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Organização do livro Origem e Evolução do Conhecimento - OEC. Marianne Kogut Eliasquevici. Sônia Nazaré Fernandes Resque. Devison Nascimento.
Tipologia: Esquemas
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Coleção DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES
Série MÓDULOS INTERDISCIPLINARES - TEXTOS VOLUME 1
Santarém - Pará 2012
José Seixas Lourenço Reitor pro tempore
Dóris Santos de Faria e Maria de Fátima Matos de Souza Diretoria do CFI - Centro de Formação Interdisciplinar
Dóris Santos de Faria Marianne Kogut Eliasquevici Sônia Nazaré Fernandes Resque Devison Nascimento Desenho metodológico instrucional da série Módulos Interdisciplinares - Textos
Dóris Santos de Faria e João Tristan Vargas Organização da série Módulos Interdisciplinares - Textos
Maria de Fátima Matos de Souza e Andrei Santos de Morais Organização do livro Origem e Evolução do Conhecimento - OEC
Marianne Kogut Eliasquevici Sônia Nazaré Fernandes Resque Devison Nascimento (Integrantes da AEDI - Assessoria de Educação à Distância) Apoio técnico e metodológico à produção da série Módulos Interdisciplinares - Textos
Parceria Institucional: Reitoria da Universidade Federal do Pará e AEDI
Impressão: [DAR O NOME DA GRÁFICA]
Capa: Rose Pepe Design
A Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA – foi criada pela Lei n.º 12.085, de 5 de novembro de 2009, pela fusão dos campi da Universidade Federal do Pará/UFPA e da Universidade Federal Rural do Pará/UFRA existentes em Santarém. Ela é fruto do esforço conjunto dos governos federal, estadual, municipais e da sociedade em geral, os quais reconhecem a importância do papel da Universidade Pública como vetor de desenvolvimento local e regional e, sobretudo, como importante contribuinte da integração do conhecimento científico, tecnológico e cultural pan-amazônico. Mais do que uma simples fusão, a criação da UFOPA significa a presença, de forma inovadora, de uma Universidade Federal no coração da imensa região amazônica. A UFOPA elege como prioridade para sua atuação o contexto regional, em articulação e sintonia com os contextos nacional e mundial, visando à formação continuada de recursos humanos qualificados – graduados e pós-graduados – , assim como à produção e reprodução de conhecimentos. Para tanto, privilegia novos instrumentos e modelos curriculares, a começar pela sua estrutura acadêmica organizada em Institutos, voltados para o ensino, a pesquisa (com ênfase na produção de conhecimentos interdisciplinares) e a extensão. Os Institutos da UFOPA oferecem cursos que atendem a uma formação de graduação e de pós- graduação, no conjunto de grandes temas de conhecimento, de interesse científico geral e amazônico, em particular, atuando multi e interdisciplinarmente. Os seis organismos estruturantes da UFOPA são os seguintes: Centro de Formação Interdisciplinar – CFI Instituto de Biodiversidade e Floresta – IBEF Instituto de Ciência e Tecnologia das Águas – ICTA Instituto de Ciências da Educação - ICED Instituto de Ciências da Sociedade – ICS Instituto de Engenharia e Geociências – IEG São três os seus Ciclos de Formação:
1.^0 Ciclo de Formação Graduada Geral 2.^0 Ciclo de Formação Graduada Específica 3.^0 Ciclo de Formação Pós-Graduada A formação acadêmica em três ciclos evidencia a opção pelo conceito e pela práxis de um processo de educação continuada, que se verifica desde o acesso à Formação Interdisciplinar I, comum a todos os seus cursos, até a pós-graduação stricto sensu.
O primeiro semestre do Ciclo de Formação Graduada Geral (também chamado de Formação Interdisciplinar I), a cargo do CFI, procura proporcionar ao aluno o contato com um amplo leque de conhecimentos oriundos de diversas áreas disciplinares, abordados de maneira integrada por meio de módulos interdisciplinares. Os módulos são seis: Origem e Evolução do Conhecimento ; Lógica, Linguagem e Comunicação ; Sociedade, Natureza e Desenvolvimento ; Estudos Integrativos da Amazônia.
Seminários Integradores; Interação com a Base Real. Como se pode notar, cada módulo, considerado especificamente, apresenta um caráter de integração entre áreas de conhecimento. Um deles, porém, tem por objetivo aprofundar ainda mais essa integração, pois seu objetivo é ensejar a concatenação e uma ressignificação de todos os conteúdos trabalhados nos outros módulos. Trata-se dos Seminários Integradores. Por meio da discussão de temas pertinentes a todos os módulos, os Seminários, oferecidos pelos diversos Institutos da UFOPA, proporcionam ao aluno a oportunidade para interligar por si mesmo as múltiplas referências que vai adquirindo ao longo do primeiro semestre. Por essa via, abre-se a oportunidade também para que o aluno desenvolva um viés de integração para o olhar que dirigirá às carreiras e profissões para as quais se encaminharão nos outros Institutos, após sua passagem pelo CFI. O módulo Interação com a Base Real , por sua vez, objetiva mais explicitamente a aplicação de conhecimentos, competências e habilidades adquiridos ou enriquecidos ao longo do primeiro semestre, para a construção de novos conhecimentos e para a intervenção na realidade: constitui um programa de iniciação à pesquisa e de extensão, preferencialmente voltado para as comunidades em que os alunos atuam. O objetivo dessa organização é, de um lado, proporcionar aos alunos a experiência com a multidisciplinaridade – que caracteriza os conteúdos programáticos de cada módulo
Prefácio...............................................................................................................................................
Texto 1 - História e filosofia da ciência..............................................................................
Texto 2 - Introdução à filosofia...................................
Texto 3 - Filosofia, sociedade e política..........................................................................
Texto 4 - Filosofia da ciência...................................
Texto 5 – Conhecimento tradicional: conceitos e definições...........
Texto 6 – Pesquisa, reflexão, extensão: tipos de questões...........
Texto 7 - Elementos de epistemologia e história da ciência...........
Constantemente vinha-me ao espírito ser eu um botânico a passeio, que ao acaso de minhas leituras colheria “as flores poéticas”. O número crescente de imagens colecionadas me dava a impressão de ser imparcial, de dominar todas as minhas preferências, de saber tudo acolher. Gaston Bachelard. Fragmentos de uma poética do fogo
Constitui-se tarefa deveras árdua organizar e selecionar textos em torno do tema Origem e Evolução do Conhecimento. Isso se deve a vários motivos. Um deles se encontra nas próprias palavras origem, evolução e conhecimento. Quando se fala em “origem”, na etimologia, a língua grega propõe caminhos. Do prefixo arkhé , “origem” é tomada como ponto de partida do conhecimento ( episteme ). Os exemplos de reflexão sobre o problema abundam, desde as concepções dos filósofos gregos da Antiguidade. Tales de Mileto defendia a água ( hydor ) como sendo o elemento primordial para a explicação da natureza ( physis ). Seus sucessores no tempo propunham outros elementos para o preenchimento desse papel – para Anaximandro, era o “indefinido” ( ápeiron ); para Anaxímenes, era o ar ( pneuma ); para Heráclito de Éfeso, era o fogo ( pyr ). O motivo era aparentemente simples: buscar na natureza um começo que não remetesse ao infinito, sobrenatural, místico. Então, poderíamos concluir que o começo é apenas um postulado? Ou constitui, ele mesmo, princípio ou axioma que não pode ser negado? No contexto cultural em que se colocavam as visões desses pensadores, tal preocupação era fundamental; contudo, se buscarmos a origem para tudo, não nos surpreenderíamos ao encontrarmos uma origem diferente a cada busca, a cada instante. É como colocar um espelho defronte o outro; o resultado é o infinito. Ou quando olhamos para o passado, este nunca vem à tona da mesma forma. Acreditemos ou não, o importante é não pensar a “origem” como verdade absoluta, porém como uma construção histórica de pensadores, em seus respectivos contextos, sempre em busca da verdade, seja ela qual for. Por isso, não pensemos também que “evolução” seja necessariamente a passagem do pior para o melhor, como se o passado não tivesse mais o que ensinar às gerações futuras. Não, não é isso. A “evolução” contempla as sucessivas manifestações do pensamento ao longo do tempo. Muitas destas constituem continuidades; outras, contraposições em relação a seus predecessores. Ou seja, o porquê de ainda pesquisarmos os escritos de Homero, Hesíodo, Parmênides de Eleia, Platão, Aristóteles, Aurélio Agostinho, Tomás de Aquino, Nicolau Copérnico, René Descartes, Galileu Galilei, Isaac Newton, Sören Kierkegaard, Albert Einstein, César Lattes, Milton Santos e tantos outros de sabedoria reconhecidamente internacional ou nacional encontra-se na seguinte constatação: todos eles ainda nos trazem questões, aporias, paradoxos, problemas do conhecimento que nos estimulam a pensar o hoje, o passado e o futuro num percurso sem pretensões de finalização. Para isso, para dar conta de um leque de pensadores-cientistas que possam alinhavar a história da ciência em seus diversos matizes, da filosofia da ciência, da metodologia e da epistemologia, vocês encontrarão elementos para debater temas prementes e atuais do pensamento Ocidental. Aqui, poder-se-ia questionar: por que não apresentar os textos mesmos de seus respectivos pensadores? Pensando nisso, os respeitados escritores dos textos do módulo Origem e Evolução do Conhecimento apresentam no final de suas abordagens referências suficientes para se começar uma pesquisa com empenho e rigor. É importante tomar nota de que um escrito não se forma a partir de respostas, mas de questões. Nesse intuito, os leitores deveriam tomar como orientação não as respostas
geralmente encontradas em textos panfletários, religiosos, comerciais ou políticos. Isto é, vocês têm em suas mãos textos que se propõem a colocar algumas questões na mesa e convidá-los a um diálogo no qual o único escopo é aproximá-los de um debate filosófico, seja voltado para o ensino, seja voltado para a pesquisa, e assim estender os frutos a seus pares próximos e distantes. Parafraseando Agostinho (1980), mestre da retórica, nas suas Confissões , mormente ao dizer desde o início ao leitor desatento aquilo que talvez confirme após ruminantes leituras, antes de me perguntares o que é a filosofia, eu saberia lhe dizer. Martin Heidegger (2008), em Introdução à Filosofia , chega a satirizar a deflagrada tradução “amor à sabedoria”. A filosofia está mais voltada para um saber que se constrói com afinco, dedicação que, muitas vezes, nos exige muito. Dedicação essa que encontramos no trabalho manual dos artesãos, na composição de nossas narrativas. Ou seja, ela não se restringe à separação entre o trabalho braçal e o intelectual, tão preconizada por Karl Marx e Friedrich Engels, em Teses sobre Feuerbach (Marx e Engels, 1998): “Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transformá - lo”. Não só os filósofos, mas todos participaram e continuam participando da transformação do mundo, desde sempre, cada um à sua maneira. Isso é importante frisar aqui, principalmente porque o conhecimento não se restringe às paredes da Instituição Escola Formal, ele se produz constantemente em todo lugar, seja numa conversa descontraída do bar, na varanda de casa, dentro de um mercado ou até mesmo nos solilóquios de travesseiro. Ou seja, todos pensam e fazem o mundo à sua maneira, no seu locus , tópos , nicho, comunidade, etnia, grupo social, esteja ela onde estiver, seja nas grandes cidades ou até nos lugares mais longínquos da comunicação, externos até ao universo digital. Interessante ainda é notar que há um quase consenso entre os historiadores do pensamento em afirmar que a origem e a evolução do conhecimento ou, em outras palavras, o famoso “milagre grego”, se deu a partir de um rompimento ou espanto (Aristóteles, 1969) entre o logos (pensamento, linguagem, discurso, estudo, razão, conceito, argumentação, entre outras interpretações) e a doxa (opinião, senso comum), como se o elemento intuitivo da última não estivesse já contido no primeiro. Ora, doxa compõe também mito, oralidade, trama, princípio, e não há logos sem a intuição mítica, e vice-versa: não há mito sem a conceituação lógica, principalmente porque intuição é ver , ver com a razão (Cf. Jaeger, 1989). Deus ( téos ) é aquele que tudo vê, onipresença imprescindível à onisciência (do latim omni : tudo, todo). Não observamos e compreendemos o mundo sem contaminá-lo com a nossa cultura. Levar em conta isso é de fundamental importância para nos aproximarmos do Outro ( alter ). Note-se que é ao conflitarmos constantemente com o Outro, desde os primeiros momentos, dentro e fora do ventre materno, que nos constituímos como sujeitos (Lacan, 1998). Ou seja, a nossa identidade é uma construção social e não uma entidade metafísica, independente de nosso contexto histórico. E social é o público, o Outro, uma construção de todos. Nada mais estranho e distante para nós brasileiros do que a Amazônia e sua riqueza cultural, miscigenação de todos os olhares nacionais e internacionais, sedentos por desbravá-la a tal ponto que a ameaçamos, na tentativa de domesticá-la, aculturando seus habitantes com valores globalizados (religião, moeda, política, sexualidade, monocultura) e, por consequência, condenamo-la a uma morte lenta, a conta-gota. Longe de um ufanismo cego, espelhando-se em potências econômicas e usurpadoras, devemos repensar o nosso país a partir da Amazônia, e tomando como elemento de comparação os destinos de nossas grandes metrópoles, suas chagas: enchente, seca, engarrafamento, poluição, fome, miséria, epidemias, entre outras mazelas. Ou seja, cabe a cada um de nós fazer deste livro uma arma do pensar e agir inequivocamente ético e sempre disposto ao diálogo, que avance não para a vazão de nossas idiossincrasias egoicas, porém com vistas ao acréscimo e divisão do que entendemos como sabedoria sensata, lúcida e crítica, acima de tudo. Para isso, faz-se necessário percorrer a história do pensamento, desde o questionamento dos mitos à sofisticada tecnologia dos
ARISTÓTELES. Metafísica. Porto Alegre: Globo, 1969. HEIDEGGER, Martin. Introdução à filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2008. JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989. LACAN, J. Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Teses sobre Feuerbach. In _____. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Texto 1
Marisa Bittar Amarilio Ferreira Jr.^1
O conhecimento é um fato inerente à própria existência da humanidade, pois, desde que a sociedade humana existe, a produção de conhecimento constitui um aspecto dessa própria existência. Inicialmente, para sobreviver, os seres humanos tiveram de empregar a sua inteligência e criatividade para vencer os perigos e obstáculos que a natureza lhes apresentava. No curso de nossa existência social, deparamo-nos com problemas, os quais nos levam à reflexão, à busca de explicações e de soluções. Esse desafio gera conhecimento, e foi assim que o homem descobriu como produzir o fogo, inventou a roda, construiu maravilhas, mas também construiu armas capazes de destruir a própria humanidade. Fundamentado no conhecimento, o homem chegou na Lua e planeja chegar em Marte. Em toda essa longa trajetória, observar e pensar se constituíram em duas atitudes metódicas sempre presentes na produção de conhecimento. Vivemos em uma época caracterizada pela revolução técnico-científica, que facilitou enormemente o acesso à informação. Em nosso cotidiano nos deparamos com notícias e acontecimentos que nos chegam em tempo real, mas precisamos nos indagar se informação é o mesmo que conhecimento. Baseando-nos na classificação de Peter Burke, podemos afirmar que informação diz respeito ao que é relativamente “cru”, específico e prático, e conhecimento , ao que foi “cozido”, isto é, processado ou sistematizado pelo pensamento. Quando falamos em conhecimento, é necessário recuarmos no tempo para compreendermos que ele foi concebido historicamente, ou seja, em cada contexto histórico prevaleceu uma determinada concepção filosófica sobre ele. Filosofia, ciência e tecnologia constituem um trinômio que guarda relação orgânica com a sociedade dos homens desde o início da Antiguidade Clássica greco-romana. Desde então, as organizações societárias estiveram organizadas com base na propriedade privada dos meios de produção (terra, grande comércio, indústria, bancos), na divisão do povo entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção (estrutura de classes sociais antagônicas) e na existência do Estado (sociedade civil e sociedade política). Os meios de produção são o locus em que se materializam as relações que os homens travam entre si (os trabalhadores, por exemplo, numa fábrica) e com a natureza (matérias-primas) no processo de produção que garante a existência material da sociedade. Os trabalhadores, as máquinas-ferramentas e as matérias-primas (produtos extraídos da natureza por meio do trabalho humano), inseridos no processo produtivo material, dependem do desenvolvimento dos conhecimentos filosóficos, científicos e tecnológicos acumulados historicamente pelas sociedades. Dito de outra forma: a força de trabalho, os instrumentos de produção (um robô, por exemplo, na linha de montagem de uma fábrica), as matérias-primas e os conhecimentos científicos constituem as chamadas forças produtivas. As forças produtivas, consequentemente, são responsáveis pela riqueza material que subsidia a existência de uma determinada sociedade. Quanto mais
(^1) Marisa Bittar e Amarilio Ferreira Jr. são doutores em História Social pela USP (Universidade de São Paulo) e professores do Departamento de Educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
aparelhos estatais, que regulamentava todos os aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais e religiosos da sociedade). A complexa e contraditória maneira com que os gregos passaram a viver, notadamente a partir do século V a.C., impusera a necessidade de uma organização civil e política fundada na racionalidade lógica de existência no âmbito de uma organização social urbana (a cidade-Estado). A traumática experiência histórica que se desencadeou após o aparecimento da propriedade privada da terra, em que um grego passou a ser escravo de outro em decorrência da perda da sua extensão territorial gerada por dívida ou guerra, passou a exigir explicações (racionalidade lógica) que iam mais à frente do que aquelas já produzidas pela mitologia (lendas sobre a criação dos homens pelos deuses). Assim, para além da propriedade privada da terra, das classes sociais antagônicas e do Estado, os gregos desenvolveram formas políticas que regulamentaram as relações econômicas, sociais e culturais no âmbito das cidades-Estado (no caso de Atenas, as decisões político-administrativas eram tomadas democraticamente pelo voto direto de cada um dos cidadãos) e “inventaram” a filosofia (estruturas cognitivas que reproduzem abstratamente a lógica de funcionamento, formal ou dialética, da realidade concreta do mundo circundante, ou seja, o pensamento crítico que explica o fenômeno, natural ou social, para além da sua própria aparência). Há de se realçar, contudo, que a complexa e exuberante superestrutura societária (o mundo da política, ideologia, cultura, ideias etc.) grega do período clássico foi sustentada materialmente por meio das relações escravistas de produção. O uso de trabalhadores escravos no cotidiano da vida econômica e social das cidades-Estado gregas resultou em dois fenômenos contraditórios e complementares: (A) O atraso do desenvolvimento das forças produtivas (trabalho humano, instrumentos de trabalho e matérias-primas), já que os escravos acumulavam, a um só tempo, tanto a própria função de mão de obra quanto a dos instrumentos de produção. Dito de outra forma: a transformação do trabalhador escravo em instrumento de produção atrasou de maneira significativa a aplicação de novas tecnologias (ciências aplicadas) no âmbito das forças produtivas; ou seja, tratava-se de uma economia na qual a escravidão dispensava recorrer às máquinas. Assim, podemos afirmar que a filosofia grega, que açambarcava a totalidade dos ramos de conhecimentos produzidos historicamente pelos homens, era muito mais de caráter especulativo (explicações lógicas sobre o mundo e os homens sem uma necessária comprovação empírica), com pouca aplicação no contexto das forças produtivas – na criação, por exemplo, de instrumentos de produção (máquinas) que pudessem alavancar a acumulação da riqueza material que dava sustentação à existência da sociedade. (B) A manutenção das relações escravistas de produção exigia a necessidade constante de guerras de conquistas territoriais como forma de abastecimento do mercado consumidor de novos estoques de escravos para substituir os que morriam durante o processo de produção material da riqueza e, ao mesmo tempo, gerava conflitos morais e políticos pelo fato de que uns homens eram escravizados por outros (mediante dívida econômica ou na condição de prisioneiro de guerra). O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) sintetizou essa dupla negatividade, econômica e moral, criada pelas relações escravistas de produção durante a Antiguidade Clássica. Na sua obra intitulada Política , ele afirmou: Na verdade, se cada instrumento pudesse executar a sua missão obedecendo a ordens, ou percebendo antecipadamente o que lhe cumpre fazer, como se diz das estátuas de Dáidalos [o mais famoso escultor da Grécia antiga] ou dos trípodes de Héfaistos [ou Hefesto, filho de Zeus e Heras, deus das forjas que trabalhava o ferro, o bronze e os metais preciosos], que, como fala o poeta [Homero], “entram como autômatos nas reuniões dos deuses”, se, então, as lançadeiras [peças de tear, que
contêm um cilindro ou canela por onde passa o fio da tecelagem] tecessem e as palhetas tocassem cítaras por si mesmas, os construtores não teriam necessidade de auxiliares e os senhores não necessitariam de escravos. (ARISTÓTELES, 1988, p. 18) Portanto, Aristóteles antecipava, na forma de uma utopia, o que já conhecemos tecnologicamente nos tempos atuais; ou seja, vislumbrava, mediante a racionalidade filosófica, a possibilidade dos instrumentos de produção da sua época realizarem, por meio de mecanismos automáticos com aspecto semelhante ao de um homem, os trabalhos que eram destinados aos escravos, tais como os robôs desenvolvem no tempo presente. Segundo essa utopia, além da base material de existência garantida pelo trabalho mecânico inteligente dos instrumentos de trabalho, Aristóteles também se livrava do incômodo moral de viver em uma sociedade na qual a população estava dividida entre homens livres e escravos. Mas a realidade histórica da Antiguidade Clássica era outra. Ela jamais conheceu um desenvolvimento científico e tecnológico das forças produtivas que garantisse a existência material da sociedade sem o emprego do trabalho escravo. E a saída encontrada por Aristóteles para justificar a manutenção da ordem sócio-econômica estabelecida foi de caráter reducionista: para ele, os escravos eram apenas animais falantes (diferentes de outros animais apenas porque eram portadores de racionalidade, ou seja, podiam falar).
A Idade Média foi marcada profundamente pela hegemonia ideológica exercida pela Igreja Católica Apostólica Romana desde o longo declínio do Império romano (século IV d.C.) até o início do século XVI. O primeiro movimento protagonizado pelo cristianismo foi subjugar a filosofia grega à sua concepção de mundo, ou seja, ele processou um “casamento” entre a fé (teologia cristã) e a razão (filosofia platônica), no qual a última ficou subordinada à primeira. Esse movimento realizou-se em dois momentos distintos. O mais antigo desses períodos ocorreu ainda na fase final do declínio do Império romano. Ficou conhecido na história da filosofia como Patrística, por ter-se originado na teologia desenvolvida pelos primeiros padres da Igreja Católica. A Patrística consistiu em incorporar à dogmática cristã (fé, religiosidade cristã) o sistema da filosofia desenvolvido por Sócrates ( 469 – 399 a.C.) e Platão (428–347 a.C.), os quais, ao lado de Aristóteles, formaram a tríade mais importante da filosofia grega clássica. O sistema filosófico socrático-platônico concebeu tanto o mundo como o homem de forma dual, ou seja, para o platonismo o mundo e o homem são entes divididos. A dualidade do mundo se realiza entre a existência do mundo das ideias (mundo das formas perfeitas) e do mundo das coisas imperfeitas (onde habitamos). Já os homens são compostos, ao mesmo tempo, de corpo (mortal) e de alma (imortal). A teoria filosófica fundada na dualidade do mundo e do homem foi apropriada pelos primeiros grandes teólogos do cristianismo, entre os quais se destacou Santo Agostinho (354–430 d.C.). Assim sendo, podemos dizer que o cristianismo passou a ser dependente da filosofia platônica para gerar a sua própria concepção de mundo. Isto porque o sistema filosófico platônico emprestou à teologia cristã argumentações racionais que lhe possibilitavam explicar os chamados “mistérios” da fé cristã, tais como a existência de uma vida depois da morte e a possível reconciliação da criatura com o criador no “paraíso celestial” (o mundo platônico das ideias). A subordinação da razão (filosofia) à fé (teologia) teve, durante a Idade Média, um grande impacto no âmbito dos conhecimentos científicos, na medida em que a teologia cristã assumiu o papel que antes, no contexto da Antiguidade Clássica, era desempenhado pela filosofia. Em outras palavras, ao contrário da filosofia (explicação do
investigação levaria ao desvelamento da sua natureza e, por consequência, ao seu ordenamento disciplinar de acordo com os interesses da sociedade humana. Mas quais eram os interesses que deveriam reger a sociedade dos homens? Eram aqueles fundados nas virtudes morais (justiça, sabedoria, coragem e temperança), ou seja, aqueles que levariam ao bem comum da cidade-Estado (a felicidade geral dos cidadãos). Já no contexto da Baixa Idade Média (séculos XI-XV), o aristotelismo cristianizado pela “teologia científica” de São Tomás de Aquino propugnava, entre outras questões da dogmática católica, pelo ordenamento do mundo secular que começava a ser revolucionado economicamente por um novo protagonista social: a burguesia mercantil, classe social que se originou nos camponeses que produziam mercadorias manufaturadas (os artesãos). Em contrapartida às novas técnicas de produção agrícola que aumentavam o rendimento econômico e geravam excedentes de mercadorias para serem comercializados nas feiras livres e nos burgos (cidades medievais), a teologia escolástica de São Tomas de Aquino propôs uma sociedade disciplinada por meio de um regime político, uma espécie de monarquia teocrática dirigida pela autoridade maior da Igreja Católica. Nesse regime, as descobertas científicas e tecnológicas, que transformavam a sociedade medieval por causa das atividades mercantis e questionavam a dogmática cristã sobre a própria origem do mundo, não poderiam ser desenvolvidas. Isto porque as teses teológicas impostas pelo Tribunal do Santo Ofício (restabelecido pelo Papa Paulo III em 1542) colocavam em perigo todas as atividades científicas da época. A propósito, episódio famoso foi aquele em que o tribunal eclesiástico proibiu as pesquisas empíricas desenvolvidas por Galileu Galilei (1564-1642) nas universidades de Pisa e de Pádua e que comprovavam a teoria heliocêntrica defendida pelo astrônomo e matemático polaco Nicolau Copérnico (1473- 1543). Segundo essa teoria, o sol era o centro do sistema planetário no qual a Terra estava inserida, e não a própria Terra na forma de um disco, tal como havia afirmado Aristóteles desde a Antiguidade Clássica. Acusado de heresia e ameaçado de condenação à morte, Galileu se viu obrigado a “renegar” as suas descobertas científicas. Quanto à obra Das revoluções das esferas celestes (1543), de Nicolau Copérnico, foi incluída no Index librorum prohibitorum (Índice dos livros proibidos). Entretanto, existiam diferenças entre a filosofia de Aristóteles e a “teologia científica” de São Tomas de Aquino. O primeiro acreditava que era possível atingir o bem supremo por meio da felicidade geral dos cidadãos da polis (cidade-Estado), ou seja, no terreno concreto da sociedade historicamente construída pelos homens. Para tanto, os cidadãos deveriam exercer a excelência moral (a vida contemplativa) e não se deixar corromper por meio de práticas chamadas artes vulgares (destinadas aos escravos) que pioram as condições naturais do corpo e degradam o espírito humano. O tomismo (sistema de pensamento de Tomás de Aquino), ao contrário, defendia que o bem supremo, mesmo que destinado a um pequeno número de homens, não poderia ser alcançado neste mundo, ou seja, a felicidade dos homens somente poderia ser realizada por meio da sua conciliação com o criador no paraíso celestial. Em síntese: a sociedade medieval viveu, a partir da Baixa Idade Média, um contexto histórico contraditório. De um lado, a hegemonia ideológica exercida pela Igreja Católica, que tentava impedir o avanço das novas descobertas científicas e tecnológicas por meio da imposição da sua concepção de mundo definida pela chamada “teologia científica” desenvolvida pela escolástica; do outro, a ação protagonizada pela burguesia mercantil, que revolucionava as condições sócio-econômicas de existência material da sociedade mediante o progresso das forças produtivas (início do processo de assalariamento da mão de obra, diversificação das matérias- primas e novos instrumentos de trabalho).
No decorrer dos séculos XVI e XVII, ocorreu na Europa Ocidental a ascensão da classe burguesa, uma classe que começava a ser economicamente dominante em relação à nobreza feudal. Concomitantemente, se deu o início da divisão do trabalho no processo de produção de manufaturas, atendendo a uma necessidade de maior rapidez na produção de mercadorias. Todo esse processo que se desenvolveu na base material da sociedade provocou o desenvolvimento de estudos para o domínio da natureza: matemática, astronomia, geografia, biologia, medicina, física. Nesse contexto de longa transição do feudalismo para o capitalismo, a ciência sofreu grande impulso, ocasionado pela própria necessidade material da sociedade. Entretanto, a ciência, ao avançar, começou a entrar em conflito com os dogmas da Igreja Católica, que não apenas colocava em dúvida a necessidade desse avanço, negando as teses que o embasavam, como também condenava cientistas ao tribunal religioso da Inquisição. Foi pelo fato de defender teses a favor do avanço do conhecimento, mas que contrariavam os dogmas da Igreja, que grandes nomes da ciência foram condenados à morte, como Giordano Bruno (1548-1600). Galileu Galilei (1564-1642), como mencionamos, teria o mesmo fim, caso não tivesse elaborado um inteligente processo em sua própria defesa. Mas foi também durante o século XVII que a sociedade europeia assistiu à afirmação da ciência experimental, no contexto da chamada Revolução Científica (um conjunto de mudanças significativas que ocorreram na estrutura do pensamento e que repercutiram no plano científico). Ao longo da história, conforme o contexto de cada época, duas atitudes metódicas estiveram presentes na produção de conhecimento – observação e reflexão – , às vezes um prevalecendo sobre o outro. Foi durante a Idade Moderna (séculos XV ao XVIII) que ocorreu a distinção metodológica entre razão (exercício do pensamento) e empirismo (registro de dados perceptíveis, que se dão a conhecer pela observação). A separação absoluta entre esses dois procedimentos não é benéfica para a construção do conhecimento, pois no primeiro caso podemos cair no equívoco de desprezar os dados da realidade e considerar apenas a teoria, a especulação, o pensamento elaborado; e no segundo caso podemos cair no erro de acreditar que o conhecimento se reduz simplesmente à soma de dados, sem interpretação, sem o exercício do pensamento capaz de lhes dar um sentido. Nesse período, a secular concepção de uma ciência dogmática, subordinada ao princípio da “autoridade” (pelo qual o grau de veracidade de uma proposição dependeria de quem a formulasse), e as noções de imobilidade e hierarquia do mundo sofreram uma ruptura. Isto se deveu, em grande parte, a Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1717). Bacon, filósofo e cientista inglês, escreveu O progresso do conhecimento e Novum organum defendendo o valor das experiências de laboratório e do método indutivo (quando se observam muitos dados singulares para se atingir uma verdade universal). Embora não fosse o seu criador, valorizou o método indutivo como fundamental para obter exatidão do conhecimento. Ele foi tanto um pensador social quanto científico. Propôs a distinção entre fé e razão e atacou a separação acadêmica entre teoria e prática, enfatizando que na filosofia natural os resultados práticos são a garantia da verdade. Repetia que a prática é a única forma de comprovação da verdade. Nesse sentido, segundo ele, se o conhecimento é possível ou não, é algo que deve ser estabelecido não pelos argumentos, mas pela experiência. Bacon desenvolveu a crítica a Aristóteles, à filosofia escolástica e, segundo Peter Burke, ele desfraldou a bandeira filosófica dos modernos, não apenas contra os antigos e seus defensores nas universidades, mas também contra os teólogos. Descartes, físico, matemático e filósofo francês, foi autor de inúmeros trabalhos, dos quais se sobressai o Discurso do método: para bem conduzir a própria razão e procurar a