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Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Tradução: JOÃO AZENHA JR. 16ª reimpressão - COMPANHIA DAS LETRAS
Copyright C 1995 by Jostem Gaarder e H. Aschehoug & Co. Título original: Kabaliizysteriet Tradução autorizada pelo autor, a partir da versão alemã de Gabriele Haefs Capa:
Silvia Ribeiro Ilustração da capa: Maria Efigênia Preparação: Marcia Collola Revisão: Eliana Antonioli Tóliché Editorial
Gaarder, Jostein, 11)
O dia do Curinga / Jostein Gaarder / tradução João Azenha jr. -
São Paulo : Companhia das Letras, 1996
Ás de espadas ... um soldado alemão passou pedalando pela estrada... 15 Dois de espadas ...Deusestá lá no céu e ri das pessoas que não acreditam nele....................................... 25 Três de espadas ... Um tanto estranho enfeitar o chão da floresta, tão longe do resto do mundo ... .............................. 31 Quatro de espadas ... o que eu tinha nas mãos era um livrinho.. Cinco de espadas ... ouvi o velho andando no sótão ... ...... Seis de espadas ... Uma bebida mil vezes melhor .. Sete de espadas ... Um planeta cheio de mistérios ... .................... Oito de espadas ... conto se eu tivesse sido arrebatado por um turbilhão vindo de uma terra distante ... ............................ 65 Nove de espadas Sempre acreditou ver coisas estranhas, que os olhos dos outros não viam ............................ Dez de espadas ... oito ilhas distantes, inascessíveis para aquele Pequeno barco......................................................... 79 Valete de espadas ... seus olhos castanhos brilhara ................. Dama de espadas ... o ruído das borboletas era como música ... ............. 95 Rei de espadas ... um contato imediato do quarto grau ... ............... 106 PAUS Ás de paus ... os Mesmos símbolos que a gente vê nas cartas de baralho.. Dois de paus ... agitando dois bilhetes de não ... .................... 124 Três de paus ... uma cruz de paus bem pesados ....................... 129 Quatro de paus ... Uma loteria gigante, da qual só se vê os ganhadores 137 Cinco de paus ... teria ficado maisdifícil jogar cartas ... ............... 145 Seis de paus ... como se precisasse ter a certeza de que eu era uma pessoa de carne e osso ... ................................. 150 Sete de paus ... Como era possível que metal e marfim pudessem crescer dentro da minha boca.... Oito de paus ... se nosso cérebro fosse tão simples a ponto de podermos
Rei de ouros ... a gente deveria usar um sino amarrado no pescoço... 301 COPAS Ás de copas ... virei-a, e era As de Copas ... ............... ........ 307 Dois de copas ... ela deve estar numa praia, olhando para o mar ... ....... 317 Três de copas ... uma mulher de roupas extravagantes, com um chapéu de aba larga......................... 322 Quatro de copas ... e também nós não sabemos quem dá as cartas ........ 328 Cinco de copas ... o importante agora era ficar frio e não cantar vitória antes da hora ... ........................................ 334 Seis de copas ... tão Verdadeira quanto o sol e a Lua... ................. 340 Sete de copas ... homem do pãozinho fála no tubo mágico ... ............. 348 Oito de copas ...Um milagre tão fantástico que, diante dele, a gente não sabe se ri ou se chora ... ................................. 353 Nove de copas ... até esse dia o mundo não estará maduro para ouvir a história das cartas da paciência de Frode e da ilha mágica... 360 Dez de copas ... um bobo da corte, que a engrenagem do tempo é incapaz de engolir, perambula pelo mundo ... ..................... 364 Valete de copas ... um homenzinho em atitude suspeita no banco de trás... 367 Dama de copas ... vimos, então, uma senhora de idade saindo da estalagem ... 371 Rei de copas ... as lembranças se afastando imais e mais daquilo que um dia as criou ... ................................ 375
Há seis anos, em frente às ruínas do antigo templo de Posêidon, no cabo Stinio, eu olhava para o mar Egeu. Há cento e cinqüenta anos o padeiro Hans chegava à misteriosa ilha no Atlântico. E há exatos duzentos anos o navio de Frode naufragava na viagem entre o México e a Espanha. Tenho de voltar tantos anos no tempo para entender por que mamãe nos deixou e fugiu para Atenas... Gostaria muito de pensar em outra coisa. Mas sei que preciso tentar escrever tudo enquanto restar em mim um pouco da criança que fui. Sentado à janela da sala em Hisoy, observo as folhas caindo das árvores. Elas planam no ar e pousam na rua formando um acolchoado macio. Uma garotinha brinca lá fora, amassando com os pés as folhas e as castanhas que caem das árvores por entre as cercas dos jardins. Nada parece ter sentido. Quando penso nas cartas da paciência de Frode, tenho a impressão de que o equilíbrio da natureza desapareceu por completo.
ESPADAS
AS DE ESPADAS ... um soldado alemão passou pedalando pela estrada...
Nossa longa viagem para a pátria dos filósofos começou em Arendal, uma antiga cidade portuária no Sul da Noruega. Atravessamos a distância de Kristiansand até HirtshaIs a bordo do Bolero, e não há muito a contar sobre a viagem pela Dinamarca e pela Alemanha. Tirando Legoland e o gigantesco porto de Hamburgo, tudo o que vimos foram rodovias e pequenas propriedades rurais. Somente quando chegamos aos Alpes é que as coisas realmente começaram a acontecer. Tínhamos um trato, meu pai e eu. Eu não ficaria irritado quando tivéssemos de viajar compridos trechos antes de pararmos em algum lugar para dormir, e ele não fumaria no carro. Para agradar a ambos, decidimos que faríamos muitas pausas para ele fumar um cigarro. Essas pausas são o que tenho de mais vivo na
que ela voltaria conosco para a Noruega. Mas precisávamos tentar, dizia meu pai, pois nem ele e nem eu podíamos suportar a idéia de ter de passar o resto de nossas vidas sem ela. Mamãe tinha nos deixado, meu pai e eu, quando eu tinha quatro anos. É por isso que continuo a chamá-la de "mamãe". Quanto a meu pai, aos poucos o fui conhecendo melhor, e um dia não me pareceu mais adequado chamá-lo de "papai". Mamãe quis sair pelo mundo para se encontrar. Meu pai e eu podíamos até entender que a mãe de um garoto de quatro anos se sinta perdida algum dia. E demos a ela todo o nosso apoio nesse projeto de se encontrar. Só que eu nunca consegui entender por que ela teve de ir embora para realizar seu desejo. Não consegui entender por que ela não pôde fazer isso dentro de casa mesmo, em Arendal, ou então por que não se contentou com uma viagem até Kristiansand. Meu conselho para todos os que querem se encontrar é continuarem bem onde estão. Do contrário, é grande o risco de se perderem para sempre. já fazia tanto tempo que mamãe tinha ido embora que eu já nem me lembrava muito bem como ela era. Só sabia que era muito mais bonita do que todas as outras mulheres. Pelo menos era o que dizia o meu pai. Ele também dizia que quanto mais bonita uma mulher, tanto mais difícil era para ela se encontrar. Desde que mamãe desaparecera, eu a procurava por toda a parte. Toda vez que passava pela praça do mercado de Arendal achava que de repente ela ia aparecer bem na minha frente; e quando visitava minha avó em Oslo, meus
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olhos não se cansavam de procurá-la. Mas nunca a encontrei. Só a revi quando meu pai trouxe para casa aquela revista grega de moda. Lá estava mamãe: na capa da revista e também na matéria de dentro. As fotos mostravam muito bem que ela ainda não tinha se encontrado. Isso porque não era minha mãe que estava retratada ali:
as fotos mostravam claramente que ela tentava parecer outra pessoa. Meu pai e eu tivemos muita pena dela. Minha tia-avó tinha trazido de Creta a revista de moda. Na Grécia, segundo ela disse, a revista com as fotos de mamãe estava exposta em todas as bancas de jornal. Era preciso apenas atirar alguns dracmas sobre o balcão para levá-la para casa. Achei essa idéia um tanto estranha. Aqui na Noruega a gente vinha procurando mamãe por todos esses anos e lá na Grécia ela sorria para todo mundo na capa de uma revista. Diabos... como é que ela foi entrar nessa? - perguntou meu pai, coçando a cabeça. E embora tivesse ficado irritado, recortou todas as fotos e as pregou na parede do quarto. Lindas fotos de alguém que se parecia com mamãe mais do que qualquer outra pessoa, achava ele. E foi então que meu pai decidiu que tínhamos de viajar à Grécia para procurá-la. Precisamos tentar trazê-la de volta para casa, HansThomas - disse ele. - Se não fizermos isso, o meu medo é que ela naufrague nessa aventura de moda. Não entendi muito bem o que ele quis dizer. Já ouvira falar de barcos e navios que tinham naufragado, mas não sabia que as pessoas também podiam naufragar em aventuras. Hoje sei que todo mundo deve ter muito cuidado com elas. Quando paramos num posto de estrada perto de Hamburgo, meu pai começou a falar sobre o pai dele. Eu já
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conhecia a história toda, mas aqui, com todos aqueles carros a lemães passando por nós em alta velocidade, era outra coisa. É que o pai do meu pai era alemão. Hoje não há nada de excepcional nisso, pois os filhos de alemães são gente como qualquer outra. Mas para mim é fácil falar. Não tive que sentir na própria pele o que é crescer sem pai numa cidadezinha do Sul da Noruega. Acho que o fato de estarmos na Alemanha motivou meu pai a falar sobre os pais
em apuros. E acabou também sendo o culpado pela maior infelicidade dela. Mas isso só alguns anos depois. Quando chega neste ponto da história, meu pai sempre acende um cigarro. É que minha avó também se interessou pelo soldado alemão. O nó da questão está aí. Ela não apenas agradeceu ao meu avô por ter consertado o pneu da bicicleta, como também aceitou voltar junto com ele para Arendal. Uma coisa é certa: minha avó era uma mulher desobediente e tola. O pior de tudo é que ela se dispôs a continuar se encontrando com o suboficial Ludwig Messner. E foi assim que minha avó se apaixonou por um soldado alemão. Infelizmente, nem sempre a gente pode escolher a pessoa por quem se apaixona. Se bem que ela poderia ter tomado a decisão de não se encontrar mais com ele enquanto ainda não estivesse apaixonada. É claro que ela não fez isso. E o resultado foi que depois teve de arcar com as consequências. Meus avós se encontravam às escondidas. Se as pessoas de Arendal tivessem desconfiado que minha avó tinha encontros secretos com um alemão, ela teria sido enxotada da "boa" sociedade local. Naquela época, as pessoas normais só tinham uma alternativa: combater os alemães e não manter nenhum tipo de relação com eles.
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No verão de 1944, Ludwig Messner foi mandado de volta para a Alemanha, a fim de defender o Terceiro Reich alemão no front oriental. Quando o trem que o levava partiu de Arendal, ele desapareceu para sempre da vida da minha avó. Nunca mais ela ouviu falar dele, nem mesmo quando, muitos anos depois de terminada a guerra, resolveu procurá-lo. Afinal, não tinha certeza absoluta de que ele tombara na luta contra os russos. O passeio de bicicleta até Froland e tudo o que se seguiu a ele poderia ter caído no esquecimento se minha avó não tivesse ficado grávida. Isso deve ter acontecido pouco antes da partida do meu avô para o front oriental, mas ela só
descobriu que estava grávida algumas semanas depois. A partir daí começou a comer o pão que o diabo amassou, como diz o meu pai. E nesse ponto da história ele sempre acende outro cigarro. Meu pai nasceu pouco antes da libertação, em maio de 1945. Logo que os alemães capitularam, minha avó foi presa pelos noruegueses que odiavam as norueguesas que tinham se envolvido com soldados alemães. Infelizmente não eram poucas e as que mais sofreram foram as que tiveram um filho com um alemão. A verdade é que minha avó se envolvera com meu avô porque o amava, e não porque ele era nazista. Aliás, ele também não era o estereótipo do nazista. Antes que eles o pegassem pelo colarinho e o mandassem para a Alemanha, ele e minha avó tinham feito planos de fugir para a Suécia. O que os demoveu dessa idéia foram os boatos de que os guardas de fronteira suecos abatiam a tiros os desertores alemães que tentavam atravessar a fronteira. O povo de Arendal caiu de pau em cima da minha avó. Rasparam-lhe a cabeça, espancaram-na, pisotearam-na, e tudo isso embora ela tivesse acabado de ter um filho. Na certa, Ludwig Messner teria se comportado bem melhor. E digo isso sem o menor peso na consciência.
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Sem um fio de cabelo na cabeça, minha avó teve de viajar para a casa do tio Trygve e da tia Ingrid em Oslo. Arendal deixara de ser um lugar seguro para ela. Como não tinha cabelos, precisou usar um boné mesmo com as temperaturas aumentando na primavera. Sua mãe continuou morando em Arendal, e cinco anos depois do fim da guerra minha avó e meu pai voltaram para lá. Nem minha avó nem meu pai quiseram perdoar o que tinha acontecido em Froland. Não os julgo por isso, A única coisa que podemos criticar é a medida e a extensão do castigo pelo que aconteceu. Uma questão interessante, por exemplo, é saber por quantas gerações se estende a pena por um delito. É claro que minha avó teve a sua parcela de culpa na gravidez, coisa que, aliás, nunca contestou.
pois justo quando bebia é que começava a falar sobre meus avós e sobre sua vida como filho de alemão. Acho que a bebida só o ajudava a se lembrar melhor das coisas. Depois de ter me contado novamente a história da sua vida numa estrada perto de Hambugo, ele disse:
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filho tivesse se casado com uma mulher que decidiu ir a Atenas para se encontrar.
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DOIS DE ESPADAS ... Deus esta lá no céu e ri das pessoas que não acreditam nele...
Na fronteira com a Suíça, paramos num posto muito esquisito, que tinha apenas uma bomba de gasolina. De dentro de uma casinha verde saiu um homem tão baixinho que na certa devia ser um anão ou coisa parecida. Meu pai abriu um enorme mapa viário e perguntou ao homem sobre o melhor caminho para se atravessar os Alpes até Veneza. com uma vozinha fraca e de timbre agudo, o anão explicou o caminho ao meu pai e indicou uma estrada no mapa. Ele só sabia falar alemão, mas meu pai traduziu para mim o que ele tinha dito: ele nos aconselhou a pernoitar num pequeno povoado chamado Dorf. Enquanto falava, ele não tirava os olhos de mim. Era como se em toda a sua vida nunca tivesse visto uma criança. Acho que gostou de mim porque tínhamos exatamente a mesma altura. Quando quisemos prosseguir nossa viagem, ele me deu uma pequena lupa dentro de um estojinho verde.
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vai... isso eu te garanto, meu jovem. Pois uma coisa é certa: logo que eu te vi, tive certeza de que você vai precisar dessa pequena lupa em sua viagem. Eu me perguntei se o povoado chamado Dorf seria tão pequeno que a gente só conseguiria encontrá-lo com uma lupa. Antes de entrar novamente no carro,
acima. Era uma região deserta; lá em cima, perto dos picos, só havia algumas poucas casas de madeira espalhadas entre as árvores. Logo escureceu, e já estava quase pegando no sono quando despertei ao ouvir meu pai dizer:
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É verdade que se podia criticar muita coisa no meu pai, mas nunca achei chato conversar com ele. Ele é o tipo de pessoa que nunca iria se contentar com uma vida de mecânico. Se dependesse de mim, ele teria direito a um salário do governo como filósofo. Certa vez ele mesmo disse algo nesse sentido: "Temos ministérios para tudo, mas não para a filosofia. E até os países grandes acham que podem dar conta de suas tarefas sem ela". com o peso daquela herança que eu tinha sobre os ombros, tentava participar das conversas filosóficas que meu pai sempre começava quando não estava falando
de mamãe. Naquele momento, eu disse:
Somos superinteligentes: sabemos construir bombas atômicas e foguetes para ir à Lua. Mas nenhum de nós se pergunta de onde veio. A gente simplesmente se contenta em estar por aqui, dividindo com os outros este espaço.
um simples mecânico. Isso com toda a certeza. Deveria estar conversando com os anjos do céu sobre os mistérios da vida. Os anjos são mais inteligentes do que os homens. Isso também aprendi com o meu pai. Eles não são tão inteligentes quanto Deus, mas entendem tudo o que nós, humanos, somos capazes de entender, só que sem terem de ficar pensando sobre as coisas.
TRÊS DE ESPADAS um tanto estranho enfeitar o chão da floresta, tão longe do resto do mundo...
Quando acordei na manhã seguinte, vi que realmente tínhamos chegado a Dorf. Meu pai estava ao meu lado na cama e dormia. Já passava das oito, mas percebi que ele precisava dormir um pouco mais. Fosse a que horas fosse, ele nunca dispensava um copinho antes de dormir. Aliás, só ele mesmo falava em "copinho". Eu sabia que esse copinho de fato podia ser bem grande. E não apenas um, mas vários. Pela janela, avistei um grande lago. Vesti as roupas depressa e desci para o andar térreo. Lá me encontrei com uma senhora gorda e simpática, que tentou conversar comigo, embora não falasse uma única palavra de norueguês.
Fui até o gramado que se estendia ao redor do lago e resolvi experimentar um balanço que havia ali. Ele era tão grande, que eu podia ir mais alto do que os telhados das casas. Lá de cima eu olhava aquele povoado incrustado nos Alpes. E quanto mais alto eu balançava, tanto mais via da paisagem local. Estava ansioso para observar a expressão de meu pai quando ele visse Dorf à luz do dia. Na certa ia ficar muito
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irritado. É que Dorf parecia uma cidade de bonecas, dessas que a gente encontra nos livros infantis ilustrados. Entre montanhas elevadas, cobertas de neve, havia duas ou três ruelas com algumas poucas lojas. Quando o balanço ia bem alto, eu tinha a impressão de estar vendo uma daquelas cidades de Legoland. A pensão em que estávamos hospedados era uma casa branca, de três andares, com marquises cor-de-rosa e minúsculas janelas de vidraças coloridas. Quando eu já estava ficando cansado de balançar, meu pai saiu da pensão e me chamou para o café da manhã. Entramos numa sala de refeições que talvez fosse a menor do mundo. Dentro dela só havia espaço para quatro mesas; e como se isso não bastasse, meu pai e eu éramos os únicos hóspedes. Ao lado da sala de refeições havia um grande restaurante, mas estava fechado. Era óbvio que meu pai tinha a consciência pesada por ter dormido mais do que eu. Resolvi me aproveitar disso e pedi um refresco, em vez de experimentar o leite dos Alpes. Ele concordou imediatamente; em compensação, pediu “um quarto" para ele. Aquele pedido soou misterioso aos meus ouvidos; e pelo que colocaram no seu copo, pude suspeitar que se tratava de vinho tinto. Entendi, então, que só prosseguiríamos viagem na manhã seguinte. Meu pai me disse que estávamos hospedados numa estalagem; mas tirando as janelas de vidro colorido, aquele lugar era como qualquer outra pensão que eu conhecia na Noruega. Em alemão, o nome da estalagem era Zum Schõnen Waldemar, que quer dizer "Ao Belo Waldemar". Isso porque o lago que ficava ali perto se chamava Waldemar.