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OS TRÊS MOSQUETEIROS | Kbook, Notas de aula de Direito

OS TRÊS MOSQUETEIROS. Volume 1. ALEXANDRE DUMAS. Coleção Livros de Bolso - 398. Publicações Europa América. Digitalização e Arranjo. Agostinho Costa.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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OS TRÊS MOSQUETEIROS
Volume 1
ALEXANDRE DUMAS
Coleção Livros de Bolso - 398
Publicações Europa América
Digitalização e Arranjo
Agostinho Costa
Texto Digitalizado Para Ser Lido
Por Deficientes Visuais
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OS TRÊS MOSQUETEIROS

Volume 1 ALEXANDRE DUMAS Coleção Livros de Bolso - 398 Publicações Europa América Digitalização e Arranjo Agostinho Costa Texto Digitalizado Para Ser Lido Por Deficientes Visuais

Romance histórico, Os Três Mosqueteiros pertencem com efeito a esse gênero literário que Walter Scott pôs em moda por volta de 1820. Dumas teceu as suas ficções sobre uma trama do século XVII, misturando personagens reais das mais altamente colocadas com personagens imaginárias. A sua inspiração faz agir e falar Luís XIII e Richelieu, Ana de Áustria e Buckingham, reviver toda uma época em que se sucedem as aventuras dos seus heróis, D’Artagnan, Athos, Porthos, Aramis e essa fascinante Milady, à volta da qual a ação se desenrola com inegável poder dramático. Gerações de leitores foram subjugados por esta obra brilhante, cheia de movimento, de cor e de espírito. Hoje, passado mais de um século, o livro conserva toda a sua frescura. Do mesmo autor, nesta coleção: A TULIPA NEGRA O CONDE DE MONTE-CRISTO Título Original: Les Trois Mosquetaires Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues Os Três Mosqueteiros Alexandre Dumas Direitos Reservados por Publicações Europa-América Lda. Apartado 8 2726 MEM MARTINS CODEX PORTUGAL

Calcule-se como foi grande a nossa alegria quando, ao folhearmos o manuscrito, nossa derradeira esperança, encontramos na vigésima página o nome de Athos, na vigésima sétima o nome de Porthos e na trigésima primeira o nome de Aramis. A descoberta de um manuscrito completamente desconhecido numa época em que a ciência histórica atingiu tão alto grau de desenvolvimento pareceu-nos quase milagrosa. Apressamo-nos por isso a solicitar autorização para mandar imprimi-lo, a fim de nos apresentarmos um dia com a bagagem de outro na Academia de Inscrições e Belas-Artes, se não chegássemos, coisa muito provável, a entrar na Academia Francesa com a nossa própria bagagem. Tal autorização, devemos dizê-lo, foi-nos graciosamente concedida, o que consignamos aqui para dar desmentido público aos mal-intencionados que pretendem que vivemos sob um governo assaz mediocremente disposto a respeito dos escritores. Ora, è a primeira parte desse precioso manuscrito que oferecemos hoje aos nossos leitores, depois de lhe restituirmos o título que lhe pertence, com o compromisso de se, como não duvidamos, esta primeira parte obtiver o êxito que merece, publicarmos imediatamente a segunda. Entretanto, como o padrinho é um segundo pai, convidamos o leitor a responsabilizar-nos, e não ao conde de La Fere, pelo seu prazer ou pelo seu aborrecimento. Posto isto, passemos à nossa história.

OS TRÊS PRESENTES DO SR. D’ARTAGNAN PAI

Na primeira segunda-feira do mês de Abril de 1625 o burgo de Meung, onde nasceu o autor do Romance da Rosa, parecia encontrar-se em estado de revolução tão completa como se os huguenotes nela tivessem vindo fazer uma segunda Rochelle. Vários burgueses, ao verem correr as mulheres para os lados da rua principal e ouvirem as crianças gritar no limiar das portas, tinham-se apressado a vestir a couraça e, apoiando a sua coragem um pouco duvidosa num mosquete ou numa partazana, dirigiram-se para a estalagem do Franc Meunier, diante da qual se comprimia, engrossando de minuto a minuto, um grupo compato, ruidoso e cheio de curiosidade. Naqueles tempos o pânicos era frequente e passavam-se poucos dias sem que uma ou outra cidade registrasse nos seus arquivos algum acontecimento do gênero. Havia os fidalgos que guerreavam uns com os outros; havia o rei que fazia guerra ao cardeal, e havia o Espanhol que fazia guerra ao rei. Depois, além dessas guerras surdas ou públicas, secretas ou patentes, havia ainda os ladrões, os mendigos, os huguenotes, os lobos e os lacaios, que faziam guerra a toda a gente. Os burgueses armavam-se sempre contra os ladrões, contra os lobos e contra os lacaios, muitas vezes contra os fidalgos e os huguenotes e algumas vezes contra o rei, mas nunca contra o cardeal e o Espanhol. Resultou portanto desse hábito adquirido que na supracitada primeira segunda-feira do mês de Abril de 1625 os burgueses, ouvindo barulho e não vendo nem o pendão amarelo e vermelho, nem a libré do duque de Richelieu, se precipitaram para as bandas da estalagem do Franc Meunier. Chegando lá, todos puderam ver e identificar a causa daquele rumor. Um jovem... - tracemos o seu retrato numa penada, imaginem D. Quixote aos dezoito anos, D. Quixote sem corselete, sem cota de malha e sem escarcelas, D. Quixote de gibão de lã cuja cor azul se transformara num tom indefinível de borra de vinho e azul-celeste. Rosto comprido e moreno, maçãs-do-rosto salientes, sinal de astúcia, músculos maxilares enormemente desenvolvidos, indício infalível pelo qual se reconhece o Gascão, mesmo sem boina, e o nosso jovem trazia uma boina ornada com uma espécie de pluma; olhos francos e inteligentes; nariz adunco, mas finamente desenhado, muito alto para um adolescente, muito pequeno para um homem feito, e que um olhar pouco experiente tomaria por um filho de rendeiro em viagem, sem a sua longa espada que, pendente do boldrié de cabedal, batia nas barrigas das pernas do seu proprietário quando ele estava a pé e no pêlo eriçado da sua montaria quando estava a cavalo. Porque o nosso jovem tinha uma montaria, e essa montaria era até tão notável que dava nas vistas: era um garrano do Béarn, de doze ou catorze anos, de pelagem amarela, sem crinas na cauda, mas não sem gavarros nas pernas, e que, embora caminhasse com a cabeça mais baixa do que os joelhos, e que tornava inútil a aplicação da gamarra, percorria mesmo assim as suas oito léguas por dia. Infelizmente, as qualidades do cavalo estavam tão bem escondidas debaixo da sua pelagem estranha e do seu aspecto incongruente, que numa época em que todos entendiam de cavalos o aparecimento do sobredito garrano em Meung, onde entrara havia pouco mais ou menos um quarto de hora pela

Depois disto, o Sr. D’Artagnan pai cingiu ao filho a sua própria espada, beijou-o ternamente em ambas as faces e deu-lhe a sua bênção. Quando saiu do quarto paterno, o jovem encontrou a mãe, que o esperava com a famosa receita de que os conselhos que acabamos de referir deviam impor uso bastante frequente. As despedidas foram deste lado mais longas e mais ternas do que haviam sido do outro, não porque o Sr. D’Artagnan não amasse o filho, que era a sua única progenitura, mas sim porque o Sr. D’Artagnan era um homem e consideraria indigno de um homem ceder à emoção, ao passo que a Sra D’Artagnan era mulher e além disso mãe. Chorou portanto abundantemente e, digamo-lo em louvor do Sr. D’Artagnan filho, apesar dos esforços que este fez para se manter firme como competia a um futuro mosqueteiro, a natureza levou a melhor e ele verteu muitas lágrimas, de que com grande custo conseguiu ocultar metade. O jovem pôs-se a caminho no mesmo dia, munido dos três presentes paternos e que se compunham, como dissemos, de quinze escudos, do cavalo e da carta para o Sr. de Tréville. Como é fácil de calcular, os conselhos tinham sido dados à margem dos presentes. Com semelhante vade-mécum, D’Artagnan ficou, tanto moral como fisicamente, uma cópia exata do herói de Cervantes, com o qual tão felizmente o comparamos quando os nossos deveres de historiador nos colocaram na necessidade de traçar o seu retrato. D. Quixote tomava os moinhos de vento por gigantes e os carneiros por exércitos, D’Artagnan tomou cada sorriso por um insulto e cada olhar por uma provocação. Graças a isso teve sempre o punho fechado de Tarbes até Meung, e que em média levou a mão à espada dez vezes por dia, todavia nem punho desceu contra nenhum queixo, nem a espada saiu da bainha, só não impediu que a vista do malfadado garrano amarelo provocasse alguns sorrisos no rosto dos transeuntes, mas como por cima do garrano soava uma espada de tamanho respeitável e por cima dessa espada brilhava um olhar mais feroz do que orgulhoso, os transeuntes reprimiam a sua hilaridade, ou se a hilaridade levava a melhor à prudência, procuravam ao menos rir só de um lado, como as máscaras antigas! D’Artagnan manteve-se por tanto majestoso e intato na sua susceptibilidade até à malfadada cidade de Meung. Mas ai, quando desceu do cavalo à porta do Franc Meunier sem que ninguém, estalajadeiro, criado ou moço de estrebaria, viesse segurar-lhe o estribo, D’Artagnan notou a uma janela entreaberta do térreo um gentil-homem elegante e de ar distinto, apesar de ligeiramente carrancudo, que conversava com duas pessoas que pareciam escutá-lo com deferência. D’Artagnan julgou muito naturalmente, conforme era seu hábito, ser o tema da conversa e escutou. Desta vez, D’Artagnan só se enganou metade: não era dele que se falava, mas sim do seu cavalo, O gentil-homem parecia enumerar aos seus ouvintes todas as qualidades do animal, e como, tal como já disse, os ouvintes pareciam ter grande deferência pelo narrador, desatavam a rir a todo o momento. Ora, como um meio sorriso bastava para despertar a irascibilidade do jovem, adivinha-se que efeito lhe produziu tão ruidosa hilaridade. No entanto, D’Artagnan quis primeiro ver bem a fisionomia do impertinente que troçava dele. Cravou pois o olhar orgulhoso no desconhecido e verificou tratar-se de um homem de quarenta a quarenta e cinco anos, de olhos negros e

penetrantes, tez pálida, nariz fortemente acentuado e bigode negro e perfeitamente aparado, envergava gibão e calções cor de violeta com agulhetas da mesma cor, sem nenhum ornamento além dos golpes habituais por onde se via a camisa. Tanto os calções como o gibão, apesar de novos, pareciam amarrotados, como roupas de viagem durante muito tempo fechadas numa mala. D’Artagnan deu-se conta de tudo isto com a rapidez do observador mais minucioso, e sem dúvida por um sentimento instintivo lhe dizer que o desconhecido teria grande influência na sua vida futura. Ora, no momento em que D’Artagnan fixava o olhar no gentil-homem do gibão cor de violeta o mesmo gentil-homem fazia acerca do garrano bearnês uma das suas mais sábias e profundas demonstrações; os seus dois ouvintes desataram a rir e ele próprio deixou visivelmente contra o seu hábito errar, se assim se pode dizer, um pálido sorriso nos lábios. Desta vez já não havia dúvida: D’Artagnan era realmente insultado. Assim, cheio de tal convição, enterrou a boina na cabeça até aos olhos e, procurando imitar alguns dos gestos de corte que vira na Gasconha entre fidalgos em viagem, adiantou uma das mãos na guarda da espada e apoiou a outra na anca. Infelizmente, à medida que avançava a cólera cegava-o cada vez mais e em lugar do discurso digno e altivo que preparara para formular o desafio só encontrou na ponta da língua uma expressão ofensiva que acompanhou com um gesto furioso.

  • Eh, cavalheiro! - gritou. - Cavalheiro que se esconde atrás dessa janela! Sim, o senhor... Diga-me de que estão rindo e riremos juntos. O gentil-homem afastou lentamente os olhos da montaria do cavaleiro, como se precisasse de certo tempo para compreender que era a si que se dirigiam tão estranhas palavras; depois, quando não pôde conservar mais nenhuma dúvida, franziu ligeiramente o sobrolho e após uma pausa bastante longa responde a D’Artagnan com um acento de ironia e insolência impossível de descrever:
  • Não falo com o senhor.
  • Mas falo eu com o senhor! - gritou o jovem, exasperado com aquele misto de insolência e boas maneiras, de civilidade e desdém. O desconhecido olhou-o ainda um instante com o seu tênue sorriso e, retirando-se da janela, saiu lentamente da estalagem para vir plantar-se, a dois passos de D’Artagnan, diante do cavalo. A sua atitude tranquila e a sua fisionomia escarninha tinham redobrado a hilaridade das pessoas com quem conversava e que tinham ficado à janela. Ao vê-lo chegar, D’Artagnan tirou a espada um pé fora da bainha.
  • Este cavalo é decididamente, ou antes foi na sua juventude um botão-de-ouro - prosseguiu o desconhecido continuando as investigações começadas e dirigindo-se aos seus ouvintes da janela, sem parecer notar de modo algum a exasperação de D’Artagnan, que no entanto se erguia entre ele e os outros. - É de uma cor muito conhecida em botânica, mas até agora rarissima em cavalos.
  • Ri do cavalo quem não ousaria rir do dono! - exclamou o émulo de Tréville, furioso.
  • Não rio muitas vezes, senhor - respondeu o desconhecido - , como pode ver pela minha cara, no entanto pretendo conservar o privilégio de rir quando me
  • Vossa Excelência está são e salvo? - perguntou o estalajadeiro.
  • Estou, perfeitamente são e salvo, meu caro estalajadeiro, e sou eu quem pergunta que aconteceu ao nosso jovem.
  • Está melhor - respondeu o estalajadeiro. - Perdeu por completo os sentidos.
  • É mesmo? - disse o gentil-homem.
  • Mas antes de perder os sentidos reuniu todas as suas forças para lhe chamar e desafiar.
  • Mas é o Diabo em pessoa, esse garoto! - exclamou o desconhecido.
  • Oh, não, Excelência, não é o Diabo! - respondeu o estalajadeiro com uma careta de desprezo. - Durante o seu desmaio nós o revistamos e só trazia na trouxa uma camisa e na bolsa doze escudos, o que não o impediu de dizer ao perder os sentidos que se semelhante coisa tivesse acontecido em Paris o senhor se arrependeria imediatamente, ao passo que aqui só se arrependerá mais tarde.
  • Nesse caso, é algum príncipe de sangue disfarçado - observou friamente o desconhecido.
  • Digo-lhe isto, meu fidalgo, para que tome cuidado - acrescentou o estalajadeiro.
  • E não citou ninguém na sua cólera?
  • Efetivamente, batia na algibeira e dizia: “Veremos o que o Sr. de Tréville pensará deste insulto feito ao seu protegido.”
  • O Sr. de Trévile? - repetiu o desconhecido, mais atento. - Batia na algibeira e pronunciava o nome do Sr. de Tréville?... Vejamos, meu caro estalajadeiro, enquanto o seu jovem estava desmaiado não deixou, estou certo, de revistar também essa algibeira. Que encontrou?
  • Uma carta dirigida ao Sr. de Tréville, capitão dos mosqueteiros.
  • Sim?...
  • É como tenho a honra de dizer, Excelência. O estalajadeiro, que não era dotado de grande perspicácia, não notou a expressão que as suas palavras tinham dado à fisionomia do desconhecido. Este deixou o rebordo da janela em que até ali apoiara o cotovelo e franziu o sobrolho como um homem inquieto.
  • Diabo! - murmurou entre dentes. – Terá Tréville mandado o gascão? É tão novo! Mas uma estocada é uma estocada, seja qual for a idade daquele que a dê, e desconfia-se menos de um garoto do que de qualquer outro. Às vezes basta um pequeno obstáculo para contrariar um grande desígnio. E o desconhecido ficou pensativo durante alguns minutos.
  • Vejamos, estalajadeiro, não é capaz de me desembaraçar desse exaltado? Em consciência não posso matá-lo, e no entanto - acrescentou com expressão friamente ameaçadora - , e no entanto incomoda-me. Onde está ele?
  • No quarto da minha mulher, onde o tratam, no primeiro andar.
  • Os seus andrajos e a sua trouxa estão com ele? Não despiu o gibão?
  • Pelo contrário, tudo isso está aqui embaixo, na cozinha. Mas se esse jovem louco lhe incomoda...
  • Sem dúvida. E causa na sua estalagem um escândalo que as pessoas honestas não suportariam. Suba aos seus aposentos, fechem minha conta e avise o meu lacaio.
  • O quê, já nos deixa, senhor?!
  • Você já sabia, pois ordenei que mandasse selar o meu cavalo. Não me obedeceram?
  • Claro que sim, e como Vossa Excelência pode ver o seu cavalo está debaixo da porta principal todo aparelhado para partir.
  • Muito bem. Faça então o que lhe disse. “Olá, terá medo do rapazinho?...”, disse o estalajadeiro para consigo. Mas um olhar imperioso do desconhecido interrompeu-lhe o pensamento. Cumprimentou humildemente e saiu. “Não convém que Milady seja vista por este idiota, e ela não deve demorar, já está atrasada. Decididamente, é melhor montar a cavalo e ir ao seu encontro... Se ao menos pudesse saber o que diz a carta endereçada a Tréville!”, pensou o forasteiro. E sempre resmungando dirigiu-se para a cozinha. Entretanto o estalajadeiro, que não duvidava ser a presença do jovem a causa da precipitada saída do desconhecido da estalagem, subiu ao quarto da mulher e encontrara D’Artagnan já refeito do seu desmaio. Então, fazendo-lhe compreender que a Polícia poderia prendê-lo por ter se metido com um grande senhor - porque, na opinião do estalajadeiro, o desconhecido só podia ser um grande senhor - , ordenou-lhe, apesar da sua fraqueza, que se levantasse e continuasse o seu caminho! Meio atordoado, sem gibão, e com a cabeça toda ligada, D’Artagnan levantou-se e, ajudado pelo estalajadeiro, começou a descer. Mas ao chegar à cozinha a primeira coisa que viu foi o seu provocador, que conversava tranquilamente junto ao estribo de um pesado coche atrelado a dois enormes cavalos normandos. A sua interlocutora, cuja cabeça aparecia enquadrada pela portinhola, era uma mulher de vinte a vinte e dois anos. Já dissemos com que rapidez D’Artagnan examinava totalmente uma fisionomia, viu portanto ao primeiro relance de olhos que a mulher era jovem e bela. Ora tal beleza impressionou-o tanto mais quanto é certo ser completamente desconhecida nas regiões meridionais em que D’Artagnan vivera até ali. Tratava-se de uma mulher branca e loura, de comprido cabelo encaracolado caído sobre os ombros, grandes olhos azuis, lânguidos, lábios rosados e mãos de alabastro. Conversava muito vivamente com o desconhecido.
  • Assim, Sua Excelência ordena-me... - dizia a dama.
  • Que regresse imediatamente a Inglaterra e que o previna diretamente se o duque sair de Londres.
  • E quanto às minhas outras instruções? - perguntou a bela viajante.
  • Estão encerradas nesta caixa que só abrirá do outro lado da Mancha.
  • Muito bem. E o senhor o que fará?
  • Eu regresso a Paris.
  • Sem castigar esse rapazinho insolente? - perguntou a dama. O desconhecido ia responder; mas no momento em que abria a boca, D’Artagnan, que tudo ouvira, correu para a porta.
  • Este rapazinho insolente é que castiga os outros e espero que desta vez aquele que deve castigar não fuja como da primeira! - gritou.
  • Não fuja?... - repetiu o desconhecido franzindo o sobrolho.

O jovem começou por procurar a carta com grande paciência, virando e revirando vinte vezes as algibeiras, revistando e tornando a revistar o saco, abrindo e fechando a bolsa, mas quando se convenceu de que a carta desaparecera mesmo, teve terceiro acesso de raiva que quase lhe ocasionou novo consumo de vinho e azeite aromatizados. Porque, ao ver aquela jovem cabeça encolerizar-se e ameaçar partir tudo no estabelecimento se a sua carta não aparecesse, o estalajadeiro pegara um chuço, a mulher um cabo de vassoura e os criados nos mesmos paus que tinham servido na antevéspera.

  • A minha carta de recomendação! - gritava D’Artagnan. - A minha carta de recomendação, com mil demônios, ou espeto-os a todos como se fossem pardais! Infelizmente, uma circunstância opunha-se a que o jovem cumprisse a sua ameaça, é que, como dissemos, a sua espada fora, na primeira luta, quebrada em dois pedaços, o que ele esquecera por completo. E daí quando D’Artagnan a quis efetivamente desembainhar se encontrou pura e simplesmente armado com um pedaço de espada de cerca de oito ou dez polegadas, que o estalajadeiro lhe metera cuidadosamente na bainha. Quanto ao resto da lâmina, o cozinheiro surripiara-o habilmente para fazer dele uma faca de cozinha. Semelhante decepção não teria no entanto detido provavelmente o nosso fogoso jovem se o estalajadeiro não tivesse refletido que a reclamação que lhe dirigia o seu hóspede era perfeitamente justa.
  • De fato, onde está a carta? - disse, baixando o chuço.
  • Sim, onde está a carta? - gritou D’Artagnan. - Antes de mais nada, previno-os que a carta se destina ao Sr. de Tréville, e tem de aparecer; porque se não aparecer ele saberá mandá-la procurar! Esta ameaça acabou de intimidar o estalajadeiro. Depois do rei e do Sr. Cardeal, o Sr. de Tréville era o homem cujo nome talvez fosse mais vezes repetido pelos militares e até pelos burgueses. Havia também o padre Joseph, é verdade, mas o seu nome era sempre pronunciado baixinho, tal era o terror que inspirava a eminência parda, como chamavam ao familiar do cardeal. Por isso, atirando o chuço para longe e ordenando à mulher que fizesse o mesmo ao cabo de vassoura e aos criados que procedessem de igual modo com os paus, foi o primeiro a dar o exemplo pondo-se a procurar pessoalmente a carta perdida.
  • A carta continha alguma coisa valiosa? - perguntou o estalajadeiro ao cabo de um instante de investigações inúteis.
  • É claro que continha! - gritou o gascão, que contava com a carta para abrir caminho na corte. - Continha a minha fortuna.
  • Em títulos do Tesouro? - perguntou o estalajadeiro, inquieto.
  • Em títulos sobre a tesouraria particular de Sua Majestade - respondeu D’Artagnan, o qual, contando entrar ao serviço do rei graças àquela recomendação, julgava poder dar sem mentir esta resposta um tanto arriscada.
  • Demônio! - exclamou o estalajadeiro, completamente desesperado.
  • Mas isso não interessa - continuou D’Artagnan, com o descaramento nacional. - Isto não interessa, porque o dinheiro não é nada, essa carta é que era tudo. Preferiria ficar sem mil pistolas a perdê-la. Não se arriscaria mais se dissesse vinte mil, mas certo pudor juvenil conteve-o. Um raio de luz feriu de súbito o espírito do estalajadeiro, que se

amaldiçoava por não encontrar nada.

  • A carta não foi perdida! - exclamou.
  • Como?... - saltou D’Artagnan.
  • Não, foi roubada.
  • Roubada! E por quem?
  • Pelo fidalgo de ontem. Desceu à cozinha, onde estava o seu gibão, e ficou lá sozinho. Aposto que foi ele quem a roubou.
  • Acha que sim? - respondeu D’Artagnan, pouco convencido, pois conhecia melhor do que ninguém a importância absolutamente pessoal da carta e não via nela nada que pudesse tentar ao roubo. De fato, nenhum dos criados, nenhum dos viajantes presentes ganharia nada em possuir aquele papel.
  • Diz então que desconfia desse impertinente gentil-homem... - prosseguiu D’Artagnan.
  • Digo que tenho certeza de que foi ele - respondeu o estalajadeiro. - Quando lhe disse que Vossa Senhoria era protegido do Sr. de Tréville e que até tinha uma carta para esse ilustre fidalgo, pareceu muito inquieto, perguntou-me onde estava essa carta e desceu imediatamente à cozinha, onde sabia estar o gibão.
  • Então é ele o ladrão - concluiu D’Artagnan. – Me queixarei ao Sr. de Tréville e o Sr. de Tréville se queixará ao rei. Depois, tirou majestosamente dois escudos da algibeira, deu-os ao estalajadeiro, que o acompanhou de chapéu na mão até à porta, e voltou a montar o cavalo amarelo que o conduziu sem outro acidente à Porta Santo Antonio, em Paris, onde o seu proprietário o vendeu por três escudos, o que foi muito bem pago, atendendo a que D’Artagnan lhe pregara uma grande estafa durante a última etapa. Por isso o alquilador a quem D’Artagnan o cedeu mediante as sobreditas nove libras não ocultou ao jovem que só lhe dava aquela soma exorbitante por ele devido à originalidade da sua cor. D’Artagnan entrou portanto em Paris a pé, com a sua pequena trouxa debaixo do braço, e caminhou até encontrar para alugar um quarto de acordo com a exiguidade dos seus recursos. Esse quarto foi uma espécie de mansarda na Rua dos Fossoyeurs, perto do Luxemburgo. Logo que pagou ao porteiro, D’Artagnan tomou posse do seu alojamento e passou o resto do dia a coser no gibão e nos calções que a mãe tirara de um gibão quase novo do Sr. D’Artagnan pai e lhe dera às escondidas. Depois foi ao Cais da Ferraille mandar pôr uma lâmina na espada, e em seguida ao Louvre informar-se junto do primeiro mosqueteiro que encontrou onde ficava o palácio do Sr. de Tréville, o qual morava na Rua Vieux-Colombier, ou seja, precisamente nas imediações do quarto alugado por D’Artagnan, circunstância que lhe pareceu de bom augúrio para o êxito da sua viagem. Em seguida, satisfeito com a forma como se comportara em Meung, sem remorsos no passado, confiante no presente e cheio de esperança no futuro, deitou-se e adormeceu de consciência tranquila. O sono, ainda provinciano, durou até às 9 horas da manhã, hora a que se levantou para se dirigir ao palácio do famoso Sr. de Tréville, a terceira personagem do reino na opinião paterna.

grandes estocadas. Por isso, Richelieu e Luís XIII discutiam muitas vezes, enquanto à noite jogavam a sua partida de xadrez, acerca do mérito dos seus servidores. Ambos gabavam o porte e a coragem dos seus, e embora se pronunciassem em voz alta contra os duelos e as rixas incitavam-nos em voz baixa a baterem-se e experimentavam autêntico desgosto ou alegria imoderada com a derrota ou a vitória dos seus. Assim, pelo menos, o dizem as Memórias de um homem que esteve em algumas dessas derrotas e em muitas dessas vitórias. Tréville descobrira o ponto fraco do seu senhor e era a essa sagacidade que devia o longo e constante favor de um rei que não deixou fama de ter sido muito fiel aos amigos. Fazia desfilar os seus mosqueteiros diante do cardeal Armand Duplessis, com um ar velhaco que eriçava de cólera o bigode grisalho de Sua Eminência. Tréville entendia admiravelmente bem a guerra da época, em que, quando se não vivia à custa do inimigo, se vivia à custa dos compatriotas. Os seus soldados formavam uma legião de diabos, indisciplinada para qualquer outro menos para ele. Desleixados, bêbados e barulhentos, os mosqueteiros do rei, ou antes do Sr. de Tréville, frequentavam os botequins, os passeios e os divertimentos públicos, gritando a plenos pulmões e retorcendo os bigodes, fazendo tinir as espadas e deleitando-se ao provocar os guardas do Sr. Cardeal quando os encontravam. Depois, desembainhavam as espadas em plena rua, sempre gracejando, às vezes morriam, mas nesse caso tinham certeza de ser chorados e vingados; quase sempre matavam, e quando isso acontecia também estavam certos de não apodrecer na prisão, pois lá estava o Sr. de Tréville para os reclamar. Por isso, o Sr. de Tréville era louvado em todos os tons, cantado em todas as gamas por aqueles homens que o adoravam e que, apesar de capazes de tudo, tremiam diante dele como escolares diante do professor, lhe obedeciam à mais pequena palavra e estavam prontos a deixar-se matar para se reabilitarem da mais pequena censura. O Sr. de Tréville utilizara tão poderosa alavanca primeiro em proveito do rei e dos seus amigos e depois em seu próprio proveito e dos seus amigos. Mesmo assim, em nenhuma das Memórias desse tempo, que deixou tantas Memórias, se vê que o digno gentil-homem tenha sido acusado, mesmo pelos seus inimigos - e tinha-os tanto entre os escritores como os nobres - , em parte alguma se vê, dizíamos, que o digno gentil-homem tenha sido acusado de tirar proveito dos préstimos dos seus comandados. Apesar de dotado de raro pendor para a intriga, o que o colocava em pé de igualdade com os mais fortes intriguistas, conservara-se um homem honesto. Mais ainda, a despeito das grandes estocadas que derrancam e dos exercícios penosos que fatigam, tornara-se um dos mais galantes frequentadores de vielas, um dos mais finos vadios e um dos mais alambicados declamadores de Febo da sua época. Falava-se das aventuras galantes de Tréville como se falara vinte anos antes das de Bassompierre, e não era pouco. O capitão dos mosqueteiros era pois admirado, temido e amado, o que constitui o apogeu das aventuras humanas. Luís XIV absorveu todos os pequenos astros da sua corte na sua vasta irradiação, mas seu pai, sol pluribus impar, deixou o seu esplendor pessoal a cada um dos seus cortesãos. Além do palácio do rei e do cardeal, havia então em Paris

mais de duzentos pequenos palácios um pouco pretensiosos. Entre esses duzentos pequenos palácios o de Tréville era um dos mais concorridos. O pátio do seu palácio, situado na Rua de Vieux-Colombier, parecia um acampamento a partir das 6 horas da manhã no Verão e das 8 horas no Inverno. Cinquenta a sessenta mosqueteiros, que pareciam revezar-se para apresentarem um número sempre impressionante, andavam constantemente de um lado para o outro, armados como se fossem para a guerra e prontos para tudo. Ao longo de uma das suas grandes escadarias, que ocupava um espaço em que a nossa civilização ergueria um edifício completo, subiam e desciam os solicitantes de Paris candidatos a qualquer coisa, os fidalgos da província ansiosos por se alistarem e os lacaios agaloados de todas as cores que vinham trazer ao Sr. de Tréville os recados dos amos. Na antecâmara, sentados em grandes bancos circulares, descansavam os eleitos, isto é, os que eram convocados. Ouvia-se ali, de manhã à noite, um zumbido de vozes, enquanto o Sr. de Tréville, no gabinete contíguo à antecâmara, recebia os visitantes, ouvia queixas, dava ordens, e como o rei à varanda do Louvre bastava-lhe chegar-se à janela para passar em revista homens e armas. No dia em que D’Artagnan se apresentou a assembléia era imponente, sobretudo para um provinciano acabado de chegar da sua província. É certo que esse provinciano era gascão e que sobretudo naquela época os compatriotas de D’Artagnan tinham fama de não se intimidarem facilmente. Com efeito, logo que se transpunha a porta maciça, cravejada de grandes pregos de cabeça quadrangular, caía-se no meio de uma turba de militares que se cruzavam no pátio, se interpelavam, discutiam e gracejavam uns com os outros. Para se conseguir abrir caminho por entre todas aquelas vagas turbilhonantes era necessário ser oficial, grande senhor ou mulher bonita. Foi pois no meio de tal confusão que o nosso jovem avançou com o coração palpitante, segurando o comprido espadalhão ao longo das pernas magras e com uma das mãos na aba do chapéu, como meio sorriso do provinciano embaraçado que quer fazer boa figura. Ultrapassara um grupo e respirava mais livremente, mas adivinhou que se viravam para o observar e pela primeira vez na vida D’Artagnan, que até àquele dia tivera menos má opinião a seu respeito, se achou ridículo. Chegado à escadaria foi pior ainda: havia nos primeiros degraus quatro mosqueteiros que se divertiam com o seguinte exercício, enquanto dez ou doze dos seus camaradas esperavam no patamar que chegasse a sua vez de participarem na paródia, um deles, colocado no degrau superior, de espada nua na mão, impedia, ou pelo menos esforçava-se por impedir, os outros três de subir. Esses três esgrimiam contra ele com as suas espadas muito ágeis. De início, D’Artagnan tomou as armas por floretes de esgrima e julgou-as de ponta em forma de botão, mas não tardou a verificar por certos arranhões que todas as armas estavam, pelo contrário, bem afiadas e aguçadas e que a cada arranhão não só os espectadores, mas também os atores, riam como loucos. O que ocupava o degrau naquele momento mantinha maravilhosamente os seus adversários a distância. Rodeava-os um círculo de curiosos. A condição estabelecida era a cada toque o tocado deixar a partida e perder a sua vez na audiência em proveito do tocador. Em cinco minutos foram aflorados três, um no

Perante tal pergunta, D’Artagnan apresentou-se muito humildemente, salientou o seu título de compatriota e pediu ao criado de quarto que lhe viera fazer a pergunta que solicitasse por ele ao Sr. de Tréville um momento de audiência, pedido que o criado prometeu em tom protector transmitir oportunamente. Um pouco refeito da sua surpresa inicial, D’Artagnan teve portanto tempo para estudar os trajos e as fisionomias. No centro do grupo mais animado encontrava-se um mosqueteiro corpolento, de ar altivo e com um trajo extravagante qe lhe atraía as atenções gerais. Não trazia naquele momento a sobreveste do uniforme, que aliás não era absolutamente obrigatória naquela época de menos liberdade, mas de maior independência, e sim um gibão azul-celeste, embora um pouco desbotado e coçado, e sobre o gibão um boldrié magnífico, bordado a ouro e que reluzia como as escamas de que a água se cobre sob sol intenso. Uma comprida capa de veludo carmesim caía-lhe com graça dos ombros, descobrindo pela frente apenas o esplêndido boldrié, do qual pendia uma espada gigantesca. O mosqueteiro acabava de sair de guarda naquele instante, queixava-se de estar resfriado e tossia de vez em quando com afetação. Por isso pusera a capa, conforme dizia à sua volta, e enquanto falava do alto da sua empáfia, torcendo desdenhosamente o bigode, os presentes admiravam com entusiasmo o boldrié bordado e D’Artagnan mais do que qualquer outro.

  • Que quer - dizia o mosqueteiro - , é moda... É uma loucura, bem sei, mas é moda. Aliás, em alguma coisa temos de empregar o dinheiro da legítima.
  • Então, Porthos, não queira nos convencer que deve esse boldrié à generosidade paterna! - gritou um dos assistentes.
  • Inclino-me mais para que te tenha sido dado pela dama velada com quem o encontrei no outro domingo para os lados da Porta Saint-Honoré.
  • Não, pela minha honra e fé de gentil-homem, juro que fui eu mesmo que o comprei com o meu próprio dinheiro - respondeu aquele que acabava de designar pelo nome de Porthos.
  • Sim, como eu comprei esta bolsa nova com o que a minha amante metera na velha - disse outro mosqueteiro.
  • É verdade - insistiu Porthos - , e a prova é que dei por ele doze pistolas. A admiração redobrou, embora a dúvida continuasse a existir.
  • Não foi Aramis? - perguntou Porthos, virando-se para outro mosqueteiro. Esse outro mosqueteiro formava perfeito contraste com aquele que o interrogava e que acabara de designá-lo pelo nome de Aramis: era um rapaz de vinte e dois a vinte e três anos apenas, de rosto ingênuo e afetado, olhos negros e meigos e faces rosadas e aveludadas como um pêssego no Outono. O bigode, fino, desenhava-lhe sobre o lábio superior uma linha reta perfeita; as mãos pareciam ter medo de se baixar, não fossem as veias intumescer, e de vez em quando beliscava a ponta das orelhas para as manter de uma cor de carne delicada e transparente. Habitualmente falava pouco e devagar, cumprimentava muito e ria sem ruído, mostrando os dentes, que tinha bonitos e com os quais, tal como com o resto da sua pessoa, parecia ter o maior cuidado. Respondeu com um sinal de cabeça afirmativo à interpelação do amigo. Esta afirmação pareceu dissipar todas as dúvidas a respeito do boldrié, continuaram a admirá-lo, mas ninguém falou mais dele e por uma dessas

reviravoltas rápidas do pensamento a conversa mudou de súbito para outro assunto.

  • Que pensa do que conta o escudeiro de Chalais? - perguntou outro mosqueteiro sem interpelar diretamente ninguém, mas dirigindo-se pelo contrário a todos.
  • E que conta ele? - perguntou Porthos em tom presunçoso.
  • Conta que encontrou Rochefort, o alma danada do cardeal, em Bruxelas, disfarçado de capuchinho, graças ao disfarce, o maldito Rochefort enganou o Sr. de Laigues como um tolo que é.
  • Como um verdadeiro tolo - sublinhou Porthos. - Mas isso é verdade?
  • Soube-o por Aramis - respondeu o mosqueteiro.
  • É mesmo?
  • Sabe muito bem que é verdade - interveio Aramis. - Contei-lhe ontem. Mas não falemos mais disso.
  • Não falemos mais disso! Essa é a sua opinião - respondeu Porthos. - Não falemos mais disso!... Irra, como conclui depressa! Como, o cardeal manda espiar um gentil-homem, roubar a sua correspondência por um traidor, um bandido, um facínora consegue com o auxílio desse espião e graças a essa correspondência cortar o pescoço a Chalais, sob o estúpido pretexto de que quis assassinar o rei e casar Monsieur com a rainha, ninguém sabia nada a respeito de tal enigma, você só nos disse ontem, com grande satisfação de todos, e quando estamos ainda de boca aberta com a notícia vem dizer-nos hoje: “Não falemos mais disso!”
  • Pois então falemos, já que assim vocês querem - respondeu Aramis com paciência.
  • Se eu fosse o escudeiro do pobre Chalais, esse Rochefort passaria um mau pedaço comigo! - gritou Porthos.
  • E você passaria um triste quarto de hora com o duque vermelho - respondeu-lhe Aramis.
  • Ah, o duque vermelho! Bravo, bravo, o duque vermelho! - respondeu Porthos, batendo as mãos e aprovando com a cabeça. - O duque vermelho, está bem achado! Espalharei a alcunha, meu caro, pode ficar descansado. Tem espírito, este Aramis! Que pena não ter podido seguir a sua vocação, meu caro! Daria um padre delicioso!
  • Oh, não passa de um adiamento momentâneo! - replicou Aramis. – Eu o serei um dia. Bem sabe, Porthos, que continuo a estudar Teologia para isso.
  • Será como ele diz - confirmou Porthos. - Será como ele diz, mais cedo ou mais tarde.
  • Mais cedo - corrigiu Aramis.
  • Só espere uma coisa para se decidir imediatamente a vestir a sotaina, que está pendurada debaixo do uniforme - observou um mosqueteiro.
  • E que coisa é essa? - perguntou outro.
  • Só espere que a rainha dê um herdeiro à coroa de França.
  • Não brinquemos com essas coisas, meus senhores - interveio Porthos. - Graças a Deus, a rainha ainda está em idade de o dar.
  • Diz-se que o Sr. de Buckingham está na França - adiantou Aramis com um riso velhaco que dava à frase, tão simples na aparência, um significado sofrivelmente escandaloso.