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poesia de Oswald de Andrade no panorama de nosso Moder- ... de nosso Modernismo, publicara já dois livros de poesia: Há ... País de dores anônimas.
Tipologia: Notas de aula
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CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
O S W A L D D E A N D R A D E , P O E T A
O que importa assinalar na poética de Oswald de Andrade é a sua radicalidade ~ avaliação critica esta levantada por Haroldo de Campos. Construindo seus poemas-mi- nuto — ou micropoemas, ou minipoemas ~~ à base de uma técnica de montagem, hau- rida de seus contatos com as artes plásticas e o cinema, o poeta modifica a estrutura da poesia até então utilizada — e utilizada até mesmo pelos inovadores vindos de 1922. Oswald impõe forma sintética a um idioma que tende para o prolixo. Enxuga e ema- grece uma língua quase sempre usada para descabelados desbordamentos. Assim, ressalta o ensaísta de São Paulo, nela há duas vertentes, "uma destrutiva, dessacralizante, outra construtiva, que rear- ticula os materiais preliminarmente desierar- quizados — estando ambas, no entanto, in- terligadas, permeáveis, como o verso e o reverso da mesma medalha".
Na sua poesia entram o humor e o li- rismo, a piada e a imaginação, a concisão e a fala popular, "os lugares-comuns que se transformam em lugares-incomuns" (para repetir uma observação feliz de Décío Pig* natari) , a caricatura da retórica, a Ironia e a onomatopéia, a associação inusitada de idéias, o descritivo em sínteses luminosas, as deformações sintáxicas e gramaticais. Pratica o que chamaria mais tarde de "cri- mes contra a carta poética do passado". Vale-se do humor, porque "no humor reside o catastrófico e talvez no catastrófico toda a natureza humana".
Vinícius de Morais disse que Oswald, na sua poesia, "cria e insinua quase' todos os temas com que iriam lidar os poetas bra- sileiros". O que nele era novidade, criação, tornou-se depois, pela ação dos epígonos, imitação, diluição, transformou-se nos cacoe- tes do Modernismo.
MÁRIO DA SILVA BRITO
Coleção
. VERA CRUZ
(Literatura Brasileira) Volume 166
(Preparada pelo Centro de Oatalogaçao-na-fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, G B )
Andrade, Osvaldo de 1890-1954. A568o Obras completas lpor| Oswald de Andrade Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971- l l v. ilust. 21cm (Vera Cruz)
Os v.l, l.ed.; v,2: Memórias sentimentais de João Miramar. 4.ed./SerafÍm Ponte Grande. 3.ed.; v.3, 2.ed. : v.4, 2.ed.; v.5, 2ed-; v.6, l.ed.; v.7. 3.ed.; v.9, 2.ed., foram publicados em convênio com o Instituto Nacional do Livro. Bibliografia. Conteúdo: — 1. Os condenados. — 2. Memórias sentimentais de João Miramar/Serafim Ponte Grande. — 3. Marco zero I... — 4. Marco zero II... — 5. Ponta de lança. — 6. Do pau-brasil & antropofagia e à s utopias. — 7. Poesias reunidas. — 8. T e a t r o... — 9. Um homem sem p r o f i s s ã o... — 10. Telefone- mas. — 11. Esparsos.
1. E n s a i o s brasileiros. 2. Ficção brasileira. 3. Poesia brasileira. 4. Teatro brasileiro. 5. Autobiogra- fia. I. Titulo. II. Série.
CDD — 869.91 CDU — 8 6 9. 0 ( 8 1 ) — 1 869.92 8 6 9. 0 ( 8 1 ) — 2 869.93 8 6 9. 0 ( 8 1 ) — 3 869.94 8 6 9. 0 ( 8 1 ) — 4 928.699 8 6 9. 0 ( 8 1 ) — 9 4 74—
OSWALD DE ANDRADE
O b r a s Completas
Poesias Reunidas
4.a^ edição
Para o animal, suas relações com os outros não existem como relações. A consciência é, portanto, desde logo um produto social e assim permanece enquanto existam homens em ge- ral"^1. A radicalidade da poesia oswaldiana se afere, portanto, no campo específico da linguagem, na medida em que esta poesia afeta, na raiz, aquela consciência prática, real, que é a linguagem. Sendo a linguagem, como a consciência, um produ- to social, um produto do homem como ser em relação, é bom que situemos a empresa oswaldiana no quadro do seu tempo. Qual a linguagem literária vigente quando se aprontou e desfe- chou a revolução poética oswaldiana? O Brasil intelectual das primeiras décadas deste século, em torno à Semana de 22, era ainda um Brasil trabalhado pelos "mitos do bem dizer" (Má- rio da Silva Brito), no qual imperava o "patriotismo ornamen- tal" (Antônio Cândido), da retória tribunícia, contraparte de um regime oligárquico-patriarcal, que persiste República aden- tro. Rui Barbosa, "a águia de Haia"; Coelho Neto, "o último heleno"; Olavo Bilac, "o príncipe dos poetas", eram os deuses íncontestes de um Olimpo oficial, no qual o Pégaso parnasiano arrastava seu pesado caparazão metrificante e a riqueza voca- bular (entendida num sentido meramente cumulativo) era uma espécie de termômetro da consciência "ilustrada". Evidente- mente que a linguagem literária funcionava, nesse contexto, como um jargão de casta, um diploma de nobiliarquia inte- lectual: entre a linguagem escrita com pruridos de escorrei- ção pelos convivas do festim literário e a linguagem desleixa- damente falada pelo povo (mormente em São Paulo, para onde acudiam as correntes migratórias com as suas deforma- ções orais peculiares), rasgava-se um abismo aparentemente intransponível. A poesia "pau-brasil" de Oswald de Andra- de representou, como é fácil de imaginar, uma guinada de 180° nesse stattis quo , onde — a expressão é do próprio Oswald — "os valores estáveis da mais atrasada literatura do mundo impediam qualquer renovação". Repôs tudo em questão em matéria dé poesia e, sendo radical na linguagem, foi encon-
(^1) .Os textos citados encontram-se em Sur la littérature et 1'art, Edi- tions Sociaies, Paris, 1954, pp. 138, 142. O segundo excerto é de Marx e Engels.
trar, na ponta de sua pcrfuratriz dos estratos sedimentados da convenção, a inquietação do homem brasileiro novo, que se forjava falando uma língua sacudida pela "contribuição mi- lionária de todos os erros" num país que iniciava — precisa- mente em São Paulo — um processo de industrialização que lhe acarretaria fundas repercussões estruturais. "Se procurar- mos a explicação do por que o fenômeno modernista se pro- cessou em São Paulo e não em qualquer outra parte do Brasil, veremos que ele foi uma conseqüência da nessa mentalidade industrial. São Paulo era de há muito batido por todos os ventos da cultura. Não só a economia cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com a sua ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso, fazia com que a competição invadisse todos os campos de atividade". É o retrospecto dc Oswald, em 1954^2.
A Guerra Mundial dc 1914-18 dera grande impulso à indústria brasileira. "Não somente a importação dos países beligerantes, que eram nossos habituais fornecedores de ma- nufaturas, declina e mesmo se interrompe em muitos casos, mas a forte queda do câmbio reduz também consideravelmente a concorrência estrangeira'*. Começou a despontar uma "eco- nomia propriamente nacional'' (como nunca existira antes no Brasil), "condicionada sobretudo pela constituição e amplia- ção de um mercado interno, isto c, o desenvolvimento do fator consumo, praticamente imponderável no conjunto do sistema anterior, em que prevalece o elemento _produção'._ A abolição dos escravos, a imigração maciça de trabalhadores europeus, o progresso tecnológico dos transportes o comunicações, con-
(^2) "O Modernismo", depoimento publicado nu revista Anhembi, ano V, n? 49, vol. XVII, dez. 1954, São Paulo, pp. 31-32. (^8) CAIO PRADO JÚNIOR, História Econômica do Brasil, Editora BNI- siliense, Sfio Paulo, 1962, p. 267.
do verso brasileiro", pôs o dedo no nervo do problema. Não apenas porque o ensaísta paulista via nela "a reabilitação do nosso falar quotidiano, sermo plebeius que o pedantismo dos gramáticos tem querido eliminar da língua escrita", mas, para além disto, porque nela pressentia algo de muito mais funda- mental por seu alcance: "Esperemos também que a poesia "pau-brasil" extermine de vez um dos grandes males da raça — o mal da eloqüência balofa e roçagante. Nesta época apres- sada de rápidas realizações a tendência é toda para a expressão rude e nua da sensação e do sentimento, numa sinceridade total e sintética. "Le poète japonais / Essuie son couteau: / Cettc fois Ieloquence est morte", diz o haicai japonês na sua concisão lapidar. Grande dia esse para as letras brasileiras. Obter, em comprimidos, minutos ae poesia". É certo que, antes do Pau-Brasil, Mário de Andrade, o outro grande nome de nosso Modernismo, publicara já dois livros de poesia: Há uma gota de sangue em cada poema (1917) e Paulicéia Des- vairada (1922), livros que, sem dúvida, tiveram grande im- portância histórica e iriam instigar poderosamente Oswald (em 27-5-21, num artigo que provocaria escândalo e contro- vérsias, inclusive junto ao próprio Mário, Oswald lançaria pela imprensa o autor da então inédita Paulicéia como "O Meu Poeta Futurista" )*. Em nenhum desses livros, porém, se en- contra a atitude radical perante a linguagem que emerge da primeira coletânea de nosso poeta, e que já está no romance- invenção Memórias Sentimentais de João Miramar — começado entre 1914-1916, escrito e reescrito sucessivamente até 1923, publicado em 1924 —, muitas de cujas seções são compostas literalmente de poemas que poderiam ter figurado na coletâ- nea de 1925:
Mont-Cenis
O alpinista de (ãpenstock desceu
« Ver M A M O DA SILVA BRITO, História do Modernismo Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 1958, pp. 198-215.
nos Alpes
Realmente, a linguagem do primeiro livro de Mário (publica- do sob o pseudônimo de Mário Sobral, e incluído depois no volume Obra Imatura de suas Obras Completas) e ainda bastante tradicional, exclamativa, pontilhada de sentimenta- lismo retórico, c nela apenas se destacam momentos avulsos de inconformismo, como aquele "Somente o vento / continua com seu oou...", que entusiasmou Oswald quando do pri- meiro encontro dos dois Andrades^7. Já a Paulicéia Desvai- rada é um livro esteticamente representativo, compreendendo poemas como a "Ode ao Burguês" e o oratório profano, "As enfibraturas do Ipiranga", exemplos da melhor dicção marioan- dradina; apesar disto, não há nele nenhum sentido de despo- jamento, de redução, de síntese, como o que distingue a poesia "pau-brasil" de Oswald. É que Mário não questionava a re- tórica na base; procurava antes conduzi-la para um novo lei- to, perturbá-la com a introdução de conglomerados semân- ticos inusitados, mas deixava o verso fluir longo, só aqui e ali interrompido pelo entrecortado "verso harmônico" ("Ar- roubos. .. Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!", no corpo de um poema como "Tietê") e a temática e o rimário (fre- qüentemente a sua força, pelo imprevisto e pela dissonância) afetar-se por uma componente simbolista invencível, de um simbolismo urbano à Verhaeren. Poder-se-ia estabelecer um gráfico dc freqüência dessa retórica renovada pela incidência de certas formas léxicas, como os advérbios de modo atrelados ao sufixo "mente"'... Em A Escrava que não é Isaura , ensaio de estética modernista escrito em 22 e publicado em 25 (tam- bém incluído no volume Obra Imatura da edição Martins), está, com todas as letras, o programa de Mário: "Mas onde nos Ievcu a contemplação do pletórico século XX? Ao redes- cobrimcnto da Eloqüência. Teorias e exemplo de Mallarmc, o
Assim como Paulo Prado, João Ribeiro percebeu com acuidade o sentido pioneiro e radical da poética oswaldiana. Seu pronunciamento, muito referido depois: — "O Sr. Oswald de Andrade com o — Pau-Brasil — marcou definitivamente uma época na poesia nacional", — está formulado num artigo
E confessa ter-se decidido a publicá-los com reservas: "Vivo parafu- sando, repensando e hesito em chamar estas poesias de poesias. Prefiro antes apresentá-las como anotações líricas de momentos da vida e movimentos subconscientes aonde vai com gosto o meu sentimento possivelmente pau-brasil e romântico. Hoje estou convencido que a Poesia não pode ficar nisso. Tem de ir além". De que data seria a composição dos poemas constantes de Pau-Brasil? Do biênio 1923/1924? O prefácio de Paulo Prado é de maio de 1924, de 18 de março do mesmo ano a primeira publicação do "Manifesto da Poesia Pau-Brasil", no Correio da Manhã , Rio de Janeiro. Temos em mãos, por exemplo, o caderno de exercícios que constitui o original do Primeiro Caderno do Aluno de Poesia O. A., livro que se acabou de imprimir em 25 de abril de 1927. Na capa do caderno original, há as seguintes datas expressas: "começado em 1925, acabado em 1926". Intervalo análogo poderia ter perfeitamente ocorrido, mutatis mutandis, entre o início da elaboração e a final publicação (em 1925) do Pau-Brasil, cujos poemas, já salientamos, têm um nexo estilístico óbvio com a prosa estenogrâmica do Miramar. Em carta de 1928 a Alceu Amoroso Lima (71 Cartas de Mário de Andrade , Livraria São José, Rio de Janeiro, pp. 29-30), Mário dá seu depoimento: "... a respeito de manifestos do Osvaldo eu tenho uma infelicidade toda particular com cies. Saem sempre num momento eln que fico malgré moi incorporado neles. Da primeira feita quando o Osvaldo andava na Europa e eu tinha resolvido forçar a nota do brasi- leirismo meu, não só pra apalpar o problema mais de perto como pra chamar a atenção sobre ele (se lembre que na Paulicéia eu já afirmava falar brasileiro porém ninguém não pôs reparo nisso) e Osvaldo me escrevia de lá "venha pra cá saber o que é arte", "aqui é que está o que devemos seguir" etc. Eu, devido minha resolução» secundava daqui: "só o Brasil é que me interessa agora", "Meti a cara na mata virgem", etc. O Osvaldo vem da Europa, se paubrasiliza, e eu publicando só então o meu Losango Cáqui porque antes os cobres faltavam, virei paubrasil pra todos os efeitos. Tanto assim que com certa amargura irônica, botei aquele "possivelmente pau-brasil" que vem no prefacinho do livro. Quê que havia de fazer?". Interessante notar, por sob o tom reivindicatívo desta carta, que Mário parecia considerar impossível o que, para o viajado Paulo Prado, era simplesmente natural: "Oswald de Andrade,
de 1927, dedicado à segunda coletânea do poeta^10. Nesse tra- balho, já escrito com dois anos de perspectiva em relação ao lançamento dos poemas de estréia de Oswald, João Ribeiro pôde avaliar com exatidão o que fora o impacto desse lança- mento: "Ele atacou, com absoluta energia, as linhas, os ara- bescos, os planos, a perspectiva, as cores e a luz. Teve a intuição infantil de escangalhar os brinquedos, para ver como eram por dentro. E viu que não eram coisa alguma. E começou a idear, sem o auxílio das musas, uma arte nova, inconsciente, capaz da máxima trivialidade por oposição ao estilo erguido e à altiloqüênçia dos mestres. Geometrizou a realidade dando esse aspecto primevo, assírio ou egípcio da escultura negra, fabricou manipansos terríficos, e opôs à ânfora grega a beleza rombóide das igaçabas. (... ) Assim nasceu uma poesia nacio- nal que, levantando as tarifas de importação, criou uma indús- tria brasileira. (... ) Para mim ele foi o melhor crítico da ênfase nacional; o que reduziu a complicação do vestuário retórico à folha de parreira simples e primitiva e já de si mesma demasiada e incômoda. Chegou à concepção decimal e infantil, que se deve ter do homem: um 8 sobre duas pernas,
numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy — umbigo do mundo — descobriu deslumbrado a sua própria terra. A volta à pátria confirmou, no encantamento das descobertas manuelinas, a revela- ção surpreendente de que o Brasil existia. Esse fato, de que alguns já desconfiavam, abriu seus olhos à visão radiosa de um mundo novo, inexplorado e misterioso. Estava criada a poesia pau-brasil". Mário fixava-se talvez na idéia autojustificativa de que esta descoberta poderia ocorrer, com autenticidade, numa viagem à roda do próprio quarto, convenientemente aprovisionada de livros da última fornada da vanguarda estrangeira... (basta conferir, nesse sentido, o eclético e mesmo tumul- tuário elenco bibliográfico de A Escrava). E se recorde agora o caso do erramundo Joyce, que não soube ter outro cenário, "Senão a Irlanda natal, para os seus escritos de exilado voluntário. Mas os bastidores cronológicos importam aqui apenas lateralmente. O que conta, objetiva- mente, do ponto de vista da análise estética, é que o Pau-Brasil foi mais longe na sua postura antidiscursiva, de conseqüências paradigmais na evolução da poesia brasileira, do que a poesia marioandradina anterior ou posterior a ele. (^1 0) JOÃO RIBEIRO, Obras ("Crítica — Os Modernos"), edição da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1952, pp. 90-98.
lê-se no "Manifesto da Poesia Pau-Brasil"). Mas o desenfoca- mento tem razões mais profundas. Há uma observação meto- dológica de Henri Lefebvre que nos parece esclarecedora: "Uma teoria nova não é jamais compreendida se se continua a julgá-la através de teorias antigas e de interpretações funda- das (à revelia daquele que reflete) sobre essas teorias anti- gas^15. A crítica de Mário esbarrava nesse preconceito de visada: Mário sempre se preocupou a sério com a estética parnasiana (vejam-se os seus estudos "Mestres do Passado" e o que neles há de implícita reverência) e mais de uma vez, em diferentes épocas, quis mostrar que sabia fazer sonetos em clave áurea ao gosto dessa estética (considere-se, por exemplo, o soneto "Artista", incluído quase como aval curricular no "Prefácio Interessantíssimo" à Paulicéia, ou o "Quarenta Anos", de A Costela do Grão Cão). Oswald nunca pôde subordinar seu espírito a cânones métricos e aos paramentos semânticos que lhes são correlatas^14. Eis por que Mário — sem ter jamais despegado inteiramente de sua poesia aquele mal da eloqüên- cia de que o parnasianismo apenas constituía modalidade estatutária — via, paradoxalmente, digitais parnasianas (que não eram "lindas à parnasiana" ...?!), naquela poesia que representava o mais duro golpe até então sofrido pela pompa retórica de nossa linguagem letrada e seu cerimonial alienan- te, — a poesia-minuto de Oswald. Ler a sintética poesia "pau- brasil" à cata de versos de ouro ou pretender que os poemas daquela coletânea inaugural tivessem sido escritos em torno desse efeito, era um esforço de desentendimento: o mesmo que aferir os shofs , as tomadas de uma câmara cinematográfica — o camera eye das sínteses oswaldianas:
(^19) Le Marxisme, Presses Universitaíres de France, Paris, 1958, p. 28, nota 1; trad. port., Difel, 1963. (^1 4) "Eu nunca fui capaz de contar sílabas. A métrica era coisa a que minha inteligência não se adaptava, uma subordinação a que eu me recusava terminantemente" (depoimento a Mário da Silva Brito, op. cit., p. 26). Coisa semelhante dizia Maiacóvski: "Falando franca- mente: não sei o que são nem iambos nem troqueus, jamais os distingui e jamais os distinguirei. Não porque isto seja uma coisa difícil, mas sim proque em meu trabalho poético nunca tive necessidade de ocupar-me dessas trucagens. (... ) Quanto às regras métricas, eu não conheço
o capoeira
— Quê apanha sordado? — O quê? — Qué apanha? Pernas e cabeças na calçada
— pelos trâmites da burocracia do soneto. Nesse nivelamento de tudo pela rasoura subjetiva, as diferenças se abolem e todas as interpretações ficam lícitas, pois desprezam o suporte material e se fiam no vago vislumbrar de improvadas (e im- prováveis) intenções ocultas. Foi o erro de Mário, um erro típico de seu "psicologismo"'^5. Mário queria o inefável, o "mistério". E censurava, de fundo, na poesia oswaldiana, a ausência desse "mistério", o emprego irônico do sentimental"^5. Numa carta de 21-1-28 a Ascânio Lopes, Oswald e Mallarmé são aproximados por Mário numa mesma frase de reprovação: como dados a "invenções desumanas que por desumanas não podem ir pra diante"^17.
Mas a crítica marioandradina ao Pau-Brasil nos permitirá apanhar um aspecto importante desta poesia radical. É quando Mário, na carta-resumo de seu artigo para Estética , começa por negar "lirismo objetivo" no "documento à Oswald". "Somos nós" — acrescenta — "que devido aos nossos precon- ceitos, aos nossos costumes, etc. botamos no documento à
nenhuma delas. (... ) É dever do poeta, precisamente, desenvolver em si mesmo o sentido do ritmo, e não decorar métricas alheias" ( Como se fazem versos, estudo publicado em 1927). (^1 5) Sobre "O Psicologismo na Poética de Mário de Andrade", ver o excelente trabalho de ROBERTO SCHWARZ em A Sereia e o Desconfiado, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965. (^1 6) Conf. carta de 26-9-28 a Bandeira, op. cit., pp. 210 211. (^1 7) Cartas de Mário de Andrade, c/7., p. 63.