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Guias e Dicas
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Organização da Sociedade Civil, Notas de estudo de Direito Civil

1. Sociedade Civil e Terceiro Setor Definição e distinção dos setores: Estado, Mercado, e Terceiro Setor​​. Sociedade Civil: sentido positivo e negativo. 2. Evolução do Terceiro Setor no Brasil Brasil Colônia: papel da Igreja. Império e Primeira República: entidades de caridade e associações​. Era Vargas e Ditadura: regulamentação e repressão​. Constituição de 1988: fortalecimento das OSCs e democratização. 3. OSCs e Movimentos Sociais Funções das OSCs e diferenciação de movimentos sociais​. 4. Aspectos Jurídicos Constituição e estrutura das associações. Direitos e deveres dos associados e fontes de recursos​. Esses pontos cobrem os fundamentos e a evolução da sociedade civil e OSCs no Brasil.

Tipologia: Notas de estudo

2024

À venda por 06/11/2024

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barbara-cohen-2 🇧🇷

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05/08/2024
Aula 1 - Organização da Sociedade Civil I
Para além do Estado e do Mercado, diz-se que a sociedade civil organizada (o
Terceiro Setor), com a finalidade de atender ao interesse público, atua em prol das políticas
públicas e, por conseguinte, complementa a execução dos serviços públicos. Dessarte,
defende Fernando Borges Mânica que,
“Com a afirmação dos direitos individuais do homem a partir das
revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, o conceito de
sociedade civil ganhou novos contornos. [...] Isto porque o
reconhecimento dos direitos individuais fez delimitar o campo de
atuação estatal, que se tornou restrito e passou a ser entendido como
uma esfera separada da sociedade civil. Desse modo, o conceito de
sociedade civil passou a designar a sociedade fora do Estado, ou seja,
a esfera das relações sociais distinta da esfera das relações políticas.”
Daí, fala-se na distinção entre sociedade civil e Mercado. Enquanto a primeira se
desenvolve sem a presença do interesse lucrativo, a segunda o faz, necessariamente, por ele.
Tão logo, para a composição da sociedade civil é critério que as entidades (associações e
fundações, por exemplo), por meio de suas atividades, promovam o interesse público, ausente
fins lucrativos, no entanto, as repercussões do direito do Terceiro Setor ultrapassam tal
delimitação.
Há, também, uma convergência entre o Terceiro Setor e o Mercado, composta por
agentes que desempenham atividades de interesse público, mas, em sua organização,
apresentam certo grau de intenção de lucro e, consequentemente, abrangem o Direito
Privado, como as empresas sociais.
1. Conceito Moderno de Sociedade Civil
Quanto ao sentido negativo, alega-se que corresponde à sociedade civil aquilo que
não faz parte do Estado. Em contrapartida, isto é, em sentido positivo, sociedade civil é
compreendida como palco da ação social, seria o espaço no qual diferentes atores promovem
disputas sociais econômicas e ideológicas em torno de seus propósitos e valores. Assim,
consoante Mânica:
“O terceiro setor é formado por pessoas jurídicas de direito privado,
voluntárias, autônomas e sem fins lucrativos, que desenvolvem
atividades prestacionais ou promocionais de interesse público e são
submetidas a um regime jurídico próprio, que varia conforme a
natureza da atividade desempenhada e seu vínculo com o Estado.”
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Aula 1 - Organização da Sociedade Civil I Para além do Estado e do Mercado, diz-se que a sociedade civil organizada (o Terceiro Setor), com a finalidade de atender ao interesse público, atua em prol das políticas públicas e, por conseguinte, complementa a execução dos serviços públicos. Dessarte, defende Fernando Borges Mânica que, “Com a afirmação dos direitos individuais do homem a partir das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, o conceito de sociedade civil ganhou novos contornos. [...] Isto porque o reconhecimento dos direitos individuais fez delimitar o campo de atuação estatal, que se tornou restrito e passou a ser entendido como uma esfera separada da sociedade civil. Desse modo, o conceito de sociedade civil passou a designar a sociedade fora do Estado , ou seja, a esfera das relações sociais distinta da esfera das relações políticas.” Daí, fala-se na distinção entre sociedade civil e Mercado. Enquanto a primeira se desenvolve sem a presença do interesse lucrativo, a segunda o faz, necessariamente, por ele. Tão logo, para a composição da sociedade civil é critério que as entidades (associações e fundações, por exemplo), por meio de suas atividades, promovam o interesse público, ausente fins lucrativos, no entanto, as repercussões do direito do Terceiro Setor ultrapassam tal delimitação. Há, também, uma convergência entre o Terceiro Setor e o Mercado, composta por agentes que desempenham atividades de interesse público, mas, em sua organização, apresentam certo grau de intenção de lucro e, consequentemente, abrangem o Direito Privado, como as empresas sociais.

  1. Conceito Moderno de Sociedade Civil Quanto ao sentido negativo, alega-se que corresponde à sociedade civil aquilo que não faz parte do Estado. Em contrapartida, isto é, em sentido positivo, sociedade civil é compreendida como palco da ação social, seria o espaço no qual diferentes atores promovem disputas sociais econômicas e ideológicas em torno de seus propósitos e valores. Assim, consoante Mânica: “O terceiro setor é formado por pessoas jurídicas de direito privado, voluntárias, autônomas e sem fins lucrativos, que desenvolvem atividades prestacionais ou promocionais de interesse público e são submetidas a um regime jurídico próprio, que varia conforme a natureza da atividade desempenhada e seu vínculo com o Estado.”

Em relação ao argumento contrário à existência do Terceiro Setor, isto é, se o Estado cumprisse diligentemente seus deveres não haveria, consequentemente, razão para a existência de um Terceiro Setor, expõe Mânica, em Fundamentos de Direito do Terceiro Setor , que, “Portanto, o terceiro setor não existe porque o Estado Social funciona de forma ineficiente. Afinal, ainda que sua função e compromisso jurídico fossem perfectibilizados, o sistema constitucional pátrio exige a permanente evolução no modo e no grau de satisfação dos direitos fundamentais – em especial aqueles direitos dependentes de prestações, como saúde, educação e assistência social.” Assim esquematizando, representa o Terceiro Setor:

dos primeiros hospitais em solo brasileiro, como a Santa Casa de Misericórdia de Santos, fundada em 1543 e a Irmandade de Misericórdia de São Paulo, fundada em 1560. Em uma época em que o trabalho possuía base escrava e não demandava grande qualificação, as atividades de ensino eram restritas às iniciativas de ordens religiosas como as dos jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas.” “Tais empreendimentos contavam com o apoio da coroa portuguesa e eram mantidos tanto com dotações do reino quanto com doações de particulares. Falar-se de terceiro setor nesse período implica reconhecer sua vinculação tanto à igreja quanto à coroa, dado o vínculo entre ambas, o que tornava a prestação de serviços de interesse público uma iniciativa mais próxima do Estado do que da sociedade.” “Essa condição, aliada à natureza da colonização de exploração, por meio das grandes propriedades rurais baseadas em relações de hierarquia, demonstra a inexistência de mobilização social duradoura promovida pela própria sociedade brasileira. Durante os três séculos, desde a chegada dos colonizadores, pode-se afirmar que não havia uma sociedade civil brasileira, a qual se encontrava em processo de formação, sempre em atraso em relação à própria formação do Estado brasileiro.” “No Brasil, as organizações criadas para a prestação de serviços sociais tiveram sua origem no sentimento de caridade e solidariedade, mas foram desenvolvidas por instituições já consolidadas, em especial, a igreja. Do mesmo modo, as manifestações sociais autônomas voltadas à promoção e à defesa de direitos consistiram, basicamente, em ações pontuais, como a participação de organizações maçônicas no processo de independência, já no século XIX.”

  1. Império Durante o período do Império, com a Constituição de 1824, manteve-se a simbiose entre Estado e igreja, dado a adoção do catolicismo enquanto religião oficial do império, todavia, diferente do período ante à Magna Carta, houve a instauração da liberdade religiosa. Daí a instalação de igrejas protestantes no país, que fundaram entidades sem fins lucrativos dedicadas à prestação de serviços sociais, sobretudo de educação. “Em seu artigo 179, a Carta Constitucional de 1824 trazia o rol dos direitos civis e políticos, fundados nos direitos à liberdade, à segurança e à propriedade. É importante ressaltar que, dentre os

direitos individuais arrolados, constavam dois dispositivos que assinalavam a tendência, apenas mais tarde confirmada, de intervenção do Estado na ordem social. Trata-se dos incisos XXXI e XXXII do artigo 179, que previam a garantia dos socorros públicos e a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos. Ainda que divorciadas da realidade, tais previsões indicavam o caminho posteriormente seguido a partir da Constituição de 1934.” “[...] É que, com a consolidação do poder do Estado, a aliança entre reis e igreja deixou de ser indispensável para a manutenção do poder; e com a estruturação do aparato estatal, as atividades civis antes desempenhadas pela igreja passam a ser oferecidas pelo próprio Poder Público.” “No que se refere à atividade de advocacy , apesar do registro de mobilizações, revoltas e campanhas, voltadas à defesa de interesses, as referências históricas de organizações consolidadas para a defesa de direitos restringem-se à defesa dos direitos dos escravos. Entidades denominadas de caixas emancipacionistas, clubes e associações abolicionistas organizaram uma série de passeatas, comícios e manifestações que tiveram importante influência no processo de abolição da escravatura.”

  1. Primeira República Na Primeira República, consolidou-se o modelo liberal de Estado e, com ele, a ampliação dos direitos individuais, a saber a liberdade de associação, a liberdade de reunião e a liberdade de culto. Em decorrência, com o Código Civil de 1917, representou-se a constituição da sociedade civil, caracterizada por seu caráter individualista, conservador e patrimonialista, que também exemplificou separação entre o poder temporal do Estado e o poder eclesiástico. “No plano social, ao lado das entidades ligadas à fé, importante papel na prestação de serviços foi assumido por sociedades beneficentes de auxílio mútuo. Criadas por grupos de imigrantes para prestar assistência e amparo a seus associados desempregados, enfermos e inválidos, algumas dessas entidades exerciam também atividade econômica. Impulsionadas pelo processo de urbanização, industrialização e desenvolvimento do comércio, algumas organizações tomaram um caráter politizado que deu origem ao movimento sindical, com forte atuação na reivindicação de direitos dos trabalhadores. Do mesmo modo, surgiram numerosas entidades de classe e associações patronais.”

mecanismos de reconhecimento e de formalização dos instrumentos de incentivo estatal às entidades prestadoras de serviços de interesse público, representadas em sua maioria por instituições vinculadas a igrejas e a grupos de imigrantes. A atuação do CNSS destacou-se como órgão cartorial de controle de subvenções sociais, enquanto foram criadas leis concedendo isenções tributárias.” “Por outro lado, a regulação da atividade dos sindicatos retirou seu caráter político e tornou tais entidades verdadeiras prestadoras de serviços ao conjunto de cidadãos vinculados ao setor produtivo representado. Assim sendo, enquanto a legislação trabalhista e previdenciária, bem como a atuação dos sindicatos, oferecia proteção social aos trabalhadores e aos seus familiares; o atendimento aos desempregados e excluídos do setor produtivo ficava a cargo da filantropia privada, que passou a contar com o apoio estatal formal.”

  1. Segunda República Nesta época, reconheceu-se, ainda mais claramente, o dever estatal de garantia à prestação de serviços de interesse público, embora não de modo universal. Daí o fomento, por parte do Estado, às entidades filantrópicas via incentivos fiscais e tributários, bem como, à criação de estruturas de naturezas pública e privada para complementar a prestação desses serviços, regulamentando-os. “Com a criação de núcleos regionais de atuação tanto da área assistencial quanto na área técnica e educacional, os serviços sociais autônomos institucionalizaram iniciativas de empresários na prestação de serviços assistenciais e na formação profissional da população vinculada ao aparelho produtivo. Ainda que de natureza privada e vinculadas às confederações da indústria e do comércio, tais entidades eram mantidas, em grande parte, com recursos públicos arrecadados por meio da contribuição sindical.” “Nesse contexto, pode-se perceber que a organização da assistência pelo Estado brasileiro adotava posturas diversas conforme o público-alvo: em relação às camadas organizadas, vinculadas ao setor produtivo, o amparo era oferecido pela proteção da legislação trabalhista e previdenciária e pelo atendimento sistematizado dos serviços sociais autônomos; em relação aos cidadãos desvinculados do mercado de trabalho, a assistência era ofertada pelas entidades filantrópicas, que passaram a contar com mais mecanismos de incentivo fiscal e tributário e com a participação de um novo organismo estatal, a Legião Brasileira de Assistência Social - LBA.”

“Com a liberdade de associação respeitada e com a ampliação dos incentivos fiscais e tributários, novas instituições do terceiro setor foram criadas no Brasil. Marcas desta proliferação dos terceiro setor no período foram as novas entidades assistenciais vinculadas à igreja católica, a outras religiões e a grupos de imigrantes que se instalaram no país; as sociedades de bairro e os movimentos comunitários que se organizaram; as entidades politizadas, à direita e à esquerda, que se reestruturaram; e os sindicatos e entidades de classe, que alcançaram certo autonomia em relação ao Estado.”

  1. Período Ditatorial e Redemocratização Nas palavras de Fernando, “O período autoritário foi marcado, portanto, por dois cenários distintos. O primeiro foi pautado pela criação e pela ampliação de estruturas estatais federais, estaduais e municipais, encarregadas da prestação direta e indireta de serviços sociais, com ampliação dos incentivos estatais às entidades prestadoras de serviços, por meio de subvenções, convênios e incentivos fiscais. O segundo cenário foi marcado pela forte repressão e perseguição dos movimentos sociais de índole política. Como consequência desta bifurcação entre patrocínio estatal e a repressão, no período de redemocratização instaurou-se uma complexa e burocrática estrutura de atenção social, que acabou dando espaço ao florescimento de associações e de movimentos sociais de defesa de direitos, em especial pela redemocratização.” “O significativo aumento no número de movimentos associativos no final desse período ocorreu em nível nacional e internacional. No âmbito externo, com o movimento de globalização, tomaram corpo grandes entidades supranacionais de defesa de promoção de direitos, como do meio ambiente, da democracia e da paz. No espectro interno, no processo de redemocratização, com importante participação da ala da Igreja Católica, inspirada pela Teologia da Libertação, ganharam relevo movimentos sociais estruturados de defesa das liberdades civis e demais direitos fundamentais. Esse caráter político, de antagonismo em face do Estado, marcou o surgimento da denominação ONG no Brasil a qual, mais tarde, passou a ser utilizada para designar todo o universo do terceiro setor.” “É nesse momento histórico que o conjunto de instituições de origem variada, com a finalidade de defesa dos direitos fundamentais, passou a ser reconhecido socialmente, ao lado do Estado e das empresas

mulheres, das crianças, dos homossexuais, da paz, da cidadania. Entidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Redes, ligas, grupos de entidades. Entidades prestadoras de serviços, de defesa de direitos, entidades financiadoras de outras entidades. Entidades dependentes exclusivamente de recursos públicos e entidades completamente independentes do Poder Público. Entidades mantidas pela contribuição de cidadãos, por recursos internacionais, por empresas privadas, pela receita auferida com a prestação de serviços remunerados. Entidades fiscalizadoras da ação estatal e entidades fiscalizadoras da atuação das próprias ONGs. Enfim, o terceiro setor se multiplicou exponencialmente, seja no número de instituições, seja em seus mecanismos de atuação” Não obstante, o surgimento das Organizações Sociais coabita o contexto de crise do Estado, sobretudo concernente à ineficiência na prestação de serviços públicos, o que, por conseguinte, evidenciou a imprescindibilidade de promoção de reformas constitucionais e infraconstitucionais. Dessarte, “A proposta de reforma levada a cabo partiu da premissa de que a estrutura organizacional mais adequada para efetivar a prestação destes serviços seria o setor público não estatal. Deste modo, introduziu-se no Brasil o conceito de público não estatal : público pela finalidade e não estatal pela ausência de vínculo orgânico com o aparato organizacional administrativo do Estado.”

  1. Aspecto Relacional A respeito do advento da modernidade e o repúdio às associações sem fins econômicos, cita-se a constituição, de uma sociedade civil alheia ao Estado, em grupos, tais quais mosteiros, conventos, corporações, confrarias e organizações paralelas. Daí as concepções corporativa – de imprescindibilidade de pertencimento do indivíduo como parte de um corpo social, e individualista da sociedade – que preconizou a aversão às organizações intermediadoras entre indivíduo e Estado, que visavam seus próprios interesses e promoviam a fragmentação social, em prol de uma sociedade igualitária, sem diferenciações entre os sujeitos, conforme previsto no art. 3º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, “O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação ou estamento, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente dela.” Ainda, sobre o repúdio ao reconhecimento do direito de associações, o aparato estatal, quando da impossibilidade de proibir todos os agrupamentos associativos, vale-se da criação de mecanismos de controle do surgimento e desenvolvimento dessas entidades, um deles é a

figura da personalidade jurídica. Quer dizer, promove-se uma diferenciação, pelo direito, entre associações reconhecidas e não reconhecidas, assim a personalidade jurídica é utilizada como técnica e, também, mecanismo de controle, conforme esclarecido por Rodrigo Xavier Leonardo. E, por tal viés, reconhece-se, internacionalmente, a liberdade de associação. “Afasta-se a ideia de que constituem corpos intermediários entre o indivíduo e o Estado para reconhecer-se nas associações, nada mais nada menos, do que o resultado de um contrato entre os associados, fruto da liberdade dos contratantes e regida pelo direito privado. Desse modo, concilia-se, definitivamente, a liberdade de associação com o modelo liberal.” Adicionalmente, apresenta-se um debate entre autores, como Avritzer, que não reconhecem o estabelecimento da sociedade civil nos primórdios, atribuindo-a a uma emergência tardia, munida de autonomia e interdependência. Em contraposição, há estudiosos, tal qual Lavalle e Szwako, que enxergam em mutuais, associações religiosas e no próprio movimento abolicionista os indícios de uma sociedade civil, mediante uma perspectiva relacional (codeterminação entre Estado e sociedade civil).

  1. “Terceiro Setor” como Categoria Histórica A carga ideológica trazida pela expressão “Terceiro Setor” é alvo de críticas, sobretudo por entender que tal setor é plenamente independente do Estado e do Mercado, mas também, essencialmente ligado à prestação de serviços, o que não se verifica constantemente, a saber da existência de organizações não compreendidas nesse “Terceiro Setor” restrito, mas, simplesmente, em um setor sem fins lucrativos que, por sua vez, incorpora o Terceiro Setor. Em síntese, o Terceiro Setor equivaleria à confluência de um elemento subjetivo, que é a pessoa jurídica que não distribui lucro, junto a um elemento objetivo, que corresponde à própria função das atividades prestacionais. Dessa maneira, explicitam Leonardo e Grazzioli et al., nesta ordem, que,

Conclui-se que não obstante as associações poderem ser funcionalmente estruturadas para o desenvolvimento de atividades no chamado terceiro setor, não há uma estrita correspondência entre a promoção das associações e o terceiro setor.” Analogamente, cita-se Mânica e critica-se a correspondência realizada entre o Terceiro Setor a um “setor sem fins lucrativos”, este último de frágil conceituação. Isto é, discute-se o grau de indeterminação do que representaria a ausência de fins econômicos, em vista da insuficiência de métricas quanto à distribuição de resultados para definir o que é, ou não, uma associação que atua verdadeiramente sem a intenção de lucros. Ainda, debate-se que o teto salarial do funcionalismo público ou o parâmetro de mercado poderiam mitigar tal problemática, em vista de sua capacidade de organização e limitação da distribuição de lucro dentro de organizações sem fins lucrativos, quando do pagamento de salário, por exemplo. “Setor sem fins lucrativos é a denominação que ressalta a efetiva vedação da distribuição de lucros pelas entidades. A expressão alcança [...] todo o universo do elemento subjetivo do terceiro setor, independente da finalidade pública de sua atuação.” Também, analisa Powell Steinberg, sobre o tema: “Três problemas ocorrem quando definimos nosso campo em termos de não distribuição. O primeiro é o desafio de construir uma definição operacional de distribuição de lucros. Surgem questões com relação a quem é uma parte controladora, o que é uma distribuição de lucros (em vez de um pagamento a um fornecedor de recursos) e o que é uma remuneração executiva excessiva.” “Segundo, os limites de muitas organizações não são claros [...] Além disso, quando as organizações sem fins lucrativos são membros de uma corporação de fachada com fins lucrativos, possuem subsidiárias com fins lucrativos, ou participam de joint ventures com empresas com fins lucrativos, pode ser extremamente difícil isolar as partes não distribuidoras e garantir que funcionem como uma entidade independente.” “Um terceiro desafio em alguns casos é distinguir organizações privadas sem fins lucrativos de agências governamentais públicas. O que constitui separação do governo, especialmente em casos em que uma organização recebe quase todos os seus recursos de contratos de compra de serviços com o governo?”

  1. Crítica ao Reducionismo da Sociedade Civil ao Terceiro Setor

Por fim, reprova-se a associação da sociedade civil (gênero) enquanto representação do Terceiro Setor (espécie). Em verdade, a correspondência se faz em sentido contrário – é o Terceiro Setor que atua como um dos diversos atores sociais (a exemplo dos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o Movimento VAT e o Movimento Negro, e das organizações sem fins lucrativos) que integram a sociedade civil, portanto, defende Alves que, “Toda essa confusão entre os dois conceitos retrata uma forma de representação da ‘parte pelo todo’. As organizações sem fins lucrativos são uma parte constitutiva da Sociedade Civil, não sua totalidade.”

“São duas formas de protagonismo civil que atuam segundo polos diferenciados da ação social: uma trabalha no campo do conflito e a outra no campo da cooperação ou integração. Há tensões permanentes nas duas frentes. A solidariedade existe nas duas, mas de forma diferente: nos movimentos, ela é orgânica, criada por meio da experiência compartilhada de pertencer e vivenciar alguma situação de exclusão. Nas organizações cívicas, ela é estratégica ou instrumental, criada para atingir metas que resolvam problemas sociais de grupos também excluídos economicamente ou culturalmente, a partir de interesses desses grupos, mas que foram desenhados por projeto ou programa de agentes externos.” “Essa diferença se reflete na questão da institucionalização. As ações coletivas organizadas sob a forma de movimentos sociais, quando criam formas institucionais no seu interior, como uma cooperativa, transitam num cenário contraditório, ora articuladas como uma organização, ora como movimento social propriamente dito. Transforma-se em uma organização tem sido uma ‘exigência’ estrutural ou conjuntural para receber recursos e repasses de verbas governamentais, e os movimentos têm de criar associações registradas. Institucionalizam-se normativamente. O coletivo maior dilui-se num coletivo menor, restrito a um número de pessoas que compõe a diretoria ou coordenação de uma entidade. Passam ao status de entidade da sociedade civil organizada.” Em suma, a principal diferença entre os movimentos sociais e o Terceiro Setor está justamente na atuação focalizada. Enquanto o primeiro surge no conflito contra a atuação estatal, a segunda observa a sua atuação a partir da cooperação/integração – ainda que a tensão social esteja presente em ambas. Paralelamente, fala-se da distinção, entre os dois fenômenos, quanto à solidariedade, quer dizer, nos movimentos sociais, seria orgânica, surgindo mediante a identificação e compartilhamento de experiências. Em contrapartida, no caso das ONGs, a solidariedade é instrumental ou estratégica, criada para resolver demandas sociais de grupos, também, excluídos. Nos termos de Bobbio, finalmente, “Mais difícil dar uma definição positiva de ‘sociedade civil’, pois se trata de fazer um repertório de tudo aquilo que foi desordenadamente empregado pela exigência de circunscrever o âmbito do Estado [...] Numa primeira aproximação pode-se dizer que a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão. Sujeitos desses conflitos e portanto da sociedade civil exatamente enquanto

contraposta ao Estado são as classes sociais, ou mais amplamente os grupos, os movimentos, as associações, as organizações que as representam ou de declaram seus representantes; ao lado das organizações de classe, os grupos de interesse, as associações de vários gêneros com fins sociais, e indiretamente políticos, os movimentos de emancipação de grupos étnicos, de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, os movimentos de jovens etc.”

globais argumentam que organizações internacionais devem responder a eles como pagadores de tributos, sob um ( iv ) entendimento de que as decisões devem ser tomadas na esfera pública. 1.3. Impacto da Sociedade Civil Global Em decorrência, quer dizer, enquanto impacto da sociedade civil global, cita-se a transparência nos termos dos empréstimos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e nas nomeações nas Nações Unidas. Consequentemente, fala-se, também, da participação em projetos e iniciativas das Nações Unidas e outros espaços, bem como, o accountability nas instituições financeiras internacionais, enquanto mecanismo de prestação de contas, controle e responsabilização de suas atividades. Ainda, indaga-se se tal sociedade civil global é democrática. Quer dizer, quando da atuação dos ativistas globais nos espaços de governança global, percebe-se a ausência de democracia. É confiável dizer, inclusive, que a grande maioria das organizações da sociedade civil não possui condições de se fazer representar nas grandes discussões. Em primazia, as próprias características desses ativistas podem demonstrar muito sobre a acessibilidade dificultada a esses espaços – percentualmente, pessoas provenientes de países mais desenvolvidos e caucasianos representam grande parcela dessa representação.

  1. Formas Organizacionais da Sociedade Civil: Forma versus Função Quanto à variedade institucional, fala-se em unincorporated associations (associações não incorporadas), Charitable Incorporated Organisation (CIO ou organização de caridade incorporada) e Community Interest Companies (CICs ou Empresas de Interesse Comunitário). 2.1. Formas Organizacionais da Sociedade Civil: Associação A associação constitui a ampla maioria das organizações da sociedade civil, exatamente por sua forma organizacional e não previsibilidade de distribuição de lucros, sendo instituto previsto constitucionalmente, a saber de seu art. 5º, “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; [...]” Não obstante, como observado por Rodrigo Xavier Leonardo em Associações , há uma lacuna na doutrina, quanto às associações, “O tema das associações sem fins econômicos no Brasil, especialmente sob a lente do direito privado, parece se enquadrar entre aqueles assuntos que são guardados por um silêncio eloquente.” “Os livros de direito civil pouco ou nada mencionam a respeito dele; os livros de direito empresarial, quando muito, tratam lateralmente do assunto para propor uma diferenciação em relação às sociedades, e as obras de direito constitucional costumam se limitar a abordar o tema sob a perspectiva da garantia constitucional da liberdade de associação em sentido amplo.” 2.1.1. Definições de Associação Pela carência de debate, cumpre definir o que é associação. Tão logo, nas palavras de Pontes de Miranda em Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969 e de Pinto Ferreira em Comentários à Constituição Brasileira , respectivamente, “No sentido do texto brasileiro, associação é toda coligação voluntária de algumas ou de muitas pessoas físicas, por tempo longo, com o intuito de alcançar algum fim (lícito), sob direção unificante.” “Grupo permanente de homens, organizado para fins lícitos.” 2.1.2. Código Civil de 1916 Pela previsão do Código Civil de 1916 há uma indistinção entre sociedades e associações, ou seja, trata-se de uma visão unitarista do fenômeno associativo. Por conseguinte, como reação da doutrina, tem-se o ( i ) estudo das associações sem fins econômicos, por meio da importação de modelos encontrados em direito comparado, sem qualquer fundamentação no direito legislado e a ( ii ) negação da distinção, para o direito positivo, entre associações e sociedades civis.