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Reconstrução da Dúvida Cartesiana: Descartes e a Precariedade do Inteligível, Notas de aula de Tradução

Nesta análise, argumenta-se que descartes na primeira meditação aponta para a precariedade de todas as etapas do processo de produção do inteligível, incluindo a apreensão das qualidades das coisas pelos sentidos, a produção de imagens sensíveis pela imaginação e a abstração do inteligível pelo intelecto agente. Além disso, mostrará-se que, na segunda e terceira meditação, descartes mostra que um certo uso puro da razão escapa à dúvida de forma geral e que este uso é distinto do uso da razão questionado na primeira meditação, pois não depende de dados sensíveis.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Ethel Menezes Rocha*
Observações sobre a dúvida cartesiana
*Professora do IFCS (UFRJ) e pesquisadora do CNPq.
Resumo
Nesse artigo será apresentada uma reconstrução da dúvida cartesiana exposta na
Primeira Meditação, tendo como fim mostrar que o alvo da crítica de Descartes
é o modelo cognitivo de inspiração aristotélica. Nessa reconstrução da dúvida car-
tesiana, será argumentado que Descartes na Primeira Meditação se ocupa em
apontar para a precariedade de todas as etapas do momento da produção do inte-
ligível, segundo esse modelo: a apreensão das qualidades das coisas pelos sentidos,
a produção de imagens sensíveis pela imaginação e a abstração do inteligível pelo
intelecto agente. Será argumentado ainda que, como consequência de seu objetivo
na Primeira Meditação, no decorrer da Segunda e da Terceira Meditação, Des-
cartes, entre outras coisas, se ocupa em mostrar que um certo uso puro da razão
escapa à dúvida de um modo geral e que este é distinto do uso da razão questionado
na Primeira Meditação na medida em que, diferentemente deste, não depende
de dados sensíveis. A reconstrução aqui sugerida conjugada a esta consequência
apresentada na Segunda e na Terceira Meditação é o que permitirá concluir que
o objetivo geral de Descartes em suas Meditações é bem mais modesto do que o de
provar a infalibilidade da razão.
Palavras-chave: Dúvida; Deus enganador; Sonho; Sentidos; Razão.
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Ethel Menezes Rocha*

Observações sobre a dúvida cartesiana

  • Professora do IFCS (UFRJ) e pesquisadora do CNPq.

Resumo Nesse artigo será apresentada uma reconstrução da dúvida cartesiana exposta na Primeira Meditação , tendo como fim mostrar que o alvo da crítica de Descartes é o modelo cognitivo de inspiração aristotélica. Nessa reconstrução da dúvida car- tesiana, será argumentado que Descartes na Primeira Meditação se ocupa em apontar para a precariedade de todas as etapas do momento da produção do inte- ligível, segundo esse modelo: a apreensão das qualidades das coisas pelos sentidos, a produção de imagens sensíveis pela imaginação e a abstração do inteligível pelo intelecto agente. Será argumentado ainda que, como consequência de seu objetivo na Primeira Meditação , no decorrer da Segunda e da Terceira Meditação , Des- cartes, entre outras coisas, se ocupa em mostrar que um certo uso puro da razão escapa à dúvida de um modo geral e que este é distinto do uso da razão questionado na Primeira Meditação na medida em que, diferentemente deste, não depende de dados sensíveis. A reconstrução aqui sugerida conjugada a esta consequência apresentada na Segunda e na Terceira Meditação é o que permitirá concluir que o objetivo geral de Descartes em suas Meditações é bem mais modesto do que o de provar a infalibilidade da razão.

Palavras-chave: Dúvida; Deus enganador; Sonho; Sentidos; Razão.

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Abstract My purpose in this article is to present a reconstruction of Cartesian doubt presented in Meditation I suggesting that Descartes’s target is the Aristotelian model of knowledge. In this reconstruction I will argue that Descartes in Meditation I intends to show the precariousness of all the stages necessary for the production of the universals according to this model: the apprehension of the accidents of things by the senses, the production of sensible images by imagination and the production of universals by pure intellect. Furthermore, I will argue that as a consequence in Meditation II and Meditation III Descartes, among other things, pursuits to show that a certain pure use of reason escapes the general doubt and that it distinguishes itself from the reason questioned in Meditation I in so far as it does not depend on the senses. This will allow the conclusion that Descartes’s aim at his Meditations is much more modest than to prove the infallibility of reason.

Keywords: Cartesian Doubt; Deceiving God; Reason; Sensation.

A compreensão do que consiste o projeto cartesiano nas Meditações Metafísi- cas 1 depende fundamentalmente da compreensão do que Descartes pretende na Primeira Meditação. Segundo muitos intérpretes e leitores das Meditações , ao introduzir a dúvida na Primeira Meditação , Descartes pretende reapresen- tar dúvidas céticas já conhecidas com o objetivo último de, no decorrer das Meditações, refutar o cético provando ser possível o conhecimento da alma, de Deus e do mundo externo, através da razão pura.^2 Na Primeira Meditação Descartes se ocuparia em expor razões para pôr em questão o que seriam as possíveis fontes de conhecimento, a saber, os sentidos, a imaginação e a razão e, no decorrer das Meditações , através da prova da existência de um Deus veraz, teria eliminado a razão introduzida para duvidar da legitimidade da razão pura como fonte de conhecimento, isto é, teria eliminado a hipótese da existência de um Deus enganador. O projeto de Descartes nas Meditações se-

Sempre que possível as citações de passagens das Meditações Metafísicas serão extraídas da tradu- ção de Bento Prado Junior e J. Guinburg (Coleção Pensadores, Ed. Victor Civita, Abril Cultural, São Paulo, 1973). Qualquer alteração será notificada. As citações serão acompanhadas da nota- ção da edição em latim Adan & Tannery (AT) da obra de Descartes seguida do número do volume e do número da página nessa edição. Veja-se, por exemplo, Martial Gueroult, Descartes selon l’ordre des raisons (2 vols. Paris: Aubier, 1953), Bernard Williams, Descartes (Penguin Books, London, 1978 e Janet Broughton, Descartes’s Method of Doubt (Princeton University Press, Princeton and Oxford, 2003)

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de notarem que eles “ destroem os princípios de Aristóteles ”.^6 Com base nessa explicação, a leitura alternativa a ser aqui sugerida se apoia na tese de que um desses princípios aristotélicos visados é o princípio epistêmico segundo o qual não há ideia no intelecto que não tenha antes passado pelos sentidos. Sendo assim, será defendida a leitura segundo a qual o objetivo expresso de Descartes de na Primeira Meditação preparar o leitor para desligar-se dos sentidos equi- vale a preparar o leitor para desvencilhar-se do modelo cognitivo aristotélico, segundo o qual todo conhecimento depende dos sentidos: trata-se, portanto, de pôr em questão a tese de que o conhecimento depende do resultado da operação mental abstrativa que se incide sobre uma imagem sensível. Segundo a leitura aqui sugerida, portanto, na Primeira Meditação nenhu- ma das teses cartesianas está sendo introduzida ou visada. Mas se é assim, então nesta Meditação o diálogo travado é entre o cético e o filósofo aris- totélico e o tema da discussão é a possibilidade de se conhecer segundo o modelo cognitivo empirista/aristotélico, cuja tese central é a de que todo co- nhecimento depende de uma operação abstrativa a partir do sensível. Mais ainda, se a hipótese do Deus enganador diz respeito à razão como fonte de conhecimento, então, por um lado, a concepção de razão visada é a concep- ção envolvida neste modelo e, portanto, aquela segundo a qual a operação cognitiva, embora puramente intelectual, depende dos sentidos. E por outro lado, como veremos, se a função da hipótese do Deus enganador fosse apenas a de pôr em questão os produtos dessa operação mental dependente dos sen- tidos, essa hipótese seria supérflua. Visto que Descartes em etapas anteriores põe em questão o produto dos sentidos e da imaginação e, portanto, aquilo sobre o que, segundo o modelo visado, se incidiria a operação puramente intelectual no processo cognitivo, então a verdade do produto dessa ope- ração puramente intelectual (o suposto inteligível) já estaria, desde então, posta em questão. Isto é, se não há operação abstrativa a não ser aplicada a imagens sensíveis e se a verdade destas imagens está em questão antes da hipótese do Deus enganador, então o resultado da operação abstrativa que parte das imagens sensíveis também antes dessa hipótese do deus engana- dor já estaria posto em questão. Mas se é assim, é possível que Descartes tenha introduzido o Deus enganador com um outro objetivo além do de pôr

Carta a Mersenne de 28 de janeiro de 1641. AT III: 298: “... posso afirmar, cá entre nós, que essas seis meditações contêm todo o fundamento de minha Física. Mas, por favor, não diga às pessoas, pois isso tornaria mais difícil sua aprovação por parte daqueles que defendem Aristóteles. Tenho esperança que insensivelmente os leitores se acostumarão com meus princípios e reconhecerão sua verda- de antes de notarem que eles destroem os princípios de Aristóteles (Grifo acrescentado).

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em questão o resultado dessa operação cognitiva da razão. A hipótese a ser aqui defendida é a de que esta etapa da dúvida tem a função última de ex- plicitar a concepção de razão ali questionada com o objetivo de, mais tarde, contrastá-la com a concepção legítima de razão. Descartes, portanto, teria introduzido uma outra etapa da dúvida, a hipótese do Deus enganador, para chamar a atenção do leitor para o fato de que a concepção de razão dubitável é aquela cuja operação, embora puramente intelectual, depende dos sentidos. Como consequência, se essa leitura a ser defendida é plausível, no decorrer das Meditações ao introduzir o argumento do cogito e o que se considera ser uma prova da existência de Deus, Descartes estaria fazendo uso legítimo da razão, exercendo, assim, seu próprio modelo epistêmico cuja tese essencial é a de que é possível conhecer sem auxílio de dados sensíveis para contrastá-lo com o modelo problemático dos filósofos aristotélicos. Se é assim, como vere- mos, é preciso admitir que o objetivo geral das Meditações seria não o de pro- var a infalibilidade da razão, mas apresentar um modelo epistêmico alternativo ao modelo de inspiração aristotélica, mostrando esse ser o modelo que melhor se justifica do ponto de vista de seres racionais. Nas Meditações Descartes não pretenderia provar a verdade do princípio segundo o qual toda ideia clara e distinta é verdadeira, mas, fazendo uso de ideias claras e distintas, apresentar o que para os seres racionais parece ser o melhor meio para garantir os prin- cípios metafísicos, a saber, o uso da razão independentemente dos sentidos. Seguindo essa linha interpretativa, 7 nesse artigo se apresentará uma re- construção da argumentação cartesiana apresentada na Primeira Meditação defendendo que em todas as etapas da dúvida Descartes pretende mostrar a precariedade do modelo cognitivo aristotélico. Na reconstrução da dúvida cartesiana será mostrado, portanto, que Descartes na Primeira Meditação põe em questão as etapas do momento da intelecção do inteligível segundo esse modelo: a apreensão das qualidades das coisas pelos sentidos, a produção de imagens sensíveis pela imaginação e a abstração do inteligível pelo intelecto agente. Será argumentado ainda que no decorrer da Segunda e da Terceira Meditações , Descartes, entre outras coisas, se ocupa em mostrar que um certo uso puro da razão escapa à dúvida de um modo geral e que este é distinto do uso da razão questionado na Primeira Meditação , na medida em que, diferen- temente deste, não depende de dados sensíveis.

Embora com diferenças significativas, a leitura a ser aqui sugerida tem pontos em comum, em suas linhas gerais com a interpretação de Harry Frankfurt em Demons, Dreamers and Madmen (New York: Bobbs-Merril, 1970).

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objetos particulares quanto das imagens sensíveis que produzimos a partir de experiências dessas percepções ou de percepções prévias nossas ou de outros. Essa distinção entre aquilo que seria diretamente percebido pelos sentidos e as imagens sensíveis formadas pela imaginação a partir de percepções, na concepção da tradição visada por Descartes, se expressa na tese segundo a qual o que explica a verdade de nossas ideias é o fato de essas serem adventícias.^11 A verdade das ideias depende da origem destas ideias, que é a apreensão direta das formas acidentais das coisas particulares ou as imagens obtidas a partir da apreensão prévia das qualidades das coisas sensíveis. Em termos gerais, segundo essa tradição, conhecemos através das operações de inteligir e jul- gar. Quando inteligimos, nossa alma é modificada pelas formas acidentais das coisas, o que nos permite fazer uma imagem sensível. A formação da imagem sensível, entretanto, não necessariamente supõe a apreensão atual das qualida- des sensíveis, podendo ser produzida a partir de experiências prévias nossas ou de outros. A imagem sensível, por sua vez, é o que permite que o intelecto, agente através da operação abstrativa, produza a forma inteligível que então atualiza o intelecto possível. Essa forma inteligível será expressa em um con- ceito que será, então, predicado de um juízo cognitivo através do qual há o retorno à imagem sensível. Vale notar que, segundo essa tradição, a verdade das ideias pode ser explicada por sua origem nos sentidos porque, em condi- ções externas e internas ideais (quando não há defeitos na capacidade de re- cepção e quando os objetos não estão distantes, ou mal posicionados), nossas percepções sensíveis apreendem corretamente as qualidades das coisas e por isso mesmo ao final do processo abstrativo, chegamos à essência das coisas. A argumentação de Descartes na Primeira Meditação visa mostrar justa- mente que mesmo em condições ideais externas e internas ao sujeito percep- tivo, é plausível duvidar da verdade das ideias se estas têm como origem os dados sensíveis ou imagens sensíveis. Descartes visa, portanto, expor razões para duvidar, em última instância, que a verdade das ideias possa ser ex- plicada por sua suposta origem nos sentidos. Mesmo quando as condições externas e internas são ideais, isto é, quando as coisas percebidas estão bem posicionadas e o percipiente não tem qualquer disfunção idiossincrática, por exemplo, não é louco, as percepções sensíveis são dubitáveis em virtude de características internas do que é percebido (são tênues) ou em virtude de características internas ao ato perceptivo (não há marcas internas às percep-

Isso é assim ao menos segundo a interpretação feita por Descartes dessa tradição. Nesse artigo não cabe a discussão da legitimidade ou não dessa interpretação.

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ções que permitam distinguir aquelas que são advindas das coisas atualmente existentes das que são fabricadas pela imaginação) ou características internas ao ato imaginativo (não há marcas que distingam os produtos da imaginação compostos de regras necessárias de associação e dissociação dos que são ar- bitrariamente compostos). Os dois primeiros argumentos introduzidos por Descartes visam pôr em questão o suposto conhecimento proveniente diretamente dos sentidos: a su- posta apreensão direta das qualidades sensíveis dos objetos e a da existência das situações e coisas atuais. No primeiro, Descartes afirma: “experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez”. E explica que esse en- gano dos sentidos diz respeito às coisas “pouco sensíveis e muito distantes”. 12 Duas coisas devem ser notadas nesse primeiro argumento: a) ele recorre à discrepância das percepções sensíveis; e b) como obstáculo à percepção cor- reta introduz além da distância evocada pela tradição, um outro obstáculo também externo ao percipiente, a saber, o fato de as coisas supostamente assim percebidas serem tênues ou “pouco sensíveis”. Cabe examinar o que seriam então essas coisas pouco sensíveis a respeito das quais as percepções sensíveis são discrepantes. Descartes não nos dá expressamente essa informação, mas ao explicitar o que escapa dessa razão de duvidar deixa pistas para que se conclua que se trata das qualidades sensíveis das coisas singulares. Prosseguindo nessa pas- sagem, Descartes explica que o que escapa a esse primeiro argumento são as coisas e situações atualmente experimentadas. Em suas palavras: Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes no que se refere às coi- sas pouco sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras das quais não se pode razoavelmente duvidar (...): por exemplo, que eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido com um chambre, tendo este papel entre as mãos e outras coisas semelhantes. 13 Se tudo o que supostamente percebemos pelos sentidos são ou bem as qualidades sensíveis das coisas singulares ou bem a existência de situações e coisas atualmente experimentadas, e se, como diz Descartes, estas últimas escapam ao primeiro argumento, então as “coisas pouco sensíveis e muito

AT VII: 18. Ibid. Tradução alterada. Duque de Luynes na tradução francesa traduz “et similia” por “choses de cette nature”, o que é traduzido para a versão brasileira como “coisas dessa natureza”. Para evitar a introdução de questões acerca da natureza desses objetos particulares, parece preferível manter “coisas semelhantes”, como consta no original.

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questão os sentidos como fonte de conhecimento tem como base a incon- sistência das percepções sensíveis quanto às qualidades sensíveis das coisas particulares, então ainda é possível confiar nos sentidos quando estes nos fornecem percepções consistentes, como o que ocorre quando percebemos a presença atual de coisas ou de situações. Não há dissenso com relação à percepção da existência das coisas e situações que experimentamos atual- mente e, portanto, embora a percepção das formas acidentais das coisas seja problemática, ao menos a existência das coisas que supostamente teriam essas formas não é ainda dubitável. Nas palavras de Descartes: “(...) encontramos talvez muitas outras [coisas] das quais não se pode razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles [os sentidos]: por exemplo, que eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido com um chambre, tendo este papel entre as mãos(...).” 14 Descartes passa então a examinar a possibilidade de mesmo nesses casos, e sob condições ideais, ainda assim as percepções sensíveis poderem enganar. O argumento da loucura aparece, então, como uma primeira possível razão para duvidar desses casos de percepção sensível. Nas palavras de Descartes: E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare a esses insensatos (...) que constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e púrpura quan- do estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro.^15 Essa primeira tentativa, entretanto, não será aceita visto que diz respeito a casos em que a condição interna do percipiente não é ideal. O louco seria aquele “cujo cérebro, perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile” fabrica seus próprios dados sensíveis e, por essa razão, sua percepção sensível não é confiável. Esse argumento da loucura é então rejeitado como fraco por se basear em uma idiossin- crasia que expressa uma condição adversa, não servindo assim para o argumento de Descartes que pretende mostrar que mesmo em condições ideais as percepções sensíveis não são confiáveis. Essa hipótese da loucura será, no entanto, em seguida retomada de forma mais radical e com abstração do aspecto idiossincrático, ao ser introduzida a hipótese do sonho e, mais tarde, a hipótese de um Deus enganador.^16

AT VII: 19 Ibid. Para discussão da tese de que as hipóteses do sonho e do Deus enganador constituem radicaliza- ções da hipótese da loucura e que, portanto, a rejeição do argumento da loucura é temporária ver “Notas sobre o argumento da loucura na Primeira Meditação” (no prelo), in Educação e Filosofia, número especial - 2010.

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Para escapar desse argumento que se baseia em uma idiossincrasia, e ainda com o objetivo de examinar a legitimidade das percepções acerca das experiên- cias particulares sob condições externas e internas ideais, Descartes introduz a hipótese do sonho. Eis como essa hipótese é introduzida: “[T]odavia devo aqui considerar que sou homem e, por conseguinte, que tenho o costume de dormir e de representar em meus sonhos(...)”.^17 Essas primeiras palavras deixam claro que esse argumento é introduzido como oposição ao recurso a algo individual, particular como foi o recurso à loucura. O sonho diz respeito a um costume dos homens de um modo geral e não a indivíduos peculiares (extravagantes). Nesse argumento, Descartes introduz a possibilidade de que os sentidos não sejam para os homens fonte segura de percepção das coisas atualmente experimenta- das: pode ser que ao supostamente se perceber sensivelmente a existência das coisas singulares ou das situações particulares na verdade ocorra o que acontece quando dormimos e sonhamos. Em condições ideais, costumeiras, as repre- sentações nos sonhos, assim como as do louco, não são produzidas a partir de dados sensíveis, mas fabricadas por aquele que sonha, e fabricadas de tal modo que são idênticas às que supostamente recebemos pelos sentidos quando acor- dados. E exatamente porque nos sonhos fabricamos representações idênticas às representações supostamente advindas dos sentidos, e porque o único critério de conhecimento segundo a tradição é a percepção sensível, não temos meios para conhecer como elas se distinguem. É possível pois que todas as represen- tações que nos parecem advir dos sentidos sejam fabricadas como as que são fabricadas nos sonhos e na loucura. Nas palavras de Descartes,

(...) Quantas vezes ocorreu-me sonhar, durante a noite, que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse inteiramente nu dentro de meu leito? Parece-me agora que não é com olhos adormeci- dos que contemplo este papel; que esta cabeça que eu mexo não está dormente (...).

Entretanto, ele prossegue:

(...) vejo tão manifestamente que não há quaisquer indícios conclu- dentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir nitida- mente a vigília do sono (...). 18

AT VII: 19. Ibid.

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de imagens a partir de experiências prévias (nossas ou de outros) não siga nenhuma regra necessária e, por isso, sua legitimidade é dubitável. Sendo assim, ainda que pudéssemos confiar nas percepções sensíveis das formas acidentais das coisas particulares, a arbitrariedade da operação que, a partir dessas percepções ou de percepções prévias, compõe as imagens das quais o inteligível seria abstraído pelo intelecto agente é suficiente para desqualificar a imagem sensível como ponto de partida para o conhecimento das coisas. O passo seguinte da argumentação de Descartes envolverá a introdução da hipótese do Deus enganador que parece relacionada ao produto da operação puramente intelectual. Tendo em vista que até esse ponto da Primeira Medita- ção nada foi dito acerca do que seria o modelo cognitivo cartesiano, por certo também esta etapa da argumentação diz respeito ao modelo aristotélico de conhecimento. Até aqui Descartes limitou-se a fazer o que anunciou no início das Meditações , a saber, mostrar a fragilidade da tese de que o conhecimento depende de dados sensíveis. Como segundo a tradição de inspiração aristoté- lica, a alma tem o poder de, através de uma função puramente racional exer- cida pelo intelecto agente, produzir o inteligível pelo processo de abstração a partir da imagem sensível, então a operação mental relacionada à hipótese do Deus enganador é essa operação puramente intelectual de produzir o inteligí- vel a partir de uma imagem sensível que está em jogo aqui. Logo após a discussão das ideias da imaginação, Descartes distingue o produto da imaginação de outras ideias com as seguintes palavras:

ainda que essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e outras semelhantes possam ser imaginárias, é preciso, todavia, confessar que há coisas ainda mais simples e mais universais que são verdadeiras e existentes; (...).

Prosseguindo no texto, Descartes exemplifica essas coisas simples e universais com as seguintes palavras:

(...) Desse gênero de coisas é a natureza corpórea em geral, e sua ex- tensão; juntamente com a figura das coisas extensas, sua quantidade, ou grandeza, e seu número; como também o lugar em que estão, o tempo que mede sua duração e coisas semelhantes. 21

21 AT VII: 20.

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E em seguida, recorrendo às Matemáticas, acrescenta à lista dessas coisas que teriam escapado às razões duvidar um certo tipo de operação racional quando afirma:

(...) a Aritmética e a Geometria e as outras ciências desta natureza, que não tratam senão de coisas muito simples e muito gerais, sem cuidarem muito em se elas existem ou não natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável. Pois quer eu esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o qua- drado nunca terá mais do que quatro lados 22.

Note-se que nesse acréscimo à lista do que não é produto da imaginação, Descartes chama a atenção para o que seriam operações puramente intelec- tuais: operações realizadas pela razão e que não pretendem nelas mesmas ter qualquer elemento externo. Mais uma vez, se até esse momento nenhuma tese cartesiana foi introduzida, então não foi introduzida ainda a possibilida- de de essas operações da razão serem operações independentes dos sentidos e que têm como resultado ideias claras e distintas, mas sim as operações puramente intelectuais como concebidas pela tradição: trata-se de operações que, embora puramente mentais, dependem dos sentidos. Sendo assim, ao introduzir logo em seguida a hipótese do Deus enganador, ainda que ela se relacione à razão, trata-se da razão como é concebida pela tradição. Para compreender o escopo da dúvida do Deus enganador, segundo a leitura aqui sugerida, é necessário atentar para três pontos: a) como vimos, na Primeira Meditação nenhuma tese cartesiana acerca do conhecimento foi introduzida, o que implica que a operação da razão envolvida, embora rea- lizada apenas pelo intelecto, é uma operação que depende dos sentidos, na medida em são os sentidos o alvo explícito de Descartes; b) como vimos na carta acima citada dirigida ao editor das Meditações , Descartes não quer que seus leitores percebam de imediato que o alvo de sua argumentação crítica são os princípios aristotélicos, o que justifica que nem os filósofos aristotélicos e nem seus conceitos básicos sejam expressamente nomeados; c) segundo a tradição aristotélica visada por Descartes, assim como a operação abstrativa, as operações matemáticas (contar os lados de um quadrado, calcular o re-

22 Ibid.

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todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enume- ro os lados de um quadrado, ou faço outra coisa que se possa imaginar ainda mais fácil?^24

Note-se, além disso, que visto que a operação cognitiva puramente intelectual segundo essa concepção de razão depende dos sentidos, a rigor o resultado obtido por ela (os universais e as ideias matemáticas) já está posto em ques- tão pelas etapas anteriores da dúvida. Ao pôr em questão aquilo sobre o que se aplica essa operação cognitiva puramente intelectual, a saber, a imagem sensível, Descartes desde já mina a possibilidade de verdade daquilo que essa operação produz. Se não há processo abstrativo sem dado sensível e se todo dado sensível está em questão antes de surgir o Deus enganador, então o produto do processo intelectual abstrativo estará em questão desde que a ver- dade das imagens sensíveis esteja em questão. A hipótese do Deus enganador seria, portanto, inútil e supérflua se seu único objetivo fosse pôr em questão a legitimidade desse uso da razão. Mas se a dúvida do Deus enganador, a ri- gor, é supérflua e se Descartes insiste em introduzi-la relacionando-a ao que seriam operações puramente mentais, então parece ser plausível pensar que essa hipótese tem uma outra função que a de pôr em questão o resultado do uso da razão. O decorrer das Meditações parece mostrar que esta função é a de explicitar o uso da razão que está comprometido mesmo desde as etapas ini- cias da dúvida preparando o leitor, assim, para a distinção entre este conceito de razão suposto pela tradição e o que seria o conceito legítimo de razão cuja operação cognitiva é imune às razões de duvidar. Com efeito, no início da Segunda Meditação no momento da descoberta da existência do eu, Descartes encontra um produto da razão que escapa às razões de duvidar. A descoberta do cogito parece ser um caso especial de produto da razão na medida em que escapa mesmo à possibilidade de um

AT VII: 21. Tradução alterada. Na tradução francesa do Duque de Luynes e, por conseguinte, na tradução para a língua portuguesa de Bento Prado Junior, na última frase dessa passagem citada é introduzido o verbo julgar. Na tradução francesa lê-se: “(...) ou que je juge de quelque chose encore plus facile, si l’n se peut imaginer rien de plus facile que cela ?”. Na brasileira lê-se “ ou em que julgo alguma coisa ainda mais fácil, se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso?” No original em latim, esse termo não aparece. Tendo em vista que a argumentação aqui apresentada pretende mostrar que Descartes nessa passagem visa pôr em questão a legitimidade da operação puramente mental da abstração utilizando as matemáticas como exemplo, e tendo em vista que a operação mental abstrativa não envolve um juízo, preferimos manter os termos presentes no original. No original lê-se: “ vel si quid aliud facilius fingi potest ”.

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Deus enganador. É necessário então descobrir o que faz com que esse seja um caso especial de exercício da razão. Seja o que for, se esse produto da razão escapa às razões de duvidar, então o uso da razão que produziu essa certeza não era dependente dos sentidos, dadas as etapas da dúvida forne- cidas na Primeira Meditação. Com efeito, no decorrer da Segunda Meditaçã o, ao fazer uma análise imanente do que foi revelado pelo cogito Descartes mos- tra que a compreensão da existência e da natureza do que é revelado por esse argumento em nada depende dos sentidos, o que significa que o uso da razão que produz essa certeza não é o processo abstrativo a partir dos sentidos. No final da Segunda Meditação , ao caracterizar o que é revelado pelo cogito como não tendo uma relação necessária com o corpo, Descartes pode então caracterizar o que é especial no argumento do cogito com relação ao uso da razão: sua independência dos sentidos e sua clareza e distinção. Como vimos nas etapas da dúvida com relação aos sentidos e à imagina- ção, para que um princípio fosse posto em questão não bastou mostrar que o princípio produz crenças duvidosas. Perceber a dubitabilidade de alguns pro- dutos de um determinado princípio não torna o princípio dubitável a menos que não se possa distinguir esses produtos dos outros do mesmo princípio. Descartes mostrou ser impossível distinguir dentre os produtos dos senti- dos os que enganam e que não enganam, o mesmo ocorrendo com relação aos produtos da imaginação. Não sendo possível distingui-los, conclui pela dubitabilidade desses princípios. Mas com relação ao princípio da razão, Descartes mostra ser possível distinguir um produto que é dubitável – o que é produzido por uma operação abstrativa –, de outro produto que é indubitável

  • o que é produzido independentemente dos sentidos. Logo, diferentemente do princípio sensível (seja a percepção direta, seja a produção de imagens) como fonte de conhecimento, o princípio geral da razão como fonte de co- nhecimento não é posto em questão. Para duvidar do princípio de que os sentidos são fonte de conhecimento, foi preciso mostrar que não há marcas que permitam distinguir os produtos duvidosos dos sentidos e da imaginação por um lado e os outros produtos dos sentido e da imaginação por outro. As etapas da dúvida mostram que não há marcas internas às percepções sensíveis que permitam distinguir as corretas das ilusórias e não há marcas internas nas imagens sensíveis que permitam distinguir as imagens verdadeiras das forja- das. Entretanto, com relação ao princípio da razão, Descartes em momentos diferentes das Meditações apresenta dois usos distintos da razão e um critério preciso a partir do qual é possível distingui-los. Primeiramente, exemplifica as operações da razão através da matemática deixando claro tratar-se da con-

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O que nos faz pensar nº28, dezembro de 2010

Observações sobre a dúvida cartesiana

posto a verdade das ideias claras e distintas em questão através da hipótese do Deus enganador. Mais ainda, como se observa nos passos seguintes, Des- cartes teria introduzido a prova da existência de Deus e de sua veracidade para eliminar a hipótese do Deus enganador, garantido assim a verdade das ideias claras e distintas. Apesar da plausibilidade dessa hipótese, entretanto, um primeiro e importante problema se acrescenta a ela: a instauração do ciclo cartesiano, problema amplamente discutido na literatura secundária. É sabido que o que se considera como a primeira prova da existência de um Deus veraz é baseado em premissas conhecidas pela luz natural, ou seja, pelo uso da razão que concebe clara e distintamente ideias e elos argumenta- tivos. Descartes parece, então, admitir, que conhece as premissas da prova da existência de Deus porque são claras e distintas e a existência de Deus, por sua vez, seria o que garantiria a verdade dessas premissas e de todas as ideias claras e distintas. Aparentemente, portanto, seu argumento seria circular. Vá- rias estratégias têm sido usadas para interpretar o argumento de Descartes de modo a evitar essa possível circularidade. 27 A leitura da dúvida acima exposta, parece se afinar com uma dessas estratégias: Descartes não teria introduzido o que seria a prova da existência de Deus para, mais tarde, ao provar sua ve- racidade, mostrar que as ideias claras e distintas são verdadeiras, mas apenas mostrar que a hipótese do Deus enganador aplicada a essas ideias claras e distintas não se sustentaria racionalmente. Se é assim, na passagem da Ter- ceira Meditação acima citada onde aparentemente Descartes pretende aplicar a suposta dúvida instaurada pelo Deus enganador às ideias claras e distintas, assim como na ocasião da introdução da hipótese do Deus enganador na Primeira Meditação , Descartes não visa pôr em questão a verdade das ideias claras e distintas. Ao contrário, seu objetivo aqui será mostrar, com o argu- mento em favor da existência de Deus baseado em ideias claras e distintas, que isso não é possível. Se o argumento do cogito mostra que o princípio da

Veja-se, por exemplo, Alan Gewirtz, “The Cartesian Circle”, in The Philosophical Review , v. .50, nº 4 (July, 1941), p. 368-395; Anthony Kenny, “The Cartesian Circle and the Eternal Truths”, in The Journal of Philosophy, v. 67, nº 19, Sixty-Seventh Annual Meeting of the American Philosophical Association Eastern Division. (Oct. 8, 1970), p. 685-700; Dugald Murdoch “The Cartesian Cir- cle”, in The Philosophical Review , v. 108, nº .2 (April, 1999), p. 221-244; Lynn Rose “The Cartesian Circle”, in Philosophy and Phenomenological Research, v. 26, nº1 (Sept. 1965), p. 80-89; Alan Gewir- th, “The Cartesian Circle Reconsidered”, in The Journal of Philosophy , v 67, nº 19, Sixty-Seventh Annual Meeting of the American Philosophical Association Eastern Division. (Oct. 8, 1970), p. 668-685; Willis Doney, “The Cartesian Circle”, in Journal of the History of Ideas, v. 16 (1955), p. 324-338; Lex Newman e Alan Nelson, “Circumventing Cartesian Circles”, in Noûs v. 33, nº 3 (Sept, 1999), p. 370-404.

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24 Ethel Menezes Rocha

razão não foi posto em questão já que um certo produto da razão escapa às razões de duvidar, então, é possível inferir que o intelecto humano é capaz de perceber a verdade através desse uso da razão. Se é assim, a dúvida do Deus enganador e o que seria a prova da existência de Deus podem ser compreen- didas como instrumentos terapêuticos que respectivamente visam familiari- zar o interlocutor com a operação ilegítima do intelecto, a saber, a operação que depende dos sentidos e distingui-la da operação legítima, a saber, a de conceber independentemente do processo abstrativo, ideias claras e distintas. O objetivo de Descartes nas três primeiras meditações seria, então, levar o interlocutor a ter percepções claras e distintas e independentes dos sentidos e, assim, distinguir o uso corrompido e dubitável da razão (que depende dos sentidos) de seu uso legítimo. Se a leitura acima sugerida for o caso, então talvez seja plausível afirmar que o objetivo de Descartes nas Meditações é bem mais modesto do que o de provar a infalibilidade da razão. Ao apresentar argumentos em favor da existência de Deus e de sua veracidade, Descartes não pretenderia provar que toda ideia clara e distinta é verdadeira, mas estabelecer que do ponto de vista humano, isto é, da perspeciva dos seres racionais, as concepções claras e distintas são as que gozam do máximo de convicção. Com o argumento em favor da existência e da veracidade divinas, Descartes teria pretendido que o filósofo aristotélico percebesse que teria que aceitar ou bem que a razão não conhece porque todo conhecimento dependente dos sentidos é dubitável e por isso toda operação racional, inclusive a operação abstrativa, não é legíti- ma, ou bem que a razão conhece, mas que seu uso não corrompido, através do qual são demonstrados os princípios metafísicos, não envolve o processo abstrativo, mas apenas a produção de juízos a partir de ideias e elos deduti- vos claros e distintos, isto é, racionalmente evidentes.