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Este artigo analisa as políticas públicas implementadas pelo estado brasileiro na amazônia, especificamente em rondônia, e seus efeitos sobre as populações indígenas locais, com ênfase nas políticas educacionais desenvolvidas nos últimos dez anos. O texto ressalta as consequências históricas da política de neutralização ou extermínio da presença indígena na região, que gerou mudanças ambientais e sociais predatórias.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Belo Horizonte 04(1) 71-80 janeiro-junho de (^200871) Jania Maria de Paula
Geo grafias ARTIGoS CIENTíFICoS
Key words Amazônia; public policies; native communi-^ janiamariadepaula@yahoo.com.br ties; education.
Palavras-chave Amazônia; políticas públicas; populações indígenas; educação
Resumo Este artigo busca sucintamente comentar as prin- cipais políticas implantadas pelo Estado brasileiro na Amazônia, especificamente em Rondônia, e que atingiram as populações indígenas locais, ressaltando as políticas educacionais desenvolvidas, nos últimos dez anos, com vistas a atendê-las. Ao longo da história amazônica, todas as políticas e as estratégias adotadas na região sempre estiveram voltadas a neu- tralizar a presença indígena ou mesmo a promover seu extermínio para, então, criar mecanismos ao desenvolvimento regional e do país a partir da ótica do capital, portanto, de maneira altamente predatória, provocando mudanças no ambiente e também na estrutura das relações sociais lá preexistentes
Abstract This article aims at discussing the main policies implanted by Brazilian State in the Amazon, specifically in Rondônia, which have affected the local native communities. It emphasizes the educational policies that have been developed in that state in the latest ten years with the purpose of attending upon them. In the Amazon history, all of its policies and strate- gies have always been focussed on the neutralization or even the extermination of the native presence in order to create mechanisms to develop the region and the country based on the capital point of view, i.e., they occur in a predatory way, causing changes both in the environment and in the social relations structure of the region.
Jania Maria de Paula (Mestranda em Geografia, UFRo)
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Introdução Em nome do “progresso e da fé cristã” as populações ameríndias transformaram-se em pre- sas fáceis à exploração irracional e violenta desencadeada pelo colonizador europeu a partir do “descobrimento do novo mundo”. No Brasil, no início de sua ocupação, as populações indígenas tiveram suas vidas completamente modificadas devido ao contato com o “homem civilizado”. Júlio J. Chiavenato (1991, p. 42) comenta que “o governo português estruturou aqui dupla política que se estabeleceu no processo da conquista: o genocídio indígena, como norma para ocupar o espaço, e a captura e escravidão para fornecer mão-de-obra à empresa colonial”. Ao longo de sua história o Estado brasileiro desenvolveu políticas e estratégias com vistas a neutralizar a presença dos indígenas em todo o território nacional ou mesmo a promover seu ex- termínio, não apenas sob claras formas de genocídios mas também sutilmente, através de práticas integracionistas com o objetivo de incorporá-los em definitivo à sociedade, negando-lhes, assim, o direito à sobrevivência como cidadãos de cultura própria. Enquanto política nacional de reconhecimento do índio e de sua problemática, instituiu-se, em 1910, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), substituído em 1967 pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Sua concepção foi porém embasada, conforme argumenta João P. Oliveira (1995, p. 65), “[...] na doutrina positivista, a que estiveram filiados os militares e intelectuais da nascente república, idealizadores do lugar do índio na Nação Brasileira”, e que definiu as normas administrativas pelas quais este deveria ser tratado. As concepções formuladas por esses pensadores ficaram conhecidas como doutrina da proteção fraternal ao silvícola; a partir delas foi estabelecido o Estatuto do Índio, instrumento ainda em vigor na legislação brasileira, que o considera incapaz e, portanto, passível de tutela pelo órgão assistente. Este artigo procura, em rápida análise, comentar as principais políticas públicas implantadas na região amazônica, promotoras de transformação do espaço local e das relações sociais nela anterior- mente existentes com o objetivo de atender os interesses do capital nacional e estrangeiro. Analisa as conseqüências de tais políticas para as populações indígenas de Rondônia, ressaltando as políticas educacionais desenvolvidas no Estado nos últimos dez anos com vistas a atendê-las.
As políticas públicas para a Amazônia A Amazônia passou por distintas etapas e formas de exploração econômica, todas de cunho predatório. Iniciaram-se ainda no Brasil Colônia com as expedições de aprisionamento de índios e de coleta das drogas do sertão, que sequer chegaram a formar na região^1 núcleos populacionais, conforme observa Amizael G. da Silva (1991, p. 16): “Já no final da primeira metade do século XVIII o Madeira era percorrido por coletores de drogas que visavam também aprisionar índios. Nunca pretenderam, porém, fixar-se à terra ou nela produzir riquezas”. Na verdade, o Estado brasileiro passou a destinar maior atenção à Amazônia somente após a segunda metade do século XIX, quando a economia do país começou a sofrer com a crise instalada na produção cafeeira, mesmo período em que os ingleses descobriram o processo para a vulcanização da borracha. Esses fatores transformaram a borracha amazônica num dos principais sustentáculos da economia nacional. Ainda assim a política desenvolvida pelo governo brasileiro na Amazônia continuou a se mostrar de dependência econômica estrangeira, promovendo na região a abertura total de exploração da borracha ao capital internacional. Warren Dean (1989, p. 34) ilustra bem a postura governamental da época:
(^1 1) A expressão designa, aqui, o ter- ritório amazônico no Brasil.
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Na então conjuntura internacional gestavam-se, junto ao eixo dos países capitalistas, as teorias de “fronteiras ideológicas” que convencionavam determinados lugares como “vazios demográficos” a serem resguardados da ameaça socialista. Assim foi categorizada a Amazônia: a pretexto de acomodar na região populações originárias de outras regiões do país para garantir a soberania nacional, gerou-se como resultado o extermínio ou o abandono de populações locais que efetivamente já ocupavam o es- paço amazônico, como relatam Ariovaldo U. Oliveira (1991, p. 14) e Carlos C. Teixeira (1999, p. 54). Adotando essas teorias, tanto o governo Kubitschek quanto os do período militar intensificaram, para a região, orientações de cunho geopolítico que, de acordo com Antônio Carlos R. Moraes (2005, p. 15), “se davam no sentido de garantir a soberania e a integridade dos fundos territoriais, tornando o Estado um aparelho que teve por referência o domínio do território e não o bem-estar do povo”. As políticas demográficas implantadas a partir da década de 1950, em sua maioria, passaram a di- recionar o deslocamento de populações do centro-sul para os “vazios demográficos amazônicos”. Contraditoriamente, os mesmos governos reforçavam a tese de desenvolvimento para a Amazônia assentado no grande capital nacional e estrangeiro. Assim, a região recebeu três programas financiados pelo capital internacional: o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – Pola- mazônia (1974), o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados – Polocentro (1975) e o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil – Polonoroeste (1982). Esse último foi o principal financiador dos programas de colonização de Rondônia, bem como da pavimentação da BR-364, iniciada ainda durante o Governo JK, ligando o Estado ao centro-sul do país. Cabe lembrar que o grande interesse a justificar ações do programa era a ocorrência de cassiterita em Rondônia, cuja exploração algumas empresas de capital nacional e estrangeiro desejavam controlar. Como resultado da política de ocupação dos vazios demográficos associada ao projeto de de- senvolvimento para a Amazônia assentado no grande capital nacional e estrangeiro, o Estado de Rondônia, em toda a região, foi o alvo maior de rotas migratórias, tornando-se palco de ocupação rápida e desordenada, com produção de espaços de contradições e equívocos, dado o modelo de produção transferido pelo migrante colonizador. Em meados da década de 1970, já se percebia que as práticas oriundas do centro-sul do país não eram adequadas para o ambiente amazônico: predatórias, influenciavam as populações tradicionais da região a proceder da mesma forma no manejo com o ambiente. Mauro Leonel (1998, p. 32) denuncia a situação desencadeada a partir do despreparo observado nas ações e atitudes dos migrantes recém chegados: A maioria da população atual é composta de colonos migrantes vindos do leste, que trazem consigo sua visão ecológica própria, tomada de empréstimo de sua região de origem, geralmente o padrão europeu-ocidental dominante, entrando em conflito com as culturas locais, mas influenciando-se reciprocamente. Tais ações, entretanto, eram asseguradas e incentivadas pelas políticas fundiárias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que legitimavam o uso do desmatamento como meio de estabelecer o acesso definitivo do colono 2 sobre a terra. Para Mauro Leonel (1995, p. 152), elas “fortaleceram dessa forma a cultura da dilapidação ambiental”. O período do intenso movimento migratório dirigido à Amazônia (décadas de 1970 e 1980) é marcado também, em âmbito nacional, pelo aparecimento dos movimentos e das organizações voltados para a defesa das causas indígenas, os quais intensificam lutas e protestos e culminam em garantias asseguradas na Constituição Federal de 1988.
2 Em Rondônia, o termo é ampla- mente empregado para designar os migrantes dirigidos para o Estado através da política de colonização desenvolvida pelo INCRA a partir da década de 1960.
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Diferentemente da Constituição anterior que, com o intuito de promover a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (BRASIL, 1967, artigo 8, inciso XVII, alínea o), tratava as popula- ções indígenas através do conceito assimilacionista, a Constituição Federal de 1988, respondendo às pressões de movimentos indígenas e indigenistas, assegurou-lhes direitos como o usufruto das terras tradicionalmente por elas ocupadas, a manutenção de seus modos particulares de vida e a educação em seus processos próprios de aprendizagem (BRASIL, 1988, artigo 231). Data do mesmo período a demarcação da maior parte das terras indígenas na Amazônia. No entanto, vale ressaltar que a política de demarcação de terras desenvolvida pela FUNAI atendia as reivindicações dos movimentos indígenas mas também os interesses do capital que se instalava na região: o confinamento de populações indígenas (que nesse período apresentavam radical decréscimo populacional provocado principalmente pela disseminação de doenças adquiridas pós-contato) em porções reduzidas de seus territórios originais, liberando as terras de entorno à implantação de projetos agropecuários e de extração madeireira e mineral.
Conseqüências das políticas públicas para as populações indígenas de Rondônia José J. Amaral (2002, p. 200) comenta que “os colonos do sul”, ao chegarem às novas terras, “foram constatando que eles não estavam habitando um ‘espaço vazio’, pois o território que lhes era destinado pelo INCRA estava ocupado milenarmente por grupos indígenas e secularmente por seringueiros”; mesmo sob tais constatações, os conflitos pela posse da terra não foram evitados. Para os indígenas poucas opções sobraram além da de se render ao novo, ao desconhecido que se instalava em seus espaços tradicionais – isso, para os que não foram sumária ou gradativamente exterminados. Além dos gravíssimos conflitos sociais protagonizados entre a população local e os colonos, o novo modelo de ocupação do espaço gerou imediata degradação no ecossistema onde se insere o estado de Rondônia. Os projetos de assentamento implantados pelo INCRA ocuparam, em sua maioria, áreas de perambulação das populações indígenas locais ou, alguns deles, parcelas de terras indígenas já definidas e/ou demarcadas. No relatório de avaliação das atividades do Polonoroeste na área indígena Igarapé Lourdes, ocupada pelos Arara e pelos Gavião, Mauro Leonel (1984, p. 88) faz a seguinte observação:
Além da estrada da fazenda Castanhal, muito contribuíram para as invasões os erros de demarcação feitos pelo INCRA. O Projeto de Colonização Vida Nova conta em sua parte leste com o “Setor Prainha”, em grande parte organizado sobre terras dos Gavião e Arara. Ainda que conflituoso, o contato com as populações migrantes passou a provocar nas socie- dades indígenas as mesmas atitudes dos colonos, os quais, por sua vez, intensificaram o grau de exploração desordenada dos recursos naturais. Esse fato gerou, como em outras áreas do país, mudanças de comportamento das sociedades indígenas, que passaram a reproduzir práticas predatórias assimiladas da sociedade envolvente no trato do ambiente, tendo inclusive algumas delas abandonado parcial ou totalmente seus conhecimentos tradicionais. A esse respeito Vincent Carelli (2001, p. 88) argumenta que:
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de 1 a 3% ao ano. Se mantida esta taxa, a população indígena do Estado aumentará em aproximadamente 50% num período de 25 anos. Por si só a taxa de aumento populacional estimada pela agenda seria positiva; demonstra porém necessidade de reorganização dos mecanismos de tratamento das áreas indígenas pelas ações de programas ou projetos nelas implantados e desenvolvidos, posto que não aumentam os limites ter- ritoriais das reservas indígenas mas sim, as populações delas ocupantes. A redução de seus territórios originais, transformados em espaços de “confinamento” para uma ou mais etnias, e o aumento de suas populações implicam na intensificação da exploração das reservas naturais. Ainda que desenvolvidas de forma tradicional, suas atividades, que sempre se basearam em abundância de recursos e amplidão de territórios, poderão assim ocasionar a exaustão ambiental. Diante do contexto que se apresenta, é dever do Estado a implantação de políticas públicas coer- entes com a realidade das populações indígenas, geradoras de desenvolvimento social e sustentado, que possam lhes garantir a manutenção de seus modos singulares de vida e o acesso aos serviços ofertados pelo Estado, como educação e saúde de qualidade. Uma das políticas a ser efetivamente assegurada a essas populações e que merece destaque é de caráter educacional. Conforme preconiza o Referencial curricular nacional para as escolas indígenas (BRA- SIL, 2002), a escola indígena deve oferecer uma educação que atenda os interesses e as necessidades diárias da realidade de cada povo, deve permitir aos alunos escolha mais consciente das alternati- vas de auto-sustentação para sua sociedade, deve se tornar um local de reflexão sobre a vida e o trabalho, numa perspectiva de progressiva autonomia. Nesse sentido, o Estado de Rondônia vem, nos últimos dez anos, embora de maneira intermitente, buscando implantar ações que assegurem o cumprimento da Lei. Por serem apenas ações de imposição legal, não moldadas à luz da realidade local e nacional das populações indígenas nem por ela refletidas, ora são progressivas, ora ficam estagnadas ou retrocedem frente ao que a escola indígena já havia conquistado.
A escola indígena em Rondônia Com as conquistas asseguradas na Constituição Federal de 1988 e a conseqüente assunção do oferecimento de educação pelo Ministério da Educação (MEC), antes a cargo do Ministério da Justiça, transferência essa determinada através do Decreto Presidencial nº 26/91, novos caminhos para oferta de educação dirigida aos povos indígenas passaram a ser trilhados no país, porém de forma bastante lenta. O MEC delegou às secretarias estaduais e municipais o gerenciamento das escolas indígenas, que em Rondônia foi sendo gradativamente transferido à Secretaria de Educação (SEDUC) de Rondônia a partir de meados da década de 1990. No entanto, ainda permaneceram no Estado as práticas dos mesmos paradigmas educacionais anteriormente desenvolvidos pela FUNAI. Esse modelo de aprendizado, embora de alguma utilidade para os indígenas, foi depreciativo a suas culturas, elaborado em português – língua por eles pouco conhecida – e em escolas de padrões insatisfatórios para a população brasileira em geral, reforçando a noção etnocêntrica da superioridade do saber não-indígena (REIS, 1998, p. 21). Somente a partir de 1998, com a implantação do “Projeto Açaí: Magistério Indígena de Rondônia”, o qual formou 126 professores indígenas, é que as diretrizes para essa modalidade de ensino começaram a se modificar. O Projeto contribuiu para a implantação dos novos paradigmas para a educação escolar in-
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dígena recomendados pelo MEC, pautados no bilingüismo, na interculturalidade e na especificidade. A partir de 2000 a SEDUC passou a contratar, em regime de CLT^3 , professores indígenas, fazendo com que a educação para esses povos adquirisse caráter mais consistente. É necessário ressaltar que tal ação somente foi executada pelo poder público local, em cumprimento à legislação que determina a oferta de educação de forma efetiva aos povos indígenas. Muitos problemas, no entanto, ainda não foram superados e contribuem para impedir consolidação da educação bilíngüe e intercultural nas escolas indígenas de Rondônia. Uma das situações de maior entrave à educação pautada em processos próprios de aprendizagem é o desconhecimento teórico de gestores da Secretaria, bem como a precariedade de capital humano qualificado para desenvolver ações que contemplem essa modalidade de ensino no órgão. No geral, as políticas públicas destinadas à escola indígena são desenvolvidas de forma fragmentada, além de ser atitude comum aos gestores não dispensar a atenção merecida à escola indígena. Exceto o bilingüismo, as demais características que a escola indígena deve possuir ainda não se consolidaram nas escolas de Rondônia, quer seja por desinteresse político ou por deficiência de profissionais especialistas capazes de assegurar o caráter intercultural da educação escolar indígena no Estado. A ausência de pessoal com perfil adequado ao assessoramento pedagógico junto às escolas e aos professores indígenas leva a alta rotatividade de técnicos no setor, engessando o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Somando-se a esses, outro obstáculo encontrado é a interiorização de algumas dessas escolas, 4 não permitindo que as equipes de assessoramento pedagógico consigam visitá-las mais do que uma única vez durante todo o ano letivo. Apesar dos obstáculos, as populações indígenas não deixam de reivindicar uma escola intercultural geradora de processo emancipatório para cada povo. Lucy Seki (2000, p. 167) registra tal observação, em decorrência de seu trabalho de assessoria lingüística para formação de professores indígenas do povo Tupari em Rondônia: Nos últimos anos as comunidades vêm crescentemente se mobilizando no que se refere à reivindicação quanto a programas de educação diferenciada e de formação de professores; embora de maneira um tanto tímida, têm também reivindicado uma participação efetiva na condução dos processos educacionais, bem como de investigação de suas línguas e culturas. Nas observações da lingüista fica evidente a busca de “empoderamento” e de reconhecimento da diferença, os quais integram a pauta de luta das populações indígenas locais. Além dos problemas de ordem política, a implantação de uma educação bilíngüe e intercultural é processo relativamente novo, sendo construído ao longo de seu próprio desenvolvimento, construção de horizontes ora amplos, ora conflituosos. O que se percebe, positivamente, nessa construção é a efetiva participação das comunidades envolvidas em discussões sobre quais os rumos a escola indígena deve tomar. Ainda que sejam constantes os problemas, conflitos e incertezas, elas buscam acesso a uma educação de qualidade, que lhes garanta caráter intercultural e específico. Assegurar seu caráter específico, para Rosa H. Dias da Silva (2005, p. 380), é proporcionar condições para que os próprios povos indígenas discutam, promovam e procurem, não sem dificuldades, realizar seus modelos ideais de escola, segundo seus interesses e necessidades imediatas e futuras. Para isso são necessárias políticas públicas que contemplem o que preconiza a Constituição Federal em relação ao processo educacional para as populações etnicamente diferenciadas.
3 Consolidação das Leis Trabalhistas. 4 O deslocamento, por exemplo, para a Escola João Farias de Barros, do povo Oro Win, de Guajará-Mirim, dura quatro dias de viagem de barco pelo rio Pacaás Novas, não navegável em período de vazante. Para se chegar à Escola Sawjo Tupari, dos povos do Rio Branco, são gastos aproximadamente dois dias de viagem terrestre e fluvial a partir da cidade de Alta Floresta do Oeste. Para se chegar à Escola Floresta Maia, do povo Kaxarari, após percurso cortando todo o interior de uma fazenda no entorno da terra indígena, ainda são necessários mais 4 km de caminhada através de picada sob mata fechada
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