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As formas do silêncio.-no movimento dos sentidos. Campinas, S. R: Editora da Unicamp, 1995, 189 págs. RESENHADO POR: CELY BERTOLUCCI.
Tipologia: Notas de estudo
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Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997
O título instigante deste livro de Eni Orlandi lança de imediato algumas inda- gações. A primeira questão inevitável é: o silêncio tem forma? O que significa o silêncio ter forma? Como se pode apreender a sua forma? Por que uma pesquisado- ra da linguagem se propõe a falar sobre o silêncio? A hipótese da autora é que o silêncio é fundante e tem uma progressão histó- rica desde o 'mais silêncio' do mundo dos mitos até o 'menos silêncio' das explica- ções científicas. Entretanto, todo o processo de significação das coisas do mundo, realizado pelo ser humano, se dá por meio da linguagem. Em outras palavras, a evolução dos sentidos decorre de processos de interação social ao longo do tempo histórico, constituindo os diferentes campos do saber. Para Eni Orlandi, o que presi- de todo esse movimento dos sentidos é o silêncio fundante. O silêncio é considera- do como um continuum absoluto, o real da significação, o real do discurso. Nesta perspectiva, o silêncio não é pensado como falta, mas a linguagem é que é pensada como excesso. A palavra aparece como movimento em torno do silêncio. Nesta obra, então, o silêncio é trazido à discussão para permitir a reflexão sobre a lingua- gem, supondo um funcionamento específico desta com o silêncio. Daí a proposta de descentração do verbal por meio do silêncio. Para compreendê-lo, na perspectiva discursiva, são problematizadas todas as tentativas de fixação da noção de silêncio, como as noções de linearidade, literalidade e completude, já que na Análise do Discurso (AD), o sentido se faz em todas as direções, e não numa linha reta. É o silêncio que preside essa possibilidade, porque quanto mais falta, mais possibilida- de de sentidos existe. Pensar o silêncio põe questões a propósito dos limites da dialogia, uma vez que há um apagamento da divisão fundamental do sujeito. Na AD o sujeito é visto como centro imaginário e ideológico e não real. O silêncio fundador significa garantia do movimento de sentidos, que é ne- cessário e não originário, função da relação da língua com a ideologia, porque sem- pre se diz a partir de uma totalidade histórica, onde são produzidas todas as repre- sentações do mundo, todas as espécies de crenças e de conhecimentos. Além do silêncio fundador, Eni Orlandi distingue a política do silêncio, subdividida em: si- lêncio constitutivo e silêncio local.
DOI: https://doi.org/10.26512/les.v3i1.
Cely Bertolucci
O silêncio constitutivo indica que para dizer é preciso não-dizer, e que é a inserção dos sujeitos discursivos nas formações discursivas historicamente deter- minadas que dão sentidos ao dizer. Ao dizer algo, apagamos outros sentidos possí- veis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada. É esse silêncio constitutivo que trabalha os limites e a constituição das formações discursivas (regiões de senti- dos), determinando os limites do dizer. Isso mostra que o dizer e o silenciamento são inseparáveis.
Se no silêncio constitutivo os sentidos são formados pela inserção do sujeito em determinadas formações discursivas, no silêncio local o sujeito é impedido pela censura de dizer o que pode ser dito, produzindo um enfraquecimento de sentidos. A censura, produzindo efeitos de falar e silenciar, tem materialidade lingüística e histórica. A reflexão feita por Eni Orlandi sobre a censura objetiva compreendê-la como fato de linguagem, como política da palavra. Para explicá-la, a autora toma como princípio de funcionamento da linguagem o movimento permanente entre proces- sos parafrásticos e polissêmicos. No livro, é analisada tanto a censura quanto a recusa de submissão a ela, exemplificando com o momento político brasileiro pós-
Cely Bertolucci
situa-se no mesmo conjunto dos fatos do silenciamento e censura que traz conse- qüências no trajeto dos sentidos e nos processos de identificação. É uma forma de censura dupla: ao outro (cala a voz do autor) e a si mesmo (impede que os sentidos se mostrem em seus percursos), gerando narcisia (fixidez) e onipotência de si. Isso é um reflexo do jogo ideológico da constituição dos sentidos que apaga as diferentes formações discursivas para promover a dominância de um sentido com- pleto. O plágio leva a pensar a heterogeneidade do discurso. Se a linguagem é dialógica, então a alteridade é parte constitutiva do dizer, ou seja, o discurso é sempre atravessado por outros discursos. Pensar a relação entre linguagem e ide- ologia nos leva a concluir que os sentidos não têm donos, mas cada um os quer para si.
A censura, portanto, é um processo que não trabalha apenas a divisão entre o dizer e o não-dizer, mas aquela que impede o sujeito de trabalhar o movimento de sua identidade e elaborar sua história de sentidos. A censura é um processo que impede a elaboração histórica do sentido e a aquisição da força identitária. Só se pode pensar tudo isso na relação com o silêncio. A censura é um simulacro de silêncio, ela o objetiva impedindo que ele exerça sua força desorganizadora. Eu diria que, neste livro denso, de apenas 189 páginas, Eni Pulcinelli Orlandi fez uma reflexão quase filosófica sobre a linguagem. Na perspectiva da Análise do Discurso, o silêncio é articulado com o objetivo de demonstrar a materialidade da linguagem, que possibilita a criação de regiões de sentido, com base em uma totalidade histórico-significativa. Tais regiões de sentido servem de suporte para o sujeito discursivo na determinação de sua identidade, assim como na formação e no movimento, não apenas dos sentidos, como também dos sujeitos. O sujeito, como produto de relações sociais, não é livre de coerções. Ele aprende a ver o mundo, adquire crenças e conhecimentos por meio dos dis- cursos (expressão de ideologias) que assimila e reproduz a partir de um lugar. Enquanto a formação ideológica impõe o modo de pensar e de compreender o mundo, a formação discursiva impõe o que dizer. A criação de regiões de senti- dos é função do discurso e, em última análise, é o discurso que servirá de supor- te e determinação de identidade tanto para o sujeito discursivo quanto para a sociedade onde ele é produzido. A autora articula a maioria dos conceitos fundamentais da Análise do Discur- so, demonstrando grande intimidade com a linguagem, chegando mesmo a ser poé- tica em muitas passagens de sua apresentação. Entretanto, a compreensão do texto, em sua profundidade, exige do leitor um prévio percurso teórico pelos conceitos da Análise do Discurso. A estratégia reflexiva da autora para compreender o funciona-
Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997
mento da linguagem, tendo como contraponto o silêncio, é muito criativa, embora possa trazer um complicador aos iniciantes, já que o tema do silêncio suscita senti- dos múltiplos na mente do leitor, que podem dificultar a compreensão de muitas passagens do livro. O grande mérito desta obra é, sem dúvida, a clareza com que a autora articula vários conceitos centrais da AD para demonstrar, por um lado, os efeitos da censura no movimento dos sujeitos e dos sentidos, mediante a imposição de um discurso fixo que produz narcisia social, e, por outro lado, o meio-plágio como forma de censura entre iguais, trazendo igualmente reflexos no movimento dos sentidos e dos sujeitos.