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CAPÍTULO 3 OMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR ESTE CAPÍTULO DESTACA ma década atrás, a General Mills decidiu introduzir um novo cercal matinal no mercado. A nova marca, Apple-Cinnamon Checrios, cra uma variação mais doce e mais saborosa de um . cereal clássico da General Mills. No entanto, antes que essa nova 3.2 Restrições orçamentárias marca pudesse ser comercializada extensivamente, a empresa tinha . s Pós ' i a mas ; o) q 3.3 A escolha por parte do consumidor de resolver um importante problema: que preço deveria cobrar? Inde pendentemente da qualidade do novo cereal, sua lucratividade de- 3.4 Preferência revelada penderia da decisão de preço tomada. Saber que os consumidores pagariam mais por um novo produto não era suficiente. A questão era saber quanto a mais eles estariam dispostos a pagar. A General Mills j teve, portanto, de elaborar uma cuidadosa análise das preferências *3.6 Indices de custo de vida dos consumidores para determinar a demanda de Apple-Cinnamon Cheerios. O problema da General Mills na determinação das preferên- LISTA DE EXEMPLOS cias dos consumidores cera semelhante a um problema um pouco mais complexo enfrentado pelo Congresso dos Estados Unidos na avaliação do programa de tíquetes de alimentação. O objetivo do programa era oferecer às famílias de baixa renda tíquetes que pode- 3.2 Dinheiro compra felicidade? riam ser trocados por alimentos. No entanto, surgiu um problema na formulação do programa que complicava sua avaliação: até que ponto os tíquetes proporcionariam às pessoas mais alimentos, em 3.4 Poupança para educação vez de simplesmente subsidiar seus gastos usuais com alimentação? universitária Em outras palavras, será que o programa não acabaria se constituin- do em pouco mais do que mera renda suplementar, que seria gasta principalmente em itens não alimentícios, em vez de ser uma solu- 3.6 Utilidade marginal e felicidade ção para os problemas nutricionais dos pobres? Como no exemplo 3.7 Racionamento de gasolina do cereal, uma análise do comportamento do consumidor se faz ne- cessária. Nesse caso, o governo federal necessitava compreender de 3.8 O viés do IPC que forma os gastos com alimentação, em comparação com outras mercadorias, eram influenciados por variações nos níveis de renda e de preços. A solução desses dois problemas — um envolvendo política de empresas e outro envolvendo política pública — requer que se com- preenda a teoria do comportamento do consumidor: a explicação de como os consumidores alocam sua renda para a aquisição de mer- cadorias e serviços diversos. 3.1 Preferências do consumidor 3.5 Utilidade marginal e escolha por parte do consumidor 3.1 Projeto de um novo automóvel (I) 3.3 Projeto de um novo automóvel (II) 3.5 Preferência revelada na recreação COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR Como um consumidor com renda limitada decide que bens e serviços deve adquirir? Essa é uma questão fundamental em microe- conomia — e será tratada neste e no próximo capítulo. Veremos como os consumidores alocam sua renda entre bens, explicando, assim, como essas decisões de alocação de recurso determinam as deman- 56 | Parte PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS teoria do comportamento do consumidor Descri- cão de como os consumi- dores alocam sua renda, entre diferentes bens e ser- viços, procurando maximi- zar o próprio bem-estar. das de diversos bens e serviços. A compreensão das decisões de compras por parte dos consumidores nos ajudará a entender como as mudanças na renda e nos preços afetam a demanda de bens e servi- ços e por que a demanda de certos produtos é mais sensível do que a de outros às mudanças nos pre- ços e na renda. O comportamento do consumidor é mais bem compreendido quando examinado em três etapas: 1. Preferências do consumidor. A primeira etapa consiste em encontrar uma forma prática de descrever por que as pessoas poderiam preferir uma mercadoria a outra. Veremos como as preferências do consumidor por vários bens podem ser descritas gráfica e algebricamente. 2. Restrições orçamentárias. Obviamente, os consumidores devem também considerar os preços. Por isso, na segunda etapa levaremos em conta que os consumidores têm renda limita- da, o que restringe a quantidade de mercadorias que podem adquirir. O que um consumidor laz nessa situação? Encontraremos uma resposta para essa questão ao juntar suas preferên- cias e sua restrição orçamentária, na terceira etapa. 3. Escolhas do consumidor. Diante de suas preferências e da limitação de renda, os consumi- dores escolhem comprar as combinações de mercadorias que maximizam sua satisfação. Es- sas combinações dependerão dos preços dos vários bens disponíveis, Assim, entender as esco- lhas do consumidor nos ajudará a compreender a demanda — isto é, como a quantidade de bens que os consumidores podem adquirir depende de seus preços. Essas três etapas são básicas na teoria do consumidor, e serão discutidas em detalhes nas três pri- meiras seções deste capítulo. Depois, exploraremos alguns outros aspectos interessantes dessa teoria. Por exemplo, veremos como é possível determinar a natureza das preferências do consumidor a partir da observação de seu comportamento, Assim, se um consumidor escolhe um bem, em vez de um simi- lar de mesmo preço, podemos deduzir que ele prefere o primeiro. Conclusões desse tipo podem ser ob- tidas das decisões efetivas dos consumidores, as quais surgem em resposta a mudanças nos preços dos vários bens e serviços disponíveis para compra. Ao final do capítulo, retomaremos a discussão dos preços nominais c reais iniciada no Capítulo 1. Vimos que o Índice de Preços ao Consumidor fornece uma medida de como o bem-estar dos consumi- dores muda ao longo do tempo. Neste capítulo, exploraremos mais a fundo a questão do poder de com- pra, descrevendo um conjunto de índices que medem mudanças no poder de compra ao longo do tem- po. Como afetam os benefícios e os custos de numerosos programas de bem-estar social, tais índices são ferramentas significativas para o estabelecimento de políticas governamentais nos Estados Unidos. Como AGE O CONSUMIDOR? Antes de prosseguirmos, precisamos saber com clareza quais são nossas premissas a respeito do comportamento do consumidor e se elas são realistas. É difícil discordar da idéia de que os consumidores têm suas preferências entre os vários bens e serviços disponíveis, bem como da idéia de que enfrentam restrições orçamentárias que limitam seu poder de compra. Podemos, contudo, questionar a idéia de que os consumidores decidem comprar as combinações de bens e serviços capazes de maximizar sua satisfação. Será que os consumidores são tão racionais e bem informados quanto os economistas pensam? Sabemos que o consumidor nem sempre toma decisões de compra racionalmente. Às vezes, por exemplo, ele compra por impulso, ignorando ou não levando em conta suas restrições orçamentárias (e, assim, assumindo dívidas). Outras vezes, o consumidor não tem certeza de suas preferências ou é influenciado pelas decisões de consumo tomadas por amigos ou vizinhos, ou até mesmo por mudan- ças de humor. Além disso, ainda que o consumidor se comporte racionalmente, nem sempre vai con- seguir levar em conta, por completo, a multiplicidade de preços e escolhas com que se defronta dia- riamente. Nos últimos tempos, os economistas vêm desenvolvendo modelos para o comportamento do consumidor que incorporam premissas mais realistas sobre racionalidade e tomada de decisão. Essa área de pesquisa, chamada economia comportamental, tem sido extremamente influenciada por desco- bertas da psicologia e de campos relacionados. No Capítulo 5, discutiremos algumas das principais conclusões da economia comportamental. Por ora, queremos apenas deixar claro que nosso modelo básico para o comportamento do consumidor parte, necessariamente, de algumas premissas simpli- ficadoras. Mas também queremos enfatizar que esse modelo tem explicado, com imenso sucesso, muito do que se observa na prática quanto às escolhas do consumidor e às características da deman- da por parte dele. Assim, esse modelo é uma espécie de “pau para toda obra” da economia, ampla- mente usado não só por economistas, como também por profissionais de áreas relacionadas, como fi- nanças e marketing. 58 | Parte PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS curva de indiferença Curva que representa to- das as combinações de cestas de mercado que geram o mesmo nível de satisfação para um con- sumidor. consideração. Um consumidor poderia preferir bife a hambúrguer, porém compraria o se- gundo por ser mais barato. 2. Transitividade. As preferências são transitivas. Transitividade significa que, se um consumi- dor prefere a cesta de mercado A a Be prefere Ba €, então ele também prefere A a C. Por exem- plo, quando se prefere um Porsche a um Cadillac e um Cadillac a um Chevrolet, então tam- bém se prefere o Porsche ao Chevrolet. Em geral, a transitividade é encarada como necessária para a consistência das escolhas do consumidor. 3. Mais é melhor do que menos. Presumimos que todas as mercadorias são desejáveis. Con- sequentemente, os consumidores sempre preferem quantidades maiores de cada mercadoria * Assim, eles nunca ficam completamente satisfeitos ou saciados; mais é sempre melhor, mesmo quando se trata de um pouquinho a mais. Essa premissa é adotada por motivos didáticos: ela simplifica a análise gráfica. Certamente, algumas mercadorias poderão ser indesejáveis, como, por exemplo, aquelas que provocam a poluição do ar; os consumidores preferirão sempre menos delas. Ignoramos tais mercadorias “indesejáveis” no contexto de nossa presente discussão so- bre preferências, pois a maioria dos consumidores não escolheria adquiri-las. Contudo, ire- mos discuti-las mais adiante. Essas três premissas constituem a base da teoria do consumidor. Elas não explicam as preferên- cias do consumidor, mas lhe conferem certo grau de racionalidade e razoabilidade. Baseando-nos nes- sas premissas, passaremos, então, a analisar com maior nível de detalhamento o comportamento do consumidor. CURVAS DE INDIFERENÇA Podemos apresentar graficamente as preferências do consumidor por meio do uso das curvas de in- diferença. Uma curva de indiferença representa todas as combinações de cestas de mercado que fornecem o mes- mo nível de satisfação a um consumidor. Para ele, portanto, são indiferentes as cestas de mercado representa- das pelos pontos ao longo da curva. Admitindo-se nossas três premissas relativas a preferências, sabemos que o consumidor poderá sempre manifestar sua preferência por determinada cesta em relação a outra, ou ainda sua indiferença entre as duas. Essa informação poderá então ser utilizada para ordenar todas as possíveis alternativas de consumo. Para visualizarmos esse fato graficamente, vamos supor que existam apenas dois tipos de mercadorias disponíveis para consumo: Alimentos e Vestuário; nesse caso, a cesta de mercado descreve diferentes combinações desses dois tipos de mercadoria que uma pessoa poderia desejar adquirir. Como já vimos, a Tabela 3.1 oferece alguns exemplos de cestas de mercado, contendo quantidades variadas de alimentos e vestuário. Para apresentarmos a curva de indiferença do consumidor, é útil indicar primeiro suas preferên- cias particulares. A Figura 3.1 apresenta as mesmas cestas que se encontram na Tabela 3.1. O eixo ho- rizontal mede o número de unidades de alimento adquiridas semanalmente e o eixo vertical mede o nú- mero de unidades de vestuário. À cesta de mercado A, com 20 unidades de alimento e 30 unidades de vestuário, é preferível à cesta G, pois 4 contém mais unidades de ambos os bens (lembre-se de nossa ter- ceira premissa: maior quantidade é melhor do que menor quantidade). De modo similar, a cesta de mer- cado E, que contém ainda mais unidades de alimento e de vestuário, é preferível a A, De fato, podere- mos facilmente comparar todas as cestas de mercado das áreas sombrcadas (tais como E e G) com 4, porque clas contêm quantidades maiores ou menores de ambos os bens. Observe, porém, que B contém mais vestuário, mas menos alimento que 4. De maneira similar, D contém mais alimento, mas menos vestuário que 4, Assim, não são possíveis comparações entre a cesta de mercado 4 e as cestas B, De H sem que haja mais informações a respeito da ordenação [eita pelo consumidor. Essa informação adicional é fornecida pela Figura 3.2, que apresenta uma curva de indiferença com a designação U,, a qual passa pelos pontos A, Be D. Essa curva indica que para o consumidor é in- diferente a escolha entre qualquer uma dessas três cestas de mercado. Ela nos informa que, ao movi- mentar-se da cesta À para a cesta B, o consumidor não se sente nem melhor nem pior ao desistir de 10 unidades de alimento para obter 20 unidades adicionais de vestuário. Do mesmo modo, o consumidor mostra-se indiferente entre os pontos A e D (isto é, ele desistiria de 10 unidades de vestuário para obter 20 unidades adicionais de alimento). Por outro lado, o consumidor prefere 4 a H, que está localizado abaixo de U.. * Em inglês, os economistas empregam o termo 'não-saciedade” (nonsatiation) para denotar que os consumidores, segundo essa suposição, não ficam jamais saciados com o consumo de nenhum dos bens considerados (NT). Capítulo 3 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR Vestuário (unidades por semana) 50 .B eH 40 30 20 - e .D 10 E ] l ] l 10 20 30 40 — Alimento (unidades por semana) Figura 3.1 Descrevendo preferências individuais Como os consumidores preferem sempre maiores a menores quantidades de um bem, podemos comparar as cestas de mercado indicadas na área sombrcada. A cesta 4 é certamente preferida à cesta G, ao passo que a cesta E é preferível à 4. Entretanto, A não pode ser comparada a B, D ou H sem que haja informações adicionais. Vestuário (unidades por semana) 40 E=-———5 == 000 E === AR RR I I I I | 30 um mem o Co I I I 20 p===——— + ——— so a o o so a sos o osso o Ro 10 20 30 40 Alimento (unidades por semana) Figura 3.2] Uma curva de indiferença A curva de indiferença U, de um consumidor apresenta as cestas de mercado que fornecem o mesmo nível de satisfação da cesta A; isso inclui as cestas B e D. O consumidor prefere a cesta E, que está acima de U,, à cesta A, mas prefere 4 em relação a H ou 6, que estão abaixo de U,. CapítuLO 3 | COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 61 Vestuário (unidades por semana) U, Alimento (unidades por semana) Figura 3.4] Curvas de indiferença não podem se interceptar Se as curvas de indiferença U e U,se interceptassem, uma das premissas da teoria do consumidor seria vio- lada. De acordo com o diagrama, o consumidor seria indiferente às cestas 4, Be D, Entretanto, B é preferível a D, pois B contém quantidades maiores de ambas as mercadorias, deriva diretamente da suposição de que mais de um bem é melhor do que menos. Se houvesse uma cur- va de indiferença inclinada para cima, seria indiferente para o consumidor qualquer uma de duas ces- tas de mercado, mesmo que uma delas tivesse mais dos dois bens, ou seja, de alimento e vestuário, do que a outra. Como vimos no Capítulo 1, as pessoas têm de fazer escolhas, abrindo mão de um bem para ficar com outro. À inclinação de uma curva de indiferença mostra como o consumidor deseja substituir um bem pelo outro. Vejamos, por exemplo, a curva de indiferença da Figura 3,5, Partindo de uma cesta de mercado À e indo para uma cesta B, vemos que o consumidor deseja abandonar 6 unidades de vestuá- rio para obter 1 unidade extra de alimento. Entretanto, movimentando-se de B para D, ele se dispõe a desistir de apenas 4 unidades de vestuário para obter 1 unidade adicional de alimento e, ao se movi- mentar de D para E, ele sc dispõe a desistir de 2 unidades de vestuário para obter 1 unidade de alimento. Quanto mais vestuário e menos alimento uma pessoa adquirir, maior será a quantidade de vestuário de que ela estará disposta a desistir para poder obter mais alimento. Da mesma forma, quanto maior a quantidade de alimento, menor será a quantidade de vestuário de que ela estará disposta a desistir pa- ra obter mais alimento. TAXA MARGINAL DE SUBSTITUIÇÃO Para medir a quantidade de determinada mercadoria da qual um consumidor estaria disposto a desistir para obter maior número de outra, fazemos uso de uma medição denominada taxa marginal de substituição (TMS). A TMS de vestuário por alimento corresponde à quantidade máxima de unidades de ves- tuário das quais uma pessoa estaria disposta a desistir para poder obter uma unidade adicional de alimento. Se a TMS flor 3, então o consumidor estará disposto a desistir de três unidades de vestuário para obter uma unidade adicional de alimento, e, se a TMS for 1/2, ele, por conseguinte, estará disposto a desistir ape- nas de 1/2 unidade de vestuário. Assim, a TMS mede o valor que um indivíduo atribui a uma unidade extra de um bem em termos de outro. Observemos a Figura 3.5 novamente. Notemos que o vestuário aparece no eixo vertical e o alimen- to aparece no eixo horizontal. Quando trabalhamos com a TMS, devemos ter certeza de qual dos bens estamos desistindo e de qual estamos obtendo maior quantidade. Para sermos coerentes ao longo de to- do o livro, definiremos a TMS em termos da quantidade de mercadoria representada no eixo vertical de que o in- dividuo deseja desistir para obter uma unidade extra da mercadoria representada no eixo horizontal. Dessa forma, na Figura 3.5, a TMS se relere à quantidade de vestuário da qual o consumidor está disposto a desistir para obter uma unidade adicional de alimento. Sc indicarmos a variação em unidades de vestuário por AV e a variação em unidades de alimento por A4, a TMS poderá ser expressa por -AV/AA. O sinal nega- taxa marginal de substi- tuição [(TMS| Quanti- dade máxima de um bem que um consumidor desejo deixar de consu- mir para obter uma uni- dade adicional de um outro bem. 62 PARTE II PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS Vestuário (unidades por 16 [- semana ) l4 — 10 l 2 3 E 5 Alimento (unidades por semana) Figura 3.5 Taxa marginal de substituição A inclinação negativa da curva de indiferença traçada para dado consumidor é a medida de sua taxa mar- ginal de substituição (TMS) entre dois bens. Na figura, a taxa marginal de substituição entre vestuário e alimento cai de 6 (entre A e B) para 4 (entre Be D) para 2 (entre De E), até 1 (entre E e G). Quando a TMS diminui ao longo da curva de indiferença, a curva é convexa. tivo foi incluído para tornar a taxa marginal de substituição um número positivo (lembremo-nos que AV é sempre negativo, uma vez que o consumidor desiste do vestuário para obter mais alimento). Conseguentemente, a taxa marginal de substituição em qualquer ponto tem seu valor absoluto igual à inclinação da curva de indiferença naquele ponto. Na Figura 3.5, por exemplo, a TMS entre os pontos A e B é 6:0 consumidor descja trocar 6 unidades de vestuário por 1 unidade adicional de alimen- to. Entre os pontos B e D, porém, a TMS é 4: dadas essas quantidades de alimento e vestuário, o consu- midor deseja substituir somente 4 unidades de vestuário para obter 1 unidade adicional de alimento. CoNVEXIDADE Observemos também, na Figura 3.5, que a TMS cai conforme nos movemos para baixo na curva de indiferença. Isso não é mera coincidência. O declínio da TMS reflete uma característica im- portante das preferências dos consumidores. Para entendermos isso, acrescentaremos uma premissa, relativa às preferências do consumidor, às três apresentadas anteriormente neste capítulo: 4. Taxa marginal de substituição decrescente. Em geral, as curvas de indiferença são convexas, isto é, arqueadas para dentro. O termo convexo significa que a inclinação da curva de indiferença aumenta (isto é, torna-se menos negativa) à medida que nos movimentamos para baixo ao longo da curva. Em outras palavras, uma curva de indiferença é convexa quando a TMS diminui ao longo da mesma curva. À curva de indiferença da Figura 3.5 é convexa. Começando pela cesta de mercado À e percorrendo a curva até a cesta B, observamos que a TMS de vestuário por alimento é -AV/A 4 = —(—6)/1 = 6. Entretanto, quando começamos pela cesta de mercado E e percorremos a curva até a cesta de mercado D, a TMS cai para 4, Se, por outro lado, iniciarmos pela cesta de mercado D e formos até a E, a TMS será igual a 2, e, por fim, se começarmos pela cesta de mercado E e seguir- mos para G, a TMS será igual a 1. Quando aumenta o consumo de alimento, diminui a grandeza da inclinação da curva de indiferença, portanto a TMS também diminui.' No caso de preferências não convexas, a TMS sofre elevação quando aumenta a quantidade da mercadoria medi- da no eixo horizontal, ao longo das curvas de indiferença. Trata-se de uma possibilidade improvável que poderia ocorrer caso uma das mercadorias (ou ambas pudesse criar um vício. Por exemplo, o desejo de substituir outras mercadorias por um medicamento viciador poderia tornar-se maior à medida que fosse aumentando o consumo do medicamento, 64 | Partell PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS No Seção 2.1 foi mencio- nado que dois bens são complementos quando um aumento no preço de um deles produz uma re- dução na quantidade de- mandada do outro. complementos perfeitos Dois bens são complemen- tos perfeitos quando a taxa marginal de substituição entre eles for infinita; nesse caso, as curvas de indife- rença são ângulos retos. males Mercadorias que as consumidores preferem em menor quantidade em vez de maior quantidade. MaLEs* que uma quantidade maior de determinado produto era preferível a uma menor. No entanto, algumas coisas são males: quantidades menores desses males são melhores do que quantidades maiores. A poluição do ar é um mal; o amianto como isolante térmico é outro exemplo, Como considerar os males na análise das preferências do consumidor? unidades adicionais de sapatos direitos. Da mesma forma, a taxa marginal de substituição será infinita sempre que houver mais sapatos esquerdos do que sapatos direitos, uma vez que Jane desistirá de todos, menos um, do excedente de sapatos esquerdos que possui para poder obter um sapato direito adicional. Dois bens são complementos perfeitos quando as curvas de indiferença deles formam ângulos retos. Até agora, todos os nossos exemplos envolveram mercadorias que são “bens' = isto é, casos em A resposta é simples: redefinimos a mercadoria em questão de tal modo que os gostos do consu- midor sejam representados como preferências por quantidades menores desses males. Isso converte o mal em bem. Assim, por exemplo, em vez de uma preferência por ar poluído, trataremos de uma prefe- rência por ar puro, que podemos considerar como uma medida do grau de redução da poluição atmos- férica. De igual modo, em vez de enfocarmos o amianto como um mal, podemos considerar o bem cor- respondente, o qual, nesse caso, vem a ser a “ausência de amianto”. Com uma adaptação simples, as quatro premissas básicas da teoria do consumidor se mantêm, e estamos prontos para iniciar a análise das restrições orçamentárias do consumidor. Projeto de um novo automóvel (I) Imagine que você trabalha para a Ford Motor Com- pany e tem de ajudar a planejar novos modelos a serem lan- çados. Os novos modelos deveriam enfatizar o espaço inter- no ou a dirigibilidade? A potência do motor ou o consumo de combustível? Para decidir, seria bom você saber quanto as pessoas valorizam os diferentes atributos de um carro, tais como potência, tamanho, dirigibilidade, consumo de com- bustível, características do interior e assim por diante, Quan- Lo mais desejáveis os atributos, mais as pessoas estarão dis- postas a pagar pelo veículo. Por outro lado, quanto melhores os atributos, mais cara ficará a produção. Fabricar um automóvel com motor mais potente e mais cs- paço interno, por exemplo, sairá mais caro que fazer um com motor menor e menos espaço. Como a Ford deve escolher entre esses diferentes atributos e decidir qual deve ser enfatizado? A resposta depende, em parte, dos custos de produção, mas também das preferências do con- sumidor. Para descobrir quanto as pessoas estarão dispostas a pagar pelos distintos atributos, os eco- nomistas e os especialistas em marketing observam os preços que, na prática, as pessoas pagam por uma ampla gama de modelos com uma série de atributos. Por exemplo, se a única diferença entre dois carros é o espaço interno, e se o carro com 2 pés cúbicos (0,05 m”) adicionais é vendido por $1.000 a mais que seu concorrente menos espaçoso, isso significa que se atribui ao espaço interno o valor de $500 por pé cúbico. Avaliando as compras de carro num universo de muitos compradores e muitos modelos, podemos estimar os valores associados a cada atributo, não perdendo de vista que essas valorizações podem diminuir conforme porções maiores de cada atributo são incluídas no car- ro. Uma maneira de obter tais informações é conduzir pesquisas, nas quais se pergunte às pessoas sobre suas preferências quanto a vários automóveis com diferentes combinações de atributos. Outra maneira é analisar estatisticamente o histórico de compras de carros com atributos variados. Um estudo estatístico recente analisou uma ampla gama de modelos Ford com atributos varia- dos A Figura 3.7 descreve dois conjuntos de curvas de indiferença, derivadas de uma análise que al- ternava dois atributos: 0 tamanho interno (medido em pés cúbicos) e a potência (medida em cavalos- vapor) para típicos consumidores de autornóveis Ford. A Figura 3.7(a) descreve as preferências de típicos proprietários de cupês Ford Mustang. Como tendem a atribuir maior valor à potência que ao tama- nho, os proprietários de Mustang têm uma alta taxa marginal de substituição para tamanho versus potência; em outras palavras, para conseguir mais potência eles estão dispostos a abrir mão de uma bela dose de tamanho. Compare essas preferências às dos proprietários do Ford Explorer, mostradas na Figura 3.7(h). Estes têm uma TMS mais baixa e, consequentemente, abrem mão de uma dose considerável de potência em troca de um carro com interior mais espaçoso. * Tradução aproximada de hads (N.T.). “* Amil Petrin, “Quantifying the benefits of new products: the case of the Minivan”, Journal of Political Economy, v. IO 2002, p. 705-729, Gostaríamos de agradecer a Amil Petrin por fornecer, em parte, as informações empíricas deste exemplo. CapítuLO 3 | COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 65 Espaço (pés cúbicos) Espaço (pés cúbicos) 120 120 100 100 80 80 so so 40 50 100 150 200 250 ta) Potência (cavalos-vapor) 40 20 50 100 150 200 250 Potência (cavalos-vapor) (b) Figura 3.7 | Preferências por atributos de automóveis As preferências relativas aos atributos de um automóvel podem ser descritas por curvas de indiferença. Cada curva mostra a combina- ção de potência e espaço interno que fornece a mesma satisfação. Os proprietários de cupês Ford Mustang (a) estão dispostos a abrir mão de boa dose de espaço interno em troca de potência adicional. O oposto vale para os proprietários de Ford Explorer (b). UriiDADE Você deve ter percebido uma característica importante da teoria do comportamento do con- sumidor, tal como a apresentamos até agora: não foi necessário associar a cada cesta de mercado consumida um valor numérico indicador de satisfação. Por exemplo, em relação às três curvas de indiferença da Figura 3.3, sabemos que a cesta À (ou qualquer outra cesta na curva de indiferença U,) fornece maior nível de sa- tisfação do que qualquer cesta de mercado em U.,, tal como B. De modo semelhante, sabemos que as cestas de mercado em U, são preferíveis âquelas em U,. As curvas de indiferença permitem simplesmen- te descrever as preferências do consumidor graficamente, com base na suposição de que os consumido- res são capazes de classificar as alternativas. Podemos ver que a teoria do consumidor depende da suposição de que os consumidores podem [ornecer as classificações relativas das cestas de mercado. Entretanto, em geral é útil atribuir valores mu- méricos a cada cesta, Empregando essa abordagem numérica, podemos apresentar as preferências do consumidor atribuindo valores para os níveis de satisfação associados a cada curva de indiferença. Tal conceito é conhecido como utilidade. Na linguagem do cotidiano, a palavra utilidade tem um conjunto de conotações muito mais amplo, significando, grosso modo, “benefício” ou “bem-estar. Na verdade, as pessoas obtêm “utilidade” apropriando-se de coisas que lhes dão prazer e evitando coisas que lhes tra- zem insatisfação. Na linguagem dos economistas, o conceito de utilidade refere-se ao valor numérico que representa a satisfação que o consumidor obtém de uma cesta de mercado. Em outras palavras, utilidade é um re- curso usado para simplificar a classificação das cestas de mercado. Se a compra de três exemplares des- te livro o deixa mais feliz do que a compra de uma camisa, então dizemos que os livros têm mais utili- dade para você do que a camisa. FUNÇÕES DE UTILIDADE Uma função de utilidade é uma fórmula que atribui um nível de utilidade a ca- da cesta de mercado. Suponhamos, por exemplo, que a função de utilidade de Phil por alimento (A) e vestuário (V) seja u(A,V) = A + 2V. Nesse caso, uma cesta de mercado que tenha 8 unidades de alimen- to e 3 unidades de vestuário gerará uma utilidade de 8 + (2)(3) = 14, Para Phil, portanto, é indiferen- Le essa cesta de mercado ou uma outra cesta que contenha 6 unidades de alimento e 4 unidades de ves- tuário, pois [6 + (2)(4) = 14]. Por outro lado, qualquer uma dessas cestas é preferível a uma terceira que contenha 4 unidades de alimento e 4 unidades de vestuário. Por quê? Porque essa última cesta pro- porciona um nível de utilidade de apenas 4 + (4)(2) = 12. Atribuímos níveis de utilidade a cestas de mercado de tal modo que, se a cesta A é preferível à ces- ta B, 0 valor de 4 tem de ser maior que o de B. Por exemplo, uma cesta de mercado A situada na mais al- ta das três curvas de indiferença, ou seja, em U,, poderia ter um nível igual a 3; uma cesta B localizada na curva de indiferença intermediária, U,, poderia ter um nível igual a 2; e uma cesta D posicionada na curva de indiferença mais baixa, U,, poderia ter um nível igual a 1. Assim, uma [unção de utilidade for- nece a mesma informação sobre as preferências que o mapa de indiferença: ambos ordenam as escolhas do consumidor em termos de níveis de satisfação. utilidade Índice numéri- co que representa a satis- fação que um consumidor obtém com dada cesta de mercado. função de utilidade Re- lação matemática que as- socio niveis de utilidade a cestas de mercado indivi- duais. CapítuLO 3 | COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 67 há como sabermos a resposta. Como os valores numéricos são arbitrários, as comparações interpessoais de utilidade são impossíveis. Quando os economistas começaram a estudar o conceito de utilidade, eles tinham esperanças de que as preferências das pessoas pudessem ser facilmente quantificadas ou medidas em termos de uni- dades básicas, o que possibilitaria comparações interpessoais. Empregando essa abordagem, poderia- mos dizer que Maria obtém duas vezes mais satisfação do que João ao adquirir um exemplar deste li- vro. Ou, se descobrissemos que ter um segundo exemplar aumentaria para 10 o nível de utilidade de João, poderíamos dizer que seu nível de felicidade seria dobrado. Se os valores numéricos atribuídos às cestas de mercado tivessem esse tipo de significado, poderíamos dizer que eles fornecem uma classifi- cação cardinal das alternativas. Uma função de utilidade capaz de informar em que medida uma cesta é preferível a outra é chamada de função de utilidade cardinal, Diferentemente das funções ordinais, uma [unção de utilidade cardinal atribui às cestas de mercado valores numéricos que não podem ser ar- bitrariamente dobrados ou triplicados sem que isso altere as diferenças de valor das cestas. Infelizmente, não é possível afirmar se uma pessoa obtém duas vezes mais satisfação de um valor de mercado que de outro. Nem sabemos se uma pessoa obtém duas vezes mais satisfação do que outra ao adquirir a mesma cesta. (Você poderia afirmar que fica duas vezes mais satisfeito ao adquirir uma coi- sa qualquer do que outra?) Felizmente, essa restrição é pouco importante, Como nosso objetivo é enten- der o comportamento dos consumidores, basta saber como eles classificam as diferentes cestas. Assim, trabalharemos aqui exclusivamente com funções de utilidade ordinais. Essa abordagem é suficiente pa- ra compreendermos tanto como são tomadas as decisões dos consumidores individuais quanto o que is- so representa sobre as características das demandas desses consumidores. Dinheiro compra felicidade? Na economia, o termo utilidade representa uma medida da satisfação ou felicidade que os indi- víduos obtêm graças ao consumo de bens e serviços. Como uma renda maior nos permite consumir mais bens e serviços, dizemos que a utilidade aumenta com a renda. Mas será que rendas e consumos maiores realmente se traduzem em mais felicidade? De acordo com pesquisas que compararam várias medidas de felicidade em 49 países, nas décadas de 1980 e 1990, a resposta é um sim qualificado.” Em um dos estudos, montou-se uma escala ordinal de felicidade a partir da resposta à se- guinte questão: “Considerando tudo, como você diria que as coisas andam na sua vida — você di- ria que é muito feliz (nota 3), razoavelmente feliz (nota 2) ou nem tão feliz (nota 1)7 De 1994 a 1996, a nota média de felicidade foi de 1,92 para aqueles pertencentes aos 10% da camada mais baixa na distribuição de renda, 2,19 para aqueles da camada média da distribuição, e 2,36 para aqueles dos 10% da camada mais alta. Nos Estados Unidos, a população com renda mais alta (e mais dinheiro para gastar em bens e serviços) é mais feliz. Sabendo que há uma relação positiva entre utilidade e renda, torna-se plausível atribuir, às cestas de bens e serviços, valores de utilida- de associados a diferentes níveis de renda. Se essa relação pode ser interpretada como cardinal ou ordinal ainda é uma questão em debate. Levemos esse questionamento um pouco mais além. Será que é possível comparar níveis de fe- licidade entre as nações e dentro delas? Outra vez, os dados dizem que sim. Num levantamento sepa- rado entre os habitantes de 51 países, uma equipe de pesquisadores perguntou: “Considerando tu- do, em que medida você está satisfeito com sua vida atualmente?” Aqui, em vez de usar uma escala de três pontos, o levantamento pedia que as pessoas escolhessem numa gradação de dez pontos, na qualo | representava o nível mais baixo de satisfação, e o 10, o mais alto. A renda foi considerada segundo o produto nacional bruto per capita de cada país, medida em dólares norte-americanos. Os resultados aparecem na Figura 3.9, na qual cada ponto representa um país diferente. Como se vê, à medida que passamos dos países pobres, com rendas abaixo de $5.000 per capita, para aqueles com renda próxima de $10.000 per capita, a satisfação cresce substancialmente. Mas, quando ultrapassa- mos o nível de $10.000, o índice de satisfação sobe a uma taxa menor. Comparar países é difícil porque, em geral, há muitos outros fatores além da renda que expli- cam a satisfação (saúde, clima, ambiente político e direitos humanos, por exemplo). Além disso, é possível que a relação entre renda e satisfação seja uma estrada de mão dupla: embora a renda mais * Uma revisão dos principais textos que embasam este exemplo pode ser encontrada em Bruno S. Frey e Alois Stutzer, “what can economists learn from happiness rescarch?”, Journal of Economic Literature, vol. XI, jun. 2002, p. 402-425. * James A, Davis, Tom W. Smith e Peter V. Marsden, General social survey, 1972-2000: cumulative codebook. Storrs, CT: Roper Center for Public Opinion Rescarch, 2001, * Ronald E Inglehart et al. World values surveys and European values surveys, 1981]-84, 1990-93, 1995-97, ICPSR version. Ann Arbor, Institute for Social Rescarch, 2000. função de utilidade car- dinal | Função de utilida- de que informa em que medida uma cesta de mercado é mais ou me- nos preferivel a outra. Na Seção 3.1, explicamos que, enquanto os funções de utilidade cordinais des- crevem em que medida uma cesta de mercado é preferível a outra, as fun- ções de utilidade ordinais oferecem apenas uma classificação. PARTE II 68 PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS restrições orçamentárias Restrições que os consu- midores enfrentam como resultado do fato de suas rendas serem limitadas. linha do orçamento To- das as combinações de bens para as quais o total de dinheiro gasto é igual à renda. Satisfação 3m com a vida O] 8 . . º .* 4 ' lo ce ço: . e º e e ” º, 8 .. e º LA 6 o e . 5 — e* “ “ ef 4 e 3 | | | I | | ] 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 PNB per capita, em dólares de 1995 Figura 3.9) Renda e felicidade Uma comparação entre países mostra que os habitantes de nações com PNB per capita mais alto são, na mé- dia, mais felizes que os habitantes de nações com PNB per capita mais baixo. alta gere mais satisfação, mais satisfação oferece mais motivação para que as pessoas trabalhem du- ro e, assim, gerem rendas mais altas. E interessante que, mesmo quando os estudos levam em conta outros fatores, a relação positiva entre renda e satisfação permanece. K Ry8 RESTRIÇÕES ORCAMENTÁRIAS Até o presente momento enfocamos somente a primeira parte da teoria do consumidor. Vimos co- mo as curvas de indiferença (ou, alternativamente, as funções de utilidade) podem ser usadas para des- crever como os consumidores avaliam as diversas combinações de cestas de mercadorias. Agora, vamos desenvolver a segunda parte da teoria do consumidor: as restrições orçamentárias que cles enfren- tam por dispor de renda limitada. LINHA DO ORÇAMENTO Para analisarmos de que forma a restrição orçamentária limita as escolhas de um consumidor, consideremos uma situação na qual ele disponha de uma renda fixa, 1, que possa ser gasta com alimen- to e vestuário. Indicaremos por 4 a quantidade adquirida de alimento e por Va quantidade adquirida de vestuário. Os preços das duas mercadorias serão indicados por P,e por P,. Então, P,A (isto é, o preço do alimento multiplicado por sua quantidade) corresponde à quantidade de dinheiro gasta com alimenta- ção, e P,V refere-se à quantidade de dinheiro gasta com vestuário. A linha do orçamento indica todas as combinações de A e V para as quais o total de dinheiro gasto seja igual à renda disponível. Uma vez que no exemplo existem apenas duas mercadorias (e ignorando a pos- sibilidade de que se poupe), o consumidor despenderá a totalidade de sua renda com alimento e vestuá- rio. Como resultado, as combinações desses dois bens que ele poderá adquirir são dadas pela expressão: PA+PV=I (3.1) Por exemplo, suponhamos que determinado consumidor possua uma renda semanal de 580, que o preço do alimento seja $1 por unidade e que o preço do vestuário seja $2 por unidade. A Tabela 3.2 apresenta as diversas combinações de alimento e vestuário que ele poderá adquirir semanalmente com $80. Se todo o seu orçamento fosse dirigido ao vestuário, o máximo que ele poderia adquirir seria 40 unidades (ao preço de $2 por unidade), conforme representado pela cesta de mercado A. Caso ele des- pendesse todo o seu orçamento com alimento, poderia adquirir um total de 80 unidades (a $1 por uni- dade), conforme representado pela cesta de mercado G. As cestas de mercado B, D e E mostram três for- mas adicionais pelas quais os $80 poderiam ser gastos com alimentação e vestuário. 70 PARTE II PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS trocadas sem que a quantidade total de dinheiro gasto seja alterada. O intercepto (1/P,) com o eixo ver- tical representa a maior quantidade de V que pode ser adquirida com a renda 7. Finalmente, o intercep- to (1/P,) com o eixo horizontal representa a maior quantidade de A que pode ser adquirida caso toda a renda seja gasta com À. EFEITOS DAS MODIFICAÇÕES NA RENDA E NOS PREÇOS Já vimos que a linha do orçamento depende da renda 7 e dos preços P,e P, das mercadorias. To- davia, os preços e a renda frequentemente sofrem modificações. Vejamos, então, como tais modificações poderão influenciar a linha do orçamento. MODIFICAÇÕES NA RENDA O que ocorre com a linha do orçamento quando acontecem modificações na renda? A partir da equação da linha reta 3.2, podemos observar que uma modificação na renda alte- ra o ponto de intersecção da reta com o eixo vertical, mas não muda sua inclinação (pois nenhuma mercadoria teve seu preço modificado). A Figura 3.11 mostra que, se a renda for duplicada (passan- do de $80 para $160), a linha do orçamento desloca-se para a direita (passando de L para L,). Obser- ve, contudo, que L, permanece paralela a £,. Nosso consumidor poderia agora duplicar as quantida- des adquiridas tanto de alimento como de vestuário. Da mesma forma, caso a renda fosse reduzida à metade (passando de 580 para $40), a linha do orçamento seria deslocada para a esquerda, passando de LparaL,. MODIFICAÇÕES NOS PREÇOS O que ocorre com a linha do orçamento caso o preço de uma mercadoria se- ja modificado, mas o preço da outra mercadoria permaneça o mesmo? Podemos utilizar a equação V = (/P,) = (PP,JA para descrever os cfeitos de uma modificação no preço do alimento sobre a linha do or- çamento, Suponhamos que o preço do alimento seja reduzido à metade, caindo de $1 para 80,50, Des- sa forma, a intersecção da linha do orçamento com o eixo vertical permaneceria inalterada, mas a incli- nação se modificaria, passando de -P /P,= -S1/S2 = $1/2 para —$0,50/82 = -$1/4, Na Figura 3.12, po- demos obter a nova linha do orçamento L, por meio de uma rotação da linha original L, para a direita, a partir de seu ponto de intersecção com V, Essa rotação faz sentido, pois uma pessoa que adquira apenas vestuário e nenhuma alimentação não será influenciada por tal modificação de preço. Entretanto, um in- divíduo que adquira uma quantidade substancial de alimento terá seu poder aquisitivo ampliado. Em consequência do declínio no preço do alimento, a quantidade máxima de alimento que pode ser adqui- rida dobrou. Vestuário (unidades por semana) qn 60 40 20 40 so 120 160 Alimentação (unidades por semana) Figura 3.11] Efeitos de uma modificação na renda sobre a linha do orçamento Uma mudança na renda (com os preços inalterados) causa um deslocamento paralelo na linha do orçamento original (L,). Quando a renda de $80 (L,) aumenta para $160, a linha do orçamento passa a ser L, (ficando à direita de L,). Se diminui para $40, a linha se desloca para a esquerda (L,). Capítulo 3 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 71 Vestuário (unidades por semana) 40 40 80 120 160 Alimentação (unidades por semana) Figura 3.12] Efeitos de uma modificação no preço sobre a linha do orçamento Uma mudança no preço de um dos bens (com a renda inalterada) provoca uma rotação na linha de orçamen- to em torno da intersecção. Quando o preço do alimento cai de S1 para S0,50, a linha de orçamento gira de L,até L,. No entanto, se o preço aumenta de $1 para $2, a linha de orçamento gira de L até L,. Por outro lado, quando o preço do alimento duplica, passando de $1 para $2, a linha do orçamen- to faz uma rotação para a esquerda, passando para L,, de tal modo que o poder aquisitivo das pessoas é reduzido. Mais uma vez, um indivíduo que apenas adquira vestuário não será afetado por tal aumento de preço. O que ocorreria caso os preços de ambas as mercadorias, alimento e vestuário, sofressem modifi- cações, mas de tal forma que a razão entre os dois preços permanecesse inalterada? Pelo fato de a incli- nação da linha do orçamento ser igual à razão entre os dois preços, a inclinação permaneceria a mesma. O ponto de intersecção da linha do orçamento se deslocaria de tal forma que a nova linha se manteria paralela à linha anterior. Por exemplo, caso os preços de ambas as mercadorias fossem reduzidos à me- tade, a inclinação da linha do orçamento não sofreria alteração; os valores correspondentes a seus pon- tos de intersecção com os eixos vertical e horizontal, porém, seriam duplicados, de tal modo que a linha do orçamento seria deslocada para a direita. Tal fato nos dá alguma informação sobre os determinantes do poder aquisitivo do consumidor — ou seja, sua possibilidade de adquirir mercadorias e serviços. Seu poder aquisitivo é determinado não ape- nas por sua renda, mas também pelos preços. Por exemplo, o poder de compra do consumidor poderia ser dobrado tanto em virtude da duplicação de sua renda como de uma redução, pela metade, de todos os preços das mercadorias que ele viesse a adquirir. Por lim, consideremos o que poderia ocorrer se tudo fosse duplicado — os preços, tanto do alimen- to como do vestuário, e também a renda do consumidor. (Tal fato poderia ocorrer em uma economia com inflação.) Pelo fato de ambos os preços terem duplicado, a razão entre os preços não seria alterada, portanto a inclinação da linha do orçamento também não sofreria nenhuma modificação. Em razão de o preço do vestuário ter duplicado, da mesma forma que a renda, a quantidade máxima de vestuário que poderia ser adquirida (representada pela intersecção entre a linha do orçamento e o eixo vertical) permaneceria inalterada. O mesmo ocorre com a alimentação. Por conseguinte, uma inflação na qual todos os preços e níveis de renda proporcionalmente se elevassem não influenciaria a linha do orçamen- to ou o poder aquisitivo do consumidor. BERNA ESCOLHA POR PARTE DO CONSUMIDOR Dadas as preferências e as restrições orçamentárias, podemos então determinar como os consu- midores escolhem quanto comprar de cada mercadoria. Estamos supondo que eles façam essa escolha de maneira racional; com isso queremos dizer que eles decidem a quantidade de cada bem visando q maximizar o grau de satisfação que poderão obter, considerando o orçamento limitado de que dispõem. A cesta de mercado maximizadora deverá satisfazer duas condições: 1. Deverá estar sobre a linha do orçamento. Para visualizar a razão disso, observe que qual- quer cesta situada à esquerda e abaixo da linha do orçamento deixaria disponível uma par- CapítuLO 3 | COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 73 ser igual à inclinação da curva de indiferença com sinal negativo, podemos afirmar que o grau de satis- fação é maximizado (considerando-se a restrição orçamentária) no ponto em que: TMS = PP, (33) Esse é um resultado importante: a satisfação é maximizada quando a taxa marginal de substituição (de V por 4) é igual à razão entre os preços (de A sobre V). Assim, o consumidor poderá obter seu máximo grau de satisfação ajustando seu consumo das mercadorias A e V de tal forma que a TMS seja igual à ra- zão entre os preços. A condição dada pela equação 3.3 é um exemplo de situação de otimização que surge em econo- mia. Nesta, em particular, a maximização é atingida quando o benefício marginal = o benefício asso- ciado ao consumo de uma unidade adicional de alimento — é igual ao custo marginal - o custo da uni- dade adicional de alimento. O benefício marginal é medido pela TMS. No ponto A ele é igual a 1/2 (o grau da inclinação da curva de indiferença), o que significa que o consumidor estaria disposto a desis- tir de 1/2 unidade de vestuário para poder obter 1 unidade de alimento. No mesmo ponto, o custo mar- ginal é medido por meio do grau da inclinação da linha do orçamento; ele também é igual a 1/2, pois o custo de uma unidade adicional de alimento corresponde à desistência de 1/2 unidade de vestuário (so- bre a linha do orçamento, P = Ie P,=2). Caso a TMS seja menor ou maior do que a razão entre os preços, a satisfação do consumidor não estará sendo maximizada. Por exemplo, compare o ponto B da Figura 3.13 com o ponto 4. No ponto B, o consumidor estaria adquirindo 20 unidades de alimento e 30 unidades de vestuário. A razão entre os preços (ou custo marginal) é igual a 1/2, pois a unidade de alimento custa $1 e a unidade de vestuário custa 82. Contudo, a TMS (ou benefício marginal) é maior do que 1/2 (é de aproximadamente 1). Con- sequentemente, o consumidor estaria disposto a substituir uma unidade de alimento por uma unidade de vestuário, sem perda de satisfação. Pelo fato de o primeiro estar mais barato do que o segundo, seria de seu interesse adquirir mais alimento e menos vestuário. Se o consumidor adquirisse uma unidade a menos de vestuário, por exemplo, aqueles $2 poderiam ser reservados para a aquisição de duas unida- des de alimento, quando apenas uma unidade seria necessária para manter seu nível de satisfação. A realocação do orçamento continua dessa forma (percorrendo-se a linha do orçamento), até que se atinja o ponto À, pois em A a razão entre os preços de 1/2 iguala-se exatamente à TMS de 1/2. Isso sig- nificaria que nesse ponto nosso consumidor estaria disposto a trocar uma unidade de vestuário por duas unidades de alimento. Somente quando ocorre a condição: TMS = 1/2 = P,/'P, é que o consumidor está maximizando sua satisfação. O resultado em que o valor da TMS é igual à razão entre os preços tem um poder analítico enga- nador. Imagine dois consumidores diferentes que tenham acabado de adquirir diversas quantidades de alimento e vestuário. Se os dois estivessem maximizando sua satisfação, você poderia dizer o valor de suas respectivas TMS observando os preços das duas mercadorias. O que você não poderia dizer, entre- tanto, seria a quantidade comprada de cada mercadoria, pois isso é determinado pela preferência indi- vidual de cada consumidor. Caso os dois consumidores tivessem gostos diferentes, cles poderiam con- sumir quantidades diferentes dos dois bens, mesmo havendo igualdade entre suas TMS. Projeto de um novo automóvel (Il) A análise feita da escolha do consumidor permite-nos visualizar como as diferentes preferên- cias dos grupos de consumidores quanto a automóveis podem aletar sua decisão de compra. Acom- panhando o Exemplo 3.1, consideraremos aqui dois grupos de consumidores que pensam em com- prar um carro novo. Imagine que cada consumidor tem uma verba total de $ 20.000 para a compra, mas decidiu destinar $10.000 ao espaço interno e à potência, e os $ 10.000 restantes a todos os ou- tros atributos do veículo novo. Cada grupo tem, porém, diferentes preferências no que diz respeito a tamanho e potência. A Figura 3.14 mostra a restrição orçamentária para os indivíduos em cada grupo. O primeiro grupo, composto por proprietários típicos de cupês Ford Mustang, com preferências similares âquelas descritas na Figura 3.7(a), valorizam mais a potência que o espaço. Encontrando o ponto de tangên- cia entre uma curva de indiferença do indivíduo típico e a linha do orçamento, vemos que os consu- midores desse grupo preferem comprar um carro cujo atributo de potência valha 87.000 e cujo atri- buto de espaço valha $3.000. Os indivíduos do segundo grupo - formado pelos típicos usuários de Ford Explorer -, entretanto, preferem carros cuja potência valha 82.500 e cujo espaço valha 87.500. “O primeiro conjunto de curvas de indiferença para o cupê Ford Mustang assumirá a seguinte Torma: U (nível de utilidade) = 4, (constante) + h,*S (espaço em pés cúbicos) * b,*5º + b *H (cavalo-força) + b,/*Hº + b,*0 (uma lis- ta de outros atributos). Cada curva de indiferença representa as combinações de S e H que geram o mesmo nível de utilidade. A relação análoga para o Ford Explorer terá a mesma forma, mas bs diferentes. benefício marginal Be- nefício propiciado pelo consumo de umo unidade adicional de determinada mercadoria. custo marginal Custo de uma unidade adicio- nal de determinada mer- cadoria. 74 | Parte PRODUTORES, CONSUMIDORES E MERCADOS COMPETITIVOS Tamanho Tamanho (pés cúbicos) (pés cúbicos) S10,000 83.000 $10.000 $7.500 $7.000 $10.000 42.500 $10.000 Potência (cavalos-força) Potência (cavalos-força ) ta) (b) Figura 3.14] Escolha do consumidor por atributos de automóveis Os consumidores em (a) estão dispostos a abrir mão de uma considerável dose de espaço interno para obter algum desempenho adicional, Dada a restrição orçamentária, eles escolherão um automóvel em que a potência se destaque. O oposto é válido para os consumidores em (Db). solução de canto Situa- ção na qual a taxa mar- ginal de substituição por determinado bem em uma cesta de mercado não é igual à inclinação da linha do orçamento. Para simplificarmos as coisas, neste exemplo consideramos apenas dois atributos. Na prática, um fabricante de automóveis usará pesquisas estatísticas e de marketing para saber o valor que di- ferentes grupos de consumidores dão a um amplo conjunto de atributos. Combinando os resultados com informações sobre como esses atributos afetarão os custos de produção, o fabricante pode ela- borar um plano de produção e marketing. No contexto de nosso exemplo, uma opção potencialmente lucrativa seria atingir os dois gru- pos de consumidores: para tanto, a solução seria Tabricar um modelo com potência ligeiramente in- ferior à preferida pelo grupo da Figura 3.14(4). Uma segunda opção seria produzir um número rela- tivamente grande de carros nos quais o tamanho se destacasse e, em paralelo, um número menor que privilegiasse a potência. Conhecer as preferências de cada grupo (isto é, as curvas de indiferença reais), bem como o número de consumidores em cada um, ajudaria a empresa a tomar uma decisão sensata. De fato, um exercício similar ao que descrevemos aqui foi executado pela General Motors, que pesquisou um extenso universo de compradores de carro Alguns dos resultados já cram esperados: famílias com crianças, por exemplo, tendiam a preferir funcionalidade a estilo; assim, compravam mais mi- nivans que sedãs ou modelos esportivos. Famílias que viviam em área rural, por outro lado, tendiam a comprar picapes e veículos 4 x 4. E o mais interessante foi a descoberta de uma forte correlação entre idade e preferências por determinados atributos. Consumidores mais velhos tendiam a prefe- rir automóveis grandes e pesados, com mais itens de segurança e acessórios (vidros elétricos e transmissão automática, por exemplo). Os mais jovens, por sua vez, estavam atrás de mais potên- cia e modelos com design marcante. SOLUÇÃO DE CANTO Às vezes, pelo menos dentro de certas categorias de bens, as escolhas do consumidor são extre- mas. Por exemplo, algumas pessoas não gastam um centavo com viagens e entretenimento. A análise das curvas de indiferença pode ser utilizada para revelar em que condições os consumidores optam por não consumir determinada mercadoria. Na Figura 3.15, um homem que se defronta com a linha de orçamento AB opta por adquirir ape- nas sorvete (8) e nenhuma quantidade de iogurte (1). Essa decisão reflete o que se denomina solução de canto: quando uma das mercadorias não é consumida, a cesta adquirida é indicada no canto do grá- “ A elaboração da pesquisa e de seus resultados são descritos em Steven Berry James Levinsohn e Ariel Pakes, “Differentiated products demand systems from a combination of micro and macro data: the new car market”, National Bureau of Economic Research Working Paper 6481, mar. 1998,