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Walker, Bell Hooks e Patricia Hill Collins. Essas mulheres negras norte-americanas, e tantas ... BRAGHINI, Lucélia. ... INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO.
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Mirian Lúcia dos Santos
São Paulo, 2012.
Mirian Lúcia dos Santos
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Ciências Sociais sob orientação da Professora Doutora Teresinha Bernardo.
Linha de Pesquisa: Mudanças Sociais e Movimentos Sociais.
São Paulo, 2012.
À minha irmã Kelly Cristina Ferreira Nicodemos, mulher negra, mãe de três filhos e com uma beleza admirável. Tenho certeza que não aceitaria viver, nem por um curto momento, em situação de violência conjugal. Porém, de forma sorrateira e covarde, foi assassinada aos 32 anos, pelo seu ex-companheiro que não aceitou a separação. Dedico á você que foi vítima e a todas as mulheres negras (ou não) inviabilizadas, negligenciadas, violentadas e caladas diante da violência conjugal. Dedico, também, á todas as mulheres negras (ou não) que lutaram (e as que, ainda, lutam) direta e indiretamente para sua emancipação individual e coletiva para erradicação do machismo e do racismo, bem como para o reconhecimento do recorte racial nas teorias de gênero e nos espaços políticos do Movimento Feminista.
Agradeço a Deus, a quem eu não posso ver, mas posso sentir com o fôlego da vida que assegura, hoje, a minha existência, através da minha boa saúde física, mental e espiritual. Isso possibilita o meu estar de pé, ou seja, o poder levantar, andar, chorar, sorrir e, sobretudo, amar. Agradeço a Deus pela força humana que atravessa o meu ser para colaborar direta ou indiretamente com histórias de vida de milhares de mulheres que, ao mesmo tempo em que são singulares, são, também, retrato de um cotidiano que na maioria das vezes não tem um final feliz como o de uma novela. Este Deus de Amor que se apresenta nos mantos protetores e acolhedores de Nossa Senhora Aparecida, minha mãe, na companhia iluminada de São Miguel Arcanjo e na força de Iemanjá. Esses são os meus guias protetores, pelos quais tenho profundo respeito, gratidão e nos quais tenho fé pela minha superação e pelo futuro promissor que me aguarda...
e classe que a sociedade traça com desigualdades, a priori , na vida das pessoas, mas, em especial, na vida das mulheres negras. Para homenagear essas pessoas e as instituições que têm apoiado a minha trajetória, trago uma palavra que expressa muito bem o meu sentimento neste momento, a gratidão. Agradecer, como diria Marcel Mauss, é um dos valores culturais que revela as formas de mostrar a essência da reciprocidade com o caráter universal da tríplice obrigação de dar, receber e retribuir. No meu caso, agradeço por ter sido afortunada com apoio moral da família e das (os) amigas (os) e com condições favoráveis e agradáveis, tanto financeiras quanto intelectuais no mestrado. Assim, começo agradecendo ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, pela excelência do ambiente intelectual. Fui prontamente acolhida para desenvolver a pesquisa de mestrado em Ciências Sociais na Linha de pesquisa: Mudanças Sociais e Movimentos. Além de ter sido muito estimulante fazer o mestrado nessa instituição pelo conjunto de bons profissionais na formação que escolhi, tive, ainda, a oportunidade de frequentar diversas atividades extracurriculares em outros ambientes (fora da sala de aula) que contribuíram diretamente para consolidar a minha formação intelectual. Contudo, passar pelo universo da PUC-SP só foi possível após ter sido contemplada com uma bolsa de estudos no Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford ( International Fellowship Program - IFP ). Essa bolsa foi de fundamental importância para realização desta pesquisa, bem como para a minha participação em diversos congressos a nível nacional e cursos de capacitação que enriqueceram a minha formação. Na relação entre essas duas instituições encontra-se uma intermediária zelosa e muito eficaz, a minha professora e orientadora Teresinha Bernardo, que, antes mesmo de eu prestar o processo seletivo, se colocou à minha disposição. Durante todo esse tempo, entre suas “doçuras e bravuras”, ensinou-me a elegância e a importância de usar a memória como recurso de interpretação analítica e/ou como técnica de coleta de dados em pesquisas com metodologia qualitativa. Esse recurso permite observar e entender as histórias de vida, os silêncios que falam, por vezes, através das performances corporais e/ou dos depoimentos engasgados dos sujeitos desta pesquisa. Além de tudo isso, a convivência com a professora Teresinha Bernardo no Grupo de Pesquisa sobre Relações Raciais: Memória, Identidade e Imaginário, e em outros espaços acadêmicos, foi fundamental para entender sua personalidade acadêmica forte e marcante. Agradeço também ao Prof. Dr. Leandro e à Profa. Dra. Loussia Musse, que foram colaboradores da Fundação Carlos Chagas - FCC para seleção dos bolsistas da Fundação
Ford. Eu os agradeço por terem tido a sensibilidade de perceber as minhas qualidades e a relevância do meu tema de pesquisa ao oferecerem esta oportunidade, entre centenas de outros candidatos, de ser uma das bolsistas da última seleção da Fundação Ford no Brasil. O processo seletivo foi muito árduo, concorrido e angustiante. Essa oportunidade não foi só para mim, mas também para a minha família. Eu consegui! Muito obrigada! Professoras Dras. Alessandra Chacham, Lenise Ortega e Rita de Cássia Fazzi da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas; essas três mulheres maravilhosas nunca sairão da minha memória. Guardo boas lembranças do meu percurso na graduação onde me ensinaram a ter um olhar crítico e científico para meu tema que vem desde a iniciação científica. E, entre outros exemplos, são referências que me guiam rumo à excelência acadêmica. A Coordenadora Profa. Dra. Fúlvia Rosemberg e toda equipe da FCC pela competência e elegância em coordenar e conduzir por dez anos o Programa IFP no Brasil. Obrigada pela seriedade em cobrar, não apenas de mim, mas de todos os (as) bolsistas IFP‟s, os compromissos firmados enquanto bolsistas, mas também os compromissos acadêmicos. Ao Henrique agradeço porque nesses dez anos juntos, e hoje na condição de marido, tem percorrido comigo um caminho na busca por um crescimento intelectual, profissional e também humano. Os meus agradecimentos se estendem para além de um simples romantismo de um casal. O seu companheirismo, a sua paciência e conduta digna de um companheiro não permitiram que valores machistas abalassem a nossa relação nesse tempo em que fiquei em São Paulo. Agradeço, ainda mais, por me orientar na busca de novos caminhos, de forma estratégica, para não perder as oportunidades ofertadas pela vida. Agradeço à minha família pelo apoio incondicional para que eu desse este salto e me abstivesse temporariamente do meu berço terreno (Minas Gerais) e, principalmente, da comida preferida: o “frango com quiabo e angu da vovó aos domingos”. Esse foi um dos maiores desafios que enfrentei ao vir morar e estudar em São Paulo. Obrigada minha mãe, minha vovó, minhas irmãs e irmão, sobrinhas (os), minhas tias (os), primas (os) e a todos que compõem essa família que, inegável e inseparavelmente, são a razão da minha existência enquanto pessoa humana. Obrigada, pretaiada! No meu sistema de parentesco, agradeço a minha tia Isabel Moura a quem sou grata por ter influenciado direta e indiretamente na minha formação intelectual e humana. Essa é, dentre os membros da família, a primeira que desbravou o caminho rumo à Universidade. Ao longo dos meus 34 anos, como diria Bourdieu, ela tem sido a minha referência de capital cultural, mas também moral. Desconheço pessoa mais honesta e sincera e de tamanha
O tema central desta pesquisa é a violência conjugal contra as mulheres negras. A intenção foi investigar de que forma o racismo poderia se apresentar nas experiências de violência conjugal contra as mulheres negras. Os sujeitos centrais foram mulheres negras que vivenciaram e/ou vivenciam situação de violência em relacionamentos conjugais heterossexuais. Uma das hipóteses apresentada é que existe a possibilidade de uma relação combinatória entre o machismo e o racismo na situação de violência conjugal contra as mulheres negras. Para confirmar tal afirmação foi necessário compreender a dinâmica do racismo na história das relações conjugais das mulheres negras no Brasil no período entre 1871 a 1888, para, assim, tentar discutir a situação de violência conjugal dessas mulheres nos dias atuais que se revela no possível estigma em que essas mulheres foram historicamente tratadas. Além disso, discorreu-se procurando apreender os principais conceitos que fundamentam essa pesquisa, como: gênero, violência conjugal e racismo. Tanto gênero quanto raça foi abordado a partir de uma perspectiva interdisciplinar antropologia, sociológica e, também, política. Esse universo analítico colaborou, e muito, para compreensão das relações sociais interseccionada entre gênero e raça na situação de violência conjugal em que se encontram as mulheres negras. Outro ponto de analise considerado importante para essa pesquisa diz respeito à atuação do Movimento Feminista. Contudo, como se trata de um movimento muito amplo, tentou-se trazer algumas considerações do movimento feminista a partir do recorte geográfico na América Latina. Nesse cenário, a intenção é apresentar alguns aspectos da trajetória de reivindicações do Movimento Feminista na América Latina e no Brasil no que se refere às reivindicações que buscam considerar as especificidades culturais, raciais, econômicas e regionais das mulheres diante das políticas internacionais contra qualquer tipo de opressão que possam acometer as mulheres. Além da abordagem conceitual, essa pesquisa se esforçou em buscar dados empíricos a partir da pesquisa qualitativa. As entrevistas com os sujeitos diretos e com algumas representantes do Centro de Referência da Mulher em São Paulo, revelaram que embora a manifestação do racismo na violência conjugal não seja perceptível no momento da violência, ele se apresenta como uma violência “não visível”,ou seja, uma ferida não visível. O Racismo, nessa situação, por se apresentar, geralmente, de forma “invisível” e por não deixar marcas explícitas é confundido com ofensas morais e psicológicas. Nesse sentido, as dores e as marcas das palavras racistas do agressor, que a violenta, podem até não serem visualizadas e/ou percebidas, mas certamente deixam marcas profundas que ficam esculpidas no corpo, na mente e na alma.
Palavras-chaves: Gênero; Movimentos Sociais; Mulheres Negras; Racismo e Violência Conjugal.
The central theme of this research is the conjugal violence against Black women. The intention was to investigate how racism could present itself in the experiences of domestic violence against black women. The main subjects were black women who have experienced and/or experience situations of violence in heterosexual marital relationships. One presented hypothesis is that there is a possibility of a combinatorial relation between sexism and racism in the situation of domestic violence against black women. To confirm this assertion was necessary to understand the dynamics of racism in the history of the marital relationships of the black women in Brazil from 1871 to 1888, thus try to discuss the situation of domestic violence of these women nowadays that reveals the possible stigma that these women were historically treated. Moreover, spoke up looking for apprehending the main concepts that underlying this research, such as: gender, marital violence and racism. Both Gender as race was approached from an interdisciplinary perspective: anthropological, sociological, and also political. This analytical universe collaborated, and much to understanding the social relations between gender and race intersected in the situation of domestic violence in that are black women. Another very important point of analysis to be considered to this research concerns to the role of The Feminist Movement. Nevertheless as it is a very broad movement, tried to bring some considerations of the feminist movement from the crop in the Latin America. In this geographical view, the intention is to present some aspects of the trajectory of the claims Feminist Movement in Latin America and in Brazil with regard to claims that seek to consider the specific cultural, racial, economic and regional policies on women‟s international against any kind of oppression that may affect women. Besides the conceptual approach, this research endeavored to seek empirical data from qualitative research. The interviews with the direct subjects and with some representatives of the Women‟s Reference Center (Centro de Referência da Mulher) in São Paulo revealed that although the manifestation of the racism in marital violence is not noticeable at the moment of the violence, it presents itself as a “not visible” violence or it is one “not visible” wound. Racism in this situation, for presenting, usually in an invisible way does not leave explicit marks and it is confused with psychological and moral offenses. At this sense, the pain and the marks of the racist words from the aggressor that violate her may not even be viewed and/or perceived by other, but certainly leave deep marks that are carved in her body, mind and soul.
Key words: Gender, social Movements, Black Women, Violence and racism Marriage
TABELA 1 - Cor/raça declarada pelas 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal...................................................................................................................................
TABELA 2 - Cor/raça observada pelas profissionais de atendimento das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal....................................................................................
TABELA 3 - Cor/raça do agressor declarada pelas 31 mulheres negras vítimas da violência conjugal...................................................................................................................
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico I – Porcentagem da faixa de idade das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal em relação à idade dos agressores.......................................................................... Gráfico II – Situação conjugal das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal em relação aos agressores............................................................................................................. Gráfico III – Quantidade de filhos das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal.................................................................................................................................... Gráfico IV – Grau de escolaridade das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal.................................................................................................................................... Gráfico V – Religião das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal.....................
Gráfico VI – Renda Pessoal das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal.................................................................................................................................... Gráfico VII – Renda pessoal dos agressores das 31 mulheres negras vítimas de violência conjugal....................................................................................................................................
Organograma Conceitual 1.................................................................................................... Organograma Conceitual 2.................................................................................................... Organograma Conceitual 3....................................................................................................
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17
1.1 Fundamentos Metodológicos ....................................................................................... 24
1.2 A coleta e sistematização dos dados ............................................................................. 26
1.3 Análise e compreensão dos dados....................................................................................
1.4 Os caminhos que possibilitaram a construção do objeto de estudo.............................
1.4.1 O pessoal: histórias de vidas das mulheres negras da família que contam e recontam o vivido e o sofrido....................................................................................................................... 35
1.4.2 O político: a participação no Grupo de Mulheres Negras de Belo Horizonte.............. 37
1.4.3 O Acadêmico: compromisso de estudar as questões raciais da população negra nos trabalhos acadêmicos****.****. ............................................................................................................ 39
1.5 Apresentação e divisão dos capítulos..............................................................................
1.1 A constituição do poder e da dominação de gênero na situação de violência conjugal contra as mulheres ............................................................................................................. 54
1.2 Mecanismos institucionais de enfretamento a violência conjugal contra as mulheres...................................................................................................................................
1.3 Pensando na cor/raça das mulheres vítimas de violência conjugal..............................
“A emoção e a razão são irmãs siamesas que, juntas, nos movem para uma reflexão. Para negras e negros, falar da questão racial sem ser de forma apaixonada é praticamente impossível. Mas isso não pode nos impedir de fazer uma reflexão objetiva [...].” Kabengele Munanga
Eduardo tem 49 anos, é pardo, tem o ensino médio completo e trabalha como eletricista. Ele não era um companheiro agressivo no início do casamento^1 : assim relata Carla, mulher negra de 38 anos, que tem o ensino médio completo, é vendedora, mas está desempregada. Ela tem três filhos: um do primeiro casamento e os outros dois do Eduardo, com quem está casada há 12 anos. Segundo Carla, já são nove anos de puro sofrimento. Ela diz que não suporta conviver, nem mais um dia, neste casamento por causa das constantes e intensas humilhações e agressões que vem sofrendo nos últimos anos. Reclama que Eduardo a insulta constantemente com apelidos do tipo: gambá velho fedorento, tribufu, gorda, preta feia, relaxada etc. Além disso, diz que ele a diminui gritando, aos berros, para toda a vizinhança ouvir : você não presta nem para usar a bunda grande que tem naquilo que eu mais gosto. Prefiro buscar na rua, em outras mulheres, o que não tenho dentro de casa! A primeira impressão que se tem ao se deparar com o relato acima é de que o tema da violência conjugal contra as mulheres já está por demais estudado e seus problemas sistematicamente mapeados. Porém, não é bem assim. A violência conjugal contra as mulheres ainda é muito preocupante, não importa a condição social, econômica, cultural, a faixa etária e outras especificidades dos atores envolvidos. Tal preocupação, em generalizar esse fato, poderia se justificar diante do panorama de agressões por violência conjugal contra as mulheres, uma situação que resulta no silêncio até a morte da mulher agredida. Porém, é nessa condição que outras formas de agressões, talvez “não visíveis”, como é o caso do racismo, “não aparecem” ou então aparecem como um “mal menor” na violência conjugal contra as mulheres.
(^1) As frases que se encontram em itálico negritado são trechos das entrevistas realizadas com os sujeitos diretos da pesquisa. Os nomes são fictícios.
violência sofrida pelas mulheres negras, considerando apenas o machismo e o racismo e desprezando as violências moral, ética e psicológica, são tratadas sob um mesmo prisma. O racismo nesse e, em tantos outros casos, não é agravante porque ele sequer é percebido. Diante desse contexto, outras pesquisas (VINAGRE, 1999; AZEREDO, 1994; BRITO, 1997) que abordaram o tema “violência conjugal” apontam para a necessidade do recorte racial. Assim, acredito que esta pesquisa é relevante por três motivos: primeiro, porque eu parto de uma perspectiva já assinalada em outros estudos de que a violência conjugal contra as mulheres é um tema possível de ser rediscutido, sistematicamente, por meio de outros marcadores sociais que vão além do gênero e da classe. No caso desta pesquisa, a raça dos envolvidos. Ou seja, aponto a necessidade de compreender o tema levando-se em consideração a multiplicidade da construção da identidade de gênero e raça de cada sujeito diante da violência conjugal. Observei, em alguns estudos levantados para o direcionamento deste trabalho, que alguns autores começam a se preocupar com essa questão. São produções, como a das autoras apontadas acima, que trazem em seus estudos as críticas de algumas feministas negras, lésbicas, trabalhadoras e mulheres de países que compõem a América Latina, como é o caso do Brasil, em torno do silenciamento da diversidade racial/cultural nas pautas de reivindicação para erradicação das diversas formas de violência contra as mulheres. Nas palavras de Patemam (1993, p.36), “falar sobre a mulher, entretanto, não é de modo algum falar sobre as mulheres. A “mulher eterna” é uma invenção do imaginário patriarcal”. Essas críticas se dão, entre outros motivos, pelo fato de, até então, alguns estudos não abordarem pontualmente as diferenças sociais, raciais e culturais dentro do tema da violência contra as mulheres e entre as mulheres. Em relação à questão racial, essa realidade foi apontada por diversas autoras feministas negras brasileiras que relataram em seus estudos a existência de um silêncio, de um modo geral, sobre a questão racial nas produções teóricas de gênero no Brasil. Para essas feministas, como Gonzáles 1982, Oliveira, 2001 e Rufino 2001, em outras palavras, o racismo se cala covardemente, oprime e reprime as diversas situações de opressão em que se encontram as mulheres negras. O segundo motivo da relevância desta pesquisa se dá porque, apesar dessas feministas já apontarem para essa questão, observei que existem poucos trabalhos científicos que abordam a temática racial na violência conjugal contra as mulheres. Esse fato permite que esta pesquisa possa servir como mais uma referência para os estudos sobre a violência contra as mulheres negras tanto para a academia quanto para o Movimento Feminista e o Movimento Negro Brasileiro.
Aponto como terceiro motivo de relevância o fato de que este estudo se insere nas Ciências Sociais. Isso confirma o quanto é importante e possível estudar um fato social materializado na forma de violência, relacionando-o com outros fatos sociais específicos, passados ou contemporâneos, isto é, o machismo e o racismo que se cruzam nas relações sociais. Além disso, este interesse significa, para algumas autoras como Saffioti (2004), que estudar as categorias “raça e gênero”, entre outras, assinala o compromisso da (o) pesquisadora (o) em incluir nos estudos acadêmicos a fala de pessoas que foram e, ainda permanecem, historicamente oprimidas. Para essa autora, a opressão se desenrola para as desigualdades de poder que estão organizadas nos países ocidentais, no mínimo, a partir destes três eixos: gênero, raça e classe. O termo “violência conjugal” foi o primeiro recorte definido e delimitado para ser entendido dentro do tema mais amplo da violência doméstica contra as mulheres. Optei por analisar esse tipo de violência a partir dos vínculos conjugais por pressupor que existe ou existiu algum vínculo afetivo e íntimo entre as pessoas envolvidas. Trata-se de uma relação social entre dois indivíduos que buscaram ou buscam conviver e/ou manter por um determinado tempo a partir das similaridades e das preferências, algum tipo de intimidade sexual/afetiva. O formato desse tipo de relação será descrito no primeiro capítulo. A discussão teórica de violência conjugal tem sido apresentada de forma diferenciada dentro do Movimento Feminista. Em algumas dessas discussões argumenta-se que a violência conjugal apresenta duas correntes de pensamentos: a patriarcal e a comunicacional. Segundo algumas autoras, entre elas Andrade (2008), existe um dualismo que se constitui em duas formas de pensar a violência conjugal no Brasil, ou seja, duas correntes de pensamentos: a patriarcal e a afetivo-comunicacional. Ambas objetivam identificar e explicar a violência que ocorre entre parceiros íntimos. Em Jimenéz (2007), apud Andrade (2008, p.20), a primeira corrente “ toma como ponto central de análise as formas contemporâneas de dominação patriarcal, [...] e a outra entende o fenômeno como resultado de processos complexos no campo afetivo, comunicacional e psicológico”. O que as duas autoras estão dizendo é que algumas estudiosas buscam trabalhar a violência conjugal a partir do sistema patriarcal de dominação masculina sobre a mulher. Sob essa análise, as mulheres estariam subordinadas ao poder dos homens numa relação hierárquica de dominação. Porém, outras (os) estudiosas (os) argumentam que pensar por esse prisma patriarcal é subjugar as mulheres a uma condição de vitimização exacerbada que as coloca em um lugar imaginário de vítimas e não coparticipantes dessa situação.