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Guias e Dicas
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Oiiandi, Eni Pulcinelli.As formas do silêncio., Notas de estudo de Evolução

As formas do silêncio.-no movimento dos sentidos. Campinas, S. R: Editora da Unicamp, 1995, 189 págs. RESENHADO POR: CELY BERTOLUCCI.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997
Oiiandi, Eni Pulcinelli. As formas do silêncio.- no movimento dos
sentidos. Campinas, S. R: Editora da Unicamp, 1995, 189 págs.
RESENHADO POR: CELY BERTOLUCCI
O título instigante deste livro de Eni Orlandi lança de imediato algumas inda-
gações. A primeira questão inevitável é: o silêncio tem forma? O que significa o
silêncio ter forma? Como se pode apreender a sua forma? Por que uma pesquisado-
ra da linguagem se propõe a falar sobre o silêncio?
A hipótese da autora é que o silêncio é fundante e tem uma progressão histó-
rica desde o 'mais silêncio' do mundo dos mitos até o 'menos silêncio' das explica-
ções científicas. Entretanto, todo o processo de significação das coisas do mundo,
realizado pelo ser humano, se dá por meio da linguagem. Em outras palavras, a
evolução dos sentidos decorre de processos de interação social ao longo do tempo
histórico, constituindo os diferentes campos do saber. Para Eni Orlandi, o que presi-
de todo esse movimento dos sentidos é o silêncio fundante. O silêncio é considera-
do como um continuum absoluto, o real da significação, o real do discurso. Nesta
perspectiva, o silêncioo é pensado como falta, mas a linguagem é que é pensada
como excesso. A palavra aparece como movimento em torno do silêncio. Nesta
obra, então, o silêncio é trazido à discussão para permitir a reflexão sobre a lingua-
gem, supondo um funcionamento específico desta com o silêncio. Daí a proposta de
descentração do verbal por meio do silêncio. Para compreendê-lo, na perspectiva
discursiva,o problematizadas todas as tentativas de fixação da noção de silêncio,
como as noções de linearidade, literalidade e completude, já que na Análise do
Discurso (AD), o sentido se faz em todas as direções, eo numa linha reta. É o
silêncio que preside essa possibilidade, porque quanto mais falta, mais possibilida-
de de sentidos existe. Pensar o silêncioe questões a propósito dos limites da
dialogia, uma vez que há um apagamento da divisão fundamental do sujeito. Na AD
o sujeito é visto como centro imaginário e ideológico eo real.
O silêncio fundador significa garantia do movimento de sentidos, que é ne-
cessário eo originário, função da relação da língua com a ideologia, porque sem-
pre se diz a partir de uma totalidade histórica, ondeo produzidas todas as repre-
sentações do mundo, todas as espécies de crenças e de conhecimentos. Além do
silêncio fundador, Eni Orlandi distingue a política do silêncio, subdividida em: si-
lêncio constitutivo e silêncio local.
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DOI: https://doi.org/10.26512/les.v3i1.4422
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Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997

Oiiandi, Eni Pulcinelli. As formas do silêncio .- no movimento dos

sentidos. Campinas, S. R: Editora da Unicamp, 1995, 189 págs.

RESENHADO POR: CELY BERTOLUCCI

O título instigante deste livro de Eni Orlandi lança de imediato algumas inda- gações. A primeira questão inevitável é: o silêncio tem forma? O que significa o silêncio ter forma? Como se pode apreender a sua forma? Por que uma pesquisado- ra da linguagem se propõe a falar sobre o silêncio? A hipótese da autora é que o silêncio é fundante e tem uma progressão histó- rica desde o 'mais silêncio' do mundo dos mitos até o 'menos silêncio' das explica- ções científicas. Entretanto, todo o processo de significação das coisas do mundo, realizado pelo ser humano, se dá por meio da linguagem. Em outras palavras, a evolução dos sentidos decorre de processos de interação social ao longo do tempo histórico, constituindo os diferentes campos do saber. Para Eni Orlandi, o que presi- de todo esse movimento dos sentidos é o silêncio fundante. O silêncio é considera- do como um continuum absoluto, o real da significação, o real do discurso. Nesta perspectiva, o silêncio não é pensado como falta, mas a linguagem é que é pensada como excesso. A palavra aparece como movimento em torno do silêncio. Nesta obra, então, o silêncio é trazido à discussão para permitir a reflexão sobre a lingua- gem, supondo um funcionamento específico desta com o silêncio. Daí a proposta de descentração do verbal por meio do silêncio. Para compreendê-lo, na perspectiva discursiva, são problematizadas todas as tentativas de fixação da noção de silêncio, como as noções de linearidade, literalidade e completude, já que na Análise do Discurso (AD), o sentido se faz em todas as direções, e não numa linha reta. É o silêncio que preside essa possibilidade, porque quanto mais falta, mais possibilida- de de sentidos existe. Pensar o silêncio põe questões a propósito dos limites da dialogia, uma vez que há um apagamento da divisão fundamental do sujeito. Na AD o sujeito é visto como centro imaginário e ideológico e não real. O silêncio fundador significa garantia do movimento de sentidos, que é ne- cessário e não originário, função da relação da língua com a ideologia, porque sem- pre se diz a partir de uma totalidade histórica, onde são produzidas todas as repre- sentações do mundo, todas as espécies de crenças e de conhecimentos. Além do silêncio fundador, Eni Orlandi distingue a política do silêncio, subdividida em: si- lêncio constitutivo e silêncio local.

DOI: https://doi.org/10.26512/les.v3i1.

Cely Bertolucci

O silêncio constitutivo indica que para dizer é preciso não-dizer, e que é a inserção dos sujeitos discursivos nas formações discursivas historicamente deter- minadas que dão sentidos ao dizer. Ao dizer algo, apagamos outros sentidos possí- veis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada. É esse silêncio constitutivo que trabalha os limites e a constituição das formações discursivas (regiões de senti- dos), determinando os limites do dizer. Isso mostra que o dizer e o silenciamento são inseparáveis.

Se no silêncio constitutivo os sentidos são formados pela inserção do sujeito em determinadas formações discursivas, no silêncio local o sujeito é impedido pela censura de dizer o que pode ser dito, produzindo um enfraquecimento de sentidos. A censura, produzindo efeitos de falar e silenciar, tem materialidade lingüística e histórica. A reflexão feita por Eni Orlandi sobre a censura objetiva compreendê-la como fato de linguagem, como política da palavra. Para explicá-la, a autora toma como princípio de funcionamento da linguagem o movimento permanente entre proces- sos parafrásticos e polissêmicos. No livro, é analisada tanto a censura quanto a recusa de submissão a ela, exemplificando com o momento político brasileiro pós-

  1. A censura, como silêncio imposto por um grupo dominante, intervém na formação e no movimento dos sentidos. O silenciamento produzido pela censura leva a um processo de produção de sentidos silenciados. É um processo que traba- lha a divisão entre o não-dizer e o dizer, que impedem o sujeito e a sociedade de trabalharem o movimento de identidade e de elaborarem historicamente os senti- dos. O silêncio intervém, portanto, na formação e no movimento dos sentidos e disso decorre, também, a ligação do não-dizer à história e à ideologia. Se no discurso sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo, ao im- por-se censura, proibe-se ao sujeito ocupar certos lugares, certas posições de sujeito discursivo. A censura, como formação discursiva, proibe o sujeito de inscrever-se em outros discursos. Com isso afeta a identidade do sujeito-do- discurso, já que a identidade resulta de processos do sujeito pela circulação nas várias formações discursivas disponíveis, que faz com que suas palavras te- nham sentido. Ao mudar de discurso, as palavras também mudam de sentido. Na censura, o dizível não é o mais desejável socio-historicamente definido pelas formações discursivas; nela já não se diz o que se pode dizer. A censura traduz a asfixia da circulação do sujeito, que não pode ocupar diferentes posições, afetando de imediato a sua identidade e provocando, ao mesmo tempo, rarefa- ção do sentido, traduzindo um desejo narcísico do sentido absoluto. Se Narciso não se deixa atravessar por outros sentidos, nele não há movimento, não há apagamento possível, apenas um só discurso. O autoritarismo é uma narcisia social já que fixa um sentido único para toda a sociedade.

Cely Bertolucci

situa-se no mesmo conjunto dos fatos do silenciamento e censura que traz conse- qüências no trajeto dos sentidos e nos processos de identificação. É uma forma de censura dupla: ao outro (cala a voz do autor) e a si mesmo (impede que os sentidos se mostrem em seus percursos), gerando narcisia (fixidez) e onipotência de si. Isso é um reflexo do jogo ideológico da constituição dos sentidos que apaga as diferentes formações discursivas para promover a dominância de um sentido com- pleto. O plágio leva a pensar a heterogeneidade do discurso. Se a linguagem é dialógica, então a alteridade é parte constitutiva do dizer, ou seja, o discurso é sempre atravessado por outros discursos. Pensar a relação entre linguagem e ide- ologia nos leva a concluir que os sentidos não têm donos, mas cada um os quer para si.

A censura, portanto, é um processo que não trabalha apenas a divisão entre o dizer e o não-dizer, mas aquela que impede o sujeito de trabalhar o movimento de sua identidade e elaborar sua história de sentidos. A censura é um processo que impede a elaboração histórica do sentido e a aquisição da força identitária. Só se pode pensar tudo isso na relação com o silêncio. A censura é um simulacro de silêncio, ela o objetiva impedindo que ele exerça sua força desorganizadora. Eu diria que, neste livro denso, de apenas 189 páginas, Eni Pulcinelli Orlandi fez uma reflexão quase filosófica sobre a linguagem. Na perspectiva da Análise do Discurso, o silêncio é articulado com o objetivo de demonstrar a materialidade da linguagem, que possibilita a criação de regiões de sentido, com base em uma totalidade histórico-significativa. Tais regiões de sentido servem de suporte para o sujeito discursivo na determinação de sua identidade, assim como na formação e no movimento, não apenas dos sentidos, como também dos sujeitos. O sujeito, como produto de relações sociais, não é livre de coerções. Ele aprende a ver o mundo, adquire crenças e conhecimentos por meio dos dis- cursos (expressão de ideologias) que assimila e reproduz a partir de um lugar. Enquanto a formação ideológica impõe o modo de pensar e de compreender o mundo, a formação discursiva impõe o que dizer. A criação de regiões de senti- dos é função do discurso e, em última análise, é o discurso que servirá de supor- te e determinação de identidade tanto para o sujeito discursivo quanto para a sociedade onde ele é produzido. A autora articula a maioria dos conceitos fundamentais da Análise do Discur- so, demonstrando grande intimidade com a linguagem, chegando mesmo a ser poé- tica em muitas passagens de sua apresentação. Entretanto, a compreensão do texto, em sua profundidade, exige do leitor um prévio percurso teórico pelos conceitos da Análise do Discurso. A estratégia reflexiva da autora para compreender o funciona-

Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997

mento da linguagem, tendo como contraponto o silêncio, é muito criativa, embora possa trazer um complicador aos iniciantes, já que o tema do silêncio suscita senti- dos múltiplos na mente do leitor, que podem dificultar a compreensão de muitas passagens do livro. O grande mérito desta obra é, sem dúvida, a clareza com que a autora articula vários conceitos centrais da AD para demonstrar, por um lado, os efeitos da censura no movimento dos sujeitos e dos sentidos, mediante a imposição de um discurso fixo que produz narcisia social, e, por outro lado, o meio-plágio como forma de censura entre iguais, trazendo igualmente reflexos no movimento dos sentidos e dos sujeitos.