


















Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este texto discute o papel dos planejamento, orçamento e administração pública no brasil, enfatizando a necessidade de reformas institucionais para melhorar a viabilização e implantação de políticas públicas. O autor argumenta que o papel de planejamento não se limita a um instrumento formal, mas é uma função estratégica e política do estado. Além disso, ele destaca a importância de novas funções como interfaces socioestatais e a necessidade de reformas históricas para superar problemas como patrimonialismo, excesso de formalismo e centralização.
Tipologia: Slides
1 / 26
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Rev Bras Adm Pol , 7(1):79-
Resumo Este texto levanta questões teóricas e históricas em torno de temas do Estado, do Plane- jamento, do Orçamento e da Administração Pública Federal, sob inspiração dos conceitos sugeridos pela abordagem da Administração Política (Santos, 2009; Santos & Ribeiro, 2009). Em particular, ao invés de pensar o Estado como ente externo, coercitivo, racional, coeso e integralmente capaz, o pensa como um conjunto de inter-relacionamentos dinâmicos entre arenas e atores estatais, sociais, econômicos e políticos — que agem como em um jogo social complexo, em ambiente marcado por referenciais dialéticos da República, da Democracia e do Capitalismo. Nesses termos, a natureza e o alcance do planejamento governamental, do orça- mento público e da própria gestão, porquanto elementos potencialmente alavancadores do desenvolvimento nacional, estão dados por elementos tecnopolíticos ligados aos conceitos de governabilidade e governança (Matus, 1984; 1987). Em contexto de riscos e incertezas perma- nentes, tais elementos definem o escopo e a aderência dos planos e projetos de desenvolvimento — dentre os quais o próprio PPA (Plano Plurianual) —, cuja exequibilidade, como medida de desempenho institucional agregado do Estado brasileiro, carece ainda de um conjunto de reformas e aperfeiçoamentos institucionais-legais para uma maior e melhor viabilização / implantação de políticas públicas. Palavras-chave: Estado; Planejamento; Orçamento; Gestão; Brasil. Abstract This text raises theoretical and historical issues around themes of State, Planning, Budget and Public Administration, under the inspiration of the concepts suggested by the approach of Political Administration (Santos, 2009; Santos & Ribeiro, 2009). In particular, instead of
80 J. Celso Cardoso Jr.
regarding the state as an external one, coercive, rational, cohesive and fully capable, think like a set of dynamic interrelationships between arenas and government, social, economic and political actors to act, as in a complex social game environment marked by references in the dialectical Republic, Democracy and Capitalism. Accordingly, the nature and scope of govern- ment planning, the public budget and the management itself, because potentially levers ele- ments of national development, are elements related to the concepts of governance and governability (Matus, 1984, 1987). In the context of risks and uncertainties permanent, these elements define the scope and compliance plans and development projects — among which the PPA itself (Multi-Year Plan) —, whose feasibility as a measure of aggregate institutional performance of the Brazilian state, still lacks a set of reforms and institutional and legal improvements for a bigger and better feasibility / implementation of public policy. Key words: State Planning; Budgeting; Management; Brazil.
Apresentação
ste texto mescla elementos da transcrição da palestra proferida pelo autor em Curitiba-PR, no dia 3 de outubro de 2013, por ocasião das comemorações dos cinquenta anos do Imap (Instituto Municipal de Ad- ministração Pública), com o roteiro em power point utilizado para ela. Trata-se, portanto, de uma elaboração baseada em minha experiência pes- soal e profissional como servidor público federal, em torno de temas do Estado, do Planejamento, do Orçamento e da Administração Pública Fe- deral, sob inspiração dos conceitos sugeridos pela abordagem da Adminis- tração Política (Santos, 2009; Santos & Ribeiro, 2009). Nesse sentido, é um texto de caráter preliminar e semiestruturado, de teor propositadamente não academicista, e como tal deve ser lido e refletido. Não obstante, vislumbra-se, a partir dele, elementos e categorias de análise, bem como argumentos e interpretações, que sugerem a possibi- lidade de um desenvolvimento posterior com vistas a uma possível nova publicação pela Rebap ou outros veículos.^1
Conceitos e premissas gerais
O ponto de partida fundamental é que para se entender o papel de- sempenhado pelo Planejamento, pelo Orçamento e pela Administração Pública nos processos de constituição, formulação e implantação das polí- ticas públicas, nós precisamos enquadrar tais conceitos e funções em uma
1 Algumas referências anteriores importantes do autor sobre estes temas podem ser encontradas em Cardoso Jr. (2011a); Cardoso Jr. (2011b); Cardoso Jr. & Pires (2011); Cardoso Jr. (2013a); Cardoso Jr. (2013b); Cardoso Jr. & Bercovici (2013).
82 J. Celso Cardoso Jr.
Desenvolvimento e Planos de Governo, no nosso caso o Plano Plurianual (PPA), previsto nos moldes atuais desde a Constituição Federal de 1988. Isso se deve a que o PPA não é o planejamento em si; ele é apenas e tão somente uma parte do planejamento, um instrumento constitucional-for- mal, potencialmente apto a cumprir esse papel de organização geral e racio- nalização cotidiana da ação do Estado, em uma perspectiva ampla.^2 Já o Projeto Nacional de Desenvolvimento não é propriamente um documento escrito, mesmo se feito por sábios ou iluminados de plantão! É, na verdade, uma construção histórica, por vezes de longa maturação, e sempre em disputa e mutação, que advém das lutas sociais e políticas em constante ebulição em espaços nacionais determinados. Por isso, não é
2 O tipo de planejamento que se busca implantar, a partir das diretrizes constitucionais de 1988, tem méritos, mas também problemas. O principal mérito talvez esteja concentrado na tentativa de transformar a atividade de planejamento governamental em processo contínuo da ação estatal, para o que parece que se tornara fundamental reduzir e controlar — no dia a dia — os graus de discricionariedades intrínsecas dessa atividade. Por sua vez, o principal problema talvez esteja refletido no diagnóstico de que, ao se reduzir o horizonte de ação possível do planejamento para o curto/médio prazo, condicionando-o, simultaneamente, ao orçamento prévio disponível, acabou-se, na verdade, transformando essa atividade em ação de tipo operacional-cotidiana do Estado, como são todas as próprias da gestão ou da administração pública correntes. Com isso, a função planejamento foi convertida em PPAs de quatro anos, os quais, embora previstos desde a CF/88, apenas se vão estruturando, apropriadamente, a partir da segunda metade dos anos 1990. Trata-se, até o momento, dos PPAs relativos aos subperíodos compreendidos entre 1996-1999, 2000-2003, 2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015. À exceção deste último, pode-se dizer que toda a família anterior dos PPAs organizava-se, basicamente, sob dois princípios norteadores:
Planejamento governamental, orçamentação e administração pública no Brasil: 83 alavancas para o desenvolvimento sustentável
nunca um projeto acabado; está sempre em disputa e mutação, refletindo, a cada momento histórico, determinados interesses econômicos e conflitos políticos instaurados na sociedade. Não obstante, ao longo do tempo, vai constituindo determinados parâmetros em torno dos quais a disputa social se dá, e em relação aos quais os projetos políticos se apresentam. Em anos recentes, no Brasil, esse projeto nacional de desenvolvimento talvez esteja se constituindo em torno das seguintes dimensões: i ) inserção internacional soberana; ii ) macroeconomia para o desenvolvimento: cresci- mento, estabilidade e emprego; iii ) infraestrutura econômica, social e urba- na; iv ) estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente integrada; v ) sustentabilidade ambiental; vi ) proteção social, garantia de direitos e gera- ção de oportunidades; e vii ) fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia. Evidentemente, embora tais dimensões não esgotem o con- junto de atributos desejáveis de um ideal amplo de desenvolvimento para o país, elas certamente cobrem parte bastante grande do que seria necessária para garantir níveis simultâneos e satisfatórios de soberania externa, inclusão social pelo trabalho qualificado e qualificante, produtividade sistêmica elevada e regionalmente bem distribuída, sustentabilidade ambiental e humana, equidade social e democracia civil e política ampla e qualificada.^3 Sendo a anterior verdade, é claro que o Projeto Nacional de Desen- volvimento e o Plano Plurianual (PPA) possuirão relação entre si, mas essa será tão mais estreita ou orgânica quanto mais o projeto de desenvolvi- mento estiver sedimentado no ideário nacional; e quanto mais o PPA for capaz — a partir de certa importância estratégica que o governo lhe confe- rir — de bem representar o leque amplo de áreas programáticas de atuação do Estado brasileiro, em cada um dos seus níveis federativos. Havendo tal sintonia entre ambos (projeto e plano), pode-se dizer que o PPA venha a ser capaz, então, tanto de refletir o projeto político expresso no plano de governo eleito a cada rodada democrática; quanto, ademais, de bem servir como instrumento efetivo, eficaz e eficiente de organização, gestão, orçamentação, controle e racionalização da ação estatal em cada um dos âmbitos da federação. Dessa maneira, entendido o PPA como um instrumento, dentre ou- tros, do planejamento governamental como um todo, e do próprio desen- volvimento das políticas públicas, levanta-se a questão de que ele não é
3 A respeito, ver Cardoso Jr. (2012).
Planejamento governamental, orçamentação e administração pública no Brasil: 85 alavancas para o desenvolvimento sustentável
que coloca em questão, em disputa, a própria estrutura original que nós tínhamos e que segue em construção, ao longo da sua história institucional.
Figura 2. O Estado como um conjunto complexo de relacionamentos dinâmicos
Fonte: Elaboração livre do autor.
No caso brasileiro, assumimos como missão civilizatória, por assim dizer, a constituição de um Estado de perfil republicano. Nós nos defini- mos como uma República, e mais do que isso, como uma República Fede- rativa, o que na verdade complica ainda mais nossa missão; e isso, por si só, já é uma grande tarefa do Estado e da Sociedade dentro desse paradigma. Quer dizer, constituir uma organização chamada Estado, de modo geral, não só com perfil que emana dos princípios republicanos, etc., mas consti- tuir um Estado que opere, que funcione com base nesses critérios, nesses valores republicanos do bem comum, do interesse geral, avesso aos particularismos, interessado em universalizar direitos, acessos, possibilida- des e tudo o mais, isso tudo nos informa sobre o DNA do Estado que pre- tendemos montar no país. Como se não bastasse isso, existe a própria relação que se estabelece com o sistema político-partidário propriamente dito, por meio do qual as pessoas e os grupos se organizam para disputar espaços dentro desse Esta- do para constituir acessos diferenciados a níveis diferenciados de poder, de riqueza — que são os dois grandes mobilizadores de interesses da sociedade num contexto capitalista. Mas não só, pois também existem mobilizadores
86 J. Celso Cardoso Jr.
de aspectos ligados ao pertencimento social, aspectos ligados ao reconhe- cimento de determinados grupos, etc., tudo isso aparece como motivação para que os agentes e os grupos se mobilizem, se organizem e disputem espaços dentro do Estado. Então, isso, no fundo, confere à organização do Estado, em qualquer dos níveis da federação que vejamos, um alto grau de heterogeneidade, de fragmentação, maior ou menor, dependendo do contexto. Portanto, de não coesão , a priori, a qualquer alinhamento estra- tégico para determinar objetivos; tudo isso faz parte da luta, no bom sentido, da luta interna que se estabelece a partir dessas relações e desses objetivos. Obviamente, uma grande relação que se estabelece no interior do Estado é a que se dá com o Mercado, o que de saída já nos coloca a neces- sidade de desmontar falsas dicotomias, as quais precisam ser definitiva- mente superadas na forma de ver a relação do Estado com o Mercado, pois não se trata de “mais Estado menos Mercado”, ou o contrário, porque ambos sempre foram, desde as suas origens, como que “irmãos siameses”, então não existem — como já disseram antes Marx, Weber, Polanyi, Braudel, etc. muitos anos atrás — “não existe Mercado sem o Estado, e não existe Estado sem o Mercado”. Então, a questão correta seria: quais são os rela- cionamentos adequados a se estabelecerem entre essas duas esferas, pauta- dos por critérios da República, que estão no DNA da constituição e evolu- ção do nosso Estado, voltados para formas de operar democráticas, tais como nós estamos tentando aperfeiçoar no Brasil, de vinte e cinco a trinta anos para cá, sobretudo, e obviamente uma relação muito direta do Esta- do, das suas diversas instâncias, com a população de um modo geral, com a cidadania de um modo geral, que se dá não apenas por meio da demo- cracia representativa, mas que se dá de forma direta em vários casos, como eu vou tentar mostrar mais para frente... Em suma: essa (a Figura 2) é uma livre interpretação minha sobre como diversas funções intrínsecas de Estado vão se constituindo, ao longo do tempo, na experiência concreta brasileira, certamente muito inspirada na experiência federal, mas que, de certa maneira, vale também como refe- rência para outros níveis da federação. E qual é o ponto principal? O pon- to principal é que para operar, pôr em movimento um plano ou um proje- to de desenvolvimento, o Estado precisa — como visto antes — de estruturas de governança, de estruturas que remetam à sua capacidade de governar , sua capacidade de formular, de implantar, controlar, avaliar as políticas
88 J. Celso Cardoso Jr.
o curioso é que essa dimensão costuma ser tratada em separado quando se fala de política pública! Mas não o deveria porque a partir da estrutura tributária, do perfil de arrecadação, já se diz muito sobre a capacidade do Estado de realizar as suas políticas, redistribuir riqueza, e por aí vai. Obvia- mente, as dimensões de Formulação e Planejamento propriamente ditas, de Orçamentação e Programação Financeira como funções específicas nesse circuito, isso tudo a gente conhece, isso é clássico nos livros de hoje. Além dessas, vale ainda mencionar as funções contemporâneas de Monitoramen- to, Avaliação e Controle, como subfunções do planejamento, igualmente necessárias para que esse circuito todo se complemente. As questões pró- prias da Administração Pública, que dizem respeito à gestão de pessoal e outras funções-meio do Estado e da Administração Pública, possuem graus variados e muito diferentes de institucionalização e de organização em casa esfera da federação. Por fim, eu ouso colocar aqui uma nova “função” e que estaria em constituição no caso brasileiro e em outros casos também. No caso brasileiro — talvez como uma espécie de vanguarda desse processo — diz respeito ao surgimento e aperfeiçoamento de canais institucionais de representação de interesses e de participação da sociedade dentro desse circuito de políticas públicas; coisas que têm sido chamadas por colegas do Ipea de “interfaces socioestatais” na relação Estado–Sociedade no Brasil (Figura 4).
Figura 4. Interfaces socioestatais no circuito de políticas públicas brasileiras
Fonte: Elaboração livre do autor.
Planejamento governamental, orçamentação e administração pública no Brasil: 89 alavancas para o desenvolvimento sustentável Vejam que está em constituição no Brasil, sobretudo desde a rede- mocratização nos anos 1980, um processo que é lento, é um processo em- brionário, pouco institucionalizado; mas um processo muito interessante, de estabelecimento de formas de relacionamento direto da sociedade com o Estado, não mediado pela democracia representativa instituída, embora esta continue funcionando e sendo importante, obviamente. Mas além dessa, de um modo complementar a ela, desponta um conjunto de insti- tuições e de procedimentos que implicam formas de relacionamento direto tais que — como novidade institucional do momento presente — influen- ciam a formulação, influenciam a imantação, ajudam no controle e na avaliação das políticas, etc. Só para dar alguns exemplos, desde a Constituição, sobretudo, man- temos Conselhos de políticas públicas como exigência, inclusive legal, para várias políticas públicas. Junto com os Conselhos, mais recentemente se desenvolveu, muito amplamente, em vários órgãos da administração pú- blica, a figura das Ouvidorias Públicas. As ouvidorias estão deixando de ser instâncias meramente formais e passivas de reclamação para serem ins- tâncias mais proativas na resolução de conflitos dentro das organizações e na relação da sociedade com as organizações de um modo específico. Essas duas funções, Conselhos e Ouvidorias, pelas pesquisas que têm sido feitas, estão muito associadas às funções de monitoramento e fiscalização direta da sociedade. Não existe nada institucionalizado ou necessariamente nor- matizado para isso, mas existe um perfil que aproxima essas instâncias daquelas funções. Assim como Audiências e Consultas Públicas, que tam- bém são instrumentos legais, previstos em lei, que estão sendo acionadas, sobretudo, para os projetos de investimento de grande vulto, com impac- tos econômicos, ambientais e sociais importantes. E para tanto, ambos têm sido usados como instrumentos de oitiva da sociedade, junto a especia- listas e demais atores sociais. Indo além, vejam a trajetória recente de realização de Conferências Públicas no Brasil. É um fenômeno extraordinário, pois nos últimos dez anos, o país realizou mais de cinquenta conferências nas mais variadas áreas (com estruturas territoriais, etapas municipais, estaduais, regionais) até as conferências nacionais; e avançando das áreas sociais tradicionais, que sempre tiveram tradição em fazer conferências, para áreas como co- municações, que é um setor completamente oligopolizado, fechado, além de infraestrutura, segurança pública, que é um desafio imenso. E o fato é
Planejamento governamental, orçamentação e administração pública no Brasil: 91 alavancas para o desenvolvimento sustentável
de governar. Agora, como eu disse, se eu estou falando de funções que são necessariamente de natureza técnico-política, então vocês já entendem que a dificuldade de constituir cada uma dessas funções e de elas próprias funcio- narem de um modo integrado ou cooperado como Sistema, é uma dificul- dade imensa. É disso que se trata quando a gente está falando, por exem- plo, de estruturação das funções de Estado, de fortalecimento das funções típicas de Estado, e tudo o mais. Agora, tudo isso, em si mesmo, não serve para nada, se não estiver acoplado a um ideal de desenvolvimento! Nessa perspectiva, tal ideia de sistema serve, supostamente, para fazer funcionar as políticas públicas, transformando as realidades socioeconômicas sobre as quais devem agir. Então, supostamente, existe um ideal de desenvolvi- mento, um projeto, uma visão de transformação necessária e subjacente a tudo isso, e é disso que trata o planejamento! O próprio PPA deveria ser capaz de expressar esse desejo de mudança, essa capacidade do Estado de engendrar mudanças e enfrentar problemas. Por isso, o PPA, veja que inte- ressante!, nessa forma de ver, aparece como um dos instrumentos governa- mentais para isso; ele não é a panaceia da transformação, nunca foi e nun- ca vai ser, mas o mesmo é um instrumento importante; ele pode ser um instrumento muito importante, porque por meio dele é possível mobilizar capacidades e colocar em operação essa coisa toda. Agora, além disso, e aí depende de contexto a contexto, tem um conjunto de empresas estatais que podem ser mobilizadas como instru- mentos de ação; há bancos públicos, há fundos públicos, existem fundos de pensão, enfim, elementos que finalmente dialogam com o tema do Pla- nejamento Orçamentário, ou seja, com a capacidade do Estado de formu- lar e implantar políticas públicas, as quais dependem do orçamento, obvia- mente, mas não só. O orçamento, mais uma vez, é aqui entendido como um dos componentes do planejamento para o financiamento da política pública; e vários municípios, vários estados possuem, em graus diferentes, empresas estatais, bancos públicos e fundos públicos, que podem e devem ser acionados em conjunto como fontes complementares de financiamen- to das suas políticas, para além do próprio orçamento. Então, a lógica orçamentária que nos aprisiona hoje em dia diz res- peito a uma visão muito reducionista da capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem à disposição a cada momento. Mas para superar essa limitação, é preciso avançar rumo a uma Visão Adequada do Planeja- mento Orçamentário, conforme nos sugere a Figura 5 adiante.
92 J. Celso Cardoso Jr.
Figura 5. Abordagens possíveis para o tema do planejamento orçamentário público
Fonte: Elaboração livre do autor.
A Visão Limitada é aquela que concentra o foco da discussão do planejamento orçamentário na questão da eficiência, com custo para fazer determinadas coisas e aquilo que esse custo gera em termos de bens e servi- ços entregues à população. Vamos dar um exemplo: na área da Saúde, as políticas e campanhas de vacinação. Segundo a Visão Limitada, o foco da análise dessa abordagem é a entrega das vacinas no posto de saúde. O Estado tem de ser capaz de entregar determinada quantidade de vacinas para determinada campanha de vacinação, nos postos x, y e z da cidade. Termina aí a visão do planejamento orçamentário, nessa perspectiva. Como são registros administrativos, você faz a conta de quantas vacinas foram entregues em cada lugar, quanto isso custou, o custo de cada vacina. Então, quanto mais eu conseguir entregar essas vacinas de um modo mais barato, em tese, eu estou engendrando iniciativas de racionalização de procedi- mentos que dizem respeito a ganhos de eficiência no âmbito do Estado. Por sua vez, segundo a Visão Ampliada, eu estou dizendo que não basta ao Estado entregar as vacinas no posto de saúde, é preciso que elas sejam aplicadas nas crianças ou nos idosos, enfim, que atinjam o seu público- alvo. Dessa maneira, eu estou acoplando à visão da eficiência, também a
94 J. Celso Cardoso Jr.
avançar mais na queda da desigualdade se não enfrentar a questão do financiamento tributário, que é muito regressivo no país, assentado em impostos indiretos que penalizam mais que proporcionalmente os mais pobres. Isso significa que parte do que a política social consegue redistribuir pelo lado do gasto, perde pelo lado do seu financiamento. É por esse mo- tivo que a Visão Adequada do planejamento orçamentário propõe que se olhe o arranjo como um todo da política pública. Bem, então, para eu ir tentando encaminhar uma conclusão sobre esse ponto, diria que quando estamos falando de Planejamento Orçamen- tário, é preciso não apenas sair da ótica restrita do orçamento; é preciso olhar o orçamento como um instrumento mais geral do planejamento. Nessa perspectiva, recoloca-se em pauta a possibilidade de o Estado for- mular estrategicamente diretrizes de ação que se reverberam em políticas públicas, que engendram transformações efetivas. Como isso em mente, e contra o senso comum, ou contra aquilo que grande parte da mídia propa- gandeia sobre o Estado e o gasto público, etc., diria que, segundo a ótica da Visão Adequada do planejamento orçamentário, o gasto público no Brasil vem se realizando; a despeito dos problemas que obviamente ainda temos, com qualidade e com equidade crescentes; vale dizer: com um vetor de qualidade macroeconômica positivo, crescente e positivo; ou seja, nós estamos num percurso lento, etc., com muito ainda por ser feito, mas estamos num percurso de aperfeiçoamento dos procedimentos, das insti- tuições e da direcionalidade do gasto, isso é inequívoco, pelo menos no âmbito federal, feito o balanço empírico dessa última década (2003 a 2013). Olhando uma série de indicadores macroeconômicos, de finanças públicas, indicadores sociais e de mercado de trabalho, etc., isso se explica — linhas gerais — pelo fato de que o Brasil vive, hoje, uma fase de recali- bração do seu projeto nacional de desenvolvimento. Visto em perspectiva de médio prazo, podemos afirmar que o ideal de desenvolvimento hoje em voga no país não se resume apenas ao crescimento quantitativo do Produto Interno Bruto (PIB). Em outras palavras: não basta fazer crescer o PIB; é preciso fazer crescer o PIB de forma compatível com o fortalecimento do mercado interno e com a estruturação do seu mercado de trabalho; com redução das desigualdades sociais e regionais, erradicação da miséria, sus- tentabilidade produtiva, ambiental e humana; com aperfeiçoamento das instâncias representativas e participativas da sociedade, com respeito e garan- tia às conquistas e direitos republicanos e democráticos de modo geral, etc.
Planejamento governamental, orçamentação e administração pública no Brasil: 95 alavancas para o desenvolvimento sustentável Para tanto, urge uma nova agenda de Reforma do Estado; esta é uma expressão maldita, mas, sim, nós precisamos reformular o Estado, uma reforma do Estado que supere a visão negativista que se construiu do Esta- do, nesse país, ao longo dos últimos trinta anos; ou pelo menos durante aquele período de declínio do Estado, do Planejamento, que atravessa as décadas de 1980 e 1990, até começo dos anos 2000. Nós precisamos supe- rar a visão negativa do Estado, simplesmente porque não dá para fazer reforma do Estado achando que o Estado não presta; que o ele [o Estado] só tem problemas, o Estado é ineficaz, que o Estado é isso, que é aquilo... Afinal, não existe programa de desenvolvimento que prescinda da cen- tralidade do Estado na organização da Sociedade, na organização dos mer- cados privados, da vida coletiva, etc.; então há, sim, uma agenda de reformas importantes e pendentes, a maior parte de longa duração, mas que encon- tram, na conjuntura atual, boas razões para ser estruturalmente enfrentadas.
Planejamento, orçamento e administração pública no Brasil: os desafios no século XXI
Sem ser exaustivo, vou mencionar, rapidamente, alguns desafios nes- ses três campos (do Planejamento, do Orçamento e da Administração Pú- blica), que podem suscitar algum debate interessante entre nós, e mais que isso, podem ajudar a pautar o pensamento contemporâneo acerca da re- forma progressista, republicana, democrática, desenvolvimentista do Esta- do que precisamos levantar adiante. Antes de mais nada, é preciso combater traços históricos da Adminis- tração Pública brasileira, tais como: ( i ) patrimonialismo, paternalismo, personalismo, clientelismo; ( ii ) excesso de formalismo e isolamento buro- crático das organizações; ( iii ) modernização conservadora; ( iv ) fragilidade da gestão pública em áreas de contato direto com a população; ( v ) alta centralização burocrática; ( vi ) muita imitação de fórmulas e reformas es- trangeiras; ( vii ) déficit democrático nos processos decisórios de alto inte- resse da Nação; ( viii ) paralisia ou inércia decisória, etc. Ou seja, Reforma do Estado tem de enfrentar essa agenda histórica de problemas. Tornar o Estado apenas mais eficiente é fácil! Eu não au- mento salários, eu não reponho nem qualifico quadros, eu exijo mais do mesmo... Por outro lado, eu quero saber o seguinte: quais são as diretrizes para uma Reforma do Estado, tendo em vista a agenda de desenvolvimento
Planejamento governamental, orçamentação e administração pública no Brasil: 97 alavancas para o desenvolvimento sustentável No que toca ao Orçamento propriamente dito, há duas coisas espe- cialmente importantes: ( i ) é preciso elevar o nível de agregação das unida- des mínimas de execução do gasto público, idealmente para o plano estra- tégico dos objetivos ou metas do PPA; e ( ii ) é preciso aplicar tratamento diferenciado ao gasto público (em termos de planejamento, orçamentação, controle, gestão e participação), segundo a natureza efetiva e diferenciada das despesas, de modo que, por exemplo:
98 J. Celso Cardoso Jr.
talvez seja mais complicado de explicar aqui, por conta agora da falta de tempo. De toda forma, é algo que consiste, basicamente, em calibrar a lente com a qual vemos o orçamento, pois o tratamento convencional sa- cralizou algumas falsas dicotomias entre as categorias contábeis do custeio e do investimento. Ocorre que essa concepção está equivocada, entre ou- tros motivos, pelo fato de que o investimento de hoje vira custeio amanhã. Além disso, é preciso diferenciar “custeio intermediário” (pagamento de despesas correntes não finalísticas da administração pública) de “custeio finalístico” (pagamento de despesas correntes ligadas a atividades-fim da política pública), pois são duas categorias contábeis de natureza econômi- cas completamente diferentes entre si. Quanto ao investimento, há que se migrar para uma concepção plurianual de sua orçamentação e contabilização pública; simplesmente porque a natureza dessa categoria do gasto é discricionária e plurianual, ou, dito de outra forma, o investimento não é uma despesa de natureza necessariamente periódica, corrente, e em geral sua concretização ou finalização ultrapassa o calendário romano! E não há nada de sagrado que impeça os homens de readequarem o orçamento público à luz da natureza ou especificidades da categoria investimento.
Recuperação do planejamento em contexto democrático: que caminhos seguir?!
Em 2010, o Brasil realizou sua sexta eleição direta consecutiva para presidente da República. Ao longo de praticamente trinta anos (1980 a 2010), o país conformou uma das maiores e mais pujantes democracias do mundo, por meio da qual conseguiu proclamar nova Constituição Fede- ral, em 1988, estabilizar e legitimar nova moeda nacional, desde 1994, e testar satisfatoriamente a alternância de poder: tanto no Executivo e Legislativo em âmbito federal, como nos executivos e legislativos subna- cionais, em processo contínuo, coletivo e cumulativo de aperfeiçoamento institucional geral do país. Não obstante, a presença de tensões e recuos de várias ordens, é pos- sível avaliar como positiva a ainda incipiente e incompleta experiência democrática brasileira; indicação clara de que a dimensão de aprendizado político e social que lhe é inerente — e que apenas se faz possível em decor- rência do seu exercício persistente, ao longo do tempo — constitui-se na