



















Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este artigo apresenta uma análise teórica sobre as políticas públicas, abordando conceitos básicos, definições, teorias e modelos utilizados na área. O texto discute a importância de entender o papel do estado, da sociedade e da economia na formulação e implementação de políticas públicas, além de abordar a importância de considerar as inter-relações entre eles. O artigo também discute a importância de compreender os processos decisórios e as influências que podem afetar a formação de políticas públicas.
Tipologia: Slides
1 / 27
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
1
CELINACELINA CELINACELINACELINA SOUZASOUZASOUZASOUZASOUZA*
s últimas décadas registraram o ressurgimento da impor- tância do campo de conhecimento denominado políticas públicas, assim como das instituições, regras e modelos que regem sua decisão, elaboração, implementação e ava- liação. Vários fatores contribuíram para a maior visibilidade desta área. O primeiro foi a adoção de políticas restritivas de gasto, que passaram a dominar a agenda da maioria dos países, em especial os em desenvolvimento. A partir dessas políticas, o desenho e a execução de políticas públicas, tanto as econômicas como as sociais, ganharam maior visibilidade. O segundo fator é que novas visões sobre o papel dos gover- nos substituíram as políticas keynesianas do pós-guerra por políticas restriti- vas de gasto. Assim, do ponto de vista da política pública, o ajuste fiscal implicou a adoção de orçamentos equilibrados entre receita e despesa e restrições à intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais. Esta agenda passou a dominar corações e mentes a partir dos anos 80, em especial em países com longas e recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América Latina. O terceiro fator, mais diretamente relacionado aos países em desenvolvimento e de democracia recente ou recém-democrati-
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
zados, é que, na maioria desses países, em especial os da América Latina, ainda não se conseguiu formar coalizões políticas capazes de equacionar minimamente a questão de como desenhar políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população. Respostas a este desafio não são fáceis nem claras ou consensuais. Elas dependem de muitos fatores externos e internos. No entanto o desenho das políticas públicas e as regras que re- gem suas decisões, elaboração e implementação, também influenciam os resultados dos conflitos inerentes às decisões sobre política pública. Este artigo trata dos principais conceitos e modelos de análise de po- líticas públicas, buscando sintetizar o estado-da-arte da área, ou seja, mapear como a literatura clássica e a mais recente tratam o tema. O artigo busca também construir algumas pontes entre as diferentes vertentes das teorias neo-institucionalistas e a análise de políticas públicas. No entanto o objeti- vo do artigo é modesto: tentar minimizar a lacuna da ainda escassa tradução para a língua portuguesa da literatura sobre políticas públicas e, ao rever as principais formulações teóricas e conceituais mais próximas da literatura es- pecífica sobre políticas públicas e da literatura neo-institucionalista, contribuir para seu teste empírico nas pesquisas sobre políticas públicas brasileiras. O texto está dividido em duas partes. A primeira introduz os princi- pais conceitos, modelos analíticos e tipologias específicos da área de políti- cas públicas. A segunda discute as possibilidades de aplicação da literatura neo-institucionalista à análise de políticas públicas.
Entender a origem e a ontologia de uma área do conhecimento é importante para melhor compreender seus desdobramentos, sua trajetória e suas perspectivas. A política pública enquanto área de conhecimento e
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
financiada por recursos públicos e considerada a precursora dosthink tanks. O trabalho do grupo de matemáticos, cientistas políticos, analistas de siste- ma, engenheiros, sociólogos etc., influenciados pela teoria dos jogos de Neuman, buscava mostrar como uma guerra poderia ser conduzida como um jogo racional. A proposta de aplicação de métodos científicos às formu- lações e às decisões do governo sobre problemas públicos se expande de- pois para outras áreas da produção governamental, inclusive para a política social.^2
Considera-se que a área de políticas públicas contou com quatro gran- des “pais” fundadores: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. Laswell (1936) introduz a expressãopolicy analysis (análise de política pública), ainda nos anos 30, como forma de conciliar conhecimento cientí- fico/acadêmico com a produção empírica dos governos e também como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo. Simon (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers), argumentando, todavia, que a limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhecimento racional. Para Simon, a racionalidade dos decisores públicos é sempre limitada por pro- blemas tais como informação incompleta ou imperfeita, tempo para a to- mada de decisão, auto-interesse dos decisores, etc., mas a racionalidade, segundo Simon, pode ser maximizada até um ponto satisfatório pela cria- ção de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadre o com- portamento dos atores e modele esse comportamento na direção de re-
2 Para uma síntese desta trajetória, ver Parsons (1997: 278-8).
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
sultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de inte- resses próprios. Lindblom (1959; 1979) questionou a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à aná- lise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório o que não teria necessaria- mente um fim ou um princípio. Daí por que as políticas públicas precisari- am incorporar outros elementos à sua formulação e à sua análise além das questões de racionalidade, tais como o papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse. Easton (1965) contribuiu para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente. Segundo Easton, políticas públicas recebeminputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos.
Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja políti- ca pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delega- ção, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a defini- ção de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fa- zer”. 3 A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.
3 Há mais de 40 anos atrás, Bachrach e Baratz (1962) mostraram que não fazer nada em relação a um problema também é uma forma de política pública.
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conheci- mento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formu- lação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos de- mocráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. Se admitirmos que a política pública é um campo holístico, isto é, uma área que situa diversas unidades em totalidades organizadas, isso tem duas implicações. A primeira é que, como referido acima, a área torna-se território de várias disciplinas, teorias e modelos analíticos. Assim, apesar de possuir suas próprias modelagens, teorias e métodos, a política pública, embora seja formalmente um ramo da ciência política, a ela não se resume, podendo também ser objeto analítico de outras áreas do conhecimento, inclusive da econometria, já bastante influente em uma das subáreas da política pública, a da avaliação, que também vem recebendo influência de técnicas quantita- tivas. A segunda é que o caráter holístico da área não significa que ela careça de coerência teórica e metodológica, mas sim que ela comporta vários “olha- res”. Por último, políticas públicas, após desenhadas e formuladas, desdo- bram-se em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de infor- mação e pesquisas.^4 Quando postas em ação, são implementadas, ficando daí submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação.
Debates sobre políticas públicas implicam responder à questão sobre o espaço que cabe aos governos na definição e implementação de políticas públicas. Não se defende aqui que o Estado (ou os governos que decidem
4 Muitas vezes, a política pública também requer a aprovação de nova legislação.
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
e implementam políticas públicas ou outras instituições que participam do processo decisório) reflete tão-somente as pressões dos grupos de interes- se, como diria a versão mais simplificada do pluralismo. Também não se defende que o Estado opta sempre por políticas definidas exclusivamente por aqueles que estão no poder, como nas versões também simplificadas do elitismo, nem que servem apenas aos interesses de determinadas clas- ses sociais, como diriam as concepções estruturalistas e funcionalistas do Estado. No processo de definição de políticas públicas, sociedades e Esta- dos complexos como os constituídos no mundo moderno estão mais próxi- mos da perspectiva teórica daqueles que defendem que existe uma “auto- nomia relativa do Estado”, o que faz com que o mesmo tenha um espaço próprio de atuação, embora permeável a influências externas e internas (Evans, Rueschmeyer e Skocpol, 1985). Essa autonomia relativa gera deter- minadas capacidades, as quais, por sua vez, criam as condições para a implementação de objetivos de políticas públicas. A margem dessa “auto- nomia” e o desenvolvimento dessas “capacidades” dependem, obviamen- te, de muitos fatores e dos diferentes momentos históricos de cada país. Apesar do reconhecimento de que outros segmentos que não os go- vernos se envolvem na formulação de políticas públicas, tais como os gru- pos de interesse e os movimentos sociais, cada qual com maior ou menor influência a depender do tipo de política formulada e das coalizões que integram o governo, e apesar de uma certa literatura argumentar que o papel dos governos tem sido encolhido por fenômenos como a globalização, a diminuição da capacidade dos governos de intervir, formular políticas pú- blicas e de governar não está empiricamente comprovada. Visões menos ideologizadas defendem que, apesar da existência de limitações e cons- trangimentos, estes não inibem a capacidade das instituições governamen- tais de governar a sociedade (Peters, 1998: 409), apesar de tornar a ativi- dade de governar e de formular políticas públicas mais complexa.
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
Incrementalismo
A visão da política pública como um processo incremental foi desen- volvida por Lindblom (1979), Caiden e Wildavsky (1980) e Wildavisky (1992). Baseados em pesquisas empíricas, os autores argumentaram que os recur- sos governamentais para um programa, órgão ou uma dada política pública não partem do zero e sim, de decisões marginais e incrementais que desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos progra- mas públicos. Assim, as decisões dos governos seriam apenas incrementais e pouco substantivas. A visão incrementalista da política pública perdeu parte do seu poder explicativo com as profundas reformas ocorridas em vários países, provocadas pelo ajuste fiscal. No entanto os que trabalham nos governos e os que pesquisam os orçamentos públicos conhecem bem a força do incrementalismo, que mantém intactos estruturas governamen- tais e recursos para políticas públicas que deixaram de estar na agenda dos governos. Mas é do incrementalismo que vem a visão de que decisões tomadas no passado constrangem decisões futuras e limitam a capacidade dos governos de adotar novas políticas públicas ou de reverter a rota das políticas atuais.
O ciclo da política pública
Esta tipologia vê a política pública como um ciclo deliberativo, forma- do por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendiza- do. O ciclo da política pública é constituído dos seguintes estágios: defini- ção de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação. Esta abordagem enfatiza sobremodo a definição de agenda (agenda setting) e pergunta por que algumas questões entram na agenda política, enquanto outras são ignoradas. Algumas vertentes do ciclo da política públi- ca focalizam mais os participantes do processo decisório, e outras, o pro-
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
cesso de formulação da política pública. Cada participante e cada processo podem atuar como um incentivo ou como um ponto de veto. À pergunta de como os governos definem suas agendas, são dados três tipos de respos- tas. A primeira focaliza os problemas, isto é, problemas entram na agenda quando assumimos que devemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos problemas afeta os resultados da agenda. A segunda res- posta focaliza a política propriamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a necessidade de se enfrentar um dado proble- ma. Essa construção se daria via processo eleitoral, via mudanças nos parti- dos que governam ou via mudanças nas ideologias (ou na forma de ver o mundo), aliados à força ou à fraqueza dos grupos de interesse. Segundo esta visão, a construção de uma consciência coletiva sobre determinado problema é fator poderoso e determinante na definição da agenda. Quando o ponto de partida da política pública é dado pela política, o consenso é construído mais por barganha do que por persuasão, ao passo que, quando o ponto de partida da política pública encontra-se no problema a ser enfrenta- do, dá-se o processo contrário, ou seja, a persuasão é a forma para a constru- ção do consenso. A terceira resposta focaliza os participantes, que são classi- ficados como visíveis, ou seja, políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc. e invisíveis, tais como acadêmicos e burocracia. Segundo esta perspecti- va, os participantes visíveis definem a agenda e os invisíveis, as alternativas.
O modelo “garbage can”
O modelogarbage can ou “lata de lixo” foi desenvolvido por Cohen, March e Olsen (1972), argumentando que escolhas de políticas públicas são feitas como se as alternativas estivessem em uma “lata de lixo”. Ou seja, existem vários problemas e poucas soluções. As soluções não seriam detidamente analisadas e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policy makers) têm no momento. Segundo este modelo, as orga- nizações são formas anárquicas que compõem um conjunto de idéias com
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
Arenas sociais
O modelo de arenas sociais vê a política pública como uma iniciativa dos chamados empreendedores políticos ou de políticas públicas. Isto por- que, para que uma determinada circunstância ou evento se transforme em um problema, é preciso que as pessoas se convençam de que algo precisa ser feito. É quando ospolicy makers do governo passam a prestar atenção em algumas questões e a ignorar outras. Existiriam três principais mecanis- mos para chamar a atenção dos decisores e formuladores de políticas públi- cas: (a) divulgação de indicadores que desnudam a dimensão do problema; (b) eventos tais como desastres ou repetição continuada do mesmo proble- ma; e (c)feedback, ou informações que mostram as falhas da política atual ou seus resultados medíocres. Esses empreendedores constituem apolicy community, comunidade de especialistas, pessoas que estão dispostas a in- vestir recursos variados esperando um retorno futuro, dado por uma política pública que favoreça suas demandas. Eles são cruciais para a sobrevivência e o sucesso de uma idéia e para colocar o problema na agenda pública. Esses empreendedores podem constituir, e em geral constituem, re- des sociais.^8 Redes envolvem contatos, vínculos e conexões que relacio- nam os agentes entre si e não se reduzem às propriedades dos agentes individuais. As instituições, a estrutura social e as características de indivíduos e grupos são cristalizações dos movimentos, trocas e “encontros” entre as entidades nas múltiplas e intercambiantes redes que se ligam ou que se superpõem. O foco está no conjunto de relações, vínculos e trocas entre entidades e indivíduos e não, nas suas características. Este método e referencial teórico partem do estudo de situações concretas para investigar a integração entre as estruturas presentes e as ações, estratégias, constran- gimentos, identidades e valores. As redes constrangem as ações e as estra-
8 A literatura internacional sobre redes sociais é ampla e diversificada. Para uma revisão dessa literatura em português, ver Marques (2000).
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
tégias, mas também as constroem e reconstroem continuamente. A força deste modelo está na possibilidade de investigação dos padrões das rela- ções entre indivíduos e grupos. 9
Modelo do “equilíbrio interrompido”
O modelo do “equilíbrio interrompido” (punctuated equilibium) foi elaborado por Baumgartner e Jones (1993), baseado em noções de biologia e computação. Da biologia veio a noção de “equilíbrio interrompido”, isto é, a política pública se caracteriza por longos períodos de estabilidade, in- terrompidos por períodos de instabilidade que geram mudanças nas políti- cas anteriores. Da computação e dos trabalhos de Simon, vem a noção de que os seres humanos têm capacidade limitada de processar informação, daí por que as questões se processam paralelamente e não, de forma serial, ou seja, uma de cada vez. Os subsistemas de uma política pública permi- tem ao sistema político-decisório processar as questões de forma paralela, ou seja, fazendo mudanças a partir da experiência de implementação e de avaliação, e somente em períodos de instabilidade ocorre uma mudança serial mais profunda. Este modelo, segundo os autores, permite entender por que um sistema político pode agir tanto de forma incremental, isto é, mantendo ostatus quo, como passar por fases de mudanças mais radicais nas políticas públicas. Fundamental ao modelo é a construção de uma ima- gem sobre determinada decisão ou política pública (policy image), e a mídia teria papel preponderante nessa construção. 10
9 Marques (2000) analisa a formulação de políticas na área de saneamento básico na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, através do modelo das redes sociais. Sua pesquisa mostra que, ao contrário do padrão norte-americano delobbies ou do corporativismo socialdemocrata europeu, a intermediação de interesses ocorre aqui de forma disseminada por inúmeros e diversos contatos pessoais entre os integrantes do governo e os interesses privados, intermediada por umapolicy community. Também o papel desempenhado por um grupo de médicos sanitaristas que se organizou em torno da reforma do sistema de saúde pública no Brasil, no sentido da sua universalização e descentralização, é um bom exemplo das possibilidades explicativas desse modelo. 10 Pesquisa realizada por Fucks (1998) testa esse modelo analisando a inserção da temática ambiental no Rio de Janeiro.
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
racionalidade das políticas públicas, que seria alcançada por novas políticas voltadas, por exemplo, para a desregulamentação, privatização e para refor- mas no sistema social, as quais, afirma-se, poderiam diminuiriam os riscos da ação coletiva. O elemento credibilidade das políticas públicas também ganhou im- portância, ou seja, a prevalência de regras pré-anunciadas seria mais eficiente do que o poder discricionário de políticos e burocratas, contido nas políticas públicas. O fator credibilidade passou a ser fundamental para políticas como a monetária, mas também influenciou o novo desenho das políticas públi- cas em várias outras áreas. A credibilidade baseia-se na existência de regras claras em contraposição à discricionariedade dos decisores públicos e buro- cratas, a qual levaria à inconsistência. Além do mais, a discricionariedade gera altos custos de transação. Assim, a discricionariedade, de acordo com esta visão, seria minimizada ou eliminada, delegando poder a instituições bem desenhadas e “independentes” do jogo político e fora da influência dos ciclos eleitorais. A delegação para órgãos “independentes” nacionais, mas também internacionais, passou a ser outro elemento importante no desenho das políticas públicas. Mas por que os políticos (governantes e parlamentares) abririam mão do seu poder? A resposta estaria na credibilidade desses ór- gãos “independentes” devido à experiência técnica de seus membros e para que as regras não fossem, aqui também, submetidas às incertezas dos ciclos eleitorais, mantendo sua continuidade e coerência. 12 Concorrendo com a influência do “novo gerencialismo público” nas políticas públicas, existe uma tentativa, em vários países do mundo em desenvolvimento, de implementar políticas públicas de caráter participativo. Impulsionadas, por um lado, pelas propostas dos organismos multilaterais e,
12 Exemplos da influência desta nova visão sobre as políticas públicas já são abundantes, destacando-se a relevância assumida pela OMC - Organização Mundial do Comércio - e pelas ONGs, assim como a defesa de mandato por tempo determinado para os diretores das agências de regulação e a defesa da “independência” operacional ou autonomia dos Bancos centrais.
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
por outro, por mandamentos constitucionais e pelos compromissos assumi- dos por alguns partidos políticos, várias experiências foram implementadas visando à inserção de grupos sociais e/ou de interesses na formulação e acompanhamento de políticas públicas, principalmente nas políticas so- ciais. No Brasil, são exemplos dessa tentativa os diversos conselhos comu- nitários voltados para as políticas sociais, assim como o Orçamento Participativo. Fóruns decisórios como conselhos comunitários e Orçamento Participativo seriam os equivalentes políticos da eficiência. Apesar da aceitação de várias teses do “novo gerencialismo público” e da experimentação de delegação de poder para grupos sociais comunitá- rios e/ou que representam grupos de interesse, os governos continuam tomando decisões sobre situações-problema e desenhando políticas para enfrentá-las, mesmo que delegando parte de sua responsabilidade, princi- palmente a de implementação, para outras instâncias, inclusive não-gover- namentais. Das diversas definições e modelos sobre políticas públicas, podemos extrair e sintetizar seus elementos principais:
A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz. A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes. A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras. A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados. A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo.
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
restringe apenas ao atendimento dos seus auto-interesses. A ação racional também depende das percepções subjetivas sobre alternativas, suas conse- qüências e avaliações dos seus possíveis resultados. Sem negar a existência do cálculo racional e auto-interessado dos decisores, esses ramos do neo- institucionalismo afirmam que o cálculo estratégico dos decisores ocorre dentro de uma concepção mais ampla das regras, papéis, identidades e idéias.^14 Portanto, a visão mais comum da teoria da escolha pública, de que o processo decisório sobre políticas públicas resulta apenas de barganhas negociadas entre indivíduos que perseguem seu auto-interesse, é contesta- da pela visão de que interesses (ou preferências) são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também por processos institucionais de socialização, por novas idéias e por processos gerados pela história de cada país. Os decisores agem e se organizam de acordo com regras e práticas socialmente construídas, conhecidas antecipadamente e aceitas (March e Olsen, 1995: 28-29). Tais visões sobre o processo político são fundamentais para entendermos melhor as mudanças nas políticas públicas em situações de relativa estabilidade. Já a teoria da escolha pública adota um viés normativamente cético quanto à capacidade dos governos de formularem políticas públicas devido a situações como auto-interesse, informação incompleta, racionalidade li- mitada e captura das agências governamentais por interesses particularistas. Essa teoria é, provavelmente, a que demonstra mais mal-estar e desconfian- ça na capacidade dos mecanismos políticos de decisão, defendendo a su- perioridade das decisões tomadas pelo mercadovis-à-vis as tomadas pelos políticos e pela burocracia. Aprofundando um pouco mais as contribuições do chamado neo- institucionalismo para a área de políticas públicas, sabemos que, de acordo com os vários ramos desta teoria, instituições são regras formais e informais
14 O institucionalismo histórico vem dedicando espaço cada vez maior à importância das idéias na formulação de políticas públicas, em especial nas suas mudanças. Para uma análise da introdução, na Grã-Bretanha, das idéias monetaristas em substituição às keynesianas, ver Hall (1998).
Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-
que moldam o comportamento dos atores. Como as instituições influenciam os resultados das políticas públicas e qual a importância das variáveis institucionais para explicar resultados de políticas públicas? A resposta está
na presunção de que as instituições tornam o curso de certas políticas mais fáceis do que outras. Ademais, as instituições e suas regras redefinem as alternativas políticas e mudam a posição relativa dos atores. Em geral, insti- tuições são associadas a inércia, mas muita política pública é formulada e
implementada. Assim, o que a teoria neo-institucionalista nos ilumina é no entendimento de que não são só os indivíduos ou grupos que têm força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e informais que regem as instituições. A contribuição do neo-institucionalismo é importante porque a luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da formulação de
políticas públicas. Essa luta é mediada por instituições políticas e econômi- cas que levam as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento de outros, embora as instituições sozinhas não fa- çam todos os papéis - há também interesses, como nos diz a teoria da escolha racional, idéias, como enfatizam o institucionalismo histórico e o
estrutural, e a história, como afirma o institucionalismo histórico. A despeito das contribuições das diversas vertentes da teoria neo- institucionalista para a análise de políticas públicas, é preciso lembrar que, como ocorre com qualquer referencial teórico, é preciso ter clareza sobre quando e como utilizá-lo. Isso porque, como já argumentado anteriormen-
te (Souza, 2003), analisar políticas públicas significa, muitas vezes, estudar o “governo em ação”, razão pela qual nem sempre os pressupostos neo- institucionalistas se adaptam a essa análise. Ademais, os procedimentos metodológicos construídos pelas diversas vertentes neo-institucionalistas, em especial a da escola racional, são marcados pela simplicidade analítica e