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Este documento discute a crise atual na educação, enfatizando a indisciplina dos alunos e a dificuldade de ser professor. O texto aborda a necessidade de uma postura adequada do professor, a importância de interessar os alunos e o resgate do professor como sujeito de transformação. Além disso, o documento discute a queda da necessidade de mão-de-obra qualificada, a concentração de renda, a recessão econômica, a importação de tecnologia, a robótica na indústria e a informática nos serviços, e como essas tendências afetam a escola e os professores.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Introdução
É grande o desafio que os educadores têm encontrado em relação à indisciplina em sala de aula e na escola, tanto na pública como na particular, todavia com manifestações diversas(2). Sabemos também que não se trata de um problema apenas brasileiro, apesar das peculiaridades encontradas aqui; temos relatos, por exemplo, de gangues estudantis que têm batido nos professores na França, do alto número de mortes nas escolas públicas americanas, fruto da violência, das conseqüências nefastas da rígida disciplina japonesa, levando ao suicídio e à falta de criatividade.
Esta questão tem ocupado um espaço cada vez maior do cotidiano escolar no País. É grande também a insatisfação daí decorrente, chegando até a se constituir em causa de abandono do magistério. Houve época em que a
1 Doutorando em Didática na USP, pós-graduado em Educação pela PUC/SP, filósofo e pedagogo; responsável pelo Libertad- Centro de Formação e Assessoria Pedagógica. 2 Podemos ilustrar isto com o recente episódio do vídeo "educativo" da Disney World, para as crianças brasileiras, que certamente não são as "carentes"... (Veja, 20 de novembro de 1996, p. 129).
reclamação partia de professores da 5,1 ou 64 série; depois começou a vir dos de 3a e 43, sendo que atualmente tem vindo até dos que lecionam na Pré-escola... Gostaríamos de deixar claro que não estamos generalizando, mas procurando apontar uma tendência, que é preocupante e precisa ser revertida.
A Queixa
A queixa dos professores em relação à indisciplina tem sido muito forte. Podemos citar, a título de ilustração, alguns depoimentos:
“A falta de interesse está muito grande. Os alunos estão dispersos, não respeitam mais o professor, estão vivendo em outro mundo. A tecnologia avançou demais e o professor infelizmente não acompanhou, ficou desinteressante para eles. Eles estão acostumados a apertar botão de videogame, de computador, a ver televisão e aí aparece o professor com apagador e giz... O professor não está conseguindo ter domínio, as aulas estão muito no passado, muito antigas. Os meios de comunicação ao invés de ajudar estão atrapalhando: programas muito violentos. Não está existindo liberdade com responsabilidade. As crianças de hoje são mais espertas do que antigamente. A família não tem colaborado; os alunos vêm sem limites de casa. Geralmente há até conivência dos pais: o professor nunca tem razão. Há muitos problemas familiares. A própria família não sabe o que fazer; a mãe fala: “o que eu faço com ele? Vou matar?'. A disciplina em sala de aula extrapola totalmente e aí não tem jeito, só se bater e bater não pode. Eu não sei o que fazer com a classe. Tem hora que dá vontade de baterem todo mundo. Às vezes, o professor é completamente. ignorado na sala de aula; você entra e parece que não entrou ninguém. Por que se dá tanta regalia para os alunos e o professor é tão esfolado em sala de aula? Como manter uma aula decente se você não tem material pedagógico, não tem condições de trabalho, não tem nada? Você vai tentar punir o aluno, não pode porque a direção não deixa, o
O "único" problema do professor é que ele é um sujeito concreto - não é anjo, um ser abstrato -, que trabalha com alunos também concretos, numa realidade concreta; se não fosse isto, tirando a concretude do real, seria superfácil ser professor, mas aí também não haveria necessidade de sua existência...
Temos uma clareza: ser "dador" de aula, "tomador" de conta de aluno é fácil, mas ser professor, no seu sentido radical, não é fácil não. Por isto o professor precisaria ser muito bem formado e muito valorizado. O Papel da Reflexão (Limites e Possibilidades)
De certa forma, o professor "já sabe" o que deve fazer: em algum momento de sua vida já ouviu falar ou vislumbrou uma possibilidade de como deveria agir. No entanto, muitas vezes, não o faz. Por quê?
Não sabe como fazer; uma coisa é ter ouvido falar, outra é ter competência para colocar aquilo em prática.
Não vê condições para fazer:
O fazer do sujeito depende do querer e do poder, que se relacionam dialeticamente, já que, por exemplo, o não ver possibilidade acaba diminuindo 0 desejo de fazer. O poder, por sua vez, tem uma (^) base objetiva, que são as condições mínimas para a ação; e uma (^) base subjetiva, que é o saber fazer. Há também aqui uma relação entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva pode ser alterada justamente pela ação consciente do homem, portanto orientada pela base subjetiva.
Qual séria, então, o papel da reflexão?
O problema da indisciplina está angustiando cada dia mais os educadores em geral e os professores em particular. A grande pergunta que está na cabeça de
todos é: (^) o que fazer? Embora esta questão seja da maior importância e deva ser respondida, entendemos que, antes, outras duas devem ser enfrentadas: (^) o que está acontecendo?; o que queremos? É comum ouvirmos o seguinte: "Já sabemos bem qual é o problema, até porque o sofremos na pele. Queremos é solução". No entanto, o que temos observado é que padecemos, mas não compreendemos o problema; no trabalho científico costuma-se afirmar que definir bem o problema é já ter 50% da solução...
I - Breve Análise da Realidade
O que está acontecendo? Como entender a questão da indisciplina escolar? O que está por trás da manifestação do problema?
1 -Tentando compreender o que está acontecendo
Antes de mais nada, é preciso compreender que houve profundas mudanças na escola, na sociedade e nas suas relações. Parece difícil aos educadores daremse conta disto. O saudosismo ou o espírito de acusação estão muito fortes no cotidiano da escola. Agredidos, procuram inconscientemente algum alvo onde possam descarregar suas mágoas, suas incompreensões...
Sempre que pensamos em disciplina, logo nos vêm à mente as idéias de limites (restrição, frustração, interdição, proibição etc.) e de^ objetivos (finalidades, sentido para o limite colocado). A nosso ver, a crise da disciplina escolar hoje está associada justamente à crise de objetivos e de limites que estamos vivenciando.
Crise de Sentidos
Do ponto de vista dos objetivos, há uma crise geral de projetos, de sentidos para as coisas, em nível tanto mundial quanto nacional, tanto institucional quanto pessoal, tanto ideológico quanto sociopolítico-cultural. Há um sentimento generalizado de "geléia geral", que se manifesta na desconfiança em relação à razão, no "fim da história" e das utopias, no "salve-se quem puder", no "procure curtir ao máximo a sua vida já" etc.
Na escola, esta crise se manifesta de muitas formas, mas com certeza uma das mais difíceis de enfrentar é a absoluta falta de sentido para o estudo por parte dos alunos. A pergunta "estudar para quê", nos parece, nunca esteve tão forte na cabeça dos alunos como agora. A famosa resposta dada por séculos, estudar para ser alguém na vida", chega a provocar risos nos alunos, ante a clara constatação de inúmeras pessoas formadas, porém desempregadas ou muito
reclamam" etc.), não deveria nos surpreender, pois é justamente isto que a escola vai ensinando desde cedo aos seus alunos: (^) obedecer sem questionar! (e o professor foi aluno por muito tempo e para ter "sucesso" provavelmente teve de se submeter às regras do jogo). No atual momento, quando os alunos passai a se rebelar, alguns professores parecem meio indignados, traídos: "Ué, podia fazer isto? Por que não fizemos no nosso tempo? Por que obedecemos passivamente? Por que engolimos os “sapos'?". Parece haver uma sutil inveja d professor em relação ao seu aluno, que agora contesta, questiona, busca o sentido das coisas...
Este "estouro" do problema disciplinar na escola é, com certeza, um sinal, que precisa ser decodificado, entendido.
Crise dos Limites
Ora, só esta ausência de projeto já seria suficiente para provocar um grande estrago na sala de aula e na escola, afinal "para que me comportar se não vejo sentido naquilo que estou fazendo?". Mas a este fator vêm-se acrescentar outro: dois, um de ordem circunstancial e outro estrutural. De um lado, tudo isto está acontecendo justamente no momento em que os professores estão submetidos às mais desfavoráveis condições de trabalho dos últimos tempos: má formação, salários miseráveis, número excessivo de alunos em sala, falta de material didático apropriado, falta de espaço de trabalho coletivo constante na escola etc De outro lado, temos a crise dos próprios limites, alimentada pela necessidade de um mercado baseado na exacerbação do consumo.
Nesta perspectiva, a quebra de limites é fundamental para poder alimentar a lógica do consumismo, e o grande alvo desta guerra é a criança, elo mais fraco da corrente. Basta ver o número de propagandas dirigidas às crianças ou mesmo usando crianças como chamariz, pois se descobriu que, além de seu consumo direto, a criança hoje tem forte influência no consumo da família, chegando a decidir desde o tipo de eletrodoméstico até a marca de carro a ser comprado. Quebrar limites-especialmente da criança-tornou-se, pois, fundamental. É um processo social de infantilização, onde é preciso satisfazer rapidamente os desejos sob o fantasma da frustração e até mesmo do trauma". O importante é viver bem o aqui e o agora -vejam a relação com a crise dos objetivos -, desfrutar, fruir. Numa propaganda em Recife, era sugerida à criança uma série d atos de protesto para o caso de os pais se recusarem a levá-la ao (^) shopping durante as férias (ex.: bater o pé, não comer, ligar para a avó etc.). A que ponto chegamos... Alguns pais, perplexos, chegam a esboçar justificativas diante da tirania dos filhos: "Veja como meu filhinho já tem personalidade"...
Cremos que está suficientemente claro como a família também é vítima desta processo: de centro de convivência e espaço de formação básica do ser humano
transformou-se, na ótica da classe dirigente, em unidade de restabelecimento de força de trabalho e de consumo. Impelidos, por um lado, para o trabalho em função da queda progressiva dos salários e, por outro, massacrados pelos meios de comunicação, os pais acabam caindo no círculo vicioso: desejo de consumo -+ busca de recursos --> mais trabalho -+ menos tempo de convivência com filhos --> culpa --> menos limites --> liberação para consumo -+ mais necessidade de recursos...
Bem, a partir destas rápidas considerações, podemos ver o tamanho do problema cujos reflexos estamos enfrentando na escola.
2 - Obstáculos epistemológicos
Quando analisamos a posição dos educadores em relação ao problema disciplinar, encontramos certas representações mentais, incorporadas mais ou menos fortemente, mais ou menos conscientemente, que podem funcionar como "obstáculos epistemológicos" e, se não forem levadas em conta, dificultarem muito a construção de novas perspectivas de ação dos educadores. Vamos citar três que nos parecem muito presentes atualmente.
Espera da -Receita Mágica"
A situação anda tão difícil que muitos professores andam sonhando com alguma "solução mágica". Isto chega até a ser expresso em tom de brincadeira nos encontros, mas com tal freqüência que não pode ser considerado apenas como caso isolado ou brincadeira.
O que significaria uma solução mágica? Basicamente, tratar-se-ia de algo feito pelo outro e que daria resultado imediato. Ou seja, a questão da "receita infalível" é problemática por colocar a solução fora do sujeito e por negar o caráter processual de mudança da realidade.
De certa forma, podemos entender esta busca de solução mágica também como reflexo de um não conseguir aceitar a situação tal como se coloca hoje. Para a maioria dos professores está realmente muito difícil assimilar a mudança que houve no seu status, nas suas condições de trabalho; neste sentido, a "mágica" representa certa nostalgia, uma negação pura e simples da realidade.
Ideal izacão das Alternativas
Na busca de superação dos problemas, muitas vezes as alternativas encontradas têm uma forte carga idealista, o que significa dizer que não levam
acabou assimilando a idéia de que não tem forças, de que não pode, de que a solução dos problemas está fora dele. Muitas vezes, sente-se desgastado, destruído, traído, usado, acusado, desprezado, humilhado, explorado. Neste contexto, colocar a "culpa" fora dele pode ser a saída inconsciente de autoproteção, não por ser relapso, mas sim porque no fundo acha que não pode, não tem força para mudar. Quando questionado sobre os problemas, vai logo apontando: "É a família", "É o sistema". Ao fazer isto, esvazia sua competência profissional e existencial; perde o senso crítico, pois não consegue se situar diante do real; perde a autoridade, já que não é responsável por nada. Está marcado pelo impossível, pelo não-poder. Freqüentemente, o colocado por ele como condição para iniciar a caminhada é justamente o resultado de um processo de lutas e conquistas.
Nas reuniões pedagógicas, nos encontros de formação, quando perguntamos aos professores sobre qual segmento(3) mais próximo poderiam atuar, é muito comum ouvirmos: o aluno! Isto pode revelar até uma certa esquizofrenia, por não conseguir se perceber, por perder o contato consigo mesmo. Vejam o ponto a que chegamos: a anulação do poder do professor para enfrentar a realidade.
A situação em que o professor fica é profundamente ambígua: de um lado, está justificado, pois "não é com ele", mas, de outro, está absolutamente impotente...
De certa forma, este sentimento de impotência é aprendido no cotidiano social, onde, num caldo cultural de colonialismo e paternalismo, parece que tudo só pode ser resolvido pelos "grandes"; o cidadão comum nada pode. O professor diante do problema disciplinar, achando que não pode fazer nada, parte para outra atitude extrema: se livrar, expulsar o aluno (algo semelhante à pena de morte no contexto social mais amplo).
Assume-se uma impotência na dimensão tanto cognitiva- incapacidade de fazer aprender o aluno que apresenta dificuldade -, quanto social - incapacidade de alterar a condição de origem do aluno pobre.
Este não-poder pode ser real (fruto de determinantes objetivos colocados historicamente) ou imaginário (fruto de representações, mitos, preconceitos). É claro que ambos nos preocupam; porém, enquanto o primeiro é pauta de luta, o último acaba negando as potencialidades transformadoras dos sujeitos.
O enfrentamento deste obstáculo vai-nos remeter à questão: é possível transformara realidade? Como?
3 Sociedade, Família, Escola, Professor ou Aluno.
II - Resgate do Professor
A partir do exposto até aqui, fica claro que um dos maiores desafios é o resgate do professor como sujeito de transformação: acreditar que pode, que tem um papel a desempenhar muito importante, embora limitado. Acreditar na possibilidade de mudança do outro, de si e da realidade.
O que fizeram conosco
Já de algumas décadas vem ocorrendo um processo de imbecilizarão, de destruição do professor, que chegou até a atingir profundamente seu autoconceito, sua auto-imagem, sua auto-estima. Isto é uma perversidade em termos de País. As classes dominantes tiram vantagem desta situação em termos imediatos - um povo sem educação e cultura é mais facilmente manipulado -, mas é um suicídio coletivo a longo prazo. Estamos percebendo alguns sinais claros disto: a questão da violência está emergindo com tanta força, que assusta a todos, até os próprios dominantes. Por trás deste fato, há também, com certeza, um trabalho educacional malfeito, seja no sentido da negação da possibilidade do processo de humanização dos sujeitos, seja no sentido da anulação do caráter transformador do conhecimento.
De onde vem o drama do professor? Em parte, da percepção de que está incapacitado para dar conta de sua tarefa: o mundo mudou, o aluno mudou, mudou a relação escola-sociedade e ele continua o mesmo... O que lhe foi ensinado? Transmitir o conteúdo, cumprir o programa, controlar o comportamento do aluno através da nota. Hoje, as exigências são outras! O que dizer de um profissional da Educação que, muitas vezes, não sabe como se dá o conhecimento, não domina o próprio sentido do que ensina, em alguns casos mais extremos nem ao menos domina o próprio conteúdo que ministra ou, quando domina, ensina baseado na mera transmissão? Isto é doído, sabemos; todavia, com certeza, não será "tampando o sol com a peneira"-querendo esconder nossas falhas e deficiências -que iremos resolver os problemas. Insistimos que não se trata de um julgamento moral, como se o professor fizesse isto porque quer, porque escolheu conscientemente ser um mau profissional. Ele é vítima também de uma lógica desumana e excludente. Mesmo quem saiu dos melhores centros de formação sabe que tem uma séria defasagem na sua capacitação, até porque a educação escolar, como vimos, é uma atividade (^) de per si extremamente complexa, ainda mais a ser exercida nos dias de hoje.
Quando olhamos a escola brasileira, o que está produzindo? Fracasso em cima de fracasso: basta ver os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar, o baixíssimo grau de aprendizagem dos alunos que tiveram "sucesso" revelado nas testagens nacionais e internacionais de conhecimentos mínimos. Esta
É necessário resgatar o professor como sujeito de transformação. Não vai ser mantendo-nos no estágio de heteronomia, onde não podemos pensar, onde tudo vem pronto, que nos estaremos ajudando. Faz-se necessário sair um pouco do "piloto automático", daquele mecanicismo, formalismo, que nos colocaram e começar a exercer uma das funções básicas de qualquer pessoa, de qualquer cidadão, contudo muito importante para o professor, que é a função da reflexão. Refletir, buscar, comprometer-se.
Poderíamos lembrar aqui as reflexões de FOUCAULT sobre a questão do poder: onde está o poder? Será que está apenas nos dirigentes, na mídia? Ou na verdade, embora tenhamos focos fortes de poder, ele tem uma capilaridade, está no dia-a-dia, nos vários agentes sociais? É preciso resgatar e redirecionar estes micropoderes locais, tendo em vista um projeto novo, denunciando e lutando contra o poder que se exerce como abuso:
"(...) todos aqueles que o reconhecem como intolerável, podem começara luta onde se encontram e a partir de sua atividade (ou passividade) própria. "(FOUCAULT, 1981, p.77).
Vamos lutar onde temos possibilidades concretas, ao mesmo tempo em que buscamos a ampliação destas possibilidades. Seria importante lembrar que o sistema" não funciona sem a mediação de agentes concretos, dos quais nós fazemos parte, e que, por via de conseqüência, temos um poderem mãos, em princípio limitado, mas real, e com possibilidade de ser ampliado de acordo com nossa capacidade de articulação. Precisamos criar uma rede ética de resistência a este processo de brutalização social que está instalado em nosso país.
Acreditamos profundamente no professor; hoje ele pode ter um papel revolucionário (ainda que correndo o risco, ao afirmarmos isto, de sermos chamados de "jurássicos", de utópicos). Esta onda neoliberal, que está aí quebrando todas as esperanças, tem muitos interesses não explicitados. O professor lida sim com a esperança, com a utopia; isto faz parte da essência do seu próprio trabalho.
Respeito e Exigência
A situação é delicada, pois o professor precisa ser compreendido, precisa de "colo", mas ao mesmo tempo deve ser chamado às suas responsabilidades, ter coragem de se rever, de assumir a parte que lhe cabe, se quiser superar esta infantilização a que foi submetido. Um dos critérios para se definir uma profissão é que os sujeitos que a abraçam possam ser responsabilizados pelo seu exercício.
O contexto está extremamente difícil, complexo. No entanto, não devemos ver o professor através de uma representação lamentavelmente muito enraizada: como um "coitadinho". Ele é um ser contraditório, como outro qualquer. Ao levantarmos certas questões sobre a sua prática, corremos o risco de sermos encarados como inimigos, como se estivéssemos contra ele: sente-se culpabilizado pelo fracasso do aluno e da escola. É preciso, no entanto, falar das responsabilidades e, neste campo, com certeza, o professor tem uma parcela, ainda que absolutamente não exclusiva. É preciso falar de projeto, de compromisso, de mudança da realidade. E aí, mais uma vez, o professor que ainda não entregou os pontos tem uma importante contribuição a dar.
Responsabilidade
O restabelecimento dos objetivos e dos limites é tarefa de quem? Podemos ter aqui mais uma grave fonte de desvios: o famoso jogo do "empurra-empurra". Quando se chega a este momento de ver o que fazer, há uma tendência de ficar esperando que o outro resolva o problema. Cada segmento tem suas queixas e expectativas; se não forem devidamente explicitadas e debatidas, podemos ficar "patinando", num desgastante processo de acusa-acusa, em vez de ajuda-ajuda.
Só a título de exemplificação, é muito comum ouvirmos dos professores a queixa de que os pais não estabelecem limites, não educam seus filhos com princípios básicos como saber se comportar, respeitar os outros, saber esperar sua vez etc., no que estão normalmente repletos de razão, já que muitas famílias não estão objetivamente cumprindo sua função civilizatória básica. Por outro lado, vemos também a queixa de pais que estão sendo chamados pela escola para ouvir coisas do tipo: "Seu filho não está aprendendo; vocês precisam fazer alguma coisa"..., como se a obrigação de ensinar fosse dos pais. Para termos melhor idéia do que isto significa, pensemos no caso de a família levar o filho a um médico e este, depois de examiná-lo, chamar os pais e dizer: Ele está doente, precisa de alguém que entenda de saúde para poder ajudá-lo"... Ora, quem é o profissional da Saúde, senão o médico? E, de forma análoga, quem é o profissional do ensino, senão o professor? Sabemos que estas afirmações podem causar espanto, mas é só para demonstrar o paradoxo a que chegamos: a escola sendo solicitada a fazer aquilo que seria obrigação dos pais, e os pais sendo solicitados a fazerem o que seria obrigação da escola... Se alguém tem dúvida disto, basta ver como estão progredindo as firmas de "aulas de reforço"... É óbvio que por este caminho de acusa-acusa não iremos muito longe. Mesmo no interior da escola, este problema também se manifesta na não menos famosa "síndrome de encaminhamentos do aluno"...
Entendemos que o problema da disciplina é tarefa de todos: sociedade, família, escola, professor e aluno. Todavia, não podemos ser ingênuos, pois, embora a
apropriado dentro de um quadro de referência maior, com uma visão crítica etc., acaba-se tornando mais uma moda... Esta incorporação no discurso é um desafio, pois tira o eventual caráter transformador das idéias, já que não vem acompanhada de uma ética, de um compromisso com a efetiva mudança da realidade. Sabemos que, muitas vezes, isto pode até funcionar como estratégia de sobrevivência dos professores, ante as exigências equivocadas das equipes diretivas: a direção ou coordenação sai para fazer um cursinho de 40 horas e já volta dizendo que "agora vamos seguir tal linha"...
Precisamos estar atentos a este maldito formalismo na Educação: "Ah, agora é para fazer reunião pedagógica, ter projeto, fazer avaliação diagnóstica etc.? Deixa com a gente". Está tudo resolvido formalmente, contudo a prática continua como antes...
O questionamento que poderia ser proposto aqui é: será que precisamos de uma nova relação de idéias sobre a realidade ou uma nova relação com as idéias e com a realidade? Tomar algumas idéias, alguns princípios, acreditar, ir fundo, tentar colocarem prática, refletir sobre os resultados, reformular etc., constituir uma autêntica práxis pedagógica.
Sentido e Exigências
A partir da análise feita anteriormente, fica patente que a tarefa de construir uma nova disciplina passa pelo restabelecer o sentido para a escola, para o estudo, bem como pelo restabelecer os limites. Só que aqui, em lugar de falarmos simplesmente de limites, vamos falar de exigências, o que inclui os limites, mas também as possibilidades, com freqüência esquecidas; isto é importante para não cairmos numa disciplina meramente restritiva, do "não", "não" e "não".
Muito sinteticamente, apontamos a seguir algumas possibilidades de os vários agentes contribuírem para a construção de uma nova disciplina em sala de aula e na escola.
1 - Resgate do Sentido
Sentido para o Estudo
Entendemos que a questão do próprio sentido do trabalho pedagógico é a contradição nuclear hoje na Educação. Se o professor não acredita, se não vê o sentido do que faz, se diante daquela pergunta do aluno: "professor, estudar para quê?", não consegue dar uma resposta, se o próprio professor não sabe o que está fazendo ali, todo o resto, toda a elucubração sobre a necessidade de limites fica comprometida. Porque, como vimos, o limite só tem sentido se for articulado a um objetivo. Então, antes de saber para que estudar oração subordinada substantiva, o aluno tem de saber para que estudar. Esse aspecto é da maior importância. O próprio professor resgatar o sentido do trabalho. Pensar sobre a sua prática. "O que é que estou fazendo aqui? Eu acredito no que faço?" E ter coragem de tomar uma posição. Então, o primeiro ponto é o resgate do sentido da tarefa educativa: (^) compreender o conhecimento como instrumento de transformação. Resgatar o sentido do conhecimento. Conhecer para quê? Para poder compreender o mundo em que vivemos, para poder usufruir dele, mas sobretudo para poder transformá-lo! Isto implica o professor tanto se compreender como sujeito de transformação, quanto ter clareza de que está participando da formação dos novos sujeitos de transformação. A nosso ver, se não acreditamos na possibilidade de transformação da realidade, não deveríamos estar no magistério, pois ser professor é essencialmente acreditar na possibilidade desse vir-a-ser.
Há o perigo de, diante da falta de sentido, cairmos no jogo atual da competição: estudar para ser o melhor, para passar na frente dos outros, para poder garantir o seu lugar. Ao invés de caminharmos para a superação, reforçamos a lógica de exclusão.
É preciso apontar para a possibilidade da escola como elemento de mudança das relações sociais, de tal forma que se possa voltar a ter esperança de um futuro melhor. Ou será que a escola nada pode diante de um "destino" previamente traçado para o aluno e para a humanidade? É óbvio que não de forma ingênua, como no passado, quando acreditávamos na escola como "redentora da humanidade", desvinculada do resto da sociedade.
Questão do Respeito
Muitos problemas de indisciplina têm origem na questão do desrespeito. Com freqüência, a indisciplina é uma manifestação de coeficientes de poder não adequadamente equacionados; só que nossos alunos não vão, evidentemente, levantar a mão e argumentar: "Professor, gostaria de pôr em questão nossa relação, tendo em vista a percepção de que entramos num processo de reificação, onde minhas potencialidades ontológicas e epistemológicas estão sendo subestimadas"... Eles não conseguem verbalizar isto de uma maneira clara, mas vão manifestar de alguma forma que as coisas não vão bem, como por exemplo: querer sair a todo o momento da sala de aula, ficar conversando fora do assunto, não fazer as lições, agredir o colega ou o professor etc. Diante da queixa da violência do aluno, precisaríamos refletir: quer violência maior do que a negação da esperança, a negação de um futuro melhor a que o aluno, especialmente das escolas públicas, está submetido? Se queremos enfrentara questão da violência do aluno, com certeza o caminho não é usar outra violência ou ser conivente com ela
Enquanto o desrespeito do aluno, normalmente, é explícito, o desrespeito do professor é camuflado, é sutil. E esse desrespeito tem várias facetas. Uma delas é o preconceito de classe. Na Escola Pública, às vezes, no fundo, o professor não acredita naquele aluno simplesmente por sua condição social. Paulo FREIRE diz que uma das coisas mais cruéis que o sistema nos ensina é detestar o cheiro do pobre. Aprende-se a desconfiar do pobre, a detestar o pobre. Isso é muito complicado. Na escola particular, este preconceito pode ocorrer de forma diferente, porque os alunos pertencem a uma camada de maior poder aquisitivo, sendo comum, inclusive, a tendência a tratar os professores como mais um empregado de casa: "Eu estou pagando". É necessário tentar superar, não deixar que o preconceito vicie a relação. Ao contrário, temos de ganhar esses alunos, seja o menino da camada popular, seja o menino da escola particular, já que estamos engajados num projeto de transformação.
Relacionado ao preconceito anterior, aparece o preconceito quanto às possibilidades do aluno; o professor olha para o aluno e pensa: " Ih, este acho que não vai". É impressionante como isto está presente no cotidiano da escola. Pesquisa feita por COLLARES e MOYSÉS (1996), na 1(a) série do 1o Grau, revela que os professores "acertaram" a previsão de reprovação dos alunos, feita logo no início das aulas, em 80% dos casos. A pergunta que fica é: será que "acertaram" ou condenaram os alunos logo no começo do ano? O professor acertou ou os alunos foram "acertados" pela previsão dele? Outras pesquisas já mostraram isto: a expectativa do professor em relação a seus alunos é decisiva em termos do sucesso ou fracasso que venham a obter. Ora, esta descrença é uma profunda falta de respeito. Outra falta de respeito: as faltas constantes do
professor ou a falta de tolerância para com os erros dos alunos. Sabemos que tudo isto é muito complicado porque é preciso considerar a situação concreta do professor. É necessário criar um clima de respeito também em relação a ele. Se o professor vem de uma seqüência de desrespeito, fica difícil manter um relacionamento de respeito para com os alunos. Lembrando aquele velho chavão "o professor deve vestir a camisa da escola", poderíamos completar insistindo que a escola/mantenedores devem "vestir a pele do professor". Deve- se, portanto, criar um clima de respeito em toda a escola.
Postura do Professor: Dialética da Interação Pedagógica
O que queremos? Para onde queremos ir? Com que tipo de disciplina sonhamos? Diante do quadro caótico, corremos o risco de começar a desejar uma disciplina passiva "como antigamente". Seria esta a saída? No pólo oposto, podemos abrir mão de qualquer preocupação, procurando nos acostumar com o que está aí, numa postura de "liberou geral".
Evidentemente, entendemos que o encaminhamento adequado não seria este. O primeiro, por se constituir numa onda nostálgica, a-histórica, e o segundo, por significar uma autêntica demissão pedagógica. Do ponto de vista das tendências pedagógicas, o primeiro posicionamento estaria relacionado à chamada educação tradicional, e o outro, à educação nova. O que é relativamente difícil de entender aqui é que cada uma destas tendências tem sua parcela de razão, tem um núcleo de bom senso, só que, por não abarcar a totalidade do fenômeno educativo, acaba distorcendo-o.
Uma das maiores dificuldades que temos observado na busca de superação destas concepções de disciplina é a forma de pensar linear, dicotômica, de cunho metafísico, em contraposição a uma forma de pensar ligada ao movimento, à contradição, à totalidade, de cunho dialético.
Diante do fato de se apontar a necessidade de direção por parte do professor (contribuição da concepção tradicional) e de participação ativa por parte do aluno (contribuição da concepção moderna), encontramos as seguintes posturas, na perspectiva dicotômica: