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Rubem Alves nos deixou ou ficou encantado, como ele gostava de dizer das pessoas queridas, que morrem e deixam saudades.
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Lori Altmann^1 Roberto E. Zwetsch^2
Rubem Alves nos deixou ou ficou encantado, como ele gostava de dizer das pessoas queridas, que morrem e deixam saudades. Vamos, sim, curtir muita saudade com a ausência desse escritor, teólogo, educador, filósofo da educação, psicanalista, e pastor no início de sua carreira. Mas com a saudade ficará a ternura por ele e o apreço e amor por seus livros, suas crônicas, seus contos infantis, escritos para crianças que ele adorava, mas que adultos amam, e como! Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, MG, em 15/09/1933, mesma cidade de seu famoso conterrâneo, o músico Nelson Freire. É também a cidade reverenciada por
(^1) Universidade Federal de Pelotas, Brasil. (^2) Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, Brasil.
Lori Altmann; Roberto E. Zwetsch
Lamartine Babo e Francisco Alves na conhecida música “Serra da Boa Esperança”. Se Nelson Freire se revelou excepcional como pianista, Rubem Alves será sempre lembrado por sua contribuição à literatura brasileira, ao pensamento sobre a educação e a filosofia da ciência, por seus livros infantis e, não por último, por sua teologia que, nos anos de 1970, se filiou à Teologia da Libertação, ainda que por um caminho independente e muito particular. Ele faleceu em Campinas, cidade onde viveu boa parte de sua vida, no dia 19/07/2014. Conforme registrado em carta guardada por seu ex- colega e amigo Carlos Rodrigues Brandão, que teve a autorização para divulgá-la, assim ele resumiu sua trajetória humana: Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia [...]. Não tenho medo da morte, embora tenha medo do morrer. O morrer pode ser doloroso e humilhante, mas à morte, eis uma pergunta. Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de nascer, antes do Big Bang? Durante esses bilhões de anos, não sofri e não fiquei aflito para que o tempo passasse. Voltarei para lá até nascer de novo. Suas cinzas haverão de fecundar o chão que amou e pelo qual dedicou uma vida inteira de sonhos de liberdade, beleza e paz criadora. E como ele optou, ainda em vida, pela cremação, elas serão depositadas à sombra de um ipê, árvore-símbolo da árvore da vida. Rubem Alves estudou teologia em sua juventude no Seminário Presbiteriano de Campinas, onde foi aluno do teólogo norte-americano Richard Shaull, que contribuiu com o surgimento da teologia latino-americana nos anos de 1950 e 1960 com sua “teologia da revolução”. Formou-se em 1957 e no ano seguinte foi enviado por sua Igreja Presbiteriana do Brasil para a cidade de Lavras, onde exerceu o pastorado até
Lori Altmann; Roberto E. Zwetsch
com a missão renovada de divertir. Ensinar é fazer aquele momento único e especial, ou conforme uma máxima latina, rindo, dizer coisas sérias. Rubem Alves procurava assim mostrar que esta é a forma mais eficaz de transmitir conhecimento. Sua magia não procurava iludir, mas abrir a possibilidade de, pela fantasia, imaginar novos mundos possíveis, que estão guardados nos sonhos mais profundos da humanidade. Depois de aposentar-se, tornou-se proprietário de um restaurante em Campinas, que lhe permitiu desenvolver sua paixão pela culinária, inspirado pela protagonista do extraordinário filme A festa de Babette , uma das obras de cinema que mais apreciou. O lugar também serviu para ministração de cursos sobre cinema, pintura e literatura, além de contar com um ótimo trio de música ao vivo, contando ainda com a colaboração espontânea de musicistas da Faculdade de Música da UNICAMP. Ele tinha um site, A Casa de Rubem Alves , que permitia seguir suas reflexões como poeta, educador, pensador, sábio. Recebeu o título de cidadão honorário de Campinas e ainda a Medalha Carlos Gomes de contribuição à cultura. Foi membro da Academia Campinense de Letras. Sobre Rubem Alves e sua obra foram escritas muitas teses e dissertações. Numa delas, Iuri Andreas Reblin reconstrói com competência e ousadia a “teologia de Rubem Alves”, a ponto de surpreender o próprio teólogo, como ficou registrado em carta a Iuri, publicada na apresentação do livro Outros cheiros, outros sabores ... O pensamento teológico de Rubem Alves (São Leopoldo: Oikos, Faculdades EST, 2009). Nessa memória, queremos cada qual deixar registrado nossa particular relação de amizade com Rubem Alves para guardar o sabor da experiência pessoal que ele nos proporcionou. Por isto, no que segue, primeiro Lori Altmann vai trazer sua palavra, seguida depois pela de Roberto Zwetsch.
Lori Altmann:
Perdemos um amigo, um inspirador. Outro dia li uma referência afetuosa da querida Ivone Gebara a ele. Muitas pessoas bebiam de sua fonte de sabedoria. Desde crianças, através de seus livros infantis (segundo ele, eram para todas as idades!), até pessoas jovens, adultas ou idosas. Como psicanalista, se autodefinia como eclético. Ele dizia que o bom psicanalista precisa, acima de tudo, ter bom senso e sensibilidade para com a outra pessoa. É essa 476
“OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA”
sensibilidade, que nos transmitia mesmo que a distância. Já morando em São Leopoldo, depois de passar um tempo em São Paulo para estudos de mestrado, recebi dele um livro, através de amiga em comum, com esta dedicatória: "Lori: Você passou a fazer parte do mundo das minhas memórias. Andamos juntos por tantos caminhos de tristeza e de alegria! Penso sempre no Daniel e nos seus sentimentos de mãe... De longe, de alguma forma, continuamos próximos. O afeto do Rubem Alves". Se Rubem Alves já vivia em nossa memória, agora permanecerá, pois como bem escreveu Martha Medeiros em Feliz por nada. Rimas da vida e da morte: "[...] a gente vive até o dia em que morre a última pessoa que lembra de nós. Pode ser um filho, um neto, um bisneto ou um admirador, mas enquanto essa pessoa viver, mesmo a gente já tendo morrido, viveremos através da lembrança dela. [...] A única homenagem possível: mantê-la viva através do que recordo dela" (p. 111-113). Quero deixar alguns pensamentos de Rubem Alves que me impactaram:
Agora é tempo da felicidade. Cada novo dia é um milagre de graça; até o fim, sem deixar nada para amanhã! Tempus Fugit! Portanto, colha o dia que se inicia como quem colhe uma flor, que nunca mais se repetirá. O amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido. [...] É preciso saber ouvir. Acolher. Deixar que o outro entre dentro da gente. Ouvir em silêncio. [...] E é preciso saber falar. (...) Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir. E, sobretudo, os que se dedicam à difícil arte de adivinhar: adivinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro ( O retorno e terno – Crônicas. Campinas: Papirus, 1992: 25).
Roberto E. Zwetsch:
Estava no sábado em Belo Horizonte e depois de me comunicar com Lori por telefone soube do falecimento do Rubem Alves. No domingo, 20/7, os jornais do país anunciavam a morte do educador, psicanalista, escritor, filósofo da educação, teólogo, pastor Rubem Alves. Também me junto a vocês, amigas e amigos, na tristeza e na saudade desse homem extraordinário. Eu era estudante da Faculdade de Teologia da IECLB em São Leopoldo, em 1972. A direção da Faculdade convidou certo dia Rubem Alves para nos visitar e nos ministrar uma aula. Ele nos encantou. Sabia como poucos falar sem ler aqueles papeis amarelados de aulas escritas há muito e por vezes nunca revisadas. Sua fala vinha embasada num amplo leque teórico, eclético como escreveu Lori, mas rigoroso, provocativo, e às vezes, até demolidor de falsas certezas, o que nos deslumbrava mais 477
“OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA”
descobriu um "método infalível" para calar o sujeito intrometido. Quando o dito perguntava quem ele era, Rubem respondia: “Sou um cara esquizofrênico, meio louco, me separei da mulher, vivo muito sozinho, tenho um caminhão de problemas na minha vida, não sei mais o que fazer”. Pronto, o outro virava de lado e Rubem, com aquele seu sorriso característico e irônico, se via livre do incômodo e podia pensar e descansar tranquilamente. Como prometido, termino com um trecho de Variações sobre o prazer :
Lênin confessava ter muito medo da sonata Appassionata de Beethoven. Felizmente (ou infelizmente, tudo depende do ponto de vista), no tempo dele ainda não havia CDs. Para que a música fosse ouvida era preciso que alguém a tocasse. Eu já ouvi Beethoven muito mais vezes que ele mesmo. Não tenho informações históricas sobre se Lênin tinha uma ‘victrola’ (palavra que, aprendi faz poucos dias, se deriva de RCA Victor ...) para ouvir a música. O fato é que ele declarou que poderia ouvir a Appasionata o dia inteiro, ele ficava transtornado, entrava num estado parecido ao frenesi de que falou Zaratustra, e era dominado por um desejo de sair pelas ruas abraçando todo mundo, com o perigo, inclusive, de que abraçasse algum banqueiro ou oficial do exército do tsar (p. 89).
Assim escrevia nosso querido amigo e agora "ancestral" Rubem Alves, que foi presbiteriano e que - apesar das instituições e seus burocratas - elevou o presbiterianismo no Brasil a um patamar que causa orgulho aos seus irmãos e irmãs de fé que foram fieis a sua amizade. Vamos sentir muito a sua falta, mas ele nos deixou tanta literatura que podemos conviver com ele por muito tempo. Que o Deus da paz ( shalom ) e da música de Beethoven o tenha em seu regaço.
Pelotas/São Leopoldo, 23 de julho de 2014.
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