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Os Desafios da Prática Médica: Memória e Humanidade no Cuidado de Pacientes, Resumos de Medicina

Este texto discute os desafios enfrentados pelos médicos atuais na integração de conhecimento científico em sua prática diária. Além disso, ele enfatiza a importância de manter a relação entre médico e paciente, observando as indicações objetivas da doença e avaliando a qualidade de vida do paciente. O texto também aborda a importância da ética médica e a necessidade de comunicação efetiva entre diferentes profissionais de saúde.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rafael86
Rafael86 🇧🇷

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1
CAPÍTULO 1 A prática da medicina
1A prática da medicina
Os organizadores
O MÉDICO NO SÉCULO XXI
Não se pode conferir a um ser humano nenhuma oportunidade, ne-
nhuma responsabilidade ou obrigação maior do que a de tornar-se
médico. Ao cuidar de pessoas que sofrem, [o médico] precisa ter habili-
dade técnica, conhecimento científico e compreensão humana… Tato,
solidariedade e compreensão são o que se espera de um médico, pois
o paciente não é uma mera coletânea de sinais, sintomas, funções de-
sordenadas, órgãos lesionados e emoções perturbadas. [O paciente] é
humano, tem medos e esperanças, busca alívio, ajuda e tranquilização.
—Harrison’s Principles of Internal Medicine, 1950
A prática da medicina mudou de maneira significativa desde que surgiu a
primeira edição deste livro há mais de 60 anos. O advento da genética mo-
lecular, biologia molecular e de sistemas e fisiopatologia molecular, novas
técnicas sofisticadas de obtenção de imagem e avanços na bioinformática
e na tecnologia da informação contribuíram para uma explosão de infor-
mações científicas que mudaram fundamentalmente a maneira como os
médicos definem, diagnosticam, tratam e tentam prevenir uma doença.
Esse crescimento do conhecimento científico é contínuo e está acelerando.
O uso disseminado de prontuários eletrônicos e da internet altera-
ram a maneira como os médicos praticam a medicina e trocam informa-
ções (Fig. 1.1). Como os médicos de hoje lutam para integrar quantidades
grandes de conhecimento científico à prática cotidiana, é crucialmente
importante que eles se lembrem de duas coisas: primeiro, que a meta final
da medicina é evitar a doença e tratar os pacientes; e segundo, que, apesar
de mais de 60 anos de avanços científicos desde a primeira edição deste
livro, o cultivo da relação íntima entre o médico e o paciente ainda reside
no coração do cuidado bem-sucedido do paciente.
A CIÊNCIA E A ARTE DA MEDICINA
O raciocínio dedutivo e a tecnologia aplicada formam a base para a solu-
ção de muitos problemas clínicos. Avanços espetaculares na bioquímica,
na biologia celular e na genômica, juntamente com técnicas de obtenção
de imagem recém-desenvolvidas, possibilitam acesso às partes mais in-
ternas da célula e propiciam uma janela para os locais mais remotos do
corpo. Revelações sobre a natureza dos genes e as células isoladas abriram
as portas para a formulação de uma nova base molecular para a fisiologia
dos sistemas. Cada vez mais, os médicos estão aprendendo de que manei-
ra mudanças sutis em muitos genes diferentes podem afetar a função das
células e dos organismos. Os pesquisadores estão decifrando os complexos
mecanismos pelos quais os genes são regulados. Os médicos desenvolve-
ram uma nova análise do papel das células-tronco na função tecidual nor-
mal, no desenvolvimento do câncer, da doença degenerativa e de outros
distúrbios e no tratamento de determinadas doenças. Áreas de pesquisa
inteiramente novas, como estudos do microbioma humano, tornaram-se
importantes na compreensão tanto da saúde como da doença. O conheci-
mento adquirido a partir da ciência da medicina continua melhorando a
compreensão pelos médicos dos complexos processos de doença e fornece
novas abordagens para o tratamento e a prevenção. Todavia, a capacidade
de aplicação da tecnologia laboratorial mais sofisticada e de uso da moda-
lidade terapêutica mais moderna não faz um bom médico.
Quando um paciente apresenta problemas clínicos desafiadores, o
médico eficaz deve saber reconhecer os elementos cruciais de uma anam-
nese e exame físico complexos, solicitar exames laboratoriais, de imagem
e diagnósticos adequados e extrair os resultados relevantes da extensa lis-
ta de dados das telas do computador, a fim de fundamentar sua decisão
de tratar ou “observar”. À medida que o número de exames aumenta, o
mesmo ocorre com a probabilidade de algum achado incidental, com-
pletamente diverso do problema clínico existente, ser descoberto. Definir
quando um indício clínico deve ser mais bem investigado ou descartado
como uma “pista falsa” e ponderar se um exame, medida preventiva ou
tratamento proposto acarreta riscos maiores do que a própria doença são
avaliações essenciais que um médico habilidoso precisa realizar várias
vezes ao dia. Essa combinação de conhecimento clínico, intuição, expe-
riência e discernimento define a arte da medicina, que é tão necessária à
prática médica quanto uma base científica sólida.
HABILIDADES CLÍNICAS
Anamnese A história escrita de uma doença deve incluir todos os fatos
da vida do paciente que tiverem importância clínica. Os eventos recentes
devem receber mais atenção. Em algum momento do início da entrevista, o
paciente deve ter a oportunidade de relatar a sua própria história da doença,
sem interrupções frequentes, e, quando for conveniente, receber do médico
expressões de interesse, incentivo e empatia. Qualquer fato a que o paciente
se refira, por mais trivial ou aparentemente irrelevante que pareça, pode ser
a chave da resolução do problema clínico. Em geral, somente os pacientes
que se sentem à vontade com o médico fornecerão informações completas;
portanto, fazer o paciente sentir-se o mais à vontade possível contribui subs-
tancialmente para a obtenção de uma história adequada.
Uma anamnese informativa é mais do que uma lista ordenada de
sintomas. Ao ouvir os pacientes e perceber a maneira como descrevem
seus sintomas, os médicos obtêm ideias valiosas. As inflexões da voz, a
expressão facial, os gestos e atitudes (i.e, a “linguagem corporal”) podem
revelar indícios importantes sobre a percepção dos pacientes acerca de
seus sintomas. Como os pacientes variam em sua compreensão médica
e sua capacidade de recordar fatos, a história clínica relatada deve ser
confirmada sempre que possível. A história social também pode fornecer
indícios importantes acerca dos tipos de doença que devem ser levados
em consideração. A história familiar não apenas identifica distúrbios
mendelianos raros em uma família, como também revela, com frequên-
cia, fatores de risco para distúrbios comuns, tais como doença cardíaca
coronariana, hipertensão e asma. Uma história familiar completa pode
exigir a colaboração de vários familiares para assegurar completude e
exatidão; uma vez registrada, ela pode ser imediatamente atualizada. O
processo de obtenção da anamnese oferece a oportunidade de se observar
o comportamento do paciente e de se detectarem aspectos que devem ser
explorados em mais detalhes ao longo do exame físico.
O próprio ato de obter a anamnese proporciona ao médico uma opor-
tunidade de estabelecer ou intensificar a ligação singular que forma a base
ideal da relação médico-paciente. Esse processo ajuda o médico a desenvol-
ver uma ideia sobre como o paciente vê sua doença, suas expectativas com
relação aos médicos e ao sistema de assistência médica e as implicações
sociais e financeiras da doença do paciente. Embora a situação atual do cui-
dado de saúde imponha restrições de tempo nas consultas dos pacientes,
é importante não apressar a anamnese. Uma abordagem apressada pode
levar os pacientes a acreditar que aquilo que estão relatando não é impor-
tante para o médico; desse modo, eles podem reter informações relevantes.
O sigilo da relação médico-paciente não pode ser enfatizado em excesso.
Exame físico O objetivo do exame físico é identificar os sinais físicos
da doença. A importância dessas indicações objetivas da doença é forta-
lecida quando elas confirmam uma alteração funcional ou estrutural já
sugerida pela anamnese do paciente. Em alguns casos, porém, os sinais
físicos podem ser a única evidência de uma doença.
O exame físico deve ser metódico e cuidadoso, levando em considera-
ção o conforto e o pudor do paciente. Embora a atenção muitas vezes seja
orientada pela anamnese para o órgão ou parte enferma do corpo, o exa-
me físico de um novo paciente deve estender-se da cabeça aos pés, em uma
busca objetiva por anormalidades. Se o exame físico não for sistemático e
for realizado de maneira consistente de paciente em paciente, segmentos
importantes podem ser inadvertidamente omitidos. Assim como acontece
com os detalhes da anamnese, os resultados do exame físico devem ser re-
gistrados no momento em que forem detectados, não horas depois, quando
estariam sujeitos a distorções provocadas por falhas de memória. A habili-
dade de estabelecer o diagnóstico físico é fruto da experiência, mas não é
somente a técnica que determina o sucesso na detecção de sinais da doença.
A identificação de algumas petéquias dispersas, de um sopro diastólico
suave ou de uma pequena massa no abdome não é uma questão de olhos e
ouvidos apurados ou dedos mais sensíveis, mas de ter a mente alerta a essas
alterações. Como os sinais físicos podem sofrer alterações com o tempo, o
exame físico deve ser repetido tantas vezes quantas a situação clínica exigir.
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Parte 1: Considerações gerais em medicina clínica
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CAPÍTULO 1

A prática da medicina

A prática da medicina

Os organizadores

O MÉDICO NO SÉCULO XXI

Não se pode conferir a um ser humano nenhuma oportunidade, ne- nhuma responsabilidade ou obrigação maior do que a de tornar-se médico. Ao cuidar de pessoas que sofrem, [o médico] precisa ter habili- dade técnica, conhecimento científico e compreensão humana… Tato, solidariedade e compreensão são o que se espera de um médico, pois o paciente não é uma mera coletânea de sinais, sintomas, funções de- sordenadas, órgãos lesionados e emoções perturbadas. [O paciente] é humano, tem medos e esperanças, busca alívio, ajuda e tranquilização. —Harrison’s Principles of Internal Medicine, 1950

A prática da medicina mudou de maneira significativa desde que surgiu a primeira edição deste livro há mais de 60 anos. O advento da genética mo- lecular, biologia molecular e de sistemas e fisiopatologia molecular, novas técnicas sofisticadas de obtenção de imagem e avanços na bioinformática e na tecnologia da informação contribuíram para uma explosão de infor- mações científicas que mudaram fundamentalmente a maneira como os médicos definem, diagnosticam, tratam e tentam prevenir uma doença. Esse crescimento do conhecimento científico é contínuo e está acelerando. O uso disseminado de prontuários eletrônicos e da internet altera- ram a maneira como os médicos praticam a medicina e trocam informa- ções (Fig. 1.1). Como os médicos de hoje lutam para integrar quantidades grandes de conhecimento científico à prática cotidiana, é crucialmente importante que eles se lembrem de duas coisas: primeiro, que a meta final da medicina é evitar a doença e tratar os pacientes; e segundo, que, apesar de mais de 60 anos de avanços científicos desde a primeira edição deste livro, o cultivo da relação íntima entre o médico e o paciente ainda reside no coração do cuidado bem-sucedido do paciente.

A CIÊNCIA E A ARTE DA MEDICINA O raciocínio dedutivo e a tecnologia aplicada formam a base para a solu- ção de muitos problemas clínicos. Avanços espetaculares na bioquímica, na biologia celular e na genômica, juntamente com técnicas de obtenção de imagem recém-desenvolvidas, possibilitam acesso às partes mais in- ternas da célula e propiciam uma janela para os locais mais remotos do corpo. Revelações sobre a natureza dos genes e as células isoladas abriram as portas para a formulação de uma nova base molecular para a fisiologia dos sistemas. Cada vez mais, os médicos estão aprendendo de que manei- ra mudanças sutis em muitos genes diferentes podem afetar a função das células e dos organismos. Os pesquisadores estão decifrando os complexos mecanismos pelos quais os genes são regulados. Os médicos desenvolve- ram uma nova análise do papel das células-tronco na função tecidual nor- mal, no desenvolvimento do câncer, da doença degenerativa e de outros distúrbios e no tratamento de determinadas doenças. Áreas de pesquisa inteiramente novas, como estudos do microbioma humano, tornaram-se importantes na compreensão tanto da saúde como da doença. O conheci- mento adquirido a partir da ciência da medicina continua melhorando a compreensão pelos médicos dos complexos processos de doença e fornece novas abordagens para o tratamento e a prevenção. Todavia, a capacidade de aplicação da tecnologia laboratorial mais sofisticada e de uso da moda- lidade terapêutica mais moderna não faz um bom médico. Quando um paciente apresenta problemas clínicos desafiadores, o médico eficaz deve saber reconhecer os elementos cruciais de uma anam- nese e exame físico complexos, solicitar exames laboratoriais, de imagem e diagnósticos adequados e extrair os resultados relevantes da extensa lis- ta de dados das telas do computador, a fim de fundamentar sua decisão de tratar ou “observar”. À medida que o número de exames aumenta, o mesmo ocorre com a probabilidade de algum achado incidental, com- pletamente diverso do problema clínico existente, ser descoberto. Definir quando um indício clínico deve ser mais bem investigado ou descartado como uma “pista falsa” e ponderar se um exame, medida preventiva ou tratamento proposto acarreta riscos maiores do que a própria doença são avaliações essenciais que um médico habilidoso precisa realizar várias

vezes ao dia. Essa combinação de conhecimento clínico, intuição, expe- riência e discernimento define a arte da medicina , que é tão necessária à prática médica quanto uma base científica sólida.

HABILIDADES CLÍNICAS Anamnese A história escrita de uma doença deve incluir todos os fatos da vida do paciente que tiverem importância clínica. Os eventos recentes devem receber mais atenção. Em algum momento do início da entrevista, o paciente deve ter a oportunidade de relatar a sua própria história da doença, sem interrupções frequentes, e, quando for conveniente, receber do médico expressões de interesse, incentivo e empatia. Qualquer fato a que o paciente se refira, por mais trivial ou aparentemente irrelevante que pareça, pode ser a chave da resolução do problema clínico. Em geral, somente os pacientes que se sentem à vontade com o médico fornecerão informações completas; portanto, fazer o paciente sentir-se o mais à vontade possível contribui subs- tancialmente para a obtenção de uma história adequada. Uma anamnese informativa é mais do que uma lista ordenada de sintomas. Ao ouvir os pacientes e perceber a maneira como descrevem seus sintomas, os médicos obtêm ideias valiosas. As inflexões da voz, a expressão facial, os gestos e atitudes (i.e, a “linguagem corporal”) podem revelar indícios importantes sobre a percepção dos pacientes acerca de seus sintomas. Como os pacientes variam em sua compreensão médica e sua capacidade de recordar fatos, a história clínica relatada deve ser confirmada sempre que possível. A história social também pode fornecer indícios importantes acerca dos tipos de doença que devem ser levados em consideração. A história familiar não apenas identifica distúrbios mendelianos raros em uma família, como também revela, com frequên- cia, fatores de risco para distúrbios comuns, tais como doença cardíaca coronariana, hipertensão e asma. Uma história familiar completa pode exigir a colaboração de vários familiares para assegurar completude e exatidão; uma vez registrada, ela pode ser imediatamente atualizada. O processo de obtenção da anamnese oferece a oportunidade de se observar o comportamento do paciente e de se detectarem aspectos que devem ser explorados em mais detalhes ao longo do exame físico. O próprio ato de obter a anamnese proporciona ao médico uma opor- tunidade de estabelecer ou intensificar a ligação singular que forma a base ideal da relação médico-paciente. Esse processo ajuda o médico a desenvol- ver uma ideia sobre como o paciente vê sua doença, suas expectativas com relação aos médicos e ao sistema de assistência médica e as implicações sociais e financeiras da doença do paciente. Embora a situação atual do cui- dado de saúde imponha restrições de tempo nas consultas dos pacientes, é importante não apressar a anamnese. Uma abordagem apressada pode levar os pacientes a acreditar que aquilo que estão relatando não é impor- tante para o médico; desse modo, eles podem reter informações relevantes. O sigilo da relação médico-paciente não pode ser enfatizado em excesso.

Exame físico O objetivo do exame físico é identificar os sinais físicos da doença. A importância dessas indicações objetivas da doença é forta- lecida quando elas confirmam uma alteração funcional ou estrutural já sugerida pela anamnese do paciente. Em alguns casos, porém, os sinais físicos podem ser a única evidência de uma doença. O exame físico deve ser metódico e cuidadoso, levando em considera- ção o conforto e o pudor do paciente. Embora a atenção muitas vezes seja orientada pela anamnese para o órgão ou parte enferma do corpo, o exa- me físico de um novo paciente deve estender-se da cabeça aos pés, em uma busca objetiva por anormalidades. Se o exame físico não for sistemático e for realizado de maneira consistente de paciente em paciente, segmentos importantes podem ser inadvertidamente omitidos. Assim como acontece com os detalhes da anamnese, os resultados do exame físico devem ser re- gistrados no momento em que forem detectados, não horas depois, quando estariam sujeitos a distorções provocadas por falhas de memória. A habili- dade de estabelecer o diagnóstico físico é fruto da experiência, mas não é somente a técnica que determina o sucesso na detecção de sinais da doença. A identificação de algumas petéquias dispersas, de um sopro diastólico suave ou de uma pequena massa no abdome não é uma questão de olhos e ouvidos apurados ou dedos mais sensíveis, mas de ter a mente alerta a essas alterações. Como os sinais físicos podem sofrer alterações com o tempo, o exame físico deve ser repetido tantas vezes quantas a situação clínica exigir.

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O MÉDICO NO SÉCULO XXI

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Parte 1: Considerações gerais em medicina clínica

PARTE 1

Considerações gerais em medicina clínica

Como atualmente há disponíveis exames diagnósticos altamente sensíveis (em especial as técnicas de obtenção de imagem), pode ser ten- tador colocar menos ênfase no exame físico. Na verdade, muitos pacien- tes são atendidos pelo médico após uma série de exames diagnósticos já ter sido realizada e depois que os resultados já são conhecidos. Esse fato não pode impedir o médico de fazer um exame físico completo, pois há achados clínicos importantes que podem ter escapado da detecção por exames diagnósticos anteriores. O ato de examinar (tocar) o paciente também oferece uma oportunidade para comunicação e pode ter efeitos confortadores que alimentam a relação médico-paciente.

Exames diagnósticos Os médicos são cada vez mais dependentes de uma ampla variedade de exames laboratoriais para resolver problemas clínicos. Entretanto, o acúmulo de dados laboratoriais não exime o médico das res- ponsabilidades de observar, examinar e estudar cuidadosamente seu pa- ciente. Além disso, é essencial avaliar as limitações dos exames diagnósti- cos. Em virtude da sua natureza impessoal, da sua complexidade e de sua aparente precisão, os exames laboratoriais costumam adquirir autoridade, independentemente da sua falibilidade, dos instrumentos utilizados e das pessoas que os realizam ou interpretam. Os médicos devem ponderar os custos que os procedimentos laboratoriais envolvem, em comparação com o valor das informações que esses procedimentos poderão obter. Raramente se solicita apenas um exame laboratorial. Em vez disso, os médicos costumam solicitar “baterias” de exames, os quais são, com frequência, comprovadamente úteis. Por exemplo, as anormalidades da função hepática podem fornecer uma pista para sintomas inespecíficos, como fraqueza generalizada e fadiga fácil, sugerindo o diagnóstico de uma doença hepática crônica. Às vezes, uma única anormalidade, como um nível sérico de cálcio elevado, indica determinada doença, como hi- perparatireoidismo ou câncer oculto. O uso criterioso dos exames de rastreamento (p. ex., medição do co- lesterol da lipoproteína de baixa densidade) pode ser bastante útil. Um con- junto de valores laboratoriais pode ser obtido de maneira conveniente em

uma única amostra a custo relativamente baixo. Testes de rastreamento são mais informativos quando são direcionados para doenças ou distúrbios co- muns e quando seus resultados indicam se outros exames ou intervenções úteis – mas frequentemente caros – são necessários. De um lado, os exames bioquímicos combinados com determinações laboratoriais simples, como hemograma, exame da urina e velocidade de hemossedimentação, com fre- quência oferecem indícios importantes acerca da existência de um processo patológico. Por outro lado, o médico deve aprender a avaliar anormalidades ocasionais detectadas por exames de rastreamento que nem sempre signifi- cam uma doença importante. A investigação aprofundada após a detecção de uma anormalidade laboratorial isolada em um paciente que está bem quanto aos demais aspectos quase sempre é inútil e improdutiva. Pelo fato de muitos exames serem realizados rotineiramente como rastreamento, não seria incomum se um ou dois deles apresentassem ligeiras alterações. No entanto, mesmo se não houver nenhuma razão para suspeitar de uma doença subjacente, os exames que produzem resultados anormais comu- mente são repetidos para descartar erro do laboratório. Se uma anorma- lidade é confirmada, é importante considerar seu significado potencial no contexto do estado do paciente e dos demais resultados laboratoriais. O desenvolvimento de exames de imagem tecnicamente melhorados com maior sensibilidade e especificidade prossegue aceleradamente. Esses exames fornecem informações anatômicas notavelmente detalhadas que podem ser cruciais na tomada de decisão clínica. A ultrassonografia, as cin- tilografias com uma variedade de isótopos, a tomografia computadorizada (TC), a ressonância magnética (RM) e a tomografia por emissão de pósi- trons superaram as técnicas mais antigas e invasivas e abriram novas pers- pectivas de diagnóstico. Sabendo-se da capacidade e da rapidez com que os exames de imagem podem conduzir a um diagnóstico, é tentador solicitar uma série deles. Todos os médicos tiveram experiências em que os exames radiológicos revelaram achados que levaram a um diagnóstico inesperado. Não obstante, os pacientes precisam submeter-se a cada um desses exames, e o custo adicional de exames desnecessários é considerável. Além disso, a pesquisa de um achado anormal inesperado pode ser associada a risco e/ou

FIGURA 1.1 Xilogravuras do Fasciculus Medicinae, de Johannes de Ketham, o primeiro texto médico ilustrado já impresso, mostram métodos de acesso à informação e troca na prática médica durante o início da Renascença. Inicialmente publicado em 1491 para uso pelos estudantes e profissionais de medicina, Fasciculus Medicinae surgiu em seis edições durante os 25 anos seguintes. Esquerda: Petrus de Montagnana, um famoso médico e professor da University of Padua e autor de uma antologia de estudos instrutivos, consulta textos médicos que datam da Antiguidade até o início da Renascença. Direita: um paciente com peste é atendido por um médico e seus assistentes. (Cortesia, U.S. National Library of Medicine.)

PARTE 1

Considerações gerais em medicina clínica

Saúde e doença da mulher Embora estudos epidemiológicos e experi- mentos clínicos pregressos tenham predominantemente enfocado os ho- mens, estudos mais recentes incluíram mais mulheres, e alguns, como o Women’s Health Initiative, abordaram exclusivamente as questões de saú- de da mulher. Existem diferenças significativas entre os sexos nas doen- ças que afligem tanto homens como mulheres. Ainda há muito a apren- der nessa área, e estudos em andamento devem aumentar a compreensão dos médicos sobre os mecanismos subjacentes a essas diferenças no curso e no desfecho de determinadas doenças. Para uma discussão mais com- pleta sobre a saúde da mulher, ver Capítulo 6e.

Assistência ao paciente idoso A proporção relativa de indivíduos idosos nas populações de nações desenvolvidas tem crescido consideravelmente nas últimas décadas e continuará crescendo. A prática da medicina é bas- tante influenciada pelas necessidades de assistência médica dessa cres- cente população demográfica. O médico precisa compreender e avaliar o declínio da reserva fisiológica associado ao envelhecimento; as diferenças em doses adequadas; a depuração e as respostas aos medicamentos; a di- minuição das respostas dos idosos às vacinações, como aquelas contra a gripe; as diferentes manifestações de doenças comuns entre os idosos; e os distúrbios que comumente ocorrem com o envelhecimento, como depressão, demência, fragilidade, incontinência urinária e fraturas. Para uma discussão mais completa sobre os cuidados médicos para idosos, ver Capítulo 11 e Parte 5, Capítulos 93e e 94e.

Erros na prestação de cuidados de saúde Um relatório do Institute of Me- dicine de 1999 propôs uma meta ambiciosa de reduzir as taxas de erro mé- dico e aumentar a segurança dos pacientes com a criação e implementação de mudanças fundamentais nos sistemas de assistência médica. Reações medicamentosas adversas ocorrem em pelo menos 5% dos pacientes hos- pitalizados e a incidência aumenta com o uso de um grande número de fármacos. Seja qual for a situação clínica, é responsabilidade do médico empregar as medidas terapêuticas poderosas com sabedoria, ponderando sua ação benéfica, os perigos potenciais e o custo. Também é responsabi- lidade dos hospitais e das organizações de assistência médica criar siste- mas que reduzam o risco e garantam a segurança dos pacientes. Erros de medicação podem ser reduzidos com o uso de sistemas de prescrição que dependam de processos eletrônicos ou, quando as opções eletrônicas não estiverem disponíveis, que eliminem a leitura errada da caligrafia. A imple- mentação de sistemas de controle de infecções, a adoção de protocolos de lavagem das mãos e a supervisão cuidadosa do uso de antibióticos podem reduzir ao mínimo as complicações de infecções hospitalares. As taxas de infecções de linha central foram drasticamente reduzidas em muitos cen- tros por meio da adesão cuidadosa de equipe treinada a protocolos para introdução e manutenção de linhas centrais. As taxas de infecção cirúrgica e a cirurgia em local errado podem ser da mesma maneira reduzidas pelo uso de protocolos padronizados e listas de verificação. Quedas dos pacien- tes podem ser minimizadas com o uso criterioso de sedativos e assistência adequada para transições do leito para a cadeira e do leito para o banheiro. Juntas, essas e outras medidas estão salvando milhares de vidas a cada ano.

O papel do médico no consentimento informado Os princípios fun- damentais da ética médica requerem que os médicos atuem de acordo com o melhor interesse do paciente e respeitem a autonomia dele. Essas exigências são particularmente relevantes na questão do consentimento informado. Solicita-se que os pacientes assinem um formulário de con- sentimento para essencialmente qualquer procedimento diagnóstico ou terapêutico. A maioria dos pacientes tem conhecimento médico limitado e depende das recomendações de seus médicos. Por meio de comunica- ção clara e compreensível, os médicos devem discutir de maneira abran- gente sobre as alternativas de cuidados e explicar os riscos, benefícios e consequências prováveis de cada alternativa. Em todos os casos, o médico é responsável por assegurar que o paciente compreenda completamente esses riscos e benefícios; incentivar a realização de perguntas é uma parte importante desse processo. Essa é a definição precisa de consentimento informado. Uma explicação completa, clara, e a discussão dos procedi- mentos e tratamento propostos podem diminuir bastante o medo do desconhecido que comumente acompanha a hospitalização. Uma comu- nicação excelente também pode ajudar a aliviar compreensões erradas em situações em que ocorrem complicações da intervenção. Frequente-

mente, a compreensão pelo paciente é melhorada pela discussão repetida de questões de maneira não ameaçadora e solidária, com respostas às perguntas que ocorrem ao paciente à medida que elas surgem. Deve-se ter um cuidado especial para assegurar que um médico que busca o consentimento informado do paciente não tenha um conflito de interesse real ou aparente envolvendo ganho pessoal. Abordagem aos prognósticos sombrios e à morte Nenhuma circuns- tância é mais angustiante do que o diagnóstico de uma doença incurável, principalmente quando a morte prematura for inevitável. O que deve ser dito ao paciente e a seus familiares? Que medidas devem ser tomadas para se manter a vida? O que pode ser feito para preservar a qualidade de vida? A honestidade é absolutamente essencial em face de uma doença terminal. O paciente precisa ter a oportunidade de conversar com o médi- co e fazer perguntas. O médico sensato e perspicaz usa uma comunicação aberta como base para avaliar o que o paciente quer saber e quando ele deseja saber. Com base nas respostas do paciente, o médico pode ava- liar o momento certo para partilhar informações. Finalmente, o paciente deve compreender o curso esperado da doença de maneira que se façam planos e preparações adequadas. O paciente deve participar da tomada de decisão com uma compreensão dos objetivos do tratamento (palia- ção) e de seus prováveis efeitos. As crenças religiosas do paciente devem ser consideradas. Alguns pacientes podem achar mais fácil compartilhar seus sentimentos sobre morte com seu médico, que provavelmente é mais objetivo e menos emotivo do que os familiares. O médico deve oferecer ou providenciar apoio emocional, físico e espiritual e ser compassivo, tranquilo e franco. Em muitos casos, há muito a ganhar com a tomada de medidas concretas. A dor deve ser adequadamen- te controlada, a dignidade humana deve ser preservada e o isolamento da família e dos amigos íntimos deve ser evitado. Esses aspectos da assistência tendem a ser menosprezados nos hospitais, nos quais a interferência dos aparelhos utilizados para sustentar a vida pode distrair as atenções que de- veriam estar voltadas para o indivíduo como um todo e acabar concentran- do as atenções na doença potencialmente fatal, em uma batalha que será perdida de qualquer modo. Diante de uma doença terminal, o objetivo da medicina deve passar de curar para cuidar, no sentido mais amplo do termo. Primum succurrere, primeiramente apressar-se para fornecer ajuda, é um princípio norteador. Quando estiver atendendo um paciente com doença terminal, o médico deve estar preparado para fornecer informações aos fa- miliares e para lidar com o sofrimento deles e, às vezes, com o sentimento de culpa ou mesmo de raiva que eles têm. É importante que o médico tran- quilize a família de que foi feito todo o possível. Um problema substancial nessa discussão é que o médico frequentemente não sabe como estimar o prognóstico. Além disso, vários membros da equipe de cuidados de saúde oferecem opiniões diferentes. A boa comunicação entre os prestadores é essencial para que informações consistentes sejam fornecidas para os pa- cientes. Isso é especialmente importante quando o próximo passo é incerto. O aconselhamento de especialistas em cuidados paliativos e terminais deve ser buscado sempre que necessário para assegurar que os médicos não estão fornecendo expectativas não realistas para os pacientes. Para uma discus- são mais completa sobre os cuidados terminais, ver Capítulo 10.

A RELAÇÃO MÉDICOPACIENTE A importância da relação pessoal estreita entre médico e paciente deve ser enfatizada de maneira muito forte, pois, em um número ex- traordinariamente grande de casos, tanto o diagnóstico quanto o tra- tamento dependem diretamente dela. Uma das qualidades essenciais do médico é o interesse pelo ser humano, pois o segredo da assistên- cia ao paciente está em assistir o paciente. —Francis W. Peabody, 21 de outubro de 1925, Palestra na Harvard Medical School

Os médicos jamais devem esquecer que os pacientes são seres humanos individuais com problemas que quase sempre transcendem suas quei- xas físicas. Os pacientes não são “casos” ou “admissões” ou “doenças”. Os pacientes não fazem os tratamentos falharem; os tratamentos falham em beneficiar os pacientes. Esse aspecto é particularmente importante nesta era de alta tecnologia na medicina clínica. A maioria dos pacientes é ansiosa e tem medos. Os médicos devem passar confiança e oferecer tranquilização, mas nunca devem ser arrogantes ou condescendentes.

CAPÍTULO 1

A prática da medicina

Uma atitude profissional, aliada ao calor humano e à franqueza, pode fazer muito para aliviar a ansiedade e incentivar os pacientes a partilha- rem todos os aspectos de sua história clínica. Empatia e compaixão são as características essenciais de um médico atencioso. O médico precisa considerar a situação em que a doença ocorre – em termos não apenas do paciente em si, mas também de seus ambientes familiar, social e cultural. A relação médico-paciente ideal baseia-se no conhecimento completo do paciente, na confiança mútua e na capacidade de comunicação.

Dicotomia da medicina interna na internação e no ambiente ambulatorial O ambiente hospitalar mudou radicalmente nas últimas décadas. Os seto- res de emergência e as unidades de cuidados intensivos desenvolveram-se para identificar e tratar os pacientes criticamente doentes, possibilitando a eles sobreviver a doenças antigamente fatais. Ao mesmo tempo, há uma pressão crescente para se reduzir o tempo de estada no hospital e tratar distúrbios complexos em ambulatório. Essa transição foi conduzida não apenas pelos esforços para reduzir os custos, mas também pela disponi- bilidade de novas tecnologias no ambulatório, como obtenção de imagem e cateteres percutâneos para infusão de antibióticos ou para nutrição de longo prazo, procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos e evidên- cias de que os resultados frequentemente melhoram quando se minimiza a hospitalização do paciente internado. Nessas circunstâncias, duas questões importantes surgem à medida que os médicos lidam com as complexidades da prestação de cuidados para os pacientes hospitalizados. Por um lado, profissionais de saúde alta- mente especializados são essenciais para a prestação de cuidados agudos ideais no hospital; por outro lado, esses profissionais – com seu treina- mento, habilidades, responsabilidades, experiências, linguagens e “cultu- ras” distintas – precisam trabalhar em equipe. Além dos leitos clínicos tradicionais, os hospitais atualmente consis- tem em múltiplos níveis distintos de cuidado, como setor de emergência, salas de procedimentos, unidades de observação noturna, unidades de cuidados intensivos e unidades de cuidados paliativos. Uma consequência dessa diferenciação foi o surgimento de novas tendências, como especialida- des (p. ex., medicina de emergência e cuidados terminais) e a prestação de cuidados dentro do hospital por hospitalistas e intensivistas. A maior parte dos hospitalistas é de clínicos gerais certificados nas sociedades, que têm a responsabilidade primária pelo cuidado de pacientes hospitalizados e cujo trabalho é inteiramente limitado ao ambiente hospitalar. A permanência encurtada no hospital que agora é padrão significa que a maioria dos pa- cientes recebe apenas cuidados agudos enquanto hospitalizados; o aumento das complexidades da medicina do paciente internado torna a presença de um clínico geral com treinamento, habilidades e experiência específicos no ambiente do hospital extremamente benéfica. Intensivistas são médicos for- mados que também são certificados em cuidados intensivos e que direcio- nam e fornecem cuidados para os pacientes muito doentes em unidades de cuidados intensivos. Claramente, um desafio importante na medicina inter- na atualmente é, então, assegurar a continuidade do fluxo da comunicação e da informação entre um médico de cuidados primários de um paciente e esses médicos que são responsáveis pelos cuidados do paciente no hospital. Manter esses canais de comunicação é frequentemente complicado pelas “transferências” do paciente – ou seja, do ambiente ambulatorial para o am- biente de internação, da unidade de cuidados intensivos para o andar de medicina geral e do hospital para o ambulatório. O envolvimento de muitos prestadores de cuidados, juntamente com essas transições, pode ameaçar a tradicional relação entre paciente e médico de cuidados primários. Eviden- temente, os pacientes podem beneficiar-se bastante da colaboração efetiva entre alguns profissionais de saúde; contudo é dever do médico principal ou primário (o que fez o primeiro atendimento) do paciente fornecer orienta- ção coesa durante uma doença. Para vencer esse desafio, o médico primário tem de estar familiarizado com as técnicas, as habilidades e os objetivos dos médicos especialistas e profissionais de saúde associados que cuidam dos pacientes no hospital. Além disso, os médicos de cuidados primários devem assegurar que seus pacientes irão beneficiar-se dos avanços científicos e da expertise de especialistas quando eles são necessários dentro e fora do hospi- tal. Os médicos de cuidados primários também podem explicar o papel des- ses especialistas a fim de tranquilizar os pacientes a respeito de eles estarem em mãos de médicos mais bem treinados para tratar uma doença aguda. No entanto, o médico de cuidados primários deve reter a responsabilidade

final de tomar decisões mais importantes sobre o diagnóstico e o tratamento e deve assegurar aos pacientes e às suas famílias que decisões estão sendo tomadas em consulta com esses especialistas por um médico que tem uma perspectiva global e completa do caso. Um fator essencial na redução dos problemas associados a vários pres- tadores de cuidados é o compromisso com a equipe de trabalho profissional. Apesar da diversidade no treinamento, habilidades e responsabilidades en- tre os profissionais de saúde, valores comuns precisam ser reforçados caso o cuidado do paciente não seja adversamente afetado. Esse componente do cuidado médico eficaz é amplamente reconhecido, e várias escolas de medi- cina integraram um trabalho de equipe interprofissional em seu currículo. O conceito recente de “domicílio médico” incorpora cuidados primários ofe- recidos por uma equipe, incluindo cuidados especializados, em um ambien- te coeso que assegura transições suaves e de maneira custo-efetiva. Avaliação da experiência do paciente no hospital Para a maioria dos indi- víduos, o hospital é um ambiente intimidador. Os pacientes hospitalizados veem-se cercados de jatos de ar, botões e luzes reluzentes; invadidos por tu- bos e fios; e importunados por inúmeros membros da equipe de assistência médica – hospitalistas, especialistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, auxiliares de médicos, assistentes sociais, tecnólogos, fisioterapeutas, estu- dantes de medicina, médicos-residentes, médicos de atendimento e consul- tores e muitos outros. Eles podem ser transportados para laboratórios espe- ciais e locais para realização de exames de imagem em aparelhos que podem assustar, com luzes, sons estranhos e profissionais desconhecidos; podem ser deixados desacompanhados por algum tempo; podem ser obrigados a divi- dir o quarto com outros pacientes que já têm seus próprios problemas. Não é de se admirar que o senso de realidade de um paciente fique comprometido. Os médicos que avaliam a experiência no hospital a partir da perspectiva do paciente e fazem um esforço para desenvolver uma forte relação pessoal com ele, por meio da qual são capazes de orientá-lo durante essa experiência, po- dem transformar uma situação estressante em algo mais tolerável. Tendências na prestação de assistência médica: um desafio para o médi- co humanitário Muitas tendências na prestação de assistência médica conduzem a um cuidado clínico impessoal. Essas tendências, algumas já mencionadas, incluem (1) esforços vigorosos para reduzir os custos cada vez mais altos da assistência médica; (2) o número crescente de progra- mas de assistência gerenciada, que têm a intenção de reduzir custos, mas nos quais o paciente pode ter poucas opções de escolher um médico ou consultar esse médico de maneira constante; (3) confiança crescente em avanços tecnológicos e informatização para muitos aspectos do diagnós- tico e do tratamento; e (4) necessidade de inúmeros médicos envolvidos no cuidado da maioria dos pacientes que estão gravemente doentes. Em virtude dessas mudanças no sistema de saúde, é um grande desa- fio para os médicos manter os aspectos humanitários da assistência médica. O American Board of Internal Medicine, trabalhando juntamente com o American College of Physicians – American Society of Internal Medicine e European Federation of Internal Medicine, publicou uma Carta sobre o Profissionalismo Médico que ressalta três princípios muito importantes no contrato entre os médicos e a sociedade: (1) a primazia do bem-estar do paciente, (2) a autonomia do paciente, e (3) a justiça social. Embora as fa- culdades de medicina coloquem, de maneira adequada, ênfase substancial no profissionalismo, os atributos pessoais de um médico, como integridade, respeito e compaixão, também são extremamente importantes. A dispo- nibilidade, a expressão da preocupação sincera, a vontade de dedicar um tempo para explicar todos os aspectos da doença e uma atitude sem julga- mento ao lidar com pacientes cuja cultura, estilo de vida, atitudes e valores diferem daqueles do médico, são apenas algumas das características de um médico humanitário. Todo médico será, muitas vezes, desafiado pelos pa- cientes que evocam respostas emocionais fortemente negativas ou positivas. Os médicos devem estar alertas a suas próprias reações com esses pacientes e situações e devem monitorar e controlar de maneira conscienciosa seu comportamento, de modo que o maior interesse do paciente continue sendo a principal motivação para suas ações em todos os momentos. Um aspecto importante do cuidado do paciente envolve uma ava- liação da “qualidade de vida” do paciente, uma avaliação subjetiva do que cada paciente valoriza mais. Essa avaliação requer conhecimento detalha- do, às vezes íntimo do paciente, o que, em geral, só pode ser obtido por meio de conversas ponderadas, sem pressa e frequentemente repetidas.

CAPÍTULO 1

A prática da medicina

Expectativas do público e responsabilidade O nível de conhecimento e so- fisticação com relação às questões de saúde por parte do público em geral tem aumentado rapidamente nas últimas décadas. Como resultado, suas expectativas para com o sistema médico em geral e com os médicos em par- ticular aumentaram. O público espera que os médicos tenham a proficiência em seus campos, que estão em rápida evolução (a ciência da medicina), e ao mesmo tempo considerem as necessidades específicas dos seus pacientes (a arte da medicina). Assim, os médicos são responsáveis não apenas pelos aspectos técnicos da assistência que prestam, mas também pela satisfação dos seus pacientes com o serviço prestado e com os custos da assistência. Em muitas partes do mundo, crescem as expectativas para que os médicos justifiquem a maneira como praticam a medicina, atendendo a determinados padrões estabelecidos pelos governos federais e locais. A hospitalização dos pacientes cujos custos de assistência médica são re- embolsados pelo governo e por terceiros está sujeita a auditoria. Assim, o médico vê-se obrigado a justificar a causa e a duração da internação de um paciente, caso esta fuja a determinados padrões “médios”. A autoriza- ção para reembolso baseia-se cada vez mais na documentação da nature- za e da complexidade da doença, refletida pelos elementos da anamnese e do exame físico documentados. Um movimento pelo “pagamento por desempenho” procura vincular o reembolso à qualidade da assistên- cia. O propósito desse movimento é melhorar os padrões da assistência médica e conter os custos explosivos da assistência médica. Em muitas partes dos Estados Unidos (EUA), os contratos de cuidados gerenciados (por capitação) com seguradoras substituíram o cuidado com pagamento por serviço tradicional, colocando o ônus do gerenciamento do custo de todo o cuidado diretamente nos provedores e aumentando a ênfase nas estratégias de prevenção. Além disso, espera-se que os médicos forneçam comprovação da sua competência, por meio de educação médica conti- nuada, que é obrigatória, revisão de prontuários dos pacientes, manuten- ção da certificação e renovação da habilitação para exercer a profissão.

Ética médica e novas tecnologias O rápido andamento dos avanços da tecnologia tem profundas implicações para as aplicações clínicas, que vão além de seus papéis tradicionais de evitar, tratar e curar doenças. A clona- gem, a engenharia genética, a terapia gênica, as interfaces homem-com- putador, a nanotecnologia e as drogas sintéticas têm o potencial de mo- dificar a predisposição herdada de desenvolver certas doenças, selecionar características desejadas em embriões, aumentar o desempenho humano “normal”, substituir tecidos com defeitos e prolongar consideravelmente o tempo de vida. Dado seu treinamento exclusivo, os médicos têm uma responsabilidade de ajudar a delinear o debate sobre os usos adequados de e os limites colocados para essas técnicas e de considerar com cuidado as questões éticas associadas à implementação dessas intervenções.

O médico como eterno estudante A partir do momento em que os médicos terminam a graduação em medicina, torna-se aparente que o destino deles é o de serem “eternos estudantes”, e que o mosaico de seu conhecimento e experiências não termina nunca. Esse conceito é, ao mes- mo tempo, estimulante e angustiante. É estimulante porque os médicos podem aplicar o conhecimento em constante expansão no tratamento de seus pacientes; é angustiante porque os médicos percebem que nunca saberão tanto quanto querem ou precisam saber. O ideal é que os médi- cos transformem esse sentimento de angústia em energia para continuar a aperfeiçoar e concretizar seu potencial. É responsabilidade do médico buscar continuamente novos conhecimentos, lendo, participando de con- ferências e cursos, e consultando colegas e a internet. Muitas vezes, essa é uma tarefa difícil para um profissional ocupado; contudo esse compro- misso com a aprendizagem contínua é parte integrante da prática médica e deve ser encarado como prioridade.

O médico como cidadão Ser médico é um privilégio. A capacidade de alguém aplicar suas habilidades para o benefício de humanos é uma vo- cação nobre. A relação médico-paciente é inerentemente desequilibrada na distribuição de poder. Por ser influente, um médico deve estar sem- pre consciente do impacto potencial daquilo que faz e fala e deve sem- pre se esforçar para despir-se de preconceitos e preferências individuais para encontrar o que é melhor para o paciente. Na medida do possível, os médicos também devem tentar atuar dentro de sua comunidade para promover a saúde e aliviar o sofrimento. O cumprimento dessas metas

começa por um exemplo saudável e continua em ações que podem ser adotadas para prestar cuidados necessários, mesmo quando a compensa- ção financeira pessoal pode não estar disponível. Uma meta para a medicina e seus praticantes é esforçar-se para fornecer os meios pelos quais o menos favorecido financeiramente possa deixar de ficar doente.

Aprendizagem da medicina Um século se passou desde a publicação do Relatório Flexner, um estudo original que transformou a educação médica e enfatizou os fundamentos científicos da medicina, bem como a aquisição de habilidades clínicas. Em uma era de crescente informação e acesso à si- mulação médica e à informática, muitas escolas estão implementando no- vos currículos que enfatizem a aprendizagem ao longo da vida e a aquisi- ção de competências no trabalho em equipe, habilidades de comunicação, prática baseada em sistemas de órgãos e profissionalismo. Essas e outras características do currículo da escola de medicina fornecem a base para muitos dos temas destacados neste capítulo, e espera-se que possibilitem aos médicos a evolução, com experiência e aprendizagem progressivas, da competência para a proficiência e depois para a maestria. Em um momento em que a quantidade de informação que se deve dominar para exercer a medicina continua se ampliando, pressões cada vez maiores tanto dentro como fora da medicina levaram à implementação de restrições sobre a quantidade de tempo que um médico em formação pode passar no hospital. Pelo fato de os benefícios associados à continuidade dos cuidados médicos e observação do progresso de um paciente ao longo do tempo terem sido considerados superados pelos estresses impostos aos resi- dentes por longas horas e pelos erros relacionados com a fadiga que eles co- meteram ao cuidar dos pacientes, limites rigorosos foram estabelecidos com relação ao número de pacientes pelos quais os residentes poderiam ser res- ponsáveis de uma só vez, ao número de novos pacientes que eles poderiam avaliar em um dia de plantão e ao número de horas que poderiam passar no hospital. Em 1980, os residentes de medicina trabalhavam no hospital mais de 90 horas por semana em média. Em 1989, as horas foram restritas a não mais que 80 por semana. As horas dos médicos residentes diminuíram ainda mais em cerca de 10% entre 1996 e 2008, e, em 2010, o Accreditation Council for Graduate Medical Education impôs restrições (ou seja, 16 horas/ turno) sobre horas de serviço contínuas no hospital para os residentes do primeiro ano. O impacto dessas mudanças continua sendo avaliado, mas há poucas evidências de que os erros médicos tenham diminuído como conse- quência. Um subproduto inevitável de menos horas no trabalho é um au- mento no número de “transferências” de responsabilidade por um paciente de um médico para outro. Essas transferências muitas vezes envolvem a transição de um médico que conhece bem o paciente, tendo o avaliado na admissão, para um médico que conhece bem menos esse paciente. É impe- rativo que se lide com essas transições de responsabilidade com cuidado e rigor e com todas as informações relevantes trocadas e reconhecidas.

Pesquisa, ensino e prática da medicina A palavra doutor é derivada do latim docere, “ensinar”. Como professores, os médicos devem partilhar in- formações e conhecimento clínico com os colegas, estudantes de medicina e de profissões relacionadas e com seus pacientes. A prática da medicina depende da soma dos conhecimentos médicos, que, por sua vez, estão baseados em uma cadeia ininterrupta de descobertas científicas, observa- ções clínicas, análises e interpretações. Os avanços da medicina dependem da aquisição de informações novas, por meio da pesquisa, e a melhora da assistência médica exige a disseminação dessas informações. Como parte das responsabilidades sociais mais amplas, o médico deve estimular seus pacientes a participarem das pesquisas clínicas éticas e rigorosamente aprovadas, caso esses estudos não lhes acarretem riscos, desconforto ou inconvenientes inaceitáveis. No entanto, os médicos que participam de pesquisas clínicas devem estar atentos aos potenciais conflitos de interes- ses entre seus objetivos de pesquisa e suas obrigações com cada paciente. Os melhores interesses do paciente devem sempre ser prioritários.

Roubar da natureza os segredos que desconcertaram filósofos de todos os tempos, vasculhar em suas fontes as causas das doenças, correla- cionar os grandes reservatórios de conhecimento, para que estejam facilmente disponíveis para a prevenção e a cura das doenças – essas são as nossas ambições. —William Osler, 1849-