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Guias e Dicas
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Plantas Mágicas na Idade Média: Usos, Histórias e Lendas, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

Informações sobre as plantas mágicas utilizadas durante a idade média, explorando suas histórias, lendas e efeitos. O texto aborda a influência dessas plantas na sociedade medieval, as práticas mágico-religiosas e a relação entre a igreja católica e as pessoas que preservavam essas tradições. Além disso, discute a transformação de curandeiras e feiticeiras em bruxas devido à mudança na perspectiva da igreja.

O que você vai aprender

  • Como as mulheres que praticavam as artes mágicas foram transformadas em bruxas?
  • Quais eram algumas das lendas e histórias associadas às plantas mágicas?
  • Como as plantas mágicas foram utilizadas na sociedade medieval?
  • Quais eram algumas das plantas mágicas utilizadas durante a Idade Média?
  • Qual foi a relação entre a Igreja Católica e as pessoas que preservavam as práticas mágicas relacionadas às plantas?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Saloete 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES
VALENTINO STERZA
PLANTAS MÁGICAS NO MEDIEVO:
MULHERES, MAGIA E IGREJA
JOÃO PESSOA
2019
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

VALENTINO STERZA

PLANTAS MÁGICAS NO MEDIEVO:

MULHERES, MAGIA E IGREJA

JOÃO PESSOA

VALENTINO STERZA

PLANTAS MÁGICAS NO MEDIEVO:

MULHERES, MAGIA E IGREJA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Coordenação do Curso de Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba como requisito complementar para obtenção do título de Licenciatura em Ciências das Religiões, sob orientação do professor Dr. Johnni Langer. João Pessoa 2019

Dedico os meus pais maravilhosos, Gino e Anna. Que vivendo na Itália, não puderam participar presencialmente ao o meu percurso formativo universitário. A eles que durante a minha vida, sempre apoiaram as minhas decisões e escolhas.

Uma gota fura uma rocha caindo não só duas vezes, mas muitas; assim também, um homem se faz esperto não só lendo dois, mas muitos livros. Giordano Bruno

RESUMO

Essa pesquisa tem o propósito de fornecer um trabalho sobre determinados tipos de plantas psicotrópicas que, na Antiguidade e sucessivamente na Idade Média, eram usadas para fins terapêuticos, como também, para fins mágicos ou sobrenaturais. Nosso objetivo é esclarecer as temáticas ligadas a estas plantas no período medieval, isto é, conhecer nomes, histórias, lendas e os efeitos que seus usos provocavam nas pessoas. Nesse sentido, apresentamos a influência destas plantas na sociedade Medieval, uma sociedade embora, aos poucos, tenha sido cristianizada, a mesma não havia perdido conexões com suas práticas e crenças anteriores. Assim, relatamos como o uso destas plantas era bastante difundido durante o Medievo e quais foram os sujeitos que se utilizavam das supostas e/ou verdadeiras propriedades. Em especifico, analisamos as figuras das mulheres que praticavam o curandeirismo e a feitiçaria, práticas essas que têm suas origens nos tempos mais remotos, muito antes do surgimento do cristianismo. Ademais, ressaltamos a relação entre a Igreja Católica e essas pessoas peculiares. Em nosso trabalho utilizamos um método de pesquisa qualitativo e descritivo, desenvolvido a partir de um estudo bibliográfico e documental. Nossa fundamentação teórica baseia-se em textos de autores que são classificados como especialistas nas áreas de estudos referentes à História da Idade Média, a Etnobotânica e a outros âmbitos pertinentes a nossa pesquisa. Nesse modo, consideramos que este estudo seja relevante para área da Ciências das Religiões do Brasil, uma vez que trata de um argumento que poderia abrir novas perspectiva de pesquisa, sobretudo no que diz respeito às motivações que levaram um sistema religioso aplicar formas de repressão contra figuras existentes num determinado período histórico da humanidade. Palavras-chave : Plantas mágicas; Medievo; Feitiçaria; Igreja.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 10

1 MEDIEVO: ALGUNS ASPECTOS PARA CONTEXTUALIZAR A

PESQUISA................................................................................. ..................... 12

MEDIEVO: PERÍODO HISTÓRICO E SUA ÁREA GEOGRÁFICA..................... 12

1.2 DA ANTIGUIDADE PARA O MEDIEVO: IMPORTANTES MUDANÇAS

POLITÍCAS, SOCIAIS, CULTURAIS..................................................................... 12

2 CURANDEIRAS, FEITICEIRAS E BRUXAS, MULHERES PECULIARES

CONHECEDORAS DAS PRÁTICAS MÁGICAS, DA NATUREZA E DOS

EFEITOS DAS PLANTAS..................................................................................... 17

2.1 DE CURANDEIRAS E FEITICEIRAS À BRUXAS................................................ 17

2.2 A IGREJA CATÓLICA E SUA LUTA CONTRA AS PRÁTICAS MÁGICAS.... 24

3 MANDRÁGORA A RAINHA DAS PLANTAS MÁGICAS............................... 34

3.1 A MANDRÁGORA NA ANTIGUIDADE............................................................... 34

3.2 A MANDRÁGORA NO MEDIEVO........................................................................ 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 48

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 50

INTRODUÇÃO

A importância que o reino vegetal exerceu na longa viagem percorrida pela humanidade, desde os primórdios até os dias atuais é o motivo de nosso interesse por este estudo. O reino vegetal é fornecedor de elementos fundamentais para sustentação dos seres humanos (alimentos), mas o que despertou nossa atenção é o fato de que o ser humano, ao longo da sua existência, descobriu que algumas plantas possuíam propriedades curativas, psicotrópicas^1 ou as duas juntas. Estas plantas, principalmente no passado, inclusive em vários casos ainda hoje, eram e são usadas para tentar resolver problemas de saúde. Além disso, acredita-se que devido às suas propriedades psicotrópicas, eram usadas para tentar resolver tudo aquilo que era ou é considerado sobrenatural. Consequentemente, no decorrer do tempo, nas diversas culturas espalhadas pelo mundo, surgiram sujeitos conhecedores das plantas e da natureza, que as usavam em práticas de cura, bem como em práticas mágico-religiosas com finalidades variadas. Estas ações induziram a criação de crenças e lendas, nas quais os protagonistas eram esses vegetais. Assim, depois de ingressar na Universidade Federal da Paraíba, no curso de Ciências das Religiões, assistindo a algumas aulas e eventos, percebi que as plantas com estas características, poderiam ser relacionadas com o estudo das religiões. Posteriormente, conversando com aquele que se tornou o meu orientador (Prof. Dr. Johnni Langer), o qual me forneceu alguns elementos que me suscitaram um maior interesse em aprofundar o estudo das “plantas mágicas”, especificamente, no período histórico medieval. Outra causa propulsora para este estudo, talvez devido a minha origem, italiana, que desde menino considero a Idade Média um período histórico muito intrigante. Dado ao fato de que nas cidades da Itália as pessoas convivem cotidianamente com os muitos vestígios medievais que estão espalhados pelos centros históricos. Parece um paradoxo, aprofundei meus conhecimentos históricos, religiosos e culturais europeus, após me transferir da Itália para o Brasil. Tudo começou, logo depois da minha chegada em 2013: Estimulado pela minha esposa, voltei a estudar após estar parado por (^1) São psicotrópicas as plantas que quando assumidas atuam sobre o nosso sistema nervoso central (CNS)cérebro, alterando de alguma forma o nosso psiquismo. Podem ser: Depressoras: promovem o sono; inibem a ansiedade; aliviam a dor. Estimulantes: promovem as atividades motoras e cognitivas; reforçam a vigília e estado de alerta. Perturbadoras: fornecem alucinações e êxtases. Disponível em: <http://www.gruponitro.com.br/atendimento-a- profissionais/%23/pdfs/artigos/multidisciplinares/efeito_das_drogas_psicotropicas_no_snc.pdf> Acesso em: 31 maio 2019.

1 MEDIEVO: ALGUNS ASPECTOS PARA CONTEXTUALIZAR A PESQUISA

Nesse capítulo, apresentamos alguns aspectos e particularidades de nosso objeto de pesquisa, partindo do medievo. Sendo assim, teremos uma noção básica dos principais fatos históricos que são atinentes a nossa pesquisa 1.1 Medievo: Período histórico e sua área geográfica Para expor nossa pesquisa indicamos alguns aspectos e fatos do período histórico referente ao nosso objeto de pesquisa. Deste modo, nos resulta apropriado começar situando este espaço de tempo que é denominado Idade Média de maneira cronológica e geográfica. A Idade Média está posicionada entre a Idade Antiga e a Idade Moderna e se refere, mais ou menos aos territórios agora conhecidos como Europa e as áreas do Oriente Médio e norte da África da bacia do Mediterrâneo. Lembramos que em relação à Idade Média é importante especificar que os historiadores a dividem em diferentes períodos historiográficos. Em nosso trabalho empregaremos a metodologia utilizada por Franco Junior, que a divide em quatro períodos: Primeira idade Média, princípios do século V - meados do século VIII; Alta Idade Média, meados séc. VIII - fins séc. X; Idade Média Central, início séc. XI – fins séc. XIII; Baixa Idade Média, início séc. XIV - meados XVI. (FRANCO JUNIOR, 2001, p.271). No que diz respeito a área geográfica da Europa durante a “transição” da Idade Antiga para a Idade Média, ressaltamos que nesta vasta área viviam vários povos. Porém, a distinção principal a ser feita entre os povos europeus daquele tempo, encontra-se entre os povos da Europa central e do Norte (principalmente os germânicos) e os povos Mediterrâneos do ex- Império Romano (Europa do Sul). 1.2 Da Antiguidade para o Medievo: Importantes mudanças políticas, sociais e culturais Na Europa central e no Norte viviam os povos germanos, os quais eram chamados pelos romanos de “bárbaros^2 ”. Estes povos tinham tradições e hábitos socioculturais diferentes dos (^2) Bárbaro: na sua origem, a palavra designa apenas os não gregos e, depois, os não romanos. Mas a conotação negativa adquirida por esse termo torna difícil empregá-lo hoje sem reproduzir um julgamento de valor que faz de Roma o padrão da civilização e de seus adversários os agentes da decadência, do atraso e da incultura. (BASCHET, 2006, p. 49)

povos latinos que faziam parte da área do Mediterrâneo do Império Romano, que como escreve Gombrich (2008, p. 133) “quando no ano de 311 d.C. o Imperador Constantino estabeleceu a Igreja Cristã como um poder no Estado”. Este poder, enraizou-se no Império Romano e, consequentemente, sobre os povos que o constituíam, abrindo um novo cenário, no qual a Igreja Católica tornou-se a instituição religiosa oficial dos povos do Império. Assim, pode-se afirmar que sucessivamente Após o desaparecimento do Império Romano no Ocidente, formalmente assinalado pelo episódio da deposição do imperador infante Rômulo Augusto por Odoacro, chefe da confederação de tribos germânicas dos hérulos (4 de setembro de 476), observa-se a formação de diversos reinos romano-germânicos, ou seja, reinos com populações fundamentalmente de etnia e cultura galo-romana, hispano-romana, ítalo-romana, mas onde o poder ficou sob controle do rei germânico. Dentre os reinos romano- germânicos da Europa destacavam-se o visigótico (na atual Península Ibérica), o ostrogótico e, posteriormente, o lombardo (na atual Itália), os reinos anglo saxões (na atual Grã-Bretanha) e o franco (na atual França). Então o Ocidente profundamente marcado por estre encontro e confronto de civilizações, apresentou, com relação ao período anterior um quadro complexo de continuidades e descontinuidades. (BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 4 – grifo nosso) Observando este panorama de mutações da Antiguidade para o Medievo, podemos indicar que os povos germanos tinham uma estruturação social diferente dos romanos, não vivenciavam a noção de estado e de cidade como os romanos. Os germanos moravam em aldeias, nas quais o núcleo social principal era a família, sucessivamente vinham os clãs, que eram compostos da junção de diversas famílias unidas entre elas pelo parentesco e, por último, as tribos, que eram formadas pela união de diferentes clãs. A formação das tribos estava ligada a atividade bélica (uma das principais atividades destes povos). O líder de um clã, guerreiro destemido e vitorioso, conseguia agrupar mais famílias e clãs ao seu redor. Desse modo, tornava-se chefe de uma tribo com um elevado número de pessoas. Outra característica que diferenciava os povos germanos dos romanos era a religião. Os germanos à diferença dos romanos eram politeístas e sua religião era baseada em deuses e divindades do panteão germânico. (BOTHELO, 2012). Assim, durante o desenvolvimento deste complexo cenário de passagem da Antiguidade ao Medievo, constata-se que a continuidade mais relevante daquele período foi aquela da Igreja Católica. Nesse contexto, a Igreja conseguiu a conversão de alguns reis germanos ao cristianismo. Esta conversão, fez tornar seus súditos em cristãos, sendo que naquele tempo era uma prática que o povo aderisse a religião do rei. Desse modo, a Igreja agindo como um “mediador” realizou a simbiose entre o mundo romano e germano, isto é, criando uma união de forças ao seu serviço, que aumentaram seu poder e a ajudaram, ao longo dos séculos, a se revelar

humano não olhava a natureza para tentar entendê-la e questioná-la, mas para ver os sinais que indicavam as intenções do divino. Diante disso, as ciências não eram consideradas como algo concreto, a Matemática apresentava-se abstrata, os números eram mais valorizados pelo seu simbolismo do que pelo seu valor utilitário prático. Outras ciências como a Mineralogia e a Botânica eram pouco valorizadas e se reduziam a tratados que, descreviam pedras e plantas como elementos possuidores de aspectos mágicos. (FRANCO JUNIOR, 2001) É nessa época que, por causa da ideologia da Igreja, as ciências tornaram-se estagnadas, a medicina “especializada” não avançava e era carente. Logo, as práticas mágicas permaneciam vivas entre essas pessoas. No entanto, para a sociedade medieval qualquer coisa tinha um referencial sagrado, fenômeno típico das sociedades agrárias, extremamente ligados à natureza portanto, à mercê de forças desconhecidas e não controláveis. Isso gerava, compreensivelmente, um sentimento generalizado de insegurança. Temia-se pelo resultado, quase sempre pobre, das colheitas. Temia-se a presença frequente das epidemias, que não se sabia combater. Temia-se sobretudo pela vida futura. (FRANCO JUNIOR, 2001, p. 191) Assim, entendemos que os homens e as mulheres medievais além de viver com medo de guerras e invasões, tinham que enfrentar dificuldades enormes no seu dia-a-dia para conseguir viver ou, em alguns casos podemos dizer, sobreviver. Naquele tempo, considerava-se que todas as situações da vida que não tinham uma explicação, fossem geradas por forças da natureza que eram desconhecidas e incontroláveis. Desse modo, na sociedade medieval, as pessoas que precisavam de cuidados médicos, entregavam-se nas mãos de conhecedores dos elementos mágicos fornecidos pela natureza, os quais eram capazes de praticar o que nos dias atuais chamamos de herboristeria ou fitoterapia. Sobre este aspecto, parece que de “fato praticar a profissão médica e a herboristeria não foram somente os médicos, mas também monges, curandeiros e curandeiras, que muitas vezes juntavam práticas herboristicas a rituais mágicos”^3 (VALENTINI, 2010, p. 17-18, tradução nossa). Por isso, podemos dizer que as plantas medicinais, além de serem usadas na medicina, tinham um forte impacto no imaginário coletivo, devido ao seu uso mágico marcante, sendo usadas para tentar curar as doenças, mas também para tentar resolver situações que eram ocultas e inexplicáveis. Provavelmente, perpetuando tradições e métodos antigos que se misturavam com as novas práticas religiosas. Dessa forma, criava-se um confim, muito sutil, entre o sagrado da Igreja e as práticas das tradições mais antigas. (^3) “Di fatto a praticare la professione medica e l’erboristeria furono così non solo medici, ma anche monaci, guaritori e guaritrici, che spesso univano pratiche erboristiche a riti magici”. (VALENTINI, 2010, p. 17-18)

Desse modo, retomando ao argumento sobre a prática da Medicina, pode-se dizer que naquele tempo a preparação dos remédios para curar as doenças, estava estritamente ligada ao uso das plantas, as quais, como vimos em uma das citações antecedentes, eram consideradas como algo possuidor de aspectos mágicos. Já a Igreja, ao invés, tinha uma visão bastante particular sobre a Medicina e as curas. Assim, conforme Franco Junior (2001 p.143) a “Medicina estava limitada pela ideia de que o doente é um pecador cuja cura residia na atuação da Igreja (orações, sacramentos, exorcismos, etc)”. Percebemos assim, que o “mundo” medieval, tornou-se bastante estático intelectualmente e cheio de limitações, regradas pela doutrina pregada pela Igreja. Desse modo, as pessoas passaram a enfrentar importantes mudanças socioculturais, principalmente as ligadas à doutrina cristã, que ditava novas regras a serem seguidas. Regras estas, que afetaram as tradições e o modo de viver das pessoas, bem como sua percepção em relação ao universo e o mundo. Com isto, passaremos ao próximo capítulo no qual apresentaremos algumas especificas categorias de pessoas que foram atingidas por estas mudanças.

Já no I século depois de Cristo, Plínio^4 lamentava-se que, apesar de muitos conhecimentos, já estivessem reconhecidos pela ciência da época, no povo ainda prevalecia a crença na base da qual alguns eventos aconteciam devido a incantesimos e práticas herboristicas, ditados da "ciência" popular de algumas mulheres^5. (VALENTINI, 2010, p.13, tradução nossa) Analisando a citação acima, percebemos que para os eruditos como Plínio mesmo existindo uma ciência, a maioria das pessoas acreditavam nos poderes de algumas mulheres detentoras de conhecimentos “mágicos”. Assim, essas pessoas, em particular as mulheres que tinham a responsabilidade de cuidar da família e de si mesma, quando precisavam de curar-se ou curar um familiar, entregavam-se nas mãos das curandeiras que provavelmente juntos aos curativos, praticavam algum artifício mágico. Para Valentini (2010), na antiguidade e no Medievo, as curandeiras, além de ser conhecedoras e dominadoras dos vegetais para as curas de maneira geral, eram “especializadas” no enfrentar as problemáticas que são exclusivas do universo biológico feminino como menstruação, gravidez, partejar e abortar. Portanto, auxiliando-se do uso das plantas, enfrentavam e tentavam resolver todas estas situações. Situações estas, que naquele tempo eram praticamente assuntos exclusivos das mulheres e por isso, excluídos ao mundo masculino. Desse modo, criava-se uma visão enigmática sobre as mulheres, seres em grau de salvar e gerar vida, mas também criando uma ideia de ser maligno capaz de trazer a morte. “Isto nascia do mistério que por muito tempo assustou os homens na frente de quem, por sangrando (na forma de menstruação), não morria, mas regenerava suas forças vitais e dava a vida^6 .” (VALENTINI, 2013, p.13 - tradução nossa). Sendo assim, estas mulheres chamadas de curandeiras, de um lado eram vistas como sujeitos positivos, conhecedoras dos segredos da vida e podiam ajudar. Do outro lado, eram vistas com desconfiança, devido ao medo que provocavam os seus conhecimentos e práticas. Por estes motivos, já na Antiguidade várias mulheres que tinham estas habilidades foram (^4) “Caio Plínio o Segundo, conhecido como o Velho, era um erudito e naturalista, nasceu em Como em 23 d. C. e morreu durante a erupção do Vesúvio em 79 d. C.; entre suas obras permanece fundamental Naturalis Historiae , uma espécie de enciclopédia na qual é reportado todo o conhecimento da época e que, por muitos séculos, permaneceu um importante ponto de referência no estudo das ciências”. Traduzido das notas: (VALENTINI, 2010 , p.14) – “Gaio Plinio Secondo, detto il Vecchio, fu un’erudito e un naturalista, nato a Como nel 23 d.C. e morto durante l’eruzione del Vesuvio del 79 d.C.; tra le sue opere rimane fondamentale Naturalis Historiae , una sorta di enciclopedia in cui si riporta tutto il sapere dell’epoca e che, per molti secoli, rimase un’importante punto di riferimento nello studio delle scienze. (VALENTINI, 2010, p.14) (^5) “Già nel I secolo dopo Cristo, Plinio si lamentava che, nonostante molte conoscenze fossero ormai riconosciute dalla scienza di allora, nel popolo ancora prevalesse la credenza in base alla quale alcuni avvenimenti accadevano per malie e pratiche erboristiche, secondo la “scienza” popolare di alcune donne”. (VALENTINI, 2010, p.13) (^6) “Questo nasceva dal mistero che per molto tempo ha spaventato gli uomini di fronte a chi, pur perdendo sangue (sotto forma di mestruazioni), non moriva, ma rigenerava le sue forze vitali e dava la vita”. (VALENTINI, 2010, p.13)

apontadas de praticar a feitiçaria. Prática esta que, segundo o conceito de Langer (2017) refere- se a um “conjunto de crenças e práticas mágicas do mundo rural europeu relacionadas frequentemente com a adivinhação do futuro, necromancia, controle climático, curandeirismo e artes amorosas.” Percebemos assim, que estas mulheres além de ter a competência de fornecer curativos, acreditava-se, que tivessem a faculdade de manipular as pessoas, a natureza, e interceder com o sobrenatural. Assim, podemos levantar a hipótese que a literatura grega, com as famosas personagens Circe como encontra-se na Odisséia e Medéia nos Argonautas, influenciou os letrados medievais na criação de um imaginário sinistro e negativo da figura da feiticeira. Circe, narrada nos famosos poemas homéricos, tinha o poder de encantar e submeter as pessoas, em particular os homens, bem como transformá-los em animais. Já Medéia, usou seus poderes mágicos para ajudar Jason e os Argonautas na busca do Velo de Ouro. Sucessivamente, depois que Jason a traiu, ela usou seus poderes para se vingar. Como descreve Pinheiro (2012), entende-se que, entre as atividades das feiticeiras, uma das suas competências era a produção de filtros e poções mágicas, que eram usados em alguns casos com a intenção de despertar uma paixão que aprisionaria a pessoa amada. Acredita-se que os filtros eram bastante usados no Medievo. Por exemplo, as mães das donzelas da corte os forneciam as filhas com o intuito de que os filtros lhe proporcionassem a ajuda “mágica” necessária para conseguir que o encontro com um nobre “importante” se transformasse em uma paixão desenfreada e sucessivamente em um ótimo casamento. De mesmo modo que eram usados pelas donzelas esses filtros eram usados por algumas das muitas jovens mulheres camponesas que viviam no desconforto e insatisfeitas da própria situação social, com a esperança de casar-se com um comerciante ou um artesão, figuras sociais, que forneciam uma condição socioeconômica melhor que as dos camponeses. Por este motivo, algumas destas jovens apoiavam-se na crença de que a ajuda de um filtro, poderia ser determinante para conseguir o objetivo de acender e garantir a paixão daquele homem desejado. A respeito dos filtros Pinheiro aponta que Alguns causavam excitação e deviam perturbar os sentidos, como os estimulantes que de tanto abusam os Orientais. Outros eram perigosas (e muitas vezes pérfidas) beberagens de ilusão que podiam entregar a pessoa sem vontade. Outros, enfim, foram experiências com que se desafiava a paixão, com que se queria ver até onde o desejo ávido poderia transportar os sentidos, fazê-los aceitar, como favor supremo e comunhão, as coisas menos agradáveis, que viessem do objeto amado. (PINHEIRO, 2012, p 63, apud MICHELET, 2003, p.111).