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Este documento aborda as principais características da oralidade na assembléia de deus e suas formas de expressão, como a poimênica, testemunhos, pregação, glossolalia e a harpa cristã. O texto também discute o papel da oralidade na teologia pentecostal e como ela oferece alternativas à teologia escrita. Além disso, são discutidos os boatos no meio pentecostal e sua função querigmática.
Tipologia: Provas
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Claiton Ivan Pommerening^2
A Igreja Evangélica Assembléia de Deus doutrina seus fiéis especialmente através da oralidade. Tenta-se mostrar as principais características das culturas orais, o poder e a dinâmica da linguagem e do som, como estas culturas se apropriam da oralidade para disseminar sua sabedoria e como se dá a interface entre cultura oral e cultura escrita é o tema abordado no primeiro capítulo. Explicitam-se também as características principais da oralidade na Assembléia de Deus e suas formas de expressão através da poimênica, testemunhos, pregação,
(^1) POMMERENING, Claiton Ivan. Oralidade e escrita na teologia pentecostal : acer- tos, riscos e possibilidades. 2008. Dissertação (Mestrado) – IEPG, Escola Superior de Teologia, São Leopoldo (RS), p. 102-117. Adaptações do original a este artigo científico. 2 Claiton Ivan Pommerening tem graduação em Ciências Contábeis e Teologia, especi- alização em Teologia e Bíblia, mestrado em Teologia e é doutorando em Teologia; é co- pastor na Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Joinville (SC), diretor do CEEDUC
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glossolalia, Harpa Cristã e a mistura entre cultura oral e escrita na utilização da Bíblia e das lições da Escola Bíblica Dominical. Como estas características atuam juntas e separadamente em comunidades pobres e elitizadas. Finaliza-se propondo como deveria ser uma teologia pentecostal que preserve a oralidade e ao mesmo tempo permita uma reflexão teológica formal.
Palavras chave: oralidade, escrita, teologia pentecostal, pentecostalismo.
O tema e eixo semântico deste artigo serão a cultura oral e a cultura escrita^3 com seus desdobramentos dentro do pentecostalismo. A primeira, ainda que não seja compreendida como o único fator de importância, mas um dos principais, será analisada de modo mais específico na Igreja Evangélica Assembléia de Deus^4. Antes porém será visto como a cultura oral e a cultura escrita atuaram e atuam antropológica e sociologicamente. Oralidade é um termo empregado em relação a sociedades inteiras que se utilizam da comunicação oral como base das relações entre pessoas e/ou grupos, sem o uso da escrita ou com uso restrito dela; bem como para identificar certo tipo de consciência criada pela
(^3) Além da cultura oral e da cultura escrita, uma terceira surge no século XX com a midiatização. Trata-se da cultura áudio-visual, porém esta, embora também presente em novas formas de pentecostalismo, como no (pseudo) neopentecostalismo, não será abor- dada neste artigo. Esta cultura tende a substituir as outras duas no sentido de apelar para a beleza das imagens e dos sons, ressignificando as anteriores e em muitos momentos prescindindo e desprezando a cultura escrita. 4 Daqui por diante tratar-se-á esta denominação como Assembléia de Deus.
Claiton Ivan Pommerening
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A tradição oral apela para a memória, a abstração, a adaptação às necessidades do ouvinte, assumindo a forma de arte com a “história oral” enquanto a escrita estimula outras partes do cérebro, reestrutura a consciência, estimula o visual e “encerra” o texto.^9 Na cultura escrita a memória torna-se independente do indivíduo e da coletividade, pois existem mecanismos externos de inscrição^10 , sendo assim, todo saber pode ser consultado e disponibilizado posteriormente. A palavra proferida é investida de um poder de realização, isto porque essa palavra vem imbuída de hálito, de vida, da carga emocional, da história pessoal e do poder daquele que a profere, ao contrário do texto escrito, que guarda a palavra oferecida circunstancial e solitariamente a seu leitor, que com ela estabelece ou não vínculo de prazer, de saber e de reescritura. Já a palavra oral existe no momento de sua expressão, quando articula a sintaxe contígua através da qual se realiza.^11 Quando uma lenda ou história é escrita, cristaliza-se a história na escrita. A oralidade não se cristaliza, logo, se adapta e se contextualiza facilmente ao meio, não se encerra como na forma escrita. Walter Ong argumenta que a escrita faz a transição do som para o visual e causa o encerramento do texto.^12
Como já foi mencionado anteriormente, atualmente está se resgatando
(^9) BURKE, 2002, p. 139-140. (^10) A ESCRITA. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/projetos/digital/aescrita.html. Acesso em: 30 dez 2006. 11 SILVA, Acildo Leite da. Memória, tradição oral e a afirmação da identidade étni- ca. Disponível em: http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/0760.pdf. Acesso em: 30 dez 2006. (^12) BURKE, 2002, p. 140-141.
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Azusa – Revista de Estudos Pentecostais^27
entre os estudiosos o valor da oralidade, pois se percebeu que, apesar de a cada dia a taxa de analfabetismo estar baixando diante de esforços de alfabetização, comunidades inteiras vivem num mundo semi-oral, pois não têm acesso à leitura por questões econômicas, sociais ou geográficas. Nestas comunidades o pensamento é organizado de forma oral, valorizando- se o discurso, a memória, a narração de histórias, a dramaturgia leiga e a emotividade. Pelo fato de ter surgido entre classes pobres e oprimidas, e como uma reação à marginalidade social e à institucionalização protestante^13 e católica, a oralidade no pentecostalismo necessita de formas menos elaboradas e racionalizadas de religiosidade, abrindo mão até da necessidade do estudo acadêmico da teologia em alguns casos, pois a maioria dos fiéis não tem acesso a educação formal, aderindo assim ao caminho menos exigente da emoção. Segundo Hollenweger, o movimento pentecostal é revolucionário porque oferece alternativas à teologia escrita e permite que o pensamento cristalizado na forma escrita se torne fluido no culto através da oralidade, oferecendo possibilidades para pessoas que somente podem falar, que não conseguem se expressar de forma escrita. O acesso à palavra permite a democratização do saber, pois suprime a abstração sistemática e racional dos conceitos.^14 O autor também salienta que a teologia oral tem igualdade de direitos sobre a escrita. Argumenta que Deus não criou faculdades mentais inferiores umas às outras, se compararmos a razão com a emoção, a devoção contemplativa com a dança, etc.^15 Alguns pesquisadores tentam retratar os pentecostais como povo
(^13) MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil 14. São Paulo: Loyola, 1990. p. 240. HOLLENWEGER, Walter J. El pentecostalismo : historia y doctrinas. Buenos Aires: La Aurora, 1976. p. 23. 15
16 HOLLENWEGER, 1976, p. 26-27. OLSON; TORRANCE, 1995, p. 27.
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os homens e mulheres sabem escutar e narrar, contar histórias e relatar. E isto com precisão, claridade e riqueza expressiva. De um modo cálido e vivo, como a própria voz. São mestres do relato, das pausas e das brincadeiras, da conversa e da escuta. Amam contar e ouvir histórias, tomar parte nelas.^20 No judaísmo antigo se verificava uma forte ênfase sobre o uso do recurso da voz na educação dos filhos e na transmissão da cultura, contrastando assim com a cultura grega que era visual, apelando à imagem de seus deuses sempre simbolizando algo no imaginário popular. Os escritos de Moisés, oriundos da oralidade cristalizada na escrita, rechaçavam qualquer absorção da cultura idólatra da Palestina da época, retratada por imagens simbólicas dos deuses, valorizando assim a palavra e o som em detrimento da visualização. A palavra imprime poder nas culturas orais. Tal poder é manifesto na Palavra como Escritura divina, bem como na palavra proclamada e cantada que impregna os cultos pentecostais. A palavra neste sentido assume mais poder que a própria Escritura. Embora se utilize a Bíblia de forma excessivamente dogmática, atribuindo-lhe inerrância, seus desdobramentos, porém, levam ao campo visual da teatralidade e da expressão das emoções na fala. Tal produção teológica, mesmo sendo oral, será sempre mediada pela realidade social^21 na qual a comunidade está inserida, sendo ela tanto a possibilidade quanto a limitação de sua reflexão. Valoriza-se desta forma a criatividade e o novo. Os cultos pentecostais quase sempre tendem, por serem originais e demonstrarem novidade, a manter o público cativo.
2.2 Formas de expressar a oralidade As formas principais de manifestação da oralidade pentecostal poderiam
(^20) LOPES, José de Sousa Miguel. Cultura acústica e letramento em Moçambique : em busca de fundamentos para uma educação intercultural. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517- 97021999000100006&lng=pt& nrm=iso#1. 21 Acesso em: 03 nov. 2007. CAMPOS, 2002, p. 132.
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ser denominadas de “literatura oral”^22 , segundo Walter Ong, e são elas que divulgam sua teologia, dispensando formas mais acuradas.
Dondequiera actúen los pentecostales, ya sea en ambientes sociales pre o postliterarios, no se utilizan las formas lógico-sistemáticas de comunicación, sino la comparación y la asociación. Los métodos usados no son solamente libros y diarios sino proverbios, coros, anécdotas, notas, historias milagrosas, y programas de radio o de televisión.^23 Ou ainda para citar Shaul: A palavra falada, cantada, gritada, murmurada. Não fala apenas o pastor. Todos podem expressar-se de alguma forma, nos hinos, nos aleluias, na saudação aos irmãos, no testemunho – ou em línguas estranhas. [...] Na verdade, a palavra vai além do sermão, complementa-se nos demais atos do culto e significa mais do que a exegese de um texto bíblico.^24 Um importante teólogo pentecostal americano demonstra cinco formas de produção teológica pentecostal, dentre as quais a comunicação oral “refletida nos testemunhos, revistas e livretes da igreja, na literatura da Escola Dominical, nos panfletos e nos folhetos evangelísticos”^25. Passaremos a detalhar e analisar as formas de oralidade mais importantes, mencionadas acima, num diálogo entre oralidade e escrita.
2.2.1 Poimênica, conversações e boataria: as formas não convencionais Carece de uma pesquisa mais profunda, a comunicação interpessoal^26
(^22) ONG, 1998, p. 20, 91. (^23) HOLLENWEGER, 1976, p. 21. “Onde quer que os pentecostais atuem, seja em ambientes sociais pré ou pós-literários, não se utilizam formas lógico-sistemáticas de comunicação, mas a comparação e a associação. Os métodos usados não são somente livros e revistas, mas também provérbios, músicas, anedotas, notas, histórias milagrosas e programas de rádio e de televisão.” [tradução própria] (^24) CESAR; SCHAULL, 1999, p. 67, 72. (^25) MCGEE, Gary B. Paranorama Histórico. In: HORTON, Stanley M. (Ed.). Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. 3. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1997. p. 21-22. As demais características listadas pelo autor são: a experiência pessoal, a espontaneida- de, o repúdio ao mundanismo e a autoridade das Escrituras. 26 JOSUTTIS, Manfred. Prática do evangelho entre política e religião: problemas básicos da teologia prática. São Leopoldo: Sinodal, 1979. p. 56.
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A oralidade é traço fundamental para a compreensão do pentecostalismo. Ela está presente não somente na memória preservada pelos mais antigos mas na vivência concreta e cotidiana da fé através do testemunho. Bernardo L. Campos se refere ao testemunho como “teologia oral e narrativa”: “... o testemunho é uma primeira e necessária ‘explicação’ da experiência e que, tão pronto como os testemunhos da experiência comunitária estabelecem consenso, se rotinizam e institucionalizam, derivam doutrina e catequese, fundando-se e se auto-produzindo. (...) os testemunhos adquirem o status de logos primário dessa fé, e como são embrionária e plenamente uma teologia narrativa”^32 O testemunho é uma das primeiras oralizações públicas do pentecostal, ao mesmo tempo em que causa timidez por ser necessário enfrentar um público ouvinte, causa o bem estar de sentir-se incluído no grupo daqueles que têm coragem de falar em público e terem algo importante para contar. “É que eu adoro ver os testemunhos [do culto] da vitória. [...] Nos meus anos de evangelho eu não tive uma grande bênção, [...] daí eu falo, um dia eu quero pegar o microfone e dar o meu [testemunho] também”^33. Para alguns gera desejo de ter algo mirabolante para contar, mas isto faz parte do triunfalismo pentecostal.
2.2.3 Glossolalia e exercício dos dons: o ápice O movimento pentecostal enfatiza o batismo e os dons do Espírito Santo. Por batismo se entende o revestimento de poder que acontece após a conversão, compreendida também como segunda ou terceira bênção, com forte influência sobre a santificação pessoal, acompanhado pela expressão de êxtase em que a pessoa fala em línguas desconhecidas. Chega quase a ser comparável a um rito de passagem. “Uma das coisas
(^32) SANTOS, Lyndon de Araújo. Protestantismo e pentecostalismo no Maranhão – séc. XIX e XX. Disponível em: http://bmgil.tripod.com/sla32.html. Acesso em: 25 set.
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mais importantes que tem na vida da gente. Porque muda totalmente a pessoa”^34.
Quando me converti, custou muito [...], tinha dificuldade de entender o evangelho e também tinha vários traumas de infância que dificultavam minha vida [...], após receber o batismo no Espírito Santo, me senti solto no tempo e no espaço e falei em línguas por algum tempo, de repente, percebi que todos aqueles medos e angústias que tinha foram embora, passei a amar mais as pessoas e miraculosamente compreendi o evangelho, e como era real para mim.^35 Por dons^36 do Espírito Santo entende-se a forma dos fiéis manifestarem a operação da pentecostalidade como sendo: conhecimento e revelação de algo desconhecido, sabedoria para resolver determinada situação, fé extraordinária, curas, operação de milagres, profecia, falar numa língua^37 desconhecida e interpretá-la sobrenaturalmente. Neste sentido a expressão oral de alguns dons confere autoridade ao fiel. “A
(^34) Entrevista 5, pergunta 16. (^35) Entrevista 14, pergunta única. Não se preservou a íntegra desta entrevista. (^36) Conforme lista não exaustiva utilizada pelos pentecostais que se encontra em 1 Co 12.8-10. (^37) O termo glossolalia (ou heteroglossolalia – para mais de um língua) provém de dois vocábulos gregos: glóssa e laliá, cujo sentido literal é falar em línguas ou ainda falar em palavras estrangeiras. Este fenômeno ocorre entre os pentecostais, sendo entendido como um dom ou manifestação do Espírito Santo na vida do crente. A linguagem glossolálica é considerada analogamente a uma comunicação não lingüística que acontece em rituais religiosos. A glossolalia pode ser considerada uma linguagem porque é realizada com os órgãos vocais e tem finalidade de comunicar um conteúdo interior. É como a expressão mais íntima do próprio eu, embora seja uma linguagem pré-racional ou pré-conceitual. O glossólalo tem clara consciência de que está se comunicando com Deus. SOUZA, José Zacarias de. “O sinal de Deus”: a experiência de glossolalia em carismáticos cató- licos e as transformações identitárias. 2006. 100 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade São Marcos, São Paulo. p. 49-50. Estas línguas podem também ser chamadas de xenolalia (ou xenoglossolalia) em que o indivíduo aprende a falar milagrosamente um idioma de outro país ou cultura com o propósito de evangelizar. Era freqüentemente praticado entre os irmãos morávios por ocasião de seu fervor missionário em outros países. A mais usual entre os pentecostais, é a glossolalia já definida acima, em que o indivíduo fala uma língua também desconhe- cida, porém, geralmente sem qualquer vinculação com um idioma de outro país ou cul-
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maximización de las facultades psico-linguísticas dormidas que todos tenemos.”^42
O falar em línguas também teve para aquelas pessoas uma importante função sociológica e psicológica, pois ofereceu ao adorador a oportunidade de ser possuído por uma força maior, recebendo daí uma nova identidade. A glossolalia supera as divisões da linguagem humana, na medida em que capacita os adoradores a se unirem a um sagrado transcendental.^43 Para o pentecostal a glossolalia é imprescindível. Além de fazer o fiel sentir-se incluso, agrega valor a si mesmo e é prova do amor de Deus. “É muito importante, isso aí é em primeiro lugar na vida. Deus deu para a gente”^44. Chega a ser comparado ao alimento diário. “Se nós não buscar um alimento novo cada dia, nós morremos espiritualmente”^45. Torna-se também fortaleza, ânimo^46 , alívio^47 , contato com Deus, com os anjos,^48 enfim, transcende tudo o que é natural e penetra a dimensão do extraordinário. “É um poder que vem do céu que fica totalmente fora de si”^49. É a explicação para o êxtase.
2.2.4 Harpa Cristã, música e hinologia: “cantando com alegria ao Senhor” O poder da música está no fato de que ela é uma das mais completas formas de manifestação das emoções. Aguça vários sentidos, levando a reações espontâneas diversas integrando o “[...] toque (o audível), ação (o visível) e texto (o imaginário), triângulo relacional do rito que, quando
(^42) “[...] uma maximização das faculdades psico-lingüísticas adormecidas que todos possuem”. CAMPOS, 2002, p. 135. 43 CAMPOS; GUTIERREZ, 1996, p. 100. (^44) Entrevista 9, pergunta 16. (^45) Entrevista 10, pergunta 16. (^46) Entrevista 4, pergunta 16. (^47) Entrevista 8, pergunta 16. (^48) Entrevista 4, pergunta 16. (^49) Entrevista 5, pergunta 16.
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colocado em prática, funciona como mantenedor e mediador por excelência de conteúdos religiosos e míticos”^50. O clímax se dá quando a emotividade eleva todos a transcenderem para o divino, “muitas pessoas que eu conheço foram batizadas em Espírito por uma canção”^51. Pode ser acompanhado pela dança^52 , palmas, glossolalia ou brados de louvor e júbilo e, de forma mais aprofundada no êxtase, acompanhado das expressões anteriores ou ainda através do “arrebatamento de espírito”, em que o indivíduo permanece inerte (como que desmaiado) por determinado tempo. “É o momento em que você se desprende [...] da tua vida”^53. Neste momento acontece o ordenamento das emoções. Os entrevistados disseram que: “consola, conforta”^54 , “mexe com o lado emocional”^55 , “o hino mexe muito comigo”^56 , “cada hino mexe no meu emocional”^57. No dizer de Antonio Gilberto, um dos teólogos mais respeitados na Assembléia de Deus:
[...] aguça a meditação nas coisas do céu; abre o coração fechado e eleva-o a Deus; inspira-nos à devoção ao Senhor; aproxima a alma de Deus; fortalece nossa fé; faz a alma prorromper em
(^50) PINTO, Tiago de Oliveira. Som e música. Questões de uma antropologia sonora. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0034- 77012001000100007&lng=pt&nrm=iso#top1. 51 Acesso em: 26 nov. 2007. Entrevista 12, pergunta 9. (^52) Quando se fala em “dança” no pentecostalismo, não se trata de uma dança planejada, mas a que vem do “Espírito”, pois a planejada seria imprópria para alguns. Esta “dança” pode ser expressa no chacoalhar do corpo, andar cambaleante pelo meio do templo, fazer gestos desconexos, etc. Algumas igrejas mais contemporâneas já admitem a dança planejada, mas paradoxalmente não expressa a mesma alegria da “dança no Espírito”. Este mesmo entendimento também é válido, em comunidades mais conservadoras, para o bater palmas, entendido por alguns, quando feito fora do “Espírito”, como errado, pois Deus não deve ser aplaudido na “carne” mas no “Espírito”. 53 Entrevista 1, pergunta 9. (^54) Entrevista 4, pergunta 9. (^55) Entrevista 8, pergunta 9. (^56) Entrevista 10, pergunta 9. (^57) Entrevista 13, pergunta 9.
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em sua maioria, graças ao som, ao que a palavra falada ou cantada pode fazer para converter indivíduos a determinadas crenças, expectativas, papéis e comportamentos.^61 Na Assembléia de Deus usa-se preferencialmente a Harpa Cristã. “Eu gosto muito dos hinos da Harpa”^62. É o seu hinário oficial, adotado pela primeira vez com este nome em 1922, contendo 100 hinos. Algumas comunidades acham-na ultrapassada, adotando músicas mais recentes em seu repertório musical, outras mais tradicionais admitem somente ela^63 , mas em sua maioria utilizam-se ambos os estilos de música. Porém, é a Harpa Cristã que formata a compreensão bíblica e teológica da maioria destas comunidades. Trata-se de literatura escrita, entretanto se torna recurso mnemônico oral para ensinar e relembrar doutrinas importantes adotadas pela mesma. “Eu não era muito fiel, daí eu comecei a escutar esse hino ‘Eu quero ser fiel’, daí eu fui pensando num monte de coisas, que eu não fui fiel, e fui aprendendo muito”^64. Interessante a observar é o fato de que apenas 23 cânticos da Harpa Cristã,^65 num total de 524, falam do tema mais recorrente no pentecostalismo, o Espírito Santo e suas manifestações, portanto, apenas 4,3%. Seria porque os autores estavam equivocados? Ou porque não era necessário cantar sobre este assunto, por já ser bem conhecido e experienciado?
(^61) EGAN, K. Literacy and the oral foundations of education. Harvard Educational Review , v.57, n.4, p. 445-472, nov.1987. Apud: GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; BA- TISTA, Antônio Augusto Gomes. Oralidade e escrita : uma revisão. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742006000200007&script=sci_ arttext&tlng=en. Acesso em: 30 dez 2006. 62
63 Entrevista 6, pergunta 10. “Tem de ser um hino mais da Harpa. [...] dá inspiração para a gente.” Entrevista 9, pergunta 9. 64
65 Entrevista 11, pergunta 9. HARPA CRISTÃ. 51ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1998.
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A influência da música é tão marcante, que mesmo os que negaram a influência da mesma em sua compreensão teológica e vida diária, paradoxalmente afirmaram que “alegra muito a pessoa quando está triste”^66 , “na minha vida isso tem surtido muito efeito”^67 e “enche a alma”^68. Logicamente que a música não é somente utilizada para educar ou mudar opiniões, é também um reflexo da cultura na qual está inserida. Conhece-se um povo pela sua musicalidade e a forma como a expressa. Como do converso ao pentecostalismo, na maioria das vezes, é exigida uma mudança radical de estilo de vida, ela serve quase prioritariamente como doutrinamento.
[...] você vai apagar aquilo que você aprendeu no mundo, isso aconteceu comigo, [...] você escutava aqueles hinos, pam, pam, pam [badalados], [...] a partir do momento que você começa a cantar louvores e hinos de adoração, hinos que levam teu espírito ao contato com o Pai, você vai regravando, vai apagando aquelas, aquelas melodias que você cantava no mundo, acompanhava no mundo, e vai apagando aquilo e vai regravando louvores a Deus, [...] então por isso é importante você apagar o que foi velho, aquelas que não agradam a Deus e trocar por coisas que agradam a Deus.^69 A minha conversão foi assim através de um hino, eu escutei um hino e comecei a cantar aquele hino achei bonito. [...] “tua face eu quero ver” [...]. A principal influência que eu sofri foi a minha conversão.^70 A musicalidade pentecostal tem o propósito de preparar o ouvinte para o que vem depois, a pregação da palavra. “A pessoa já vai se preparando para a palavra, daí depois vem a parte principal, mas o louvor é essencial”^71. Um líder entrevistado disse que o papel dos cânticos é “preparar o pessoal, a comunidade, a igreja em si reunida, para ouvir a mensagem”^72.
(^66) Entrevista 5, pergunta 9. (^67) Entrevista 7, pergunta 9. (^68) Entrevista 8, pergunta 9. (^69) Entrevista 1, pergunta 9. (^70) Entrevista 3, pergunta 9. (^71) Entrevista 4, pergunta 9. (^72) Entrevista 13, pergunta 9.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais^41
deste apelo. Assim toda a atenção, tanto do orador quanto do ouvinte, se volta para a forma como a mensagem é transmitida, tornando o conteúdo de assimilação quase subliminar. A redundância é utilizada para permitir assimilação do conteúdo e ajuda no prosseguimento de discursos improvisados^78. A retórica^79 pentecostal se apropria do improviso, ornamentando assim o discurso para dar maior vivacidade e atender aos anseios da platéia. Porém o sermão pentecostal tem a mesma força^80 e a mesma ênfase que toda a liturgia do culto, pois a oralidade transcende o sermão. O orador torna o discurso individualizado através de frases de efeito, como: “Meu irmão, meu amigo, você que está aqui, entregue seu problema a Jesus!” “Você que está triste, fale com Jesus!” “Basta crer que conseguirá!” “Entregue-se completamente!”, etc. Assim, o “individualismo coletivo”^81 domina a platéia levando-a a comportar-se como uma massa única. “Com a boca fechada você não recebe nada”^82 , assim o pregador incentiva a platéia a participar do culto numa oralidade coletiva. Associada à retórica pentecostal estão presentes outros recursos mnemônicos através dos cânticos repetitivos, dizeres e provérbios populares facilmente memoráveis e associados com coisas ou situações geralmente paradoxais, e jargões, utilizados pelos pregadores, que exageram e triunfalizam situações do cotidiano ou apontam para soluções de problemas difíceis. “O mistério de Deus na tua vida é tão grande, mas
(^78) ONG, 1998, p. 50. (^79) VANOYE, 1987, p. 48. (^80) CESAR; SCHAULL, 1999, p. 72. (^81) PASSOS, João Décio. Teogonias urbanas: os pentecostais na passagem do rural ao urbano. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci _arttext&pid=S0102- 88392000000400014#back7. 82 Acesso em: 02 nov. 2007. FELICIANO, Marco. Pregação sem título. Joinville: gravação pessoal, 2007. (1h33m20s).
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tão grande, que é por isso que o diabo lhe persegue. [...] Deus vai escrever hoje a história de um campeão”^83. Mendonça ao referir-se aos grandes avivalistas dos séculos XVIII e XIX, fala da oralidade que ainda hoje se vê nos púlpitos pentecostais:
Sermões longos, veementes e emocionalistas. Não é difícil imaginar- se o casamento feliz que houve entre o estilo avivalista dos missionários e a oratória latina dos brasileiros bem na tradição das academias de direito. O sermão avivalista pretendia convencer o indivíduo de seu pecado, desencadear suas emoções e levá-lo a uma decisão existencial e, por isso, quanto mais dramático o pregador, melhores os resultados.^84 Todos estes elementos aqui relatados, presentes na pregação pentecostal, levam os ouvintes a reagirem de forma similar ao relatado no item 2.2.3, em que numa grande massa de oralidade espontânea todos se expressam com reações emocionais e corporais, tornando o culto pentecostal um meio de satisfação pessoal. Preserva-se assim a cultura oral do ouvinte que prefere ouvir uma mensagem do que ler.^85
2.2.6 A Bíblia: ainda é a única regra? Quando se lê a Bíblia em público, pode-se usá-la como autoridade máxima da linguagem escrita e falada (lida) ao mesmo tempo, ratificando a autoridade da linguagem falada que assume assim autoridade superior à linguagem escrita (da Escritura). Ao mesmo tempo em que se usa a Bíblia como fonte de autoridade máxima, sua autoridade é mediada pelo pregador quando utiliza a frase: “o que Deus quer nos dizer aqui é...”, fazendo com que a oralidade suprima e se estabeleça como superior a escrita.
(^83) FELICIANO, Marco. Pregação sem título. Joinville: gravação pessoal, 2007. (1h33m20s). (^84) MENDONÇA, 1990, p. 198. (^85) Na pergunta da entrevista: “Você acha que os irmãos preferem aprender o que ensina a Bíblia lendo-a ou ouvindo sua pregação?” Todos os entrevistados responderam que se prefere ouvir a ler.
Claiton Ivan Pommerening