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pascal aborda la ciencia ebte la r
Tipologia: Resumos
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Blaise Pascal nasceu em Clermont em 1623. Genio precocissimo, inclinado a matematica e a ciencia, com 16 anos escreveu um Tratado das cbnicas, muito apreciado, mas que se perdeu; com 18 anos inventou a "maquina aritmetica", a primeira maquina calculadora, e com 23 inventou a experiencia do vazio, demons- trando que todos os fenamenos ate entao atribuidos ao vazio do, ao contrario, causados pel0 peso do ar. Em 1646, em um periodo de convalescenqa do pai, Pascal entrou em contato com dois medicos que o fizeram conhecer as obras do abade de Saint-Cyran, pelas quais ele se converteu e "foi conduzido a Deus" junto com toda a sua familia: e a "primeira conversZio" de Pascal, e seu primeiro contato com Port-Royal. Em 1651 morreu o pai, seu unico verdadeiro mestre, e em 1652 sua irma Jacqueline entrou em Port-Royal para ser freira. ointeresse Depois de breve "periodo mundano", atingido entre outras coi- cientifico; sas por uma cefaleia quase insuportavel, Pascal foi atingido na^ as^ duas conversdes; noite de 23 de novembro de 1654 por uma profunda iluminaqao (^) a
conversao", seguida pela decisao de deixar toda atividade mun- (^) + 5 1- dana. Entre 1655 e 1656 passou algumas semanas com os Solitaires de Port-Royal, doravante sob a tempestade da polemica antijansenista. Em defesa dos jansenistas e em polemica contra o laxismo moral dos jesuitas, escreveu sob pseud6nimo as Provinciais, dezoito cartas das quais a ultima data de 24 de marqo de 1657: a Con- gregac;%odo Index condenou a obra em setembro do mesmo ano. Entrementes, ele tentava realizar o projeto de uma Apologia do cristianismo, cujos fragmentos foram recolhidos e ordenados nos Pensamentos (1669). Morreu em 19 de agosto de 1662.
da razgo, deu sinais de intelighcia extraor- diniria, seja com pequenas respostas dadas a proposito de diversas coisas, seja com Blaise Pascal nasceu em Clermont, em certas perguntas sobre a natureza das coisas 19 de junho de 1623. Na biografia de Pascal, que^ surpreendiam^ a^ todos.^ Essa^ aurora^ de escrita por sua irma Gilberte Pkrier, podemos belas esperanqas^ nunca^ foi^ desmentida. Com
efeito, com o passar dos anos, crescia nele a forqa do raciocinio, de forma que era muito
caqio do jovem Pascal foi obra de seu pai, como revela Gilberte: "Meu irmio nunca foi ao coligio e nunca teve outros mestres alCm de meu pai". Etienne Pascal, o pai de Blaise, deixou Clermont em 1631 e transferiu-se para Paris, tambim com a intenqio de cuidar melhor da educaq5o dos filhos. Nos primeiros tempos de seu period0 parisiense, Blaise descobriu sozinho a geometria, "indo t i o depressa e impelindo suas pesquisas t i o adiante que
do primeiro livro de Euclides". 0 matematico La Pailleur, amigo do pai de Pascal, ficou impressionado com a genialidade precoce do jovem e o introdu- ziu no ceniculo cientifico (a "acadtmie") do padre Marin Mersenne, cenaculo fre- qiientado por fisicos e matematicos como Desargues, Roberval e Gassendi. 0 cenacu- lo reunia-se urna vez por semana e ouvia um relato de algum dos socios, ou entio urna comunicaqio cientifica de varios cientistas correspondentes, como Descartes, Fermat,
se inspirava o cenaculo do padre Mersen-
da pesquisa cientifica fundada na expe- riincia e n i o nas especulaqoes metafisicas. Pois bem, como diz ainda Gilberte, nesse cenhculo "meu irmio correspondia plena- mente ao seu papel, tanto no exame dos trabalhos alheios como na produqio; com efeito, era um daqueles que freqiientemente aportava fatos novos. Naquelas reunioes, tambim eram examinados com bastante freqiiincia trabalhos que vinham da Ale- manha e de outros paises estrangeiros, e o seu juizo era ouvido com atenqio maior do que o dos outros, porque tinha urna intuiqio t i o lucida que conseguia descobrir defeitos dos quais os outros n i o se haviam apercebido". Aos dezesseis anos, sempre segundo
que se dizia que, depois de Arquimedes, n i o se havia visto nada de t5o poderoso". Pascal n i o publicou a obra, que acabou se perdendo. Dela nos resta um fragment0 de urna copia feita por Leibniz (que conseguiu o manuscrito inteiro com o sobrinho de Pascal, Etienne Pirier). Aos dezoito anos, Pascal inventou "aque- la maquina aritmitica com a qual se fazem todas as espCcies de operaqtjes, n i o apenas sem lapis e sem jetom, mas tambim sem saber qualquer regra de aritmCtica e com infalivel seguranqa". E comenta a irmi de Pascal: "Essa invenqio foi considerada urna coisa nova na natureza, no sentido que re- duz a mecanismo urna cicncia que reside inteiramente na mente e apresenta um meio para realizar todas as operaqoes com total certeza, sem necessidade de raciocinio." Trata-se da primeira maquina calculadora, idealizada por Pascal para ajudar o pai, que estava assoberbado de trabalho em Ruio, onde era "comissario deputado de Sua Majestade na Alta Normandia, para a imposiqio e coleta de impostos". Pascal empregou aproximadamente dois anos na montagem da maquina, em virtude das dificuldades encontradas pelos artesiios e limadores. Em 1645 solicitou a patente para a sua maquina, que foi concedida em 1649. Pascal continuou a aperfeiqoar sua invenqio. 0 ultimo modelo da maquina, chamada de "pascalina", data de 1652 e esta conserva- do at6 hole no Conservatorio Nacional das Artes e Oficios de Paris. Ainda na biografia escrita por Gilberte PCrier, podemos ler: "Aos vinte e tris anos, tomando conhecimento da experiincia de Torricelli, inventou e realizou outra, que foi
monstra claramente que todos os fenBmenos at6 entio atribuidos ao vacuo, na verdade sio causados pel0 peso do ar". Ficou cilebre o experiment0 que Pascal fez realizar por seu cunhado Pirier no Puy-de-DBme em 19 de setembro de 1648, atraves do qual de- monstrou que a pressio da atmosfera sobre a coluna de mercurio de um barbmetro torri- celiano diminui com o aumento da altitude.
qual s6 nos restam poucos fragmentos. Nesse mesmo ano de 1651, morreu o pai de Pascal. Em janeiro do ano seguinte, Jacqueline ingressou em Port-Royal, onde tomou o vCu no mis de maio. Gilberte co- menta: "Como minha irmi tinha um grande
172 Terceira parfe - Pascal e Vico como antes se havia servido de meu irmio para tirar minha irmi dos seus compromis- sos mundanos." Pascal via freqiientemente Jacqueline - que havia pronunciado seus votos em 5 de junho de 1653 -, que foi quem o convenceu a deixar o mundo e todas as conversaqoes mundanas. E, aos trinta anos. Pascal decidiu mudar de vida.
mundano" (ao qua1 remontaria o Discurso sobre as paixoes do amor, descoberto em 1843 por Victor Cousin e por ele atribuido a Pascal), deu-se a "segunda conversio" de Pascal, a que C atestada pel0 famoso Memorial. Todavia, antes de passar a esse Memo- rial, seria bom pel0 menos acenar a "primei- ra conversio", que p6s Pascal em contato com Port-Royal. Em 1646, o pai de Pascal caiu sobre o gelo e fraturou uma perna. Foi confiado aos cuidados de dois midicos competentes, Deslandes e De la Bouteillerie, que permaneceram durante trts meses na casa de Pascal. Quem conta C Marguerite Pirier, sobrinha de Pascal: "Esses senhores tinham tanto zelo e tanta caridade pel0 bem espiritual do proximo quanto tinham pela saude c o r ~ o r a l .Eles notaram em meu av6 e em toda a sua familia muito espirito e, con- siderando como grande prejuizo que tantos talentos fossem empregados unicamente nas cisncias humanas, de que sabiam muito bem a inutilidade e a futilidade, empenharam-se junto a Pascal, meu tio, para induzi-lo a lei- tura de livros de s6lida piedade e para fazer com que lhe agradassem. E o conseguiram plenamente. Com efeito, como tinha espirito bem formado e otimo e, embora muito jo- vem, nunca se entregara a todas as loucuras da juventude, Pascal conheceu o bem, o sentiu, o amou e o abraqou. E quando aque- les senhores o ganharam para Deus, com ele ganharam toda a minha familia. Com efeito, t i 0 logo meu av6, depois daquela grave doenqa, comeqou a ficar em condiqoes de dedicar-se a alguma coisa, seu filho, que comeqava a gostar de Deus, fez com que ele tambCm o amasse, bem como minha tia, sua irmi, que ficou t i 0 intimamente convencida aue decidiu entiio deixar o mundo e tornar-se religiosa [. ..I. Depois, todos conheceram o santo cura (o doutor Guillebert. cura de Ron- ville, amigd e discipulo de saint-cyran), que havia atraido para Deus aqueles dois senho- res de que Deus se serviu para iluminar toda a nossa familia, e colocaram-se sob a guia desse santo homem, que os conduziu para Deus de mod0 admiravel". Assim, foram os dois mCdicos que colocaram nas miios de Pascal as obras de Saint-Cyran, atravts das quais ele foi convencido. E essa 6 a chamada "primeira conversio" de Pascal. Ja a "segunda conversio" realizou-se em 1654, quando Pascal decidiu deixar o mundo. Nesse mesmo ano, ele publicou o Tratado sobre o equilibrio dos liquidos, o Tratado sobre o peso da massa de ar e o Tratado do tri2ngulo aritme'tico, alCm de manter correspondihcia com Fermat sobre questties de calculo da probabilidade. Nesse meio tempo, em setembro, Pascal visitou Jacqueline em Port-Royal e confiou-lhe que, "embora em meio i s suas grandes ocupaqoes e i s coisas do mundo que mais podiam contribuir para fazg-lo amar", sentia "grande desprezo pel0 mundo e desgosto quase intoleravel pelas pessoas que nele vivem". Na noite de 23 de novembro de 1654, foi atingido por profunda e fulgurante iluminaqao religiosa, escrevendo entio o Memorial, que durante o resto de sua vida manteve costurado em sua roupa, de onde um seu empregado o retirou alguns dias depois de sua morte. Esse Memorial comeqa com a invo- caqao ao "Deus de Abraio, Deus de Isaac, Deus de Jaco", e se encerra com estas pala- vras que se tornaram cilebres: "Jesus Cristo. Jesus Cristo. Eu dele me havia separado; eu o afastei, o reneguei e o crucifiquei. Que nunca mais dele me separe. Que so permaneqa nos caminhos ensinados pel0 Evangelho. Renuncia total e doce. Completa submiss20 a Jesus Cristo e a meu diretor. A alegria eterna por um dig de prova sobre a terra. Non obliviscar sermones tuos. Amen." 111 3 Pascal e m Port-Royal Em 1655, Pascal transcorreu algumas semanas com os Solitaires de Port-Royal. E provavelmente a esse periodo remonta a Conversa~iiocom o senhor de Saci sobre
Capitulo nono - Rluise Pascal: cizncia e f& 173 Epicteto e Montaigne, cujo texto foi redigi- do por N. Fontaine, secretario de De Saci. Antoine Singlin (1607-1664) era um dos mais estimados diretores espirituais de Port-Royal. Jacqueline insistiu com ele para que guiasse Pascal em seus primeiros passos. Posteriormente, Pascal foi confiado a De Saci (1613-1684), sobrinho de Antoine Arnauld e de Madre AngClica. "Naquele period
des Champs. N3o me detenho para dizer quem era esse homem, que nso somente a Franga, mas toda a Europa, tanto admirou. Sua mente, sempre viva e sempre ativa, era de uma vastidgo, de urna elevag30, de uma firmeza, de urna agudeza e de urna precis superiores a qualquer imaginagao [. ..I, que encantava e arrebatava a todos."
sos) de Epicteto e os Ensaios de Montaigne eram livros com os quais Pascal tivera longa familiaridade. Para Pascal, Epicteto viu a grandeza do homem, mas n3o a corrupgiio da natureza humana, ao passo que Mon- taigne, a o contrario, so viu miskria. Epicteto "tem urna arte incornparavel ao perturbar a serenidade daqueles que a buscam nas coisas exteriores, e ao forgii-10s a reconhecer que siio verdadeiros escravos e miseros cegos, pois 6 impossivel que eles encontrem algo de diferente do err0 e da dor, de que fogem, sem se entregarem sem reservas unicamente a Deus". Ja Montaigne, por seu turno, "t? incornparavel em confundir o orgulho da- queles que, fora da ft?,tim a pretensiio de ser verdadeiramente justos, em mostrar o err daqueles que se apegam as suas opini6es e acreditam encontrar verdades inabaliveis nas citncias, e em convencer t3o bem a raz3o de sua pouca luz e de seus desvios, que se torna dificil, quando se faz bom uso dos seus principios, ser tentado a encontrar repugnhcia nos misttrios". E aqui que, de certo modo, encontra- mos algumas das raizes daquelas meditaq6es sobre a grandeza e misCria do homem, que depois encontraremos nos Pensamentos. Em 1656, Pascal esteve mais urna vez por duas semanas em Port-Royal, agora sob a tempestade da poltmica antijansenista. Em defesa dos jansenistas, sob o pseud6nimo de Louis de Montalte, ele comegou a escrever as Provinciais. Em 23 de janeiro de 1656, saiu sua primeira Carta escrita a um provincial por um de seus amigos acerca das atuais disputas nu Sorbonne. A essa seguiram-se mais dezessete cartas, a ultima das quais da- tada de 24 de marqo de 1657. Em setembro desse mesmo ano, a Congregaqso do index condenou as Provinciais. Enquanto trabalhava nas Provinciais e prosseguia em suas investigaq6es cientificas, Pascal tentava realizar tambkm um grande projeto, urna Apologia d o cristianismo. Essa obra nunca foi concluida. mas altruns" fragmentos desse projeto foram reunidos e ordenados nos Pensamentos, publicados pela primeira vez em 1669. Pascal morreu em 1 9 de agosto de
com submiss30 humilde e perfeita e com santa confianqa, eu me dispbnha a receber as ordens de vossa ~rovidinciaeterna. e 2 aue 1 eu adore igualmente tudo aquilo que me vem de vos". Pascal morreu de tumor abdo- minal. Antes de morrer, quis confessar-se e
ele exclamou: "Que o Senhor nunca me abandone!" Teve um novo ataque, do qual nao se refez. Deixou de viver precisamente
trinta e nove anos e dois meses.
Pascal, porCm, niio pretende p6r de lado tal defeito apenas para introduzir
valor. Com efeito, h i iimbitos nos quais C obrigatorio o recurso ao texto, como, por exemplo, na atestagiio de fatos historicos e geogra'ficos, e sobretudo para aquilo que se refere a religiiio. A realidade t que os principios da f C "estiio acima da natureza e da raziio. E a mente humana, como C muito fraca para nos fazer chegar at6 16 apenas com seus esforgos, so pode alcangar essas sublimes verdades quando levada a elas por uma forga onipotente e sobrenatural ". Na teologia, portanto, o principio de autoridade - a refersncia ao texto em que
"tem toda a liberdade para se expandir: sua inexaurivel fecundidade produz conti- nuamente, e suas invenqoes podem ser ao mesmo tempo infinitas e ininterruptas". Afirma Pascal que, assim, a geometria, a aritmitica, a musica, a fisica, a medicina, a arquitetura e todas as cicncias que depen- dem da experihcia e do raciocinio devem se desenvolver: " 0 s antigos as encontraram apenas esbo~adaspor aqueles que os pre- cederam, e nos as deixaremos para os que vierem depois de nos em um estado mais avangado do que as tivermos recebido." As verdades teologicas e as verdades que obtemos com o raciocinio e a expe-
de Deus as primeiras, fruto da atividade hu- mana as segundas; encontr6veis nos textos sagrados as primeiras, resultados da enge- nhosidade humana, de provas racionais e de experimentos as segundas. Pois bem, a explicita~ioda diferenga
des cientificas "deve nos fazer lamentar a cegueira daqueles que, nas cicncias fisicas, apresentam apenas a autoridade como prova ao invis do raciocinio e das experihcias, e devemos ter horror pela malicia daqueles que empregam apenas o raciocinio na teo- logia ao inv@da autoridade das Escrituras e dos Padres. E preciso encorajar aqueles timi- dos que niio ousam inventar nada na fisica, e confundir a insolincia daqueles temeririos que cogitam novidades em teologia".
siio apoiadas obstinadamente e recebidas com aplausos muitas opinioes novas em teo- logia, desconhecidas por toda a antiguidade, ao passo que aquelas que se produzem em fisica, embora em menor numero, parece que tern de ser consideradas falsas sempre que atinjam, mesmo que em pouca coisa, as opini6es acreditadas, como se o respeito pelos antigos filosofos fosse um dever, e aquele pelos mais antigos Padres fosse ape- nas benevokncia ". Mas essa atitude deve ser subvertida: t
2. 0 mktodo ideal realiza
as verdades cientificas estiio e devem estar
C diferente da demonstraqiio; esta C humana,
que C preciso fazer para tornar convincentes nossas demonstragoes? Pois bem, Pascal responde a essa in- terrogagiio afirmando que nossas demons- trag6es so poderiio ser convincentes sob
geometria. Para dizer a verdade, mesmo esse metodo, como logo veremos, tambCm encontra limites. Por essa raziio, um mitodo ainda mais eminente e perfeito - mas que,
consistir em duas coisas principais: "Uma seria niio usar nenhum termo cujo sentido niio se tenha explicado claramente antes. A
outra seria nunca enunciar qualquer propo- siqio que n i o seja demonstrada com verda- des ja conhecidas. Em suma, isso significa definir todos os termos e provar todas as proposiq6es." Ora, como comenta Pascal, esse m i - todo seria belo, mas i impossivel: "Com efeito, 6 evidente que os primeiros termos que se quisesse definir pressuporiam termos anteriores que servissem para sua explicaqio e, da mesma forma, as primeiras proposiq6es que se quisesse demonstrar pressuporiam outras precedentes. Desse modo, fica claro que nunca se chegaria aos primeiros termos e proposiqdes. Assim, levando as pesquisas sempre mais adiante, chega-se necessaria- mente a palavras primitivas que n i o podem mais ser definidas, e a principios t i 0 claros que n i o se encontram outros que sejam mais claros para servir de prova deles." Com isso, fica claro que "0s homens s i o naturalmente e imutavelmente impo- tentes para tratar de qualquer ciencia com ordem absolutamente completa". Entretanto, essa impotencia para de-
desesperar, pois, embora n i o seja possivel um mitodo perfeito e completo, i possivel outro, "inferior" ao idealizado; C "menos convincente, mas n i o porque seja menos certo". Trata-se do mitodo da geometria: "Ele n i o define tudo e n i o prova tudo, e nisso i inferior ao outro metodo; entretanto, sup6e somente coisas claras e constantes pela luz natural, sendo por isso perfeitamente ver- dadeiro, j6 que i sustentado pela natureza, na falta de demonstraqio". Portanto, trata-se de fazer com que nossas demonstraq6es - se elas quiserem
Assim, a ordem ou mitodo geomitrico, "o mais perfeito para todos os homens, n i o consiste em definir ou demonstrar tudo, e nem consiste em n i o definir nada ou n i o demonstrar nada, mas sim em manter-se na justa medida de n i o definir as coisas claras e compreendidas por todos os homens e definir todas as outras, e de n i o provar as coisas ja conhecidas dos homens e provar todas as outras. Contra tal ordem pecam igualmente aqueles que pretendem tudo definir e tudo provar, e aqueles que deixam de faze-lo nas coisas que n5o s i o evidentes por si mesmas". E esse, precisamente, i o procedimen- to indicado pelo mitodo geomitrico, que n i o define coisas como o espaqo, o tempo, o movimento, o numero, a igualdade, a maioria. a diminuicio e muitas coisas se- melhantes, "porque esses termos designam t i o naturalmente as coisas que significam, para aqueles que comprendem a lingua, que a clarificaqio que se poderia tentar acaba- ria por produzir mais obscuridade do que esclarecimento".
que definir e demonstrar tudo, dando-nos de certas coisas "um entendimento mais claro do que aquele que a arte nos apre- senta com as suas explicaqdes". Sendo assim, ao alcanqar as primeiras verdades conhecidas, a geometria se detim e pede que elas sejam aceitas, pela razio de que ela n i o tem nada de mais claro para prova-las: desse modo, "tudo aquilo que a geometria prop6e C perfeitamente demonstrado, por
dii certezas. Existem, portanto, "verdades que estio ao nosso alcance". verdades naturais sabidas por todos, como, por exemplo, a de que "o todo i maior do que uma sua parte", a partir das quais, uma vez reconhecidas, podemos ter infalivelmente conclus6es persuasivas.
que reallza a "arte do persuadir" consiste em tres partes essenciais: 1)definir, por meio de definiq6es claras, os termos dos auais devemos nos servir;
dentes como fundamento da prova; 3) na demonstraqio, sempre substituir mentalmente os termos definidos pelas de- finiq6es. Na opiniio de Pascal, essas tres partes essenciais s i o explicitadas por um conjun-
todas S ~ asO seguintes:
N i o admitir nenhum termo um pouco obs- cur0 ou equivoco sem definiqio. Nas defi- niqoes, usar somente termos perfeitamente
Nos axiomas, enunciar somente coisas evidentes.
Terceira parte - Pascal r Vico Mas, para Pascal, tambCm o esprit de finesse tem forte valfncia normativa, pois
Com efeito, o homem freqiientemente tende a se enganar, a refutar a verdade, a cqnviver com o erro, a entregar-se 8 mentira.
que possui a verdade diretamente; disso de- corre que est6 sempre disposto a negar tudo
todos os homens siio quase sempre levados a crer, n i o pel0 caminho da demonstraqso,
nos Pensamentos, Pascal acrescenta: " homem 6 um ser cheio de erro: err0 natural e niio eliminavel sem a graqa. Nada lhe mostra a verdade. Tudo o engana". A raziio niio 6 um dado de fato; C muito mais um imperativo. Mas, mesmo quando ela alcanga seus objetivos e nos p6e diante de verdades v6lidas para todos, das quais C possivel extrair conseqiiincias tambCm ver- dadeiras, nos percebemos que essas verdades
des, que o esprit de giomitrie niio pode alcanqar, mas que siio alcanqhveis atravCs do esprit de finesse, isto 6, atravks daquela "visiio verdadeiramente boa", niio obnu- bilada por paixdes e desejos. "A ciCncia das coisas exteriores niio me consolar4 da ignordncia da moral no tempo da afliqio, mas a cihcia dos costumes sempre me con- solar5 da ignorhcia das coisas exteriores". Alem disso, as verdades Ctico-religiosas siio
tifica, mas C precisamente delas que depende nosso destino e a elas, somente a elas, C que est6 ligado o sentido de nossa existincia. Diz Pascal que as verdades divinas niio siio parte da arte de persuadir, "porque estio infinitamente acima da natureza: so Deus pode infundi-las na alma, e do mod0 como mais lhe agradar". Grauura tiradu du edi@o parisiense de 1644 do Tratado sohre o equilibria dos liquidos. Pascal foi cientista de valor, rnas isso nuo o impediu de seu tambCm profundarnente religiose. Estas duus condz~ijesnele se harrnonizaram em razuo da demarcu@o cluru entre saber cientifico (li,yado no esprit de gkometrie) e fe religiosu (ligada ao esprit de finesse).
Capitdo nono - Blaise Pascal: cisncia e f& 179 Segundo Pascal, como para Montaigne, o objeto por excekncia da filosofia e o homem, e a reflexao sobre o homem leva imediatamente a consideraqao de que a grandeza e a dignidade do homem consistem no pensamento:
tambem no reconhecer-se mhero, e Pascal dirige a atenqao sobre do homem a miseria ontologica da condiqao humana: o homem e um nada c~nsistem em relaqao ao infinito, e urn todo em rela@o ao nada, e algo nopensamento intermediario entre o nada e o todo. A grandeza e a miseria do '§ homem estao firmemente reunidas, e este e o realism0 trdgico de Pascal: o homem, apenas com suas forqas, conseguird apenas compreender que e um monstro incompreensivel, mas nao criar valores firmes e encontrar um sentido estavel e verdadeiro da existencia.
contra-lo, procurando-o por todo lugar com inquietude e sem @xito:n%opodendo curar a morte e a miseria, o homem decidiu nao pensar nisso para tornar-se feliz, e escolheu o divertimento. 0 divertissement e fuga o^ divertimento diante da visa0 lucida da miseria humana, e aturdimento que P^ fuga faz divagar e chegar inadvertidamente a morte: o divertimento de^ ndsm~esmos e fuga de nos mesmos, de nossa miseria, mas e a nossa maxima 'S^2 miseria, porque nos proibe olhar para dentro de nos mesmos e pensar. Apenas o pensamento leva a verdade essencial, motivo pelo qua1o homem e constitutivamente indigente e misero: e e sobre a base desse reconhecimento que Pascal constroi sua apologia do cristianismo. 1^0 howern^ k^ o objeto sobre o quai a filosofia deve refletir Assim como para Montaigne, tambCm para Pascal o homem C o objeto sobre o qua a filosofia deve refletir. E a reflex50 filosofica sobre o homem
mento constitui a grandeza do homem". E o pensamento que torna o homem diferente
nada mais C que um canigo, o mais fraco da natureza - mas C um canigo pensante.
arme para esmagi-lo: um vapor ou uma gota d'igua bastam para mati-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o ho- mem ainda seria mais nobre d o que quem o mata, porque sabe que morre e sabe da superioridade do universo sobre ele; o uni- verso, a o contriirio, niio sabe nada. Toda a nossa dignidade, portanto, consiste no
vemos nos nobilitar e niio com o espaqo e o tempo que poderemos preencher. Cuidemos portanto de pensar bem: este C o principio da moral". 0 pensamento t "urna coisa maravilho- sa e incomparPvel por natureza". Assim, e no pensamento que estiio
pode ser deduzida at6 mesmo de sua midria. Com efeito, a grandeza do homem tambCm esti no fato "que se reconhece miserivel. Uma arvore n5o sabe que C miserivel. Mas ser grande equivale a conhecer que se C miserivel". E eis alguns sinais da misiria humana. Existem dois principios de verdade: a raz5o e os sentidos; mas, como j i sabemos, tanto
coisa que nos consola de nossas misCrias C
ela que nos impede de pensar em n6s e nos leva inadvertidamente a perdiqiio. Sem ela. ficariamos entediados e esse tCdio nos impeliria a procurar um meio mais solido para sair disso. Mas a diversiio nos distrai, fazendo-nos chegar inadvertidamente h rnorte".
de nossa misiria. Todavia. ela C a maior de nossas misirias, porque nos impede de olhar para dentro de n6s mesmos e de tomar conscihcia do nosso estado de indighcia essencial, impedindo-nos assim de buscar e trilhar o unico caminho em condigoes de nos levar para fora do beco sem saida de nossa miseria.
digna do homem. Se o homem se lanqa a confusiio e se deixa perturbar, estarh re- nunciando precisamente h sua dignidade, alCm de renunciar hauelas verdades i s quais o pensamento pode levar. E o pen- samento leva a verdade essencial, pel0 que o homem C constitutivamente indigente e misero. E com base nesse simples reconhe- cimento que Pascal constroi sua apologia do cristianismo. d m "Divertissement". 0 divertimen- to, o divertissement, e fuga diante da visa0 kids e consciente da rniseria hurnana, e aturdirnento que nos faz divagar e chegar inadvertidarnente a rnorte. 0 divertimento e fuga de nos mesmos, de nossa rniseria, mas e ele pr6prio a rnaior de nossas rniserias, porque nos proibe pensar a nos rnes- rnos; "sern ele, desernbocariarnos na nausea, e esta nos irnpeliria a procurar urn rneio mais seguro para dela sair; ao contrario, o divertimento nos faz chegar a rnorte sern que disso nos apercebarnos". EX SUR wELQUES AUTRES S
Chez G u t ~ t r ~ t i ~ nD E S P B E Z ~ rug Saint Jacques a Saint Pdpefr - M D C , L X l X N o alto, particular de uma pagina inanuscrita dos Pensamentos de Pascal; acima, frontispicio da primeiru edipio. Nessa obra esta presente a concep@o de Pascal em rela@o a religido. Ele diz que a raziio e' irnpotente diante da verdade rcligiosa e que a fe' ndo depende do homem, porque e u m dom de Deus.
lg Terceira parte - Pascal e Vico
para fundamemtar os valores e P Y L O V ~ Va e~istgnciade Deus A salva@o do homem nao e fruto da ciencia nem da filosofia. A razao e impotente diante das verdades eticas e das religiosas, e a fe e um dom de Deus. 0 verdadeiro cristianismo consiste, portanto, na submissao e no reto uso da razao. Alem disso, por si s6 a razao n3o chega sequer a Deus: as provas o verdadeiro metafisicas^ de^ Deus^ encontram-se^ tao^ longe^ do^ mod0^ comum^ de cristianisrno (^) pensar dos homens que se tornam pouco eficazes. Conhecemos consiste (^) a Deus apenas por meio de Jesus Cristo, e a fe crista ensina em na subrnissao (^) substdncia apenas estes dois principios: a corrup@oda natureza da razso (^) humana e a obra redentora de Jesus Cristo. Pela fe, todavia, e
- 5 (^1) importante tambem o exercicio da razao, a qual, fazendo bar- reira ao aturdimento do divertissement e lancando luz sobre a miseria do homem, esta em grau de avaliar em que medida a fe crista da sentido
Uma coisa e certa: Deus existe ou n%oexiste. Sobre isso a razao nada pode determinar, porque no meio ha um caos infinito; mas pode e deve apostar em favor da existencia de Deus porque, se vencer, ganhara tudo (uma eternidade de vida e de bem-aventuransa) e, se perder, nada perdera. preciso, Devernos portanto, tornarmo-nos^ disponiveis^ ao^ acolhimento^ da^ graca,^ a apostar qua1^ e necesdria porque a^ queda^ e^ nossa^ natureza^ corrompida em favor nos tornaram indignos de Deus. E Deus que se revela, mas ele e da existhcia (^) ao mesmo tempo um Deus absconditus: permaneceu escondido de Deus (^) ate a encarnasao e, quando chegou o tempo de manifestar-se,
- 5 2 (^) escondeu-se ainda mais com a humanidade.Jesus Cristo e a prova de Deus. 1 _f_^ f6^ M&O^ depende^ d a^ razzo
6 corrupta; o homem se descobre essen- cialmente indigente e miseravel; tenta fugir desse estado mergulhando na confusio do divertimento; mas a divers50 revela-se uma misCria ainda maior, pois obstaculiza o
Sofia: "Submissiio e reto uso da razio: nisso consiste o verdadeiro cristianismo".
des Cticas e religiosas: "0 supremo passo da raziio esta em reconhecer que ha uma infinidade de coisas que a ultrapassam".
de da raziio, mas, em ultima analise, niio
de Deus. Escreve Pascal: "Niio penseis que
d i o apenas o raciocinio para que se chegue a ela; ele nunca a alcanqa. A fe e diferente
dom de Deus." Falando a prop6sito das normas Cticas,
regra das regras e a lei geral das leis C que cada um observe a do lugar onde se encon- tra". Pois bem, na opiniiio de Pascal essa regra geral C uma flagrante demonstra~iio do fato de que, com sua razio, os homens
homem a conhecesse, entio "o esplendor da verdadeira eqiiidade teria conquistado todos os povos, e os legisladores n i o teriam toma- do como modelo, ao invts da justiqa imuta-
Terceira parte - Pascal e Vico escolha, mas por terem escolhido; porque, embora quem escolhe cara e quem escolhe coroa incorram no mesmo erro, ambos estiio
de mod0 nenhum".
apostar: n i o C urna coisa que dependa de vossos desejos; vos vos comprometestes. 0 que escolhereis, portanto? Como C preciso escolher, vejamos aquilo que menos vos interessa. Tendes duas coisas a perder: a verdade e o bem; duas coisas a apostar no jogo: vossa raziio e vossa vontade, vosso conhecimento e vossa bem-aventuranqa; e vossa natureza deve fugir de duas coisas: do err0 e da infelicidade. Vossa raziio n i o C atingida mais por urna escolha do que pela outra, ja que C necessariamente preciso escolher. Eis urna quest50 liquidada. Mas, e vossa bem-aventuranqa? Vamos pesar o ganho e a perda, no caso de apostardes em favor da existcncia de Deus. Vejamos estes dois casos: vencendo, ganhareis tudo; per- dendo, n5o perdereis nada. Assim, apostai sem h,esitar que ele existe".
Deus, j i que, escolhendo-se Deus, pode-se vencer tudo e nada perder. Com efeito, quais seriam os danos, supondo-se que a escolha de Deus fosse urna escolha errada? Afirma Pascal: "Sereis fiel, honesto, humilde, reconhecido, benC- fico, amigo sincero, verdadeiro. Para dizer a verdade, n i o vivereis mais nos prazeres pestiferos, na vaidade, nas delicias. Mas n i o tereis outros prazeres? Eu vos digo que ganhareis nesta vida. E que, a cada novo passo que fizerdes nesse caminho, percebe- reis tanta certeza de ganho e tiio pouco ou nenhum risco que, no fim das contas, vereis que apostastes por urna coisa certa, infinita, pela qual n i o haveis dado nada".
mostrar pelo menos que essa fC que supera raziio n i o C contraria natureza humana.
humana, explicando-a e resolvendo-a.
Deus, entio, mais do que procurar aumentar o numero das provas da existgncia de Deus, ha necessidade de diminuir nossas paix6es. Como diz Pascal no fim das argumentaq6es a proposito do tema da "aposta": "Sabei que (este discurso) i feito por alguCm que se p8s de joelhos antes e depois, para rezar iquele Ser infinito e impar, ao qual submete todo o proprio ser, para que submeta a si tambCm o vosso ser, pelo vosso bem e para a sua gloria, e que, portanto, sua forla se harmonize com esta humilhaqio." Em suma, C preciso tornar-se disponi- veis para receber a graqa, embora se possa pensar que o proprio esforqo moral de quem "busca gemendo" ja C fruto de graqa: "Nada compreendemos das obras de Deus se n i o tomarmos por principio o fato de que ele quis cegar uns e iluminar outros".
e a nossa natureza cprrupta nos tornaram indignos de Deus. E Deus que se revela, mas o Deus que se revela 6, a o mesmo tempo, em D e u s absconditus: "Ele ficou oculto sob o vCu da natureza que o cobre, ate a Encarnaq50. E, quando veio para ele o tempo de se mostrar, ocultou-se ainda mais, cobrindo-se com a humanidade. Ele era bem mais reconhecivel quando estava invisivel do que quando se tornou visivel. E, por fim, [. ..] decidiu permanecer no mais estranho e incompreensivel segredo: as es- pCcies eucaristicas". Jesus Cristo C a prova de Deus.
rimentam e se revela Aqueles que o buscam, porque os homens s5o ao mesmo tempo in- dignos de Deus e capazes de Deus: indignos por sua corrupqio, capazes por sua natureza primitiva". j 4 /
Capitulo nono - Blaise Pascal: ci&cia e f& 185 A DlGNlDADE DO HOMEM E 0 DOM DA ~g -- ---^ -
por excelencia
o homem.
pensamento, cujas duas dimensdes mais elevadas siio
I
/ /
a Raziio filosofica
porque esta em grau de i \
-^ 3-^ -
as verdades Pticas e religioras, que siio eternas e reveladas, e em rela~iioas quais a raziio cientifica 6 impotente, porque apenas Deus pode reveli-las
servindo-se da raziio filos6fica, pode captar
/ / / / ----^ -^ - -I - - A MISERIA ONTOL~GICADO HOMEM, seu ser entre o todo e o nada. 1 A salva+o do homem esti apenas na 1 1 1 Ft, dom de Deus, que comporta I o reto uso da raziio e ensina apenas dois principios L-
I --
187 J" Capitdo nono - Blake Pascal:cihcia e f& cia a si proprio; basta ter boa visdo, mas que seja boa: com efeito, os principios se encontram tdo ligados e em tdo grande nljmero, qua 6 quase impossivel que ndo escape algum deles. Ora, a omissdo de um principio leva a0 erro: por isso & preciso ter visdo bem aguda para captar todos os principios, e depois a mente em boa forma para 1-160raciocinar ds modo incorreto sobre principios conhecidos. Todos os "ge6metras" ssriam portanto "finos" se tivessem boa visdo, uma vez que ndo fazsm raciocinios errados partindo de principios que conhecsm, e os espiritos "finos" seriam "ge6metrasUse pudessem dirigir a visdo para os principios, para sles insolitos, do geometria. Portanto, aquilo que nbo torna "ge6mstras" alguns espiritos "finos" 6 o fato de que estes ndo podem se voltar totalmente para os prin- cipios da geometria; mas aquilo qua impede a "ge6mstras" serem "finos" 6 o fato de que ndo conseguem perceber aquilo que a t 6 diante deles s que, acostumados 00s principios claros e tangiveis do geometria e a raciocinar apsnas dspois de ter visto bem e manejado seus princi- pios, pardem-se nos coisas sutis, onde os prin- cipios ndo se deixam manejar do mesmo modo. Eles ma1 os divisam, psrcebem-nos mais que os divisam: & mu~tissimofatigante fazer perceber a quem n6o os sente por si mesmo: sdo coisas de tal forma delicadas e tdo numsrosas, qua & preciso ter sansibilidodebastante refinada e su- ficientemente precisa para perceb&-lase julgar com precisdo e exatiddo em conformidade com tal sentimento, sern poder, o mais das vezes, demonstr6-las uma depois da outra como em geometria, pelo fato de que ndo & de tal modo qus se possuem os principios, e s ~ r i auma tare- fa infinita tent6-lo. < preciso ver a coisa inteira de um golpe ao primeiro olhar, e n6o tanto em um progress0 de raciocinios, ao menos at& certo ponto. E assim, 6 raro que os "ge6metras"sejam espiritos "finos",e que os espiritos "finos" sejam "ge6mstras",psla razao de qua os "ge8metras" querem considerar geometrmmente tais coisas "finas" e se tornam ridicules, querendo iniciar com as defini@es e a seguir com os principios, enquanto sste ndo 6 o modo de se comportar em tal tipo de raciocinio. Ndo que a mente ndo o fago, mas el0 o faz tacitomente, noturalmente e sem arte, porque a express60 & de todos, mas o sentimento & de poucos. E os espiritos "finos". 00 contr6r10,estan- do t60 habituados a julgar com um so olhar, permanecem tdo atordoados - quando a eles se opresentom proposi@es das quais noda compreendem e para entend&-las h preciso utilizar defin~gjese principios tdo esthreis, que eles ndo t&m de modo nenhum o h6bito de tomar em considsra<do de modo particulari- zado - qua com isso se sentem humilhados e desgostosos. Todavia, os espiritos falsos ndo sdo nem "finos" nem "ge6metras". 0 s "ge8metras" que sbo apenas "ge6me- tras" t&m justamente o intslecto reto, mas com a condi@o qua se lhes explique por bem tudo com defini@es e principios; de outro modo, elas sdo falsos e insuport6vsis, porqus sdo exatos apenas com principios perfeltnmente esclarecidos. E os espiritos "finos", qus sdo apenas "fi- nos", nbo podem ter a paci&ncia de descsr at os primeiros principios das coisas especulativas e da imagina@o, que eles jamais viram e qua se encontram totalmente fora do uso pr6tico.
juizo, assim como as cibncias pertencem ao intelecto. R "fineza" & propria do juizo; a "geo- metria", do espirito. Ndo fazsr caso da filosofia 6 fazer verdadeiramente filosofia. B. Poscol, P@nsornentos. 0 divertimento Poscol ossums o termo divsrtimsnto (em Frances divertissement) em sau significodo etimologico, enquonto o lcltim devertere sig- nifico desviar, dessncominhar, viror-ss poro
oturdimsnto que "desvio"o homem, isto C, o ofosto do ocupo@o corn sua proprio mis6rio sstruturol, e o fat chsgor inodvsrtidomante 6 morte. Divertimento. - Quando, algumas vezes, me pus a considerar a var~odaagito@o dos homens e os perigos e os sofrimentos a que se expaem, na Corte, na guerra, onde nascem tantas brigas, paixass, empresas a ~ d ~ z e se frequentemente m6s etc., descobri que toda a infelicidade dos homens deriva de uma so cau- sa: o fato de n6o saber permanecer em paz, em um quarto. Um homern que possu~o suficiente para viver bem, se soubesse permanecer em casa com prazer, ndo a deixar~apara viajar
por mar ou ir para assediar uma fortaleza. N6o compraria urn cargo no exbrcito por t6o caro p r q o se n6o achasse insuport6vel n6o deixar a cidade; e n6o procuraria as conversas e a dis- tra@o dos jogos caso conseguisse permanecer em casa com prazer. Todavia, quando considerei a coisa mais a fundo e, descobrindo a causa de todas as nossas infelicidades, quis descobrir sua razdo, encontrel uma que & muito real: a infel~cidade natural de nossa condi@o fr6gil e mortal, condi- <dotdo lastim6vel que nada nos pode consolar, quando nisso pensamos seriamente. Qualquer condi560 que imaginemos, caso se reunissem junto todos os bens que poder~amnos pertencer, a de rei d a condi$io mais bela do mundo; todavia, imaginemos um rei que j6 alcan<ou todas as satlsfaq5es que podem content640; se n6o tiver distrag6es e se Ihe for deixada a possibilidade de meditar e refletir sobre aquilo que ele 6 , tal efemera felicidade n6o ser6 suficiente para sustent6-lo; necessariamente term1nar6por fazer objeto de suas consideraq3es os perigos que o ameagam, as revoltas que poderiam estourar e, por fim, a morte e as doen~asque sdo inevlt6veis; de modo que, se for privado daquilo que se diz divertimento, ei-lo infeltz e mais infeliz que o ultimo de seus suditos, que jogue e se divirta. Disso deriva que o jogo e a conversa com as mulheres, a guerra, os altos cargos sejam t6o procurados. N6o & que nessas situa$%s se alcance uma felicidade efetiva nem que se imag~neque a verdadeira beatitude esteja no dinheiro, que se pode ganhar no jogo, ou no lebre que se persegue: coisas que nem mesmo se desejarla caso nos fossem oferecidas. N6o & este uso prazeroso e agrad6ve1, e qus nos deixaria espaco para pensar am nossa infeliz condi~60,aquilo que se busca, nem os perigos da guerra, nem os fastios das proflss6es; mas o alvoro~oque nos afasta de pansar nisso, e nos diverte. Disso deriva que aos homens satisfazem tanto o barulho e o alvoro$o; disso der~va que o c6rcere & um suplicio tZlo horrivel; disso deriva que o prazer do soliddo seja uma colsa incompreensivel. E, por fim, a raz6o maor de felicidade no condlq3o dos reis est6 no fato de que as pessoas se esforpm sem repouso para diverti-10s e providenciar para eles todo tipo de prazeres.
pensam mais em divert140e em ~mpedi-lode pensar em si mesmo. Porque, se pensar, embora seja rei, torno-se infeliz. €is tudo aquilo que os homens souberam Inventor para tornar-se felizes. E aqueles que sobre este assunto se arvoram em filosofos e consideram que as pessoas sejam muito pouco razo6veis para passar o dia inteiro a perseguir uma Iebre que, caso comprada, n60 desejariam, n6o conhecem de fato nossa natureza. R lebre n6o nos afastaria do pensamento da morte e de nossas misbrias, mas B a caSa que nos distrai disso. E assim, quando se observa a eles que aquilo que procuram com tanto ardor n60 estaria em grau de sat~sfaz&-los,se eles respondes- sem, corno deveriam fazer caso pensassem bem, que procuram naquilo apenas uma ocu- pa@o violenta e tumultuosa qua os afaste de pensar em si mesmos, e que 6 por isso que imaginam um objeto atraente que os alegre e os atraia com ardor, de~xariamseus opositores sem possibilidade da replicar. Mas n6o respondem assim, porque n6o conhecem a si mesmos. N6o sabem que B apenas a cap, e n60 a presa, aquilo que buscam. Eles imaginam que, obtido tal cargo, a seguir repousariam com prazer; e n6o percebem a natureza insaci6vel de sua cobip. Cr&em procurar sinceramente o repouso e na realidade apenas buscam a agita~6o. H6 neles um instinto secreto que os leva a buscar fora de si o divertimento e a ocupa- <do, que deriva de ressentir suas continuas misbrias; e h6 neles outro Instinto secreto, que & um residuo da grandeza de nossa natureza origin6ria, que os faz conhecer que a verdadeira felic~dadeest6 apenas no repouso e n6o no tumulto: e destes dois instintos opostos forma- se neles um projeto confuso que se esconde