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Guias e Dicas
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Significado e relevância do método Suzuki de ensino de música em Campinas, Brasil, Notas de aula de Música

Este documento reflete sobre o método suzuki de ensino de música, sua história e contexto de criação, e suas implicações para o ensino de música atual em campinas, brasil. O autor explora as ideias de suzuki sobre o desenvolvimento psicológico do ser humano, a importância da família e ambiente afetivo, a imitação e repetição, e a memória. Além disso, discute as características do método suzuki, como a ênfase na família, a importância do professor e dos pais, e a inclusão da música no cotidiano do aluno.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Bossa_nova 🇧🇷

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNESP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
SAMUEL CAMPOS DE PONTES
DIVERSAS LENTES DE LEITURA DO MÉTODO SUZUKI:
DIÁLOGOS E OUTRAS EXPERIÊNCIAS LITERÁRIAS
São Paulo,
2017
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Baixe Significado e relevância do método Suzuki de ensino de música em Campinas, Brasil e outras Notas de aula em PDF para Música, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” ㅡ UNESP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

SAMUEL CAMPOS DE PONTES

DIVERSAS LENTES DE LEITURA DO MÉTODO SUZUKI:

DIÁLOGOS E OUTRAS EXPERIÊNCIAS LITERÁRIAS

São Paulo,

SAMUEL CAMPOS DE PONTES

DIVERSAS LENTES DE LEITURA DO MÉTODO SUZUKI: DIÁLOGOS E OUTRAS

EXPERIÊNCIAS LITERÁRIAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Música do Instituto de Artes da Unesp ㅡ Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, sob a orientação da Profª Drª Marisa Trench de Oliveira Fonterrada, como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Música.

São Paulo, 2017

SAMUEL CAMPOS DE PONTES

DIVERSAS LENTES DE LEITURA DO MÉTODO SUZUKI: DIÁLOGOS E OUTRAS

EXPERIÊNCIAS LITERÁRIAS

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Marisa Trench de Oliveira Fonterrada (IA-UNESP)

Profª Drª Susana Cecília Almeida Igayara de Souza (ECA-USP)

Prof. Dr. Esdras Rodrigues Silva (IA-UNICAMP)

Agradecimentos

É evidente que, se eu estivesse isolado no mundo, nunca seria capaz de produzir este texto. É esta a razão desta página. Tenho consciência, também, da impossibilidade de citar o nome de todos que contribuíram com alguma coisa e, por isso, peço desculpas aos que não foram listados. Agradeço, então:

A Deus; À minha família: Dona Amélia e Joãozinho, meus pais, e Vivi, meu irmão; A minha orientadora, Marisa, por me ajudar a crescer e a descobrir meu próprio caminho; A Shinobu, que não só me incentivou a fazer este trabalho, mas me mostrou que posso chegar muito além do que eu imaginava com o violino; Aos membros do GEPEM; Aos amigos, que me ajudaram a pensar nos temas tratados aqui: Camila, Lucas, Pedro, Vítor, Gregório, Fábio, Murilo e Marina; À galera da Casa CEU e outros amigos de Campinas; Às caronas de Barão Geraldo a São Paulo, momentos em que pude conversar com pessoas de diversas áreas e pontos de vista; Aos novos amigos do Etapa, sobretudo a professora Ana Paula, que me ajudou com os poemas do terceiro capítulo; Aos professores que leram e contribuíram com comentários e sugestões: Profª Drª Sílvia Nassif, Profº Dr Maurício de Bonis, Profª Drª Susana Igayara e Profº Dr Esdras Rodrigues. A Victor Veríssimo, que revisou o texto com tanto cuidado e me ajudou a pensar a respeito de diversos aspectos do tema proposto e, por fim, Aos amigos que dividem o apartamento comigo.

SUMÁRIO

  • Introdução,
  • Gênese do caminho: inventando a metodologia,
  • Diálogos I: a rede sendo tecida,
  • O Método Suzuki no Brasil,
    1. O Método Suzuki: contexto de criação e principais concepções,
    • 1.1 – Diálogos II: acerca da finalidade do método,
    • 1.2 – A cultura japonesa,
    • 1.3 – A Guerra,
    • 1.4 – Talento,
    • 1.5 – O que é música para Suzuki?,
    1. Shinobu: o método Suzuki na cidade de Campinas,
    • 2.1 – Depoimentos e escrita da biografia: considerações iniciais,
    • 2.2 – Biografia - Shinobu Saito,
    • 2.3 – A guerra,
    • 2.4 – Relatos do Japão,
    • 2.5 – A Viagem, o Brasil, a mudança...,
    • 2.6 – Preconceito,
    • 2.7 – Missão: método Suzuki,
    • 2.8 – Tempo,
    • 2.9 – O que fazer da música? Ensinar?,
    1. Vigotsky: diálogos com as ideias de Suzuki,
    • 3.1 – Vigotsky: materialismo histórico dialético,
    • 3.2 – Fatores Ambientais: acerca do meio e das interações,
    • 3.3 – Imitação,
    • 3.4 – A linguagem,
    • 3.5 – Memória,
    • 3.6 – Concepções de ensino,
    1. Considerações a respeito de nosso tempo,
    • 4.1 – Diálogos III: acerca do mundo contemporâneo,
    • 4.2 – O que o método Suzuki tem a ver com tudo isso?,
    • 4.3 – Família e mercado: as aulas são para os pais?,
    • 4.4 – Modelos de aprendizagem,
    • 4.5 – Tecnologia,
    • 4.6 – Coletivos,
    • 4.7 – Retomada dos pontos da discussão e comparação com as concepções de Suzuki,
    1. Conclusão,

Introdução

A primeira coisa que me vem à mente quando penso em escrever um texto acadêmico em nossa época é: como fazer isso depois da constatação de Foucault, em O que é o Autor? , de que eu, autor, levo para meu texto tudo que sou, todas as minhas experiências anteriores e todo o modo de pensar da sociedade em que vivo? A isso se soma Bourdieu, com seu conceito de “capital”, expandido para a área cultural e do pensamento, afirmando que nosso modo de pensar está relacionado à “quantidade de capital” – seja ele de qualquer tipo – que possuímos. Como se já não bastassem estas constatações percebe-se em nosso tempo um descrédito do método científico que busca o afastamento entre o pesquisador e seu objeto de estudos, algo impossível de ser totalmente alcançado. Diante desta impossibilidade de ser neutro, começo este texto descrevendo fatos acontecidos em minha história e que permitiram levantar as questões a serem discutidas nesta pesquisa. Talvez isso facilite o entendimento do modo pelo qual estas serão abordadas, bem como poderá esclarecer meu ponto de vista. No início de 2014, último ano de graduação, eu procurava um estágio. Alguém me falou da existência de uma professora japonesa que ensinava violino pelo método Suzuki, e que atendia seus alunos em um lugar perto de minha casa. Resolvi procurá-la e fui aceito para observar suas aulas. Fiz contato por telefone. Antes de ligar, pensei em tudo: iniciei falando do curso de licenciatura em música e da necessidade de um estágio, falei de minha formação em violino no conservatório, do meu total desconhecimento a respeito do método Suzuki, etc... Depois dessas longas palavras, a pessoa do outro lado da linha apenas me informou seus horários e disse que eu poderia vir quando quisesse. Esta foi a porta de entrada para um mundo que eu apenas tinha ouvido falar e lido nos livros: o método Suzuki. Com o passar do tempo, pude acompanhar os alunos, que conseguiam resultados surpreendentes, a ponto de chegar à conclusão de que muitos deles eram melhores do que eu mesmo, como instrumentista. Eles sabiam, de memória, uma quantidade bastante grande de músicas; alguns deles conseguiam começar as peças mais fáceis por qualquer nota da escala, tocando-as em diversos tons. Crianças pequenas “se comportavam” nas aulas, tinham concentração e aprendiam a tocar em uma velocidade nunca antes imaginada por mim. Nas aulas coletivas, todos tocavam juntos, na maioria das vezes em uníssono, e o resultado não era uma confusão de sons como eu imaginava inicialmente, mas um som comum, obtido porque todos tocavam de maneira sincronizada e com atenção.

musical; analisar o quanto essas concepções estão presentes nas ideias de Suzuki, bem como desvelar o modo pelo qual esta proposta de ensino enxerga a música; e, por fim, propor uma reflexão acerca do mundo contemporâneo e da forma como se apresenta nesse contexto, para, assim, voltar a pensar a respeito da metodologia e dos possíveis encaminhamentos que as ideias de Suzuki podem gerar para o ensino de música. Afinal, não é pouca coisa afirmar que a música é uma linguagem e que os mesmos procedimentos de aquisição do vernáculo podem ser utilizados na aprendizagem de um instrumento musical.

Gênese do caminho: inventando a metodologia

Era uma vez uma senhora chamada Pesquisa; ela tinha tanta idade, que já não se contavam os anos, nem se fazia festas de aniversário. Seus filhos e netos, os Objetivos, viviam numa terra muito distante dali, cujo nome era Texto. Se já não bastasse a distância, o caminho existente, chamado Metodologia, estava em ruínas. Um dia, depois de muitos anos longe da família, dona Pesquisa resolveu sair de casa em direção a Texto. Por causa da muita idade, pensou que seria bom ter companhia. Assim, chamou dois personagens, criados por Autor, rei de Texto. Um deles, Shimu, era um velho senhor, já de cabelos brancos, que vivia na biblioteca; o outro, Samuel, era jovem, gostava de viajar e conhecer coisas novas. Como o velho Metodologia já não estava em condições de permitir passagem, eles recorreram a Problemática, um ser alado que vivia no local, sempre por perto. Ele foi inventando o caminho durante a viagem. Sempre carregados por Problemática, passaram por várias áreas de Conhecimento, outro nome que davam para o mundo na época; e, por fim, modificados pelas experiências de viagem, alcançaram os Objetivos. Eles ainda viviam em Texto, mas o lugar estava completamente modificado, cheio de Autores, Personagens e Histórias, o que facilitava muito a vida dos habitantes do local; por conta dos avanços, os Objetivos até tinham acesso a Realidade, uma cidade bem maior que Texto, localizada nas proximidades. Esta história, escrita nos moldes da literatura infantil, reflete os diversos aspectos das escolhas metodológicas tomadas para a realização desta pesquisa e para a escrita do texto. O primeiro ponto a ser destacado aqui é a dimensão literária de alguns trechos do trabalho. Da mesma forma que ocorre neste fragmento, no decorrer do texto, aparecem gêneros textuais distintos dos usualmente em circulação nos corredores acadêmicos. Isso se justifica por dois argumentos: (i) o primeiro deles é a multiplicidade de abordagens do tema. Ao propor uma história inventada, ou um

texto que foge à tradição acadêmica, o leitor tem a possibilidade de um outro olhar para o tema tratado. Isso amplia a quantidade de leitores em potencial, uma vez que – não é segredo para ninguém – muitos textos produzidos na academia são inacessíveis ao público geral, mesmo aos que se dedicam ao tema em sua vida cotidiana, fora da universidade. (ii) o segundo argumento é a natureza artística desses fragmentos, o que reflete o cotidiano do local onde esta Dissertação foi produzida, um Instituto dedicado às Artes. Assim como na história que introduz este item, a problemática de pesquisa permitiu a exploração de diversos aspectos do tema e, portanto, diversas ações metodológicas. Dentre essas, além da inserção de fragmentos de textos de natureza literária, ressalta-se a realização de entrevistas semiestruturadas e o recolhimento de depoimentos. Em razão da enorme diferença cultural e histórica, percebe-se que olhar para os escritos de Suzuki não basta para entender o modo como esse vem sendo aplicado em Campinas, por isso a necessidade de trabalhar com depoimentos. É preciso compreender como essas ideias foram entendidas pelos professores, alunos e por quem ministra os cursos para professores brasileiros. Só assim seria possível chegar um pouco mais perto da realidade de aplicação do método Suzuki na cidade de Campinas, com suas particularidades. Entende-se, portanto, que o mesmo argumento usado por Foucault (2002), apresentado no início, pode ser adotado na análise pretendida: é necessário levar em conta não só as experiências de cada indivíduo, como, também, o modo como são narradas por eles mesmos, uma vez que o depoimento vem carregado de interpretações pessoais do que está sendo dito. Outro ponto de destaque aqui é a pesquisa bibliográfica. Nesse processo, foi possível estabelecer um conjunto de fundamentos teóricos que abarcam diversas áreas das ciências humanas, tais como a Antropologia (Benedict), a Psicologia (Vigotsky) e a Sociologia (Bauman), além, é claro, de Umberto Eco, que está situado no campo da Semiótica. Além disso, deve-se considerar que esses autores foram escolhidos com base nos questionamentos levantados pela problemática da pesquisa: é este o elo entre eles. Contudo, não há uma hierarquia em que alguns são tratados com destaque, e outros, de maneira secundária. Pelo contrário, por se tratar de áreas diversas, eles foram tomados para iluminar o tema dentro de cada universo específico. Assim, o que há no texto são vários microuniversos, ligados em forma de rede. Por isso, os capítulos – ou mesmo as seções – podem ser lidos de forma autônoma; mas, se lidos no conjunto do texto, resultam em um todo que é maior que a soma das partes, uma vez que, além delas, é preciso considerar a relação que mantêm entre si.^1

(^1) A respeito disso, ver A Teia da Vida , Capra (2009)

reinaram em Israel. Assim, apesar de apontar para a tradição, este personagem representa, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma nova ordem. No entanto, quando unge os reis, ele já está com a idade avançada, o que mostra que, no caso do personagem, o novo nasce da experiência adquirida nos muitos anos como profeta. Outro aspecto do personagem a ser evocado aqui é que, como profeta, ele nunca fala de si mesmo; pelo contrário, sua função é transmitir a vontade de Deus. Assim, “Shimu”, o personagem construído neste texto, também não se baseia no que acha; ele constrói seus argumentos por meio da observação, da lógica e das ideias de outros autores já consagrados. O segundo personagem é “Samuel”, a versão atual do nome, na linguagem corrente do Brasil. Ele representa um jovem que pensa muito, mas que se impressiona com as novas ideias. Faz referência à nova geração, à descoberta de coisas novas e à maneira como recebe a quantidade imensa de informações que chegam até nós, sem muita reflexão. Por isso, esse personagem traz muitas questões; mas traz, também, ideias prontas que ouviu por aí, e das quais se apropriou. Com isso em mente, nada melhor do que deixar o diálogo acontecer para que possa emergir a conexão dos assuntos que esta pesquisa se propõe a tratar:

Diálogos I: a rede sendo tecida

SAMUEL: Depois de ler o que foi escrito até aqui, fiquei pensando que os temas a serem tratados são muito diferentes e que precisam de alguma conexão entre si. Esta conexão ainda não está muito clara. Como unir temas tão diferentes na construção de um trabalho de pesquisa que seja coerente? SHIMU: Os temas são amplos e bastante diferentes, isso é inegável; mas, para refletir acerca de suas possíveis conexões e deixar clara a relação entre eles, é preciso voltar para a proposta inicial deste trabalho. Para isso, basta retomar a pergunta em que se fundamentam as ações desta pesquisa: “tendo em vista a realidade de aplicação do método Suzuki na cidade de Campinas, qual o significado das ideias desse educador e sua relevância na reflexão acerca do ensino de música em nosso tempo?”. Talvez a chave para esclarecer seu questionamento é que a problemática confere significados às ideias. E, se faz isso, pressupõe que alguém, ao tomar contato com a metodologia, é influenciado por ela de alguma maneira. SAMUEL: Esse “alguma” não é muito amplo? SHIMU: De fato, há infinitas maneiras pelas quais alguém pode ser influenciado. Mas a própria

questão nos dá indícios do que cabe e do que deve ficar de fora. Por exemplo, penso em encontrar neste trabalho um capítulo que trate do costume de tirar os sapatos ao entrar no Centro Suzuki de Campinas, relacionado com a limpeza do local e com a preocupação dos alunos com usar meias novas e limpas? O assunto condiz com a realidade, mas está fora do que esta pesquisa se propõe a realizar. SAMUEL: Então é necessário definir critérios mais específicos? SHIMU: Sim, mas esses critérios também já foram definidos. Trata-se de uma pesquisa que reflete acerca de um método de ensino de música. Se é um método de ensino, então, foi criado por alguém, num local e numa época específica. Mais do que isso, a investigação dessas condições não pode ser deixada de lado, uma vez que o método, assim como qualquer coisa proveniente de um tempo-espaço determinado, está impregnado de concepções próprias da cultura e da época em que surgiu. É dessa constatação que parte o primeiro capítulo. Mas o tema não se esgota aí. O que se pretende investigar é a aplicação do método em outra realidade. É esta a razão pela qual um dos capítulos trata do processo de implantação da metodologia Suzuki em Campinas, trazendo a biografia de Shinobu Saito, responsável pelo início do trabalho com o método na cidade. No entanto, isso ainda não basta. É preciso investigar a época da qual se fala: trata-se da atualidade, do mundo contemporâneo. Por isso, esta temática proposta para o último capítulo, é absolutamente necessária, ainda que impossível de ser esgotada, pelo fato de ser implantado em sociedades diferentes daquela para a qual foi concebido inicialmente, apesar do tempo decorrido e de haver outras circunstâncias bem diferentes daquelas do Japão do pós-guerra. SAMUEL: Até aí tudo bem, mas, e o capítulo que trata da psicologia do desenvolvimento humano, onde entra nesta história? SHIMU: Lembra que estávamos falando das infinitas maneiras pelas quais alguém pode ser influenciado por alguma coisa? Pois é! Agora é hora de definir esse “alguém” e essa “alguma coisa”. Estamos falando aqui de uma metodologia de ensino e, portanto, de um processo de construção, tanto de conhecimento como de hábitos e maneiras de viver a vida. Esse alguém é o sujeito que participa deste processo, podendo ser aluno, professor ou responsável pelo aluno. Mas, antes de ser aluno ou professor é uma pessoa. Se é uma pessoa, então há, necessariamen te, a dimensão psicológica, e existe o desenvolvimento humano. Deve-se considerar ainda que, como diz o ditado, uma andorinha só não faz verão. Aqui, também, uma pessoa só não é suficiente, pois o conhecimento se constrói na relação. Por isso, além do aspecto psicológico, é importante o aspecto social. É essa a razão pela qual foram considerados os escritos de Vigotsky, um psicólogo que

Suzuki em Curitiba-PR, no ano de 1976. Ela estava interessada em expandir as atividades musicais da cidade e começou a aplicar o método Suzuki para a formação de uma orquestra de cordas. Além delas, Fredi Gerling, Efrain Flores Jr., Paulo Bosísio e Shinobu Saito, também se destacam no processo de aplicação da metodologia no país, sendo que vários deles ainda atuam nesta área. Como exemplo, pode-se citar Fredi Gerling, que, como professor de violino na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é responsável por um projeto de extensão universitária que utiliza o método, fornecendo aulas de violino à comunidade local. Durante esse tempo, os interessados pela metodologia Suzuki se organizaram por meio da Associação Brasileira de Professores Suzuki, que tinha como objetivo reunir os professores que adotavam essas ideias no país, divulgar a metodologia e promover cursos de formação. Contudo, no início da década de noventa a associação perdeu força e se desfez. Recentemente, observa-se uma movimentação de professores Suzuki, centrada nas cidades de Campinas e São Paulo para pôr em operação a Associação Musical Suzuki do Brasil (AMSBrasil), que ainda está em fase de estruturação. Esta associação segue os mesmos objetivos da anterior, sendo que a partir dela pode-se ampliar as relações com outras organizações Suzuki espalhadas pelo mundo. No que se refere ao Brasil, a principal delas é a Associação Suzuki das Américas (SAA - Sigla em inglês). No site desta associação, há um texto, em português, com informações acerca da AMSBrasil:

A Associação Musical Suzuki do Brasil (AMSBrasil) é uma entidade sem fins lucrativos dedicada a promover a excelência do ensino e a formação de professores por meio da difusão da Metodologia Suzuki. Contribui para a integração de professores Suzuki residentes no Brasil e também com o movimento Suzuki Latino Americano e Mundial através de encontros de pais, alunos e professores. Formada por professores capacitados e pais interessados, atua em todo o país, fomentando cursos de capacitação para professores e formação para alunos.

Outro ponto de destaque, no que diz respeito a atuação da metodologia no país, é a existência de duas professoras, credenciadas como teacher trainer pela SAA, que tem promovido cursos de formação nas mais diversas cidades brasileiras. São elas: a professora Shinobu Saito, violinista que reside na cidade de Campinas e Renata Pereira, flautista da cidade de São Paulo. Uma rápida pesquisa na internet, revela a existência de escolas Suzuki nos mais variados locais do país, que vão desde Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, até Macapá, capital do estado do Amapá, passando por Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. No entanto, deve-se considerar que a formação de professores Suzuki passa pelos cursos de formação e pelo registro na

Associação Suzuki das Américas, é esta a razão da importância da função de teacher trainer e da presença de duas professoras, residentes no país, que podem realizar este tipo de curso.

filas, de acordo com suas estaturas. Quando tudo está pronto, o professor vai à frente com o violino debaixo do braço, verifica se todos estão preparados e olha para o pianista, que toca um acorde. Ao ouvir o piano, todos se curvam em direção ao professor; ele também se curva para os alunos. Terminado o cumprimento inicial, com todos olhando na direção dele, logo começa a tocar a introdução de uma das variações das "estrelinhas". Ao final da introdução, todos tocam a música em uníssono, acompanhados pelo piano. Os pais acompanham as aulas e há outras crianças presentes que ainda não começaram a tocar um instrumento. Depois de algumas instruções, eles repetem a música, agora, fazendo todas as variações. A aula continua desse mesmo jeito, passando por boa parte do repertório do primeiro volume, já que se trata de uma aula coletiva desse nível. Ao final desta aula, João e seu irmão, Pedro, que também toca violino, se encontram na sala em que acontecem as aulas individuais. Primeiro, é a vez de Pedro; João fica sentado com sua mãe, que também está presente para anotar as instruções do professor. Desde muito pequeno ele frequenta a escola e assiste às aulas do irmão. Ao fim deste momento, chega sua vez. Ele pega seu violino, põe embaixo do braço e vai para mais próximo do professor. Eles se cumprimentam, curvando-se na direção um do outro: sua aula começou. O professor fala que a primeira música do dia é o Minueto nº 1. Prontamente, João começa a tocar, prestando atenção na postura e no ponto de contato entre o arco e as cordas. As partituras estão com sua mãe, que também anota sua aula. Ao terminar, vê o sorriso do professor que pergunta se ele percebeu a melhora no som em relação à semana anterior. João fala que sim e se lembra do desenho do elefante quase completo, símbolo de seu esforço diário. Depois de tocar mais algumas músicas, o professor fala que o ponto de atenção para esta semana é o polegar da mão esquerda. Eles já haviam conversado a respeito da mão esquerda, mas, agora, era preciso que a mão ficasse o mais relaxada possível, com especial atenção para o polegar. Eles se cumprimentam novamente e a aula termina. João está com fome, mas precisa esperar o fim da aula de piano para almoçar...

Diálogos II: acerca da finalidade do método

SAMUEL: Há uma coisa que me incomoda quando vou falar do Suzuki. Penso que é necessário esclarecer o porquê da criação desta metodologia (de ensino). O método Suzuki foi pensado para o ensino de música, especificamente, ou para a educação, de maneira geral? Sua função é musical ou educacional num sentido mais amplo? Ainda nesse sentido, penso na situação de guerra que o Japão vivia na época de criação do método. Ele planejou uma função social para o método?

SHIMU: Todas as opções colocadas são corretas. Vamos começar pensando em sua função geral. Depois de uma leitura atenta dos textos de Suzuki, fica claro que o método espera criar nos alunos características que têm a ver com um caráter geral de formação do indivíduo. Em diversos momentos, Suzuki fala que seu objetivo é criar pessoas “mais nobres”. Além disso, o jeito de ensinar, proposto por Suzuki, traz consigo um pensamento que vai muito além da música; não é por acaso que o primeiro curso, no processo de formação de um professor Suzuki, se chama “Filosofia Suzuki”. No entanto, existe o outro lado da moeda; essa “nobreza”, como diz Suzuki, se levarmos em conta as ideias presentes no método, só pode ser alcançada com muita disciplina, com o hábito de estudos e algumas outras características que voltaremos a considerar mais tarde. A questão aqui é que, para moldar o caráter de uma criança, a filosofia Suzuki pretende despertar nela determinados costumes que não seriam adquiridos com outro tipo de educação, pelo menos não da mesma forma. É nesse ponto que surge o ensino do violino. Não qualquer ensino! Trata-se de um ensino de instrumento com uma grande preocupação técnica e musical. Não serve qualquer coisa! Tocar “mais ou menos” está fora de cogitação! Por isso, apesar de Suzuki ter uma preocupação que vai além do estritamente musical, ele acredita que só pode conseguir isso se o aluno alcançar um nível elevado de execução musical. E esse nível elevado só pode ser obtido por meio de muito estudo, disciplina, formação de hábitos e dedicação diária; dedicação e respeito à autoridade do professor e dos pais são apenas alguns pontos que exemplificam os procedimentos necessários, do ponto de vista de Suzuki, para a obtenção desta excelência. Assim, o foco não está no produto – nesse caso, a construção de um músico de alto nível – e sim nas características adquiridas durante o processo – a disciplina, o respeito e vários outros pontos de caráter geral. Há de se considerar, também, que essa ideia tem estreita relação com os princípios da cultura japonesa, contexto em que o método surgiu. Nesta cultura é bastante forte a ideia de domínio de uma “capacidade técnica” como meio para se “viver plenamente” ou desfrutar das melhores experiências da vida, o que aponta para a felicidade e a autorrealização , fatores esses, claramente extramusicais. No^2 entanto, é preciso notar que isso só se dá, na cultura japonesa, através de um domínio técnico, o que, para Suzuki, se traduz em ensinar uma criança a tocar violino.

A descrição que inicia este capítulo traz um retrato do cotidiano de uma família que frequenta aulas de música que adotam a metodologia Suzuki. Nela, fica claro que as ideias desta metodologia vão muito além do momento da aula de instrumento; ela direciona a prática diária de

(^2) Ideia defendida por Benedict (2004)