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Este texto discute a importância da compreensão entre humanos e entre culturas, enfatizando a necessidade de superar os obstáculos à compreensão, como o egocentrismo, etnocentrismo e sociocentrismo. Ele também destaca a importância da ética da compreensão e da mundialização da compreensão para a melhoria das relações entre indivíduos, grupos e nações.
Tipologia: Esquemas
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Não perca as partes importantes!
Os sete saberes necessários
à educação do futuro
Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya
Revisão Técnica de Edgard de Assis Carvalho
Edições UNESCO Brasil
Conselho Editorial Jorge Werthein Maria Dulce de Almeida Borges Célio da Cunha
Comitê para Área de Educação Maria Dulce de Almeida Borges Célio da Cunha Lúcia Maria Gonçalves Resende Marilza Machado Gomes Regattiere
Assistente Editorial Rachel Dias Azevedo
Morin, Edgar, 1921- Os sete saberes necessários à educação do futuro / Edgar Morin ; tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000. Título original: Les sept savoirs nécessaires à l’éducation du futur. Bibliografia. ISBN 85-249-0741-X (Cortez)
00-1830 CDD-370.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Índices para catálogo sistemático:
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O problema da compreensão é duplamente polarizado:
A comunicação não garante a compreensão. A informação, se for bem transmitida e compreendida, traz inteligibilidade, condição primeira necessária, mas não suficien- te, para a compreensão.
Há duas formas de compreensão: a compreensão intelec- tual ou objetiva e a compreensão humana intersubjetiva. Com- preender significa intelectualmente apreender em conjunto, com- prehendere , abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno). A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação.
Explicar é considerar o que é preciso conhecer como objeto e aplicar-lhe todos os meios objetivos de conhecimento. A expli- cação é, bem entendido, necessária para a compreensão intelec- tual ou objetiva.
A compreensão humana vai além da explicação. A explica- ção é bastante para a compreensão intelectual ou objetiva das
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coisas anônimas ou materiais. É insuficiente para a compreensão humana.
Esta comporta um conhecimento de sujeito a sujeito. Por conseguinte, se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim minhas aflições infantis, identificando-a comigo e identificando-me com ela. O outro não apenas é percebido objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos identificamos e que identificamos conosco, o ego alter que se torna alter ego. Compreender inclui, necessariamente, um pro- cesso de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e genero- sidade.
Os obstáculos exteriores à compreensão intelectual ou obje- tiva são múltiplos.
A compreensão do sentido das palavras de outro, de suas idéias, de sua visão do mundo está sempre ameaçada por todos os lados:
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O Cercle de la Croix , de Iain Peaars, mostra bem, em quatro narrativas diferentes dos mesmos acontecimentos e do mesmo homicídio, a incompatibilidade entre as narrativas devido não somente à dissimulação e à mentira, mas às idéias preconcebi- das, às racionalizações, ao egocentrismo ou à crença religiosa. A Féerie por une autre fois , de Louis-Ferdinand Céline, é testemu- nho único de autojustificação frenética do autor, de sua incapaci- dade de se autocriticar, de seu raciocínio paranóico.
De fato, a incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão de outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fra- quezas dos outros.
O egocentrismo amplia-se com o afrouxamento da discipli- na e das obrigações que anteriormente levavam à renúncia aos desejos individuais, quando se opunham à vontade dos pais ou cônjuges. Hoje a incompreensão deteriora as relações pais-filhos, marido-esposas. Expande-se como um câncer na vida cotidiana, provocando calúnias, agressões, homicídios psíquicos (desejos de morte). O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consa- gração e de glória.
2.2 Etnocentrismo e sociocentrismo
O etnocentrismo e o sociocentrismo nutrem xenofobias e racismos e podem até mesmo despojar o estrangeiro da qualida- de de ser humano. Por isso, a verdadeira luta contra os racismos se operaria mais contra suas raízes ego-sócio-cêntricas do que contra seus sintomas.
As idéias preconcebidas, as racionalizações com base em premissas arbitrárias, a autojustificação frenética, a incapacidade de se autocriticar, os raciocínios paranóicos, a arrogância, a
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recusa, o desprezo, a fabricação e a condenação de culpados são as causas e as conseqüências das piores incompreensões, oriun- das tanto do egocentrismo quanto do etnocentrismo.
A incompreensão produz tanto o embrutecimento quanto este produz a incompreensão. A indignação economiza o exame e a análise. Como disse Clément Rosset: “ A desqualificação por motivos de ordem moral permite evitar qualquer esforço de inte- ligência do objeto desqualificado de maneira que um juízo moral traduz sempre a recusa de analisar e mesmo a recusa de pen- sar ”. 12 Como Westermarck assinalava: “ O caráter distintivo da indignação moral continua sendo o desejo instintivo de devolver pena por pena .”
A incapacidade de conceber um complexo e a redução do conhecimento de um conjunto ao conhecimento de uma de suas partes provocam conseqüências ainda mais funestas no mundo das relações humanas que no do conhecimento do mundo físico.
2.3 O espírito redutor
Reduzir o conhecimento do complexo ao de um de seus elementos, considerado como o mais significativo, tem conse- qüências piores em ética do que em conhecimento físico. Entretan- to, tanto é o modo de pensar dominante, redutor e simplificador, aliado aos mecanismos de incompreensão, que determina a re- dução da personalidade, múltipla por natureza, a um único de seus traços. Se o traço for favorável, haverá desconhecimento dos aspectos negativos desta personalidade. Se for desfavorável, haverá desconhecimento dos seus traços positivos. Em um e em outro caso, haverá incompreensão. A compreensão pede, por exemplo, que não se feche, não se reduza o ser humano a seu crime, nem mesmo se cometeu vários crimes. Como dizia Hegel:
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A ética da compreensão pede que se argumente, que se re- fute em vez de excomungar e anatematizar. Encerrar na noção de traidor o que decorre da inteligibilidade mais ampla impede que se reconheçam o erro, os desvios, as ideologias, as derivas.
A compreensão não desculpa nem acusa: pede que se evite a condenação peremptória, irremediável, como se nós mesmos nunca tivéssemos conhecido a fraqueza nem cometido erros. Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no cami- nho da humanização das relações humanas.
O que favorece a compreensão é:
3.1 O “bem pensar”
Este é o modo de pensar que permite apreender em conjun- to o texto e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, em suma, o complexo, isto é, as con- dições do comportamento humano. Permite-nos compreender igualmente as condições objetivas e subjetivas ( self-deception , possessão por uma fé, delírios e histerias).
3.2 A introspecção
A prática mental do auto-exame permanente é necessária, já que a compreensão de nossas fraquezas ou faltas é a via para a compreensão das do outro. Se descobrirmos que somos todos seres falíveis, frágeis, insuficientes, carentes, então podemos des- cobrir que todos necessitamos de mútua compreensão.
O auto-exame crítico permite que nos descentremos em re- lação a nós mesmos e, por conseguinte, que reconheçamos e julguemos nosso egocentrismo. Permite que não assumamos a posição de juiz de todas as coisas.^13
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A compreensão do outro requer a consciência da complexida- de humana.
Assim, podemos buscar na literatura romanesca e no cinema a consciência de que não se deve reduzir o ser à menor parte dele próprio, nem mesmo ao pior fragmento de seu passado. Enquanto, na vida comum, nos apressamos em encerrar na noção de crimino- so aquele que cometeu um crime, reduzindo os demais aspectos de sua vida e de sua pessoa a este traço único, descobrimos em seus múltiplos aspectos os reis gângsters de Shakespeare e os gângsters reais dos filmes policiais. Podemos ver como um criminoso pode se transformar e se redimir como Jean Valjean e Raskolnikov.
Podemos enfim aprender com eles as maiores lições de vida, a compaixão do sofrimento dos humilhados e a verdadeira com- preensão.
4.1 A abertura subjetiva (simpática) em relação ao outro
Estamos abertos para determinadas pessoas próximas privi- legiadas, mas permanecemos, na maioria do tempo, fechados para as demais. O cinema, ao favorecer o pleno uso de nossa subjetivi- dade pela projeção e identificação, faz-nos simpatizar e compreen- der os que nos seriam estranhos ou antipáticos em tempos nor- mais. Aquele que sente repugnância pelo vagabundo encontrado na rua simpatiza de todo coração, no cinema, com o vagabundo Carlitos. Enquanto na vida cotidiana ficamos quase indiferentes às misérias físicas e morais, sentimos compaixão e comiseração na leitura de um romance ou na projeção de um filme.
4.2 A interiorização da tolerância
A verdadeira tolerância não é indiferente às idéias ou ao ceticismo generalizados. Supõe convicção, fé, escolha ética e ao
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Como podem as culturas comunicar? Magoroh Maruyama fornece-nos uma indicação útil.^14 Em cada cultura, as mentalida- des dominantes são etno ou sociocêntricas, isto é, mais ou me- nos fechadas em relação às outras culturas. Mas existem, dentro de cada cultura, mentalidades abertas, curiosas, não-ortodoxas, desviantes, e existem também mestiços, fruto de casamentos mis- tos, que constituem pontes naturais entre as culturas. Muitas ve- zes os desviantes são escritores ou poetas cuja mensagem pode se irradiar tanto no próprio país quanto no mundo exterior.
Quando se trata de arte, de música, de literatura, de pensa- mento, a mundialização cultural não é homogeneizadora. For- mam-se grandes ondas transnacionais que favorecem ao mesmo tempo a expressão das originalidades nacionais em seu seio. Foi assim na Europa no Classicismo, nas Luzes, no Romantismo, no Realismo, no Surrealismo. Hoje, os romances japoneses, latino- americanos, africanos são publicados nas grandes línguas euro- péias e os romances europeus são publicados na Ásia, no Orien- te, na África e nas Américas. As traduções dos romances, en- saios, livros filosóficos de uma língua para outra permitem a cada país ter acesso às obras dos outros países e de nutrir-se das cultu- ras do mundo, alimentando ao mesmo tempo, com suas obras, o caldo de cultura planetária. Com certeza, aquele que recolhe as contribuições originais de múltiplas culturas está ainda limitado às esferas restritas de cada nação; mas seu desenvolvimento é um traço marcante da segunda metade do século XX e deveria estender-se até o século XXI, o que seria triunfal para a compre- ensão entre os humanos.
Paralelamente, as culturas orientais suscitam no Ocidente múltiplas curiosidades e interrogações. O Ocidente já havia tra- duzido o Avesta e os Upanishads no século XVIII, Confúcio e Lao-Tseu no século XIX, mas as mensagens da Ásia permane-
14.” Mindiscapes, individuals and cultures in management”, in Journal of Management Inquiry , vol. 2, nº 2 junho 1993, p. 138-154. Sage Publication.
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ciam restritas a objetos de estudos eruditos. Foi apenas no século XX que a arte africana, os filósofos e místicos do Islã, os textos sagrados da Índia, o pensamento do Tao, o do budismo transfor- maram-se fontes vivas para a alma ocidental isolada ao mundo do ativismo, do produtivismo, da eficácia, do divertimento, que aspira à paz interior e à relação harmoniosa com o corpo.
A abertura da cultura ocidental pode parecer para alguns ao mesmo tempo não-compreensiva e incompreensível. Mas a racionalidade aberta e autocrítica decorrente da cultura européia permite a compreensão e a integração do que outras culturas desenvolveram e que ela atrofiou. O Ocidente deve também in- corporar as virtudes das outras culturas, a fim de corrigir o ativismo, o pragmatismo, o “quantitativismo”, o consumismo desenfreados, desencadeados dentro e fora dele. Mas deve tam- bém salvaguardar, regenerar e propagar o melhor de sua cultura, que produziu a democracia, os direitos humanos, a proteção da esfera privada do cidadão.
A compreensão entre sociedades supõe sociedades demo- cráticas abertas, o que significa que o caminho da Compreensão entre culturas, povos e nações passa pela generalização das sociedades democráticas abertas.
Mas não nos esqueçamos de que, mesmo nas sociedades democráticas abertas, permanece o problema epistemológico da compreensão: para que possa haver compreensão entre estrutu- ras de pensamento, é preciso passar à metaestrutura do pensa- mento que compreenda as causas da incompreensão de umas em relação às outras e que possa superá-las.
A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comuni- cação humana. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões mútuas. Dada a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as ida- des, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do futuro.