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A política nacional de atenção integral à saúde da criança (pnaisc), que foi elaborada com o objetivo de orientar gestores e trabalhadores sobre as ações e serviços de saúde da criança no território, a partir dos determinantes sociais e condicionantes para garantir o direito à vida e à saúde, visando à efetivação de medidas que permitam a integralidade da atenção e o pleno desenvolvimento da criança e a redução de vulnerabilidades e riscos. A política propõe diretrizes norteadoras para a elaboração de planos e projetos de saúde voltados às crianças, como a gestão interfederativa, a organização de ações e os serviços de saúde ofertados pelos diversos níveis e redes temáticas de atenção à saúde; promoção da saúde, qualificação de gestores e trabalhadores; fomento à autonomia do cuidado e corresponsabilização de trabalhadores e familiares; intersetorialidade; pesquisa e produção de conhecimento e monitoramento e avaliação das ações implementadas.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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O Brasil assumiu, na Constituição Federal de 1988, a garantia do direito universal à saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em 1990, a proteção integral da criança, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, ratificou os mais importantes pactos, tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos da criança. Desde então, a saúde da criança vem apresentando melhora significativa. O País conquistou grande diminuição nas taxas de mortalidade infantil (menores de 1 ano) e de mortalidade na infância (menores de 5 anos), tendo com isso cumprido o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) número quatro para 2015, com três anos de antecedência e com redução de 77%, uma das maiores do mundo. Também se observa admirável controle da morbimortalidade por doenças imunopreveníveis e diarréia, grande diminuição dos índices de desnutrição e melhora crescente nos indicadores de aleitamento materno. Por outro lado, o Brasil vem enfrentando novos desafios. A identificação de novos agentes infecciosos e o ressurgimento de doenças, até então consideradas sob controle, ao lado dos efeitos do envelhecimento populacional e da violência urbana, estão hoje como centro das atenções de profissionais da saúde, acadêmicos, gestores, agentes e atores de políticas públicas, das instituições governamentais e não governamentais. Os mesmos determinantes que, acreditava-se, reduziriam as doenças infecciosas também podem atuar na direção inversa, propiciando o surgimento e a disseminação de novas e antigas doenças infecto parasitárias. As altas taxas de parto cesáreo e da prematuridade, ao mesmo tempo em que crescem a prevalência da obesidade na infância e os óbitos evitáveis por causas externas (acidentes e violências), além das doenças em razão das más condições sanitárias, apontam a complexidade sociocultural e de fenômenos da sociedade contemporânea que afetam a vida das crianças. Apesar dos avanços nos indicadores de saúde infantil e dos investimentos nas políticas públicas federais voltadas à saúde da criança, como a Rede de Atenção à Saúde Materna, Neonatal e Infantil (Rede Cegonha), o Programa Inter setorial Brasil Carinhoso e o Programa Criança Feliz, fica evidente a necessidade de ampliar o enfrentamento das iniqüidades relacionadas às condições de saúde e, ao mesmo tempo, universalizar todos os avanços para grupos de maior vulnerabilidade, tais como as crianças indígenas, quilombolas, ribeirinhas, com deficiências e as com doenças raras, além de garantir não só a sobrevivência, mas o
desenvolvimento integral de todas as crianças, condição essencial para o exercício da cidadania e a garantia do desenvolvimento nacional, bem como para o cumprimento dos compromissos do País diante das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2015-2030 (ODS) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015). Frente a desafios tão complexos e plurais e visando à qualificação das estratégias e ações voltadas à Saúde da Criança na agenda da saúde pública brasileira, nas esferas federal, estadual e municipal, mostrou-se necessária a elaboração de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Pnaisc) que venha de encontro ao pleito de entidades da sociedade civil e militantes da causa dos direitos da criança e do adolescente, como a Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI), a Pastoral da Criança, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), além de organismos internacionais como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A elaboração da Pnaisc foi fruto de amplo e participativo processo de construção coletiva, com início no ano de 2012, liderado pela Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno (CGSCAM), do Ministério da Saúde, e com apoio conceitual e metodológico da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos
Saudáveis (EBBS), do Instituto Fernandes Figueira (IFF), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) (ALMEIDA, 2013). Participaram da sua formulação especialistas em Saúde da Criança, representantes das Coordenações de Saúde da Criança das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde das Capitais, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde Estaduais (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, além do envolvimento da Pastoral da Criança e da Rede Nacional pela Primeira Infância (RNPI), entre outras instituições da sociedade civil. Também foram essenciais neste processo os consultores de Saúde da Criança do Ministério da Saúde para os estados e os consultores nacionais, os quais desempenharam o papel de apoio institucional aos gestores e aos profissionais de saúde envolvidos com o tema da saúde da criança nos estados, capilarizando as ações e os programas propostos pelo Ministério da Saúde e fazendo feedback dos territórios para o nível federal com importante papel na articulação interfederativa. Culminando este longo trabalho coletivo, de debate técnico e articulação política interfederativa, a Pnaisc passou por discussão e aprovação no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e no Conselho Nacional de
da Pnaisc constitui-se como base norteadora para estados, Distrito Federal e municípios no enfrentamento das dificuldades atuais. Para tal se requer, em todos os municípios e estados/DF, o compromisso e a determinação não apenas do poder público, mas de profissionais de saúde, da comunidade científica e universitária e de toda a sociedade civil militante da causa da infância, para que a Pnaisc se torne realidade em todos os territórios. Esta publicação tem a finalidade de ofertar aos gestores, aos trabalhadores e à sociedade civil subsídios teórico-práticos para a efetivação de mudanças no modelo de gestão e atenção à saúde da criança no Brasil, tendo como referência a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Pnaisc).
Os direitos da criança são resultados de lutas dos movimentos internacionais de direitos humanos. A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), adotada pelas Nações Unidas (1989), constitui-se como um dos tratados mais endossados pela comunidade internacional da história da humanidade, sendo o Brasil seu signatário (BRASIL, 1990a), e serviu como uma das bases para a elaboração da Declaração Mundial acerca da Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento da Criança (1990) assinada por 159 países, entre eles o Brasil, durante a Reunião da Cúpula Mundial em Favor da Infância, com o compromisso de viabilizar, até o ano 2000, os meios necessários ao cumprimento de 26 metas estabelecidas, sendo 19 na área da Saúde (COMITÊ COORDENADOR INTERAGENCIAL PARA AS AMÉRICAS, 1997). Outros compromissos a partir de então foram assumidos, como a Declaração de Innocenti, sobre a Proteção, Promoção e Apoio ao Aleitamento Materno, reconhecendo ser este um processo único e uma atividade que, mesmo tomada isoladamente, é capaz de reduzir a morbimortalidade infantil ao diminuir a incidência de doenças infecciosas, proporcionando nutrição de alta qualidade para a criança, contribuindo para seu crescimento e desenvolvimento, contribuindo ainda, para a saúde da mulher, reduzindo riscos de certos tipos de câncer e de anemia, ampliando o espaçamento entre partos e proporcionando benefícios econômicos para a família e a Nação. O Brasil ratifica a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009g), reconhecendo que as crianças com
deficiência devem gozar plenamente de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidades com as outras crianças. A garantia dos direitos fundamentais da criança no Brasil é fruto desses compromissos, mas também da ampla mobilização e participação social, asseguradas na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990b), assim como do esforço coletivo para ações, programas e projetos desenvolvidos nas áreas sociais e, em particular, as relacionadas à saúde das mulheres e crianças. Essas foram etapas fundamentais para a compreensão desse legado e reconhecimento dos desafios ainda presentes na nossa sociedade, que permanecem como tarefa do dia a dia no País, em cada estado, município e no Distrito Federal.
Com a instituição do SUS, ocorreram mudanças significativas na assistência à saúde, com nova forma de organização da rede de serviços, que passou a ser definida por níveis de complexidade tecnológica crescente e a responsabilidade de assistir a uma população delimitada geograficamente. A utilização dos recursos e competências relativas às ações e aos serviços de saúde foi descentralizada, garantindo acesso a bens e serviços aos grupos populacionais mais vulneráveis, entre eles as mulheres e crianças.
Segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde (MS), nascem, a cada ano, cerca de 3 milhões de crianças e, de acordo com o Censo Demográfico de 2010 realizado pelo IBGE, 28 milhões de crianças de zero a 9 anos viviam no Brasil, sendo mais da metade crianças de 5 a 9 anos (MAGALHÃES, 2011). Apesar de esse contingente estar declinando desde 2003, projeções realizadas pelo IBGE indicam que, na próxima década, a população de zero a 5 anos permanecerá superior a 15 milhões (PAES DE BARROS et al., 2010). O desafio que se apresenta à sociedade brasileira para esse público é plural, tanto em função das condições de vida e das limitações de oportunidades para as crianças e suas famílias, especialmente na primeira infância, quanto em relação às demandas por serviços públicos. A desigualdade entre grupos socioeconômicos ao acesso adequado à água e ao saneamento ainda é significativa, embora avanços expressivos venham acontecendo ao longo da última década. A maioria das crianças
universalização do cuidado no âmbito internacional, incentivadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A elevada morbidade e mortalidade de crianças por doenças imunopreveníveis e a disponibilidade de tecnologias custo-efetivas foi determinante na proposição dos organismos internacionais, com marcos como a Declaração de Alma-Ata, de 1978. No Brasil, nestas duas décadas que antecederam a Constituição Federal de 1988, foram adotadas importantes iniciativas para a melhoria da saúde e redução da mortalidade infantil e na infância, entre as quais se destaca o Programa Nacional de Imunizações (PNI), instituído em 1973, com a ampliação da cobertura vacinal média da população, em especial das crianças. Em 1981 o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (Pniam), para induzir um conjunto de ações relacionadas à promoção, à proteção e ao apoio ao aleitamento materno. Na sequência, em 1984, foi criado o Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (Paisc), que priorizava as crianças pertencentes a grupos de risco, ao mesmo tempo em que buscava qualificar a assistência, aumentar a cobertura dos serviços de saúde e incentivar as ações de promoção da saúde de forma integral. Foi, sem dúvida, um grande marco para o desenvolvimento da saúde da criança em muitos aspectos. Nos anos 90, a proposta do Programa de Saúde da Família (PSF) e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) como estratégia para viabilizar a estruturação dos serviços de Atenção Básica nos municípios foi decisiva na interiorização de algumas categorias profissionais e na ampliação do acesso aos serviços de saúde, com influência direta sobre a saúde infantil. Contudo, apesar dos esforços, a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) no País apresentava-se elevada e evidenciava as desigualdades regionais e mesmo entre grupos populacionais. O Ministério da Saúde lançou então, em 1995, o Projeto de Redução da Mortalidade Infantil (PRMI) que tinha como objetivo a intensificação dos diversos programas governamentais, promovendo a articulação intersetorial com instituições internacionais, tais como Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Opas, organizações não-governamentais, sociedades científicas, conselhos de secretários de saúde e a sociedade civil. Nesse período, houve a incorporação da estratégia Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (Aidpi), apresentada ao Brasil em 1997 pela OMS, que propunha uma nova forma de oferta de assistência à criança, abordando, de forma simultânea e integrada, o conjunto de doenças de maior prevalência na infância, propondo a sistematização do atendimento clínico e integração de ações curativas
com medidas preventivas e de promoção à saúde. Seu principal objetivo era reduzir as taxas de morbimortalidade por desnutrição, diarreias, pneumonias, malária e sarampo, além das dificuldades de acesso ao registro de nascimento. Essa estratégia foi iniciada considerando as diferentes realidades epidemiológicas nos municípios com elevadas TMI e que tinham o Pacs, o PSF e o PRMI em desenvolvimento. Por ocasião da Declaração do Milênio das Nações Unidas, a partir do ano 2000 foram intensificadas algumas ações para a saúde da criança que tinha por meta a redução de desigualdades nos campos de educação, igualdade de gênero, meio ambiente, renda e saúde em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O quarto objetivo do milênio que previa a redução em dois terços da mortalidade de crianças menores de 5 anos (ano de referência – 1990), foi alcançado pelo Brasil já em 2012 com três anos de antecedência e com uma das maiores reduções do mundo. Em 2004 foi lançado o Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, como instrumento para a busca de soluções sustentáveis e garantia de corresponsabilização governamental e da sociedade no que tange à mortalidade infantil e materna. Em 2005, o Ministério da Saúde (MS) publicou a Agenda de Compromissos com a Saúde Integral da Criança e a Redução da Mortalidade Infantil, com o objetivo de apoiar a organização de uma rede única integrada de assistência à criança, identificando as principais diretrizes a serem seguidas pelas instâncias estaduais e municipais. Em 2006, a redução da mortalidade infantil como política de governo foi ratificada ao ser incluída entre as prioridades operacionais do Pacto pela Vida, e, dois anos depois, o “Mais Saúde: Direito de Todos”, criou as condições para articular a estratégia “Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis: primeiros passos para o desenvolvimento nacional”, visando ao desenvolvimento integral da criança, com foco especial na Primeira Infância (BRASIL, 2009c; MENDES, 2012). Em 2009, o Programa “Compromisso Mais Nordeste e Mais Amazônia Legal pela Cidadania” foi desenvolvido para minimizar as desigualdades regionais, tendo como meta reduzir em 5% ao ano as taxas de mortalidade neonatal e infantil em 256 municípios prioritários. A ampliação do acesso à Atenção Básica no Brasil e a incorporação da filosofia do Paisc na atenção à saúde da criança foram aspectos decisivos para o avanço nos indicadores assistenciais e da situação de saúde das crianças brasileiras. As ações programáticas relacionadas à imunização, à promoção, à proteção e ao apoio ao aleitamento materno, ao acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento e à prevenção e controle das doenças diarreicas e respiratórias são
necessidade de maior investimento e foco na organização e na qualificação da atenção obstétrica e neonatal, considerando-se o aumento do impacto do componente neonatal na mortalidade infantil na última década. Neste ano, o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) instituiu a organização regionalizada e integral da atenção à saúde da gestante desde o pré- natal até o parto e o pós-parto, com referenciamento e integração para a continuidade do cuidado. Incentivou ainda a qualificação e a humanização da atenção ao parto e ao recém-nascido, considerando os direitos da mulher e da criança, e a possibilidade de impacto na redução da mortalidade materna e neonatal, que ocorre em grande proporção nas primeiras 48 horas após o parto, com 25% das mortes infantis nas primeiras 24 horas de vida. Ainda neste sentido e buscando a qualificação do cuidado neonatal, também no ano 2000, foi publicada a Portaria GM/MS n.º 693, de 5 de julho de 2000, instituindo a Norma de Orientação para a implantação do Método Canguru, destinado a promover a “Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso”, que, em 2007, seria atualizada e substituída pela Portaria GM/MS n.º 1.683, de 12 de julho de 2007 (BRASIL, 2007a). Inaugurava-se ali uma política pública que, mais do que estimular a posição do bebê junto ao peito de sua mãe e/ou de seu pai, iria se disseminar vertiginosamente por Unidades Neonatais de maternidades de todo o País, promovendo um conjunto de práticas de atenção neonatal humanizadas que, pouco a pouco, consolidariam-se com evidências científicas pela obtenção de uma série de benefícios, entre os quais a promoção de melhores taxas de aleitamento materno e o fortalecimento do vínculo mãe-bebê. O Brasil ainda possui o desafio de diminuir a mortalidade neonatal (bebês até 28 dias de vida), sendo que a precoce (bebês com até 7 dias de vida) representa de 60% a 70% da mortalidade infantil e 25% destas mortes ocorrem no primeiro dia de vida. Em que pese todo investimento em políticas públicas nos últimos anos, a taxa de mortalidade neonatal vem caindo em menor velocidade quando comparada à mortalidade infantil pós-neonatal, especialmente nos estados das Regiões Norte e Nordeste. Deste modo, O Ministério da Saúde apresentou, em 2017, a “Estratégia QualiNEO (EQN)” que integra ações inseridas na Pnaisc, as quais ofertam qualificação da assistência aos recém-nascidos em consonância com três eixos da Pnaisc, I, II e VII – recepção do recém-nascido no local de nascimento, implementação das boas práticas (Contato pele a pele, amamentação na primeira hora, clampeamento do cordão em tempo oportuno e a garantia do acompanhante), triagens, Iniciativa Hospital Amigo da Criança (Ihac),
Método Canguru, Reanimação e Transporte Neonatal, prevenção e investigação do óbito infantil. Outro movimento voltado para a organização de serviços e qualificação da atenção e do cuidado da criança em situação de violências foi a “Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências” (BRASIL, 2010d), com diretrizes e orientações, para gestores e profissionais de saúde, sobre promoção da saúde e prevenção de violências, numa lógica de continuidade do cuidado que perpassa o acolhimento, o atendimento, a notificação e o seguimento em rede, buscando integração com profissionais da rede da Assistência Social, Educação, Conselho Tutelar entre outros, com o objetivo de assegurar não apenas o cuidado e a atenção em saúde, mas também a proteção e a defesa dos direitos da criança.
Em 2011, foi criada a Rede de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança, denominada Rede Cegonha (Portaria n.º 1.459, de 24 de junho de 2011), com o objetivo de assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e puerpério e às crianças o direito ao nascimento seguro, ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis. A Rede Cegonha (RC) previu aporte de recursos de investimento para reforma de maternidades e custeio para a reorganização da atenção obstétrica e neonatal regionalizada e hierarquizada, propiciando ambiência adequada e apoio assistencial multiprofissional com o intuito de favorecer a fisiologia do parto e nascimento e incentivo ao parto normal. Considerando as evidências científicas e o respeito aos direitos da mulher e da criança no parto e nascimento, a RC contemplou novo modelo de atenção de modo a valorizar o protagonismo feminino e a participação do pai, além de promover segurança, proteção e promoção da saúde materna e infantil. Também foram considerados o controle social e a prevenção dos efeitos de intervenções desnecessárias ao parto e ao recém-nascido, e a vinculação mãe e filho, revalorizando assim o nascimento como momento singular da mulher, do bebê, dos membros da família e da comunidade que influenciam na sobrevivência e na qualidade de vida, com repercussões imediatas e futuras para a criança (BRASIL, 2011a). As propostas em curso, de fomento aos Centros de Parto Normal e Casas da Gestante, Bebê e Puérpera (BRASIL, 2015), reforçam a implementação de modelo de atenção adequado para atender às necessidades da população. Espera-se, com isso, superar o paradoxo perinatal brasileiro (DINIZ; D`OLIVIERA; LANSKY, 2012) e
sofreu queda para 17,1, menor que da Região Norte, estimada em 19,5 (BRASIL, 2014k).
Cerca de 70% dos óbitos infantis são de recém-nascidos prematuros e de baixo peso ao nascer, apontando para a necessidade de investimento no acesso e na atenção à gestação de alto risco e para o recém-nascido de alto risco. Por outro lado, cerca de 30% dos óbitos são evitáveis por ações de prevenção das infecções e da prematuridade no pré-natal, bem como da prematuridade iatrogênica e asfixia durante a assistência ao parto (LANSKY et al., 2014). A maioria absoluta dos óbitos ocorre em serviços de saúde, assim como os partos, apontando que o desafio principal para o País é a qualificação da atenção oportuna ao nascimento para maiores avanços na redução da mortalidade infantil. A mortalidade de crianças por causas externas (acidentes e violências) vem se destacando desde 2008 e configura-se como a primeira causa de morte de crianças entre 1 e 9 anos de idade, sendo os acidentes de transporte terrestre, o afogamento e a submersão acidental as principais causas de morte (BRASIL, 2009e). Novos desafios contemporâneos apresentam-se para o avanço na redução da mortalidade infantil, como a tendência de aumento do baixo peso ao nascer e da prematuridade (idade gestacional menor que 37 semanas) no País, a principal causa de morte no primeiro ano de vida. Estudos brasileiros apontam a prevalência de prematuridade de 11,5%, cerca de 50% maior que a de países como a Inglaterra e País de Gales. As mesmas pesquisas apontam a contribuição das cesarianas agendadas (“eletivas”) para o aumento dos nascimentos pré-termo e também de nascimento de bebês com 37 ou 38 semanas gestacionais (termo precoce) em nosso meio, que apesar de não serem considerados prematuros poderiam ganhar mais peso e maturidade se tivessem a oportunidade de alcançar 39 semanas ou mais de gestação, tendo, portanto, maior risco de internação em UTI por problemas respiratórios ou outros (BETTIOL et al., 2000; SILVA et al., 2001; VICTORA et al., 2011; SANTOS et al., 2008; LANSKY et al., 2014).
A tendência crescente de cesariana como a via predominante de nascimento (56,7% do total de partos do Brasil em 2012), segundo dados do Sinan/DATASUS/2015, deve, portanto, alertar sobre esses e outros riscos adicionais, com efeitos deletérios imediatos e futuros sobre a saúde da criança, uma vez que, segundo evidências da Epigenética, há maior risco de obesidade e doenças crônicas na infância e vida adulta para os bebês nascidos por meio de cesariana (BRASIL,
2013a; GOLDANI et al., 2013; SEVELSTED et al., 2015). Em relação aos indicadores nutricionais houve redução substancial na prevalência de déficit de altura para a idade, de 37,1% em 1974-75 para 7,1% em 2006-07 (FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1977; BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL, 1997; BRASIL; CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2009), com redução também nas desigualdades socioeconômicas (VICTORA et al., 2011). Outro indicador de desnutrição, o déficit de peso para a idade reduziu de 5,6% em 1989 para 2,2% em 2006-07 (MONTEIRO et al., 2009). Por outro lado, houve aumento do sobrepeso de 11% para 35% entre os meninos e 7% para 32% entre as meninas de 5 a 9 anos de idade. Da mesma forma, a obesidade passou de 3% para 17% entre meninos e de 2% para 12% entre meninas na mesma faixa etária, apontando para importante mudança nos padrões de nutrição infantil no País (FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1977; BRASIL; IBGE, 2011; LEÃO et al., 1992; BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL, 1997; BRASIL; CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2009). A anemia ferropriva, outro problema nutricional de grande magnitude na população infantil, apresenta prevalências variando de 30% a 70%, dependendo da região e estrato socioeconômico (MONTEIRO; SZARFARC; MONDINI, 2000; OSÓRIO; LIRA; ASHWORTH, 2004; SPINELLI et al., 2005; ASSUNÇÃO et al., 2007). Importante fato neste campo é que o Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome, em 2014, segundo relatório global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ou seja, a Prevalência de Subalimentação atingiu no País nível menor que 5% (http://www.fao.org/3/a-i4030e.pdf). Houve tendência de aumento da amamentação nas três últimas décadas. No tocante à duração mediana da amamentação (VENANCIO; MONTEIRO, 1998), neste período houve sucessivos aumentos desta taxa: de 2,5 para 5,5 meses entre 1974 e 1989 (ENDEF) (PNSN), para 7 meses, em 1996 e finalmente para 14 meses,
em 2006. As Pesquisas de Prevalência do Aleitamento Materno (PPAM) nas capitais brasileiras e no DF, realizadas em campanhas de multivacinação em 1999 e 2008, mostraram também aumento da prevalência da amamentação exclusiva em menores de 4 meses (de 35,6% para 51%) e da duração mediana da amamentação (de 10 para 11,2 meses) (BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL, 1997; BRASIL; CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2009; VENANCIO, 2010).
as políticas que priorizam a atenção às crianças se constituem, frequentemente, em políticas de consenso.
A perspectiva de atenção integral é exigente e pressupõe vínculos muito bem estabelecidos entre a criança, o cuidador/família e o profissional responsável. Nesse sentido, fala-se em corresponsabilização como um dos princípios fundamentais desta abordagem. A opção de atuação em linhas de cuidado contempla uma visão global das dimensões da vida, numa perspectiva de integração de experiências, em que se inclui a articulação do trabalho em rede e das práticas dos profissionais que compõem uma equipe, tomada também como fator determinante de saúde. Assim, é importante a organização de ações e serviços para a criança e sua família, articulados com a rede de atenção à saúde como potencializadora dos recursos disponíveis para oferecer a resposta mais adequada, completa e resolutiva à sua necessidade, garantindo a continuidade do cuidado integral, desde as ações de promoção, diagnóstico, tratamento e de reabilitação, com fluxo ágil e oportuno em cada nível de atenção até a recuperação completa da criança (BRASIL, 2005a).
Ressalta-se, assim, que o cuidado em saúde demanda um olhar da criança por inteiro, numa postura acolhedora com escuta atenta e qualificada, com o cuidado singularizado e o estabelecimento de vínculo de forma implicada. Pressupõe uma visão global das dimensões da vida que possibilitem respostas também mais globais, fruto de um trabalho em equipe com múltiplos olhares. Da mesma maneira, é necessário um esforço de integração da rede de cuidado e de proteção, potencializando os recursos disponíveis para a efetivação dos direitos da criança e seu grupo familiar.
Oferecer atenção integral à criança significa prover todos os serviços necessários, capazes de responder resolutivamente às demandas específicas de sua saúde, sejam eles no contexto da Atenção Básica, de apoio diagnóstico, ou na atenção especializada ambulatorial e hospitalar, na atenção à urgência e emergência, nos serviços especializados e internação hospitalar. Associa-se a isso as questões relacionadas à vigilância à saúde, expressas nas atividades de vigilância epidemiológica e nas diversas formas de ações intersetoriais, e que resultam em produção de saúde (BRASIL, 2005a).
A Pnaisc incorpora em suas ações a prática de cuidado integral, especialmente na Primeira Infância (crianças até completar 6 anos de idade). Isto ocorre pela relevância atribuída por inúmeras áreas do conhecimento, como a Biologia, a Psicologia, a Psicanálise e as Neurociências, entre outras contribuições, em interação com o saber e as práticas de saúde, de que as crianças precisam de um ambiente favorável ao seu crescimento e amadurecimento, que permita, junto ao seu potencial genético, o desenvolvimento pleno de suas capacidades e habilidades motoras, cognitivas e socioafetivas. Os primeiros anos de vida são aqueles em que melhor se pode estimular o desenvolvimento global do indivíduo, especialmente devido à sua plasticidade cerebral. A imaturidade, inclusive imunológica, associada a condições de vida desfavoráveis, relacionadas à ausência de saneamento básico, de segurança alimentar e nutricional, de situações de violência intrafamiliar, de baixa escolaridade materna, além de condições específicas das populações vulneráveis, baixo acesso e qualidade dos serviços de saúde, educação e assistência social, entre outros, são determinantes não apenas de maior morbidade e mortalidade, tanto infantil quanto na infância, mas de riscos ao pleno desenvolvimento destas crianças. A qualificação da vida e o usufruto pleno das potencialidades de brasileirinhas e brasileirinhos é ponto fundamental desta política que considera a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público responsáveis pela efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à convivência familiar e comunitária com proteção, à participação, ao respeito e à liberdade. A determinação social de saúde, incluindo seus aspectos afetivos e emocionais, constituídos e constituintes de um ambiente facilitador à vida, são as bases para a construção desta política pública, que visa ao enfrentamento das iniquidades, indicando linhas de cuidado com seguimento em rede, em todas as suas dimensões. É a partir do cuidado que o sujeito se coloca em condição para a existência, ou seja, o orientador prévio das ações dos seres humanos na missão de cuidadores uns dos outros, do planeta e da vida, garantindo sua sustentabilidade (BOFF, 2012). O cuidado é, então, princípio fundamental para o desenvolvimento e para a construção dos vínculos entre todos os envolvidos na produção de saúde e cidadania (PENELLO, 2013). Esta é a perspectiva com a qual se compreende no âmbito desta política a integralidade da atenção à saúde da criança: só o cuidado essencial estabelece com clareza a relação entre o desenvolvimento sustentável de um País e o desenvolvimento de cada um dos seus cidadãos.