís- ticas tecno-morfológicas das lascas, base para comparação com material arqueológico. A continuidade da pesquisa experi- mental permitiria identificar e compre- ender elementos de uma indústria líti- ca produzidos por percutores macios: ampliar o conhecimento sobre a apti- dão de uma maior gama de madeiras utilizáveis, ou ainda quais rochas me- lhor se adequam ao lascamento com madeira, que tipo de madeira seria mais apropriada para retocar, para fa- çonagem, além da utilização de chifres de cervídeos.

Agradecimentos Agradeço pela revisão do texto e sugestões a André Prous, Martha M. de Castro e Silva e Rosangela de Pau- la.

Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Rodet , M. J.; Alonso , M.

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Revista de Arqueologia, 17: 63-74, 2004

Princípios de reconhecimento de duas técnicas de debitagem: percussão direta dura e percussão direta macia ( tendre ). Experimentação com material do norte de Minas Gerais