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Guias e Dicas
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Análise da Parábola do Bom Pastor no Evangelho de João, Exercícios de Redação

Uma análise detalhada da parábola do bom pastor no evangelho de joão. O texto discute as diferentes redações do evangelho atribuídas a joão ii-a, joão ii-b e joão iii, e as glosas e interpretações associadas a cada uma. Além disso, o documento discute as características teológicas e cristológicas da parábola, incluindo a morte expiatória de cristo e o profundo conhecimento que o pastor tem de suas ovelhas. O texto também explora as influências bíblicas e helênicas na descrição de jesus como pastor.

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Tucano15
Tucano15 🇧🇷

4.6

(119)

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PRIMEIRA PARTE:
1.1 Visão panorâmica do Evangelho de João
Designado como Evangelho “segundo São João” ou “de São João”7, este
evangelho é uma reflexão e uma profecia, indissociáveis, quanto à pessoa de Jesus8.
Mantém-se o nome “João”, de acordo com a tradição, todavia, é indiferente esta
denominação. Linguagem, estilo e teologia sugerem a personalidade do evangelista
escritor: um teólogo dos tempos antigos do cristianismo, de formação sólida, que lhe
deu cunho pessoal9. Dentre os escritos do Novo Testamento, o Evangelho de João é
singular, pois nos permite deduzir “importantes conclusões sobre a realidade histórica
da época apostólica e sobre a exegese contemporânea”10.
O evangelho de João, bem como o de Lucas e também Atos dos Apóstolos,
podem ser chamados de evangelhos do Espírito Santo, pois nestas três obras “nada se
faz sem a força do Espírito Santo”11. A exemplo dos Sinóticos, João mantém, em seu
Evangelho, a perspectiva “evangélica”12, pois Jesus revelou a “vida” àqueles que, pela
fé, têm parte na relação que o une ao Pai, somente compreendida após o mistério pascal.
Ao voltar deste mundo ao Pai, enviou aos Apóstolos “um outro Paráclito” (14,16) para
ensinar e lembrar tudo que ele disse (cf. 14,26). “Única, a revelação de Jesus, se
7 SCHNACKENBURG, R. El Evangelio según San Juan I, 43.
8 BLANK, J. O Evangelho segundo João, 8.
9 BLANK, J. O Evangelho segundo João, 8.
10 LÄPPLE, A. Bíblia: interpretação atualizada e catequese. v.4, 171.
11 MAZZAROLO, I. Lucas em João. Uma nova leitura, 224.
12 LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João I, 20.
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PRIMEIRA PARTE:

1.1 Visão panorâmica do Evangelho de João

Designado como Evangelho “segundo São João” ou “de São João” 7 , este evangelho é uma reflexão e uma profecia, indissociáveis, quanto à pessoa de Jesus^8. Mantém-se o nome “João”, de acordo com a tradição, todavia, é indiferente esta denominação. Linguagem, estilo e teologia sugerem a personalidade do evangelista escritor: um teólogo dos tempos antigos do cristianismo, de formação sólida, que lhe deu cunho pessoal^9. Dentre os escritos do Novo Testamento, o Evangelho de João é singular, pois nos permite deduzir “importantes conclusões sobre a realidade histórica da época apostólica e sobre a exegese contemporânea”^10. O evangelho de João, bem como o de Lucas e também Atos dos Apóstolos, podem ser chamados de evangelhos do Espírito Santo, pois nestas três obras “nada se faz sem a força do Espírito Santo”^11. A exemplo dos Sinóticos, João mantém, em seu Evangelho, a perspectiva “evangélica”^12 , pois Jesus revelou a “vida” àqueles que, pela fé, têm parte na relação que o une ao Pai, somente compreendida após o mistério pascal. Ao voltar deste mundo ao Pai, enviou aos Apóstolos “um outro Paráclito” (14,16) para ensinar e lembrar tudo que ele disse (cf. 14,26). “Única, a revelação de Jesus, se

(^78) S CHNACKENBURG , R. El Evangelio según San Juan I , 43. 9 BBLANKLANK, J, J.. O Evangelho segundo João, O Evangelho segundo João,^ 8.8. (^1011) LÄPPLE, A. Bíblia: interpretação atualizada e catequese. v.4, 171. 12 MLÉONAZZAROLO-D UFOUR^ , I. , X.^ Lucas em João. Uma nova leitura, Leitura do Evangelho segundo João I,^ 224. 20.

realizou em dois períodos, dos quais apenas o segundo permite a plena inteligência daquilo que estava integralmente contido no primeiro” 13. A pneumatologia torna-se indispensável tanto na leitura, quanto na compreensão da assistência do Espírito, no EvJo. A João são atribuídos cinco livros no NT: o Evangelho, três Epístolas e o Apocalipse. De grande densidade espiritual e relevante papel na vida cristã, João surge como o mais profundo dos teólogos; suas visões do futuro são trágicas, porém, repletas de esperança. O EvJo apresenta-nos um quadro narrativo no qual são inseridos ensinamentos ou testemunhos sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, à luz da Páscoa^14. Remontando à época dos Padres da Igreja, que têm em Clemente de Alexandria^15 um de seus mais ilustres representantes, percebemos que já denominavam o EvJo de “Evangelho espiritual^16 , porque nele, Cristo vem ao nosso encontro, obrigando-nos a penetrar em seu mistério humano e divino, e para que este evangelho seja meditado e aprofundado, sempre conduzindo ao essencial”^17.

(^1314) LÉON-D UFOUR , X. Leitura do Evangelho segundo João I , 20-21. 15 C Clemente de Alexandria OTHENET, et al.^ Os escritos de São João e a epístola aos hebreus, teria assim se expressado: “uma vez que naqueles Evangelhos (os Sinóticos) se^ 9. haviaS CHNACKENBURG revelado (^) , R.o (^) El evangelio según San Juan evangelho ‘somático’, este, I, 44. (o joânico), apresentou o ‘pneumático’”. (^16) O grande número de publicações tanto de livros, quanto de artigos sobre o EvJo, aumenta nossa compreensão sobre a obra que denomina “Evangelho espiritual”. H di Giovanni, 5. UNTER , A. M. Il dibattito sul Vangelo (^17) Artigo de D. CLÓVIS F RAINER : O evangelista contemplativo. EVANGELIZAÇÃO E V IDA , 7.

conhecedor da pessoa do apóstolo, Papias nada declara a respeito; somente afirma estar bem informado, devido à autenticidade de sua fonte: os discípulos imediatos do Senhor. O testemunho de Irineu é confirmado por outros dos séculos II e III e parece refletir a crença comum na Igreja na época em que foi escrito^21. Irineu e Policarpo identificam João como o “discípulo que Jesus amava”, “o que se reclinou sobre seu peito na Última Ceia”^22. Menciona-se também este discípulo inominado em 19,26s; 20,2-9 e este é provavelmente idêntico ao discípulo anônimo de 1,35-42; 18,15s, identificando-se em 21,20-24 como o testemunho autorizado que respalda este evangelho (cf.19,35)^23. Pode-se verificar, no próprio Evangelho, sua autenticidade pois o mesmo afirma apoiar-se em uma testemunha presente (19,35) e de diversas formas mostra depender de alguém que esteve à margem da tradição sinótica, evidenciando ser este um judeu, familiarizado com o cenário palestinense. João especifica com precisão lugares e situações não mencionadas nos sinóticos: a piscina de Bēthzathá (Betesda - 5,2)^24 e o Lithóstrōton (Pavimento - 19,13) 25 , cujas pesquisas arqueológicas confirmam, tanto localização quanto exatidão, da descrição do evangelista.

(^21) Nenhum autor anterior a Irineu havia mencionado a permanência de João em Éfeso, porém este fato não contradiz o testemunho de BiblicoSan Jeronimo ”. Tomo IV, 400. Irineu. BROWN, R.E., FITZMYER , J, A., MURPHY , R.E. Comentario (^2223) Jo 13,23. nos sinóticos outro personagem que se identifique com ele, exceto João.Estas indicações fazem crer que se referem a João, filho de^ Zebedeu ; não há, nem no próprio EvJo nem BROWN, R.E., FITZMYER , J.A., M 24 URPHYBíblia de Jerusalém, nota , R.E. Comentario Biblico... j , referente a Jo 5,2, 1389. Tomo IV, 400. (^25) Bíblia de Jerusalém, nota o , referente a Jo 19,13, 1410.

Após essas formulações sobre a autoria do EvJo^26 , os estudiosos ainda têm dúvidas^27 , deixando a pergunta sem resposta para as novas gerações: como admitir a verdadeira autoria a João, o apóstolo, filho de Zebedeu se, já no séc.I , a Igreja comemorava a data de seu martírio entre os anos de 43 a 46?^28 Entre outros exegetas, R. Bultmann admite desconhecer a autoria do Evangelho e Cartas de João^29. Na tentativa de explicar o estado atual do EvJo, seus estudiosos partem da síntese das opiniões expostas, combinando-as às teorias de transposição, de intervenção de um redator e de diversidade de fontes. Para E. Hirsch , o EvJo é obra de um cristão anônimo da Igreja de Antioquia ( ca .100) que, servindo-se da diversidade de fontes, obteve uma obra de unidade de estilo e pensamento. Mais tarde, entre ca .130-140, um redator (responsável pelas incoerências do atual evangelho) rompeu esta harmonia acrescentando o cap.21, uma série de adições e realizando transposições. R. Bultmann ao comentar o EvJo especifica as fontes usadas pelo evangelista, fazendo mais complexa a atividade do redator. Bultmann distingue as três fontes utilizadas pelo evangelista: 1ª - coleção de discursos ( Offenbarungsreden ) 30 : continha o

(^26) A maturidade teológica que perpassa todo o EvJo, a terminologia muito pessoal que ele utiliza é diferenciada totalmente dos sinóticos, julgando-se impossível atribuir a redação a uma testemunha ocularou a um apóstolo. V AN D EN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel , 16. (^27) E. Schwarz publicou (1904) um artigo sobre a "morte do filho de Zebedeu ", endossando o pensamento deS CHNACKENBURG alguns estudiosos, , R. El evangelio según San Juan embora outros neguem (^) I esta, 114. afirmativa contudo, sem grande convicção. (^2829) MAZZAROLO , I. Lucas em João, 7. conhece a tradição na qual se elaboraram os Sinóticos, manifestado claramente em ditos de Jesus, Bultmamm^ afirma que não há certeza se João conheceu um os vários Sinóticos; certo é o fato que ele narrações de milagres e história da paixão e presume que, ao narrar os milagres, o evangelista tenharecorrido a alguma fonte escrita. BULTMANN , R. Teología del Nuevo Testamento, 419. (^30) Continha a Offenbarungsreden uma fonte didática e duas narrativas; a Semeia-Quelle uma coleção de sinaisacrescentando ao texto original passagens relativas ao batismo, à eucaristia e a narrativa da paixão, independente dos Sinóticos. Um redator; e à (^) escatologia apocalípticaeclesiástico retocou-a, evangelista e redator desordenaram a obra, tendo o exegeta que remediar, operando as transposiçõesnecessárias. Finalmente , Bultmann uniu ao método de distinção das fontes a arte de operar os remanejamentos nas disposições das perícopes. Problèmes, 14. BOISMARD , M.-E. et al. L'Évangile de Jean. Études et

terminologia sinótica). Estas adições, parecem fruto do esforço do redator, com finalidade de harmonizar a visão profunda do evangelista com a doutrina comum da Igreja, onde os sacramentos e a origem apostólica dos evangelhos têm capital importância. A ordenação e reorganização do EvJo, feita por Bultmann , parece assinalar o fim de um período. E. Hirsch , cético quanto à obra de Bultmann , seguindo um sistema diferente deste, em seus trabalhos sobre o EvJo acredita que houve intervenção de um redator ao lado do evangelista, enquanto que J. Schneider em três estudos dedicados à composição dos caps. 6, 7 e 10 do EvJo sustenta que as análises de Bultmann destroem a verdadeira unidade desses capítulos, unidades que aparecem claramente quando se reconhece que o evangelista aplicou as leis de composição que lhe são próprias^32. A maioria dos estudiosos crê que o evangelista se utilizou de diversas tradições e fontes, indicando que as dificuldades em um contexto poderão revelar uma colocação primitiva diversa, como por exemplo: a distribuição dos capítulos 4-7; 13-17. Não há como admitir todas as transposições feitas por Bultmann: faltam razões que as justifiquem, há dificuldades quanto às novas disposições, e insegurança dos que sugerem estas mudanças^33. Atribuir todas as transposições a somente um redator, distinto do evangelista, não satisfaz a muitos exegetas pois, além de não resolver o problema, o desloca do verdadeiro autor a um redator pouco hábil em harmonizar o conjunto. Por outro lado, cada vez mais os autores tendem a ver em todo o EvJo uma estreita unidade doutrinal como também de língua e estilo^34. Entre os atuais e mais renomados exegetas,

(^3233) BOISMARD , M.-E. Évangile de Jean. Études et Problèmes, 14. texto original...”.O^ próprio^ Bultmann CABA^ ,refere-se a algumas transposições como meras suposições: “Eu suponho, que o J. De los Evangelios al Jesús Histórico, nota 140, 239. (^34) CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 239-240.

estudiosos das Sagradas Escrituras, principalmente do EvJo, M.-E. Boismard e A. Lamouille^35 , conceituados pelas contribuições de suas pesquisas em exegese, apresentam-nos o quarto e último evangelho em forma de redação progressiva. Eles concordam quanto à opinião de que o evangelho teria sido desenvolvido em quatro etapas sucessivas porém no interior de uma mesma “escola joânica”:

  • João I - denominado Documento C (nome segundo o qual os autores se referirão a João I, em toda a Synopse): redação mais antiga. Constitui, já nesta fase, o evangelho completo (desde o ministério do Batista até as narrativas de aparição de Cristo ressuscitado; escrito na Palestina com forte influência samaritana.
  • João II-A - este Documento C (ou João I), revisto e ampliado por um autor, chamado de João II, que compôs sua primeira redação evangélica (João II-A), também na Palestina. Ele conservou a ordem das seções do Documento C, mas acrescentou as narrativas da vocação de André e Pedro, dois milagres tomados da tradição sinótica e alguns discursos de Jesus.
  • João II-B - ao se estabelecer na Ásia Menor (Éfeso), João II se deparou com novos problemas, como a hostilidade de meios judeu-cristãos (do mesmo modo que Paulo) e escreveu uma segunda redação evangélica. Ele reviu sua primeira redação acrescentando-lhe materiais provenientes dos sinóticos (especialmente Lucas), de Paulo e de Qumran; introduziu o quadro das festas judaicas, onde se desenrola a vida de Jesus, dando primazia à festa da Páscoa, em detrimento da festa dos Tabernáculos, mencionada no Documento C.

(^35) BOISMARD , M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 11.

formulação externa e conteúdo estrutural. Uma série de incoerências redacionais em sua composição são facilmente verificáveis através da leitura de seu texto e o pretender dar uma solução satisfatória ao problema causou uma diversidade de opiniões, ainda hoje insolúvel. As dificuldades que aparecem contra a unidade do EvJo são solucionadas ou se explicam porque a ordem primitiva foi alterada, ou por uma transposição casual de páginas, ou ainda por intervenção de um redator. Embora se admita a provável inversão dos capítulos 5 e 6, a teoria da transposição não inspira confiança por seu desacordo, conforme vários autores, ao querer estabelecer a ordem primitiva^40. Alguns estudiosos acreditam que há sinais de incongruência quanto à ordem dos capítulos 4-5-6-7. Os capítulos 4 e 6 se passam na Galiléia (4,45ss; 6,1) e os capítulos 5 e 7, na Judéia (5,1; 7,14). O capítulo 7 reenvia ao milagre do capítulo 5^41 , e teríamos uma leitura mais fácil se alterássemos a ordem dos capítulos para 4-6-5-7, pois conseguiríamos uma melhor ordenação geográfica: Jesus na Galiléia (4,54), atravessa o lago (6,1), sobe a Jerusalém (5,1) e volta, por segurança, à Galiléia (7,1). Há também unidade de argumentos, se houver a seguinte transposição: 5,47; 7,15-24; 7,1-14.25ss, onde 7,15-24 continua o tema de 5,47 e interrompe a conexão existente entre 7,14 e 7,25^42. Considerando-se as dificuldades apresentadas quanto à ordem dos capítulos 13-17, sugere-se como intenção do escritor original, a ordem primitiva que deve ter sido a seguinte: 13,1-30; 15, 16, 13,31-38; 14; 17. Parece que houve um deslocamento na ordem dos capítulos 13-16; em 14,31 Jesus diz: “levantem, vamos daqui”; porém o discurso se prolonga durante os

(^4041) CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 237. (^42) CVABA^ AN^ D, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 234.^ EN^ BUSSCHE, H.^ Jean. Commentaire de l’évangile spirituel , 50.

capítulos 15-17 até ele sair em 18,1. Alguns antecipam os capítulos 15 e 16 para antes do capítulo 14, inserindo-os entre 13,31a e 13,31b-38 e colocando, depois de 14,31, o capítulo 17^43. Em 3,22 diz-se que Jesus batizava, e em 4,2, que não batizava; Pedro pergunta a Jesus, em 13,36: “aonde vais, Senhor?”, e em 16,5 o mesmo Jesus afirma: “nenhum de vós me pergunta aonde vou”. O EvJo perderia portanto, sua coesão e unidade; por este motivo, apareceram diversas teorias^44 :

  1. João teria redigido todo o evangelho mas seu texto teria se desordenado, sem retornar jamais à sua ordem primitiva;
  2. João teria se estendido na elaboração de seu evangelho; e negligenciado em lhe dar uma estrutura sólida e bem estruturada;
  3. Ele perdeu a unidade por não ser o único ou por se utilizar de fontes de diferentes formas de pensar e de estilo. Esta hipótese ganhou adeptos, após o ano de 1907, além do grande comentário de R. Bultmann^45. Há uma dupla conclusão no Evangelho: 20,30-31 expressa um claro final; em 21,24-25, é inserida outra conclusão. Não se tem certeza quanto à intenção do evangelista ao adicionar o cap. 21. Seria esta adição posterior ao Evangelho? Foi redigida pelo próprio autor ou é obra de outro que a acrescentou, como apêndice, à obra

(^43) BERNARD, J.H. A Critical and exegetical Commentary on the Gospel according to St. John. v. 1. XX-XXXII (^44) V AN D EN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel , 50-51. (^45) Segundo Bultmann (1941), este autor fez transposições enormes de textos, sem nenhuma justificação, e descobre três pontos no evangelho: 1º os discursos de Revelação; 2º a fonte dos Sinais; 3º uma fonte mais“evangélica”, redigida por um redator fortemente inspirado pela tradição sinótica. VAN DEN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel , 51.

a pouco, por suplementos. Para ele, o escrito primitivo seria uma série de “meditações sobre o tema de Cristo”^47. A teoria das fontes diversas aplicada ao EvJo foi considerada durante certo tempo definitiva sobre a questão, porém os exegetas desanimaram ao constatar que não se descobriam critérios objetivos que permitissem caracterizar e delimitar as fontes. Os autores se afastam dessa solução, pois a mesma nega a verdadeira unidade do EvJo. A estrutura da obra de João é de inegável coesão. O leitor moderno não poderá impor seus critérios literários à obra, pois não deverá esquecer de que a mesma é um escrito da antigüidade. Para compreender o Evangelho, é necessário aceitar o evangelista como guia, ao fazer a leitura, e prestar atenção aos sinais que ele indica ao longo de sua rota. É preciso consentir em entrar no esquema do pensamento de João. Porém, como descobrir esta estranha estrutura própria do EvJo? Resultados da exegese moderna apresentam variações desanimadoras, mesmo para os autores que, à priori, não mutilam o Evangelho^48.

1.1.3 Crítica histórica, estilo, linguagem

Ainda hoje a crítica histórica do EvJo suscita problemas sem previsão de solução quanto à “questão joânica” e, apesar dos argumentos contra e a favor das hipóteses elaboradas pelos maiores estudiosos do problema, dada a sua complexidade, está longe de se chegar a uma solução. Há um grande número de obras, desde os

(^4748) CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 235-236. V AN D EN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel , 52.

primeiros estudos críticos relativos à origem, ao autor e à peculiaridade do EvJo em relação aos Sinóticos. Este aumento deve-se às novas pesquisas em documentos recentes - escritos de Qumram , textos de Nag-Hammadi - e pelos novos métodos empregados à obra, que têm por objetivo examinar todas as questões, limitando-se em proporcionar um fundamento científico de empenho fundamental da interpretação e exposição. Uma exposição teológica positiva do EvJo deve levar em conta os problemas literários, pano de fundo da história das religiões e as circunstâncias históricas da época^49. No decorrer dos tempos, houve uma evolução quanto à mensagem contida nos Livros Sagrados, nos aspectos: 1º. Idéia do passado - “Evangelho” - a mensagem de salvação trazida por Jesus Cristo, mensageiro escatológico de Deus; 2º. Só bem mais tarde “a mensagem viva de salvação” é escrita nos livros do evangelho, retendo, testemunhando e propondo a aceitação de fé das palavras e obras de Jesus, sua morte e ressurreição como proclamação salvífica - sentido novo e singular de produção literária, criando um novo gênero literário próprio, encontrado primeiramente em Marcos. Não sabemos a finalidade dos evangelistas ao escreverem os Evangelhos, cujas obras primeiramente foram consideradas crônicas históricas da aparição e atuação de Jesus de Nazaré, contudo a historicidade da revelação salvífica em Jesus Cristo era um dos pressupostos intrínsecos dos evangelistas, assinalados nos Evangelhos canônicos. O interesse histórico é somente um dos fatores que envolvem os evangelhos canônicos^50.

(^4950) S CHNACKENBURG , R. El evangelio según San Juan I , 43. S CHNACKENBURG , R. El evangelio según San Juan I, 43-44.

problema do Jesus histórico, procurou distinguir entre o histórico e o apostólico, nos evangelhos^52. O período crítico do século XIX nasce, a partir da obra de seus antecessores, e prossegue com seus estudos em duas direções: a crítica que pesquisa o valor histórico do NT e a teológica que analisa seu significado. Estas duas direções hão de configurar a posterior crítica neotestamentária. Os investigadores da Escola de Tübingen formam um dos mais importantes grupos na interpretação do NT. As intuições dos representantes desta escola foram fundamentais e determinantes para toda a crítica do NT. Dentre seus mais ilustres representantes citamos D. Strauss (1808-1874) que, com sua interpretação mítica , assegurava que os Evangelhos oferecem fundamento histórico; porém, manipulado pela fé da Igreja, criando a impossibilidade de se escrever uma vida de Jesus, pois os Evangelhos são peças desconexas, cuja ordem lhes foi dada pelos evangelistas. B. Bauer (1809-1882) sob influência de Strauss , eliminou a base, ficando somente com o mito, concluindo que Jesus e Paulo eram ficções literárias, não históricas. E. Renan (1823-1892) identifica de tal maneira o sobrenatural com o irreal que faz de Jesus um ser puramente histórico. F. C. Baur (1792-1860), integrante desta mesma escola levantou questões de valor permanente e elevou a crítica do NT a nível científico. Ele utilizava em suas pesquisas a perspectiva hegeliana e a história do cristianismo, entre 40 e 160 marcada por tensões, lutas e posterior reconciliação. As hipóteses de Baur na formação e datação do NT foram de grande importância. Ele datava Atos e EvJo de meados do século II 53.

(^5253) LAMBIASI, F. Autenticidade Histórica dos Evangelhos, 22-23. BROWN, R.E., FITZMYER , J. A., MURPHY , R.E. Comentario Biblico, Tomo III, 29.

1.1.3.2 O texto crítico do Evangelho

Quanto ao texto crítico, os estudos modernos referentes ao EvJo dependem sobretudo dos grandes códices dos séculos IV e V, especialmente o Sinaítico ( S ) e o Vaticano ( B ), que representam o chamado texto Alexandrino, e o códice Bezae ( D ), que representa o texto ocidental. B tem servido de base para a maior parte das edições do EvJo, com a comparação de S e outros testemunhos, inclusive ao se incluir o texto utilizado por alguns Padres e pressuposto pela Peshita e pela Vulgata 54. Segundo os mesmos autores, R.E. Brown , J. A. Fitzmyer e R. E Murphy^55 , alguns exegetas perceberam que S tem preservado um texto de João melhor que B , e individualizou uma tradição textual representada nas freqüentes concordâncias de S e D

confrontando-se com B. Em 1956 publica-se o papiro Bodmer II ( P 66 ), códice copiado

em ca. 200 e encontrado no Egito pelos anos trinta, que produziu a mais importante fonte de avanço no estudo moderno do texto do EvJo; este papiro tem uma grande parte do EvJo bem conservada; algumas vezes concordando com B , outras com S - D , o que indica que as tradições divergentes na transmissão do texto já se tinham definido no século II (estas divergências raramente alteram o sentido do texto; consistem sobretudo

em modificações estilísticas). Além disso, P^66 preservara uma série de leituras que não

aparecem nos demais manuscritos, algumas das quais seriam originais. Publicado

recentemente, o papiro Bodmer XV (P 75 ) pode ser pouco mais antigo que o P 66 e

representar uma melhor tradição textual; contém os quinze primeiros capítulos de João e

(^5455) BROWN, R.E., FITZMYER , J. A., MURPHY , R.E. Comentario Biblico. Tomo IV. 414-415. BROWN, R.E., FITZMYER , J. A., MURPHY , R.E. Comentario Biblico. Tomo IV. 415.

“... o caminho, a verdade e a vida” (14,6); “... a videira verdadeira” (15,1.5). Todos esses conceitos iniciados pela fórmula “Eu sou” mereceram especial atenção por parte dos estudiosos 58. E. Schweizer , em 1939 estudou a fórmula “Eu sou”, demonstrando que a mesma não se encontra nos clássicos gregos, porém é muitíssimo difundida no âmbito semítico-oriental e entre outros povos^59. De maneira especial, a fórmula “Eu sou” se encontra em várias partes do AT, bem definida, é empregada para introduzir oráculos divinos, sobressaindo os que se podem considerar fórmulas precisas de revelação (anúncios divinos do AT introduzidos por “Eu sou” - Gn 28,13, Ex 20,2.5; Is 45,5-6. 12-19). Nestas passagens procura-se colocar em relevo e glorificar aquele “Eu” que fala, exaltando-o sobre seus antagonistas. No EvJo o conceito, unido à fórmula “Eu sou”, é melhor determinado com o emprego do artigo: “Eu sou a porta” e, às vezes, de um adjetivo: “o bom pastor”. A importância deste título introduzido por “Eu sou” manifesta-se na exclusividade do direito que Jesus tem de atribuir-se o título em questão. Os conceitos introduzidos pela fórmula “Eu sou” (água, caminho, luz, pão, pastor, porta e vida) não têm sua origem no AT^60. Face à insistência com que Jesus proclama ser “a luz do mundo”, “o bom pastor”, “o pão da vida”, perpassando grande parte do evangelho, compreendemos que Jesus, e somente ele, realiza o que implicam verdadeiramente estes conceitos de luz, pastor, pão... Todos estes conceitos - água, caminho, luz, pão, pastor, porta e vida - são determinados por adjetivos: vivo (a), bom,

(^5859) W IKENHAUSER , I. El evangelio según San Juan, 208. 60 WSegundo^ IKENHAUSER E. Schweizer^ ,^ I.^ El evangelio según San Juan, , “Estudos recentes têm mostrado que aqui nos encontramos ante expressões bem^ 208. definidas, formuladas com precisão e, ao menos em parte, bastante difundidas. São expressões que, mais E. Schweizer , “Estudos recentes têm mostrado que aqui nos encontramos ante expressões bem definidas, formuladas com precisão e, ao menos em parte, bastante difundidas. São expressões que, mais ou menosdiretamente, estão relacionadas ao ambiente gnóstico”. WIKENHAUSER , A. El evangelio según San Juan,

verdadeiro, com características de autenticidade real para com os objetos, as coisas a que se destinam, opondo-se ao seu sentido, se puramente os considerarmos na esfera humana e terrena^61.

(^61) W IKENHAUSER , A. El evangelio según San Juan, 209.