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obrigação divisível, indivisível e solidária, Notas de estudo de Direito

O devedor também pode exercer pretensão em face do credor, especificamente relacionada à observância dos deveres anexos. Por isso, a relação obrigacional passou ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jose92
Jose92 🇧🇷

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MODALIDADES DE OBRIGAÇÃO (PARTE 3): OBRIGAÇÃO DIVISÍVEL,
INDIVISÍVEL E SOLIDÁRIA
Rafael Medeiros Antunes Ferreira
1
RESUMO: Este artigo discorre sobre temas relevantes do Direito das Obrigações, mais
especificamente a obrigação divisível, indivisível e solidária.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil. Obrigação divisível. Obrigação indivisível. Obrigação
solidária.
1 INTRODUÇÃO
A obrigação, segundo sua definição clássica, representa o poder que a ordem jurídica atribui
ao credor (ou accipiens) de exigir do devedor (ou tradens ou solvens) o cumprimento de uma
prestação, que pode consistir em dar, fazer ou não fazer. Essa definição clássica parece sugerir
que apenas o credor exerce pretensão em face do devedor, em uma relação de subordinação.
Atualmente, no entanto, essa lógica merece ser revista à luz do princípio da boa-fé objetiva,
mais precisamente de seus deveres anexos, que vinculam tanto o devedor como o credor. O
devedor também pode exercer pretensão em face do credor, especificamente relacionada à
observância dos deveres anexos. Por isso, a relação obrigacional passou a ser uma relação de
cooperação.
No Direito Privado moderno, a obrigação e o contrato ocupam o epicentro, sendo tido por
muitos como os institutos jurídicos mais importantes de todo o Direito Civil. Segundo
FLAVIO TARTUCE
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, para a compreensão dessas figuras negociais, é imprescindível que o
estudioso e aplicador do direito domine os conceitos básicos que decorrem da relação jurídica
obrigacional, matéria que muitas vezes é relegada a um segundo plano, supostamente por não
ter grande aplicação prática, o que constitui um erro imperdoável.
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Juiz de Direito do Estado de Pernambuco. Ex-membro do Ministério Público de Minas Gerais.
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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 5 ed. São Paulo: Método, 2015.
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MODALIDADES DE OBRIGAÇÃO (PARTE 3): OBRIGAÇÃO DIVISÍVEL,

INDIVISÍVEL E SOLIDÁRIA

Rafael Medeiros Antunes Ferreira^1

RESUMO: Este artigo discorre sobre temas relevantes do Direito das Obrigações, mais especificamente a obrigação divisível, indivisível e solidária.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil. Obrigação divisível. Obrigação indivisível. Obrigação solidária.

1 INTRODUÇÃO

A obrigação, segundo sua definição clássica, representa o poder que a ordem jurídica atribui ao credor (ou accipiens ) de exigir do devedor (ou tradens ou solvens ) o cumprimento de uma prestação, que pode consistir em dar, fazer ou não fazer. Essa definição clássica parece sugerir que apenas o credor exerce pretensão em face do devedor, em uma relação de subordinação. Atualmente, no entanto, essa lógica merece ser revista à luz do princípio da boa-fé objetiva, mais precisamente de seus deveres anexos, que vinculam tanto o devedor como o credor. O devedor também pode exercer pretensão em face do credor, especificamente relacionada à observância dos deveres anexos. Por isso, a relação obrigacional passou a ser uma relação de cooperação.

No Direito Privado moderno, a obrigação e o contrato ocupam o epicentro, sendo tido por muitos como os institutos jurídicos mais importantes de todo o Direito Civil. Segundo FLAVIO TARTUCE^2 , para a compreensão dessas figuras negociais, é imprescindível que o estudioso e aplicador do direito domine os conceitos básicos que decorrem da relação jurídica obrigacional, matéria que muitas vezes é relegada a um segundo plano, supostamente por não ter grande aplicação prática, o que constitui um erro imperdoável.

(^1) Juiz de Direito do Estado de Pernambuco. Ex-membro do Ministério Público de Minas Gerais. (^2) TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 5 ed. São Paulo: Método, 2015.

O presente trabalho analisa algumas modalidades de obrigação de extrema importância, tais como a obrigação divisível, indivisível e solidária. Outras modalidades, igualmente muito relevantes já foram analisadas em oportunidades anteriores (obrigação natural, propter rem , de dar coisa certa, de restituir, de dar coisa incerta, de fazer, de não fazer, alternativa e facultativa).

2 DESENVOLVIMENTO

O Título I (Das Modalidades de Obrigações) do Livro I (Do Direito das Obrigações) da Parte Especial do Código Civil sistematiza as obrigações da seguinte forma: obrigação de dar coisa certa, de dar coisa incerta, de fazer, de não fazer, alternativa, divisível/indivisível e solidária.

Neste estudo, trataremos das obrigações divisíveis/indivisíveis e solidárias. Consoante já explanado, as demais modalidades já foram abordadas em outras oportunidades.

2.1 OBRIGAÇÃO DIVISÍVEL

A obrigação divisível está prevista no art. 257 do Código Civil, que prevê o chamado concursu partes fiunt. As obrigações divisíveis são aquelas passíveis de cumprimento fracionado.

Para facilitar a exposição dos exemplos, passaremos a chamar a pluralidade de credores de C 1 , C 2 e C 3 , e a pluralidade de devedores de D 1 , D 2 e D 3 , considerando as dívidas no montante de R$ 30.000,00. Assim, se o credor tem R$ 30.000,00 a receber dos devedores D 1 , D 2 e D 3 e a obrigação é divisível, o credor deve cobrar R$ 10.000,00 de cada devedor. Ou, havendo vários credores, se C 1 , C 2 e C 3 devem receber R$ 30.000,00 do devedor e a obrigação é divisível, cada credor só pode cobrar R$ 10.000,00 de Bernardo.

Na verdade, o que é divisível é a prestação (objeto da obrigação), mas é unânime o entendimento de que essa é uma classificação subjetiva das obrigações, já que ela só ganha relevância quando há pluralidade de sujeitos em dos polos da obrigação. Se não houver pluralidade subjetiva em dos polos da obrigação, aplica-se o art. 314 do Código Civil, que prevê a presunção de indivisibilidade nas obrigações simples. Logo, ainda que a obrigação

D 3 , pelas suas respectivas cotas (art. 259, parágrafo único, do Código Civil). A expressão “sub-roga-se” evidencia que a hipótese é de sucessão, ou seja, D 1 passa a ocupar a mesma posição que era antes ocupada pelo credor.

CARLOS ROBERTO GONÇALVES^4 aprova a opção legal pela sub-rogação, pois o devedor realiza um pagamento superior ao que lhe é devido. Em relação à parcela dos demais, o devedor é um terceiro interessado (art. 346, III, do Código Civil).

Nas relações internas, aplica-se a lógica da divisibilidade. Há presunção relativa de que cada um responde de maneira igual. Mesmo nas obrigações indivisíveis, a indivisibilidade só é aplicável às relações externas.

Em caso de pluralidade subjetiva ativa (C 1 , C 2 e C 3 ), cada credor pode exigir a dívida inteira (art. 260, caput , do Código Civil), mas para desobrigar-se, o devedor deve pagar a todos conjuntamente ou apenas a um dos credores, desde que este credor ofereça uma caução de ratificação dos outros credores. Essa caução é uma garantia em relação à anuência dos demais credores. Essa é uma das diferenças entre a solidariedade e a indivisibilidade das obrigações. Na solidariedade, não se exige essa caução, pois há uma comunhão de interesses. Na indivisibilidade, não há comunhão de interesses, mas simplesmente a impossibilidade de cumprimento fracionado da prestação. Por isso, o legislador não presume que um dos credores detenha a prerrogativa de receber a prestação por inteiro. Se nenhum credor der caução de ratificação, o devedor deve realizar o pagamento em consignação.

Ao tratar das relações com pluralidade subjetiva, o art. 260 do Código Civil trata das relações externas e o art. 261 do Código Civil trata das relações internas.

A remissão da dívida oferecida por um dos credores não pode prejudicar os demais credores (art. 262, primeira parte, e art. 385 do Código Civil). Se C 1 perdoar a dívida do devedor, o perdão não vinculará C 2 nem C 3.

A segunda parte do art. 262 do Código Civil determina que os demais credores devem descontar a parte remitida para realizar a cobrança. Todavia, nas obrigações indivisíveis, essa

(^4) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.

regra não pode ser aplicada literalmente, já que, nas relações externas, a obrigação é indivisível. Assim, o devedor deve cumprir a prestação integralmente (entregando, por exemplo, o automóvel de R$ 30.000,00), tornando-se credor de R$ 5.000,00 de C 2 e R$ 5.000,00 de C 3 , para totalizar os R$ 10.000,00 remitidos por C 1. Cabe observar que não há solidariedade passiva entre C 2 e C 3 , pois a solidariedade não se presume. Logo, o devedor não pode exigir R$ 10.000,00 apenas de C 2.

Na prática, os credores C 2 e C 3 podem concordar em receber R$ 10.000,00, cada um. Mas, esse acordo tem que ser feito casuisticamente, já que, pelo princípio da identidade física da prestação (art. 313 do Código Civil), o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa. Se não fosse assim, a remissão oferecida por C 1 representaria um prejuízo aos interesses de C 2 e C 3.

CARLOS ROBERTO GONÇALVES^5 , seguindo CLÓVIS BEVILÁQUA, entende que o devedor tem direito de retenção em relação à parcela de C 1 , ou seja, o devedor não seria obrigado a entregar o carro enquanto não recebesse R$ 5.000,00 de C 2 e R$ 5.000,00 de C 3. Esse entendimento apega-se à interpretação literal do dispositivo legal, que parece sugerir que a dívida só pode ser exigida após o desconto da quota do credor remitente. No entanto, essa posição é minoritária porque direito de retenção é resquício de autotutela e, portanto, não se presume.

GUSTAVO TEPEDINO^6 , seguindo TITO FULGÊNCIO, entende que essa regra do desconto da parcela do credor remitente tem por justificativa evitar eventual enriquecimento sem causa de C 2 e C 3 com a remissão de C 1. Por isso, o perdão de um dos credores não gerará necessidade de desconto nas parcelas dos demais credores se não houver qualquer tipo de benefício para eles. Exemplificando, imagine-se a hipótese de um proprietário que assume, perante três vizinhos, a obrigação de constituir uma servidão paisagística (obrigação de não edificar para preservar a paisagem dos vizinhos). Nesse caso, se um credor perdoar a dívida, não há que se falar em desconto.

(^5) Idem. (^6) TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo: Forense, 2008. v. X.

Por isso, à luz da boa-fé objetiva (especificamente a tu quoque ) e da vedação ao enriquecimento sem causa, deve haver excepcionalmente o rateio, além das perdas e danos, do equivalente do devedor insolvente entre D 1 e D 2 , mesmo que a obrigação seja divisível. Há configuração da tu quoque , pois os devedores culpados não poderiam alegar a divisibilidade da obrigação (provocada por seu ato ilícito) para se esquivarem do pagamento devido pelo devedor insolvente.

No entanto, se a culpa foi apenas de D 1 , não é possível alegar a tu quoque em face do D 2. Nesse caso, ou se invoca a tu quoque para que só D 1 responda pelo equivalente de D 3 , ou se invoca a boa-fé objetiva e a vedação ao enriquecimento sem causa para que D 1 e D 2 respondam pelo equivalente de D 3. Sendo a culpa apenas de D 1 , somente ele responde pelas perdas e danos.

2.3 OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA

As obrigações solidárias estão previstas nos artigos 264 a 285 do Código Civil.

A solidariedade pode ser ativa, passiva ou mista. Quando há solidariedade, cada devedor ou credor atua, nas relações externas, como se fosse único. O efeito prático imediato é que cada um pode exigir a integralidade da prestação. Por conta disso, a solidariedade é muito parecida com a indivisibilidade, mas com ela não se confunde.

A solidariedade não se presume, mas resulta da lei ou vontade das partes (art. 265 do Código Civil). Há diversos exemplos legislativos de solidariedade: artigos 154, 585, 680, 829, 867, parágrafo único, 942 e 1.460 do Código Civil; artigos 7º, parágrafo único, 18, 19, 25, §§ 1º e 2º, 28, § 3º, e 34 do Código de Defesa do Consumidor; e art. 2º da Lei nº 8.245/91.

Esse é o entendimento tradicional: é necessária uma regra específica sobre a solidariedade. Contudo, com a ascensão da força normativa dos princípios, é possível o reconhecimento de solidariedade em decorrência dos princípios, e não da lei propriamente dita, como se observa na possibilidade de a vítima acionar diretamente a seguradora do agente causador do dano (Súmula nº 537 do Superior Tribunal de Justiça – STJ). Nesse caso, a função social do

contrato mitiga o princípio da relatividade. Há o reconhecimento de uma solidariedade entre a seguradora e o agente causador do dano.

Majoritariamente, entende-se que a expressão “das partes” (art. 265 do Código Civil) não exclui a possibilidade de a solidariedade resultar de disposição testamentária. Divergindo desse entendimento, JOÃO MANUEL DE CARVALHO SANTOS^12 defende que a solidariedade não é cabível em negócio jurídico unilateral.

Ao contrário da solidariedade, a indivisibilidade, em regra, resulta da própria natureza da prestação. Apesar disso, a doutrina admite a constituição de uma indivisibilidade convencional, ao invés da solidariedade, já que seus efeitos são diferentes. Essa possibilidade decorre do princípio da autonomia privada.

Apesar de haver comunhão de interesses entre devedores solidários, é possível que haja circunstâncias peculiares em relação a cada devedor (art. 266 do Código Civil), como o prazo de vencimento. Como o pagamento da dívida gera sub-rogação (e, portanto, sucessão), só haverá direito de regresso quando a dívida do outro devedor também estiver vencida.

É possível haver outras distinções, além de condição, lugar e prazo de pagamento (Enunciado nº 347 do Conselho da Justiça Federal – CJF), como é o caso do art. 735 do Código Civil, no qual há devedores solidários com regimes distintos de solidariedade (contratual e extracontratual). Outro exemplo é trazido no art. 333, parágrafo único, do Código Civil, situação em que pode haver motivo plausível para o vencimento antecipado da dívida de apenas um dos devedores solidários. O vencimento antecipado da dívida não produz efeito comunicante entre os devedores solidários.

A solidariedade ativa está prevista entre os art. 267 e 274 do Código Civil. Ela é um instituto em desuso, porque presume uma relação de extrema confiança entre os credores, já que eles consentem que qualquer um poderá exigir a prestação por inteiro.

No caso de conta-corrente conjunta, o STJ entende que há solidariedade ativa entre os correntistas perante a instituição financeira, ou seja, qualquer titular pode sacar a integralidade

(^12) SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado. 11. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. v. 1.

No entanto, a posição predominante é no sentido de que a expressão “exceção pessoal” deve ser interpretada como uma circunstância pessoal que aproveita ao credor, e não como meio de defesa do devedor. Exemplificando: considerando que o prazo prescricional de uma obrigação solidária seja de cinco anos, se, após oito anos, C 1 obtém êxito na cobrança da dívida em juízo porque passou quatro anos fora do Brasil a serviço da União (causa impeditiva da prescrição do art. 198, II, do Código Civil), este julgamento favorável de C 1 não se estende a C 2 e C 3 por se tratar de uma circunstância personalíssima relativa a C 1. Nesse caso, havendo três credores solidários e sendo a dívida de R$ 30.000,00, C 1 só pode exigir R$ 10.000,00. Se C 1 pudesse ficar com os R$ 30.000,00, ou haveria burla ao regime da prescrição (se R$ 20.000,00 fossem posteriormente repassados a C 2 e C 3 ) ou haveria enriquecimento sem causa (se os R$ 30.000,00 ficassem com C 1 ). A prescrição em face de C 2 e C 3 deve beneficiar o devedor, por isso a aplicação dessa regra gera a mitigação ou extinção do regime de solidariedade.

Outra diferença entre indivisibilidade e solidariedade está prevista no art. 269 do Código Civil. A indivisibilidade não comporta pagamento parcial, ao contrário da solidariedade. Na solidariedade, a prestação não é, por natureza, incindível. O credor pode exigir apenas parte da prestação. Mas, se o pagamento for parcial na solidariedade ativa, haverá coexistência entre relações internas e externas. Assim, se o devedor paga R$ 20.000,00 a C 1 , haverá relação interna em relação aos R$ 20.000,00 e relação externa em relação aos R$ 10.000, remanescentes.

O falecimento de um credor solidário gera a mitigação do regime de solidariedade (art. 270 do Código Civil), já que o herdeiro do credor só pode exigir a sua cota. Então, se C 1 falece deixando os herdeiros H 1 e H 2 , H 1 só pode exigir R$ 5.000,00, que representam a sua cota no quinhão hereditário. Se a solidariedade permanecesse intacta, H 1 poderia exigir os R$ 30.000,00. Essa regra mitiga o regime de solidariedade, mas não a extingue, já que C 2 ainda pode exigir os R$ 30.000,00 do devedor.

Nessa hipótese, JOÃO MANUEL DE CARVALHO SANTOS^14 , em uma declaração muito replicada pela doutrina, afirma que a “solidariedade perde em eficácia e extensão”. CARLOS ROBERTO GONÇALVES^15 afirma que há a “refração do crédito”.

(^14) SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado. 11. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. v. 1.

Todavia, se a obrigação for também indivisível, essa regra não se aplica, pois não há como H 1 exigir apenas a sua cota. Essa é outra diferença entre indivisibilidade e solidariedade. Ainda que a solidariedade ativa seja prevista em lei, as partes podem acordar a indivisibilidade da obrigação com o intuito de atrair a aplicação dessa regra.

A doutrina majoritária entende que há aplicação, por analogia, da parte final do art. 276 do Código Civil (que trata de solidariedade passiva): os herdeiros do credor solidário em conjunto podem exigir a totalidade da dívida. Logo, H 1 e H 2 , juntos, podem exigir os R$ 30.000,00. Segundo esse entendimento, na hipótese em que haja apenas um único herdeiro, ele pode exigir a totalidade da dívida.

Com a devida vênia aos autores de peso que adotam tal entendimento, esta não é a melhor solução, já que a solidariedade ativa é mitigada porque não há necessariamente uma relação de extrema confiança entre C 2 e C 3 , de um lado, e H 1 e H 2 , de outro lado. A regra do art. 270 do Código Civil visa a proteger os outros credores. Logo, a parte final do art. 276 do Código Civil não pode ser aplicada por analogia neste caso.

Segundo o art. 271 do Código Civil, a obrigação não perde o caráter solidário se for convertida em perdas e danos. Essa é mais uma diferença entre solidariedade e indivisibilidade (art. 263 do Código Civil). Na obrigação indivisível, a sua indivisibilidade resulta da natureza da prestação. Logo, convertendo-se em perdas e danos, extingue-se a indivisibilidade. Por outro lado, a solidariedade resulta da lei ou da vontade das partes. A convolação em perdas e danos não revoga a lei, nem a vontade das partes.

Na solidariedade ativa, cada credor atua como se fosse o único credor, por isso o credor solidário pode remitir a dívida por inteiro. Essa regra está relacionada às relações externas da solidariedade. Mas, como a remissão não pode prejudicar os outros credores, no âmbito das relações internas, o credor remitente responde aos outros pela parte que lhes caiba (art. 272 do Código Civil).

(^15) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.

inequivocamente das circunstâncias do recebimento. Interpretando esse enunciado, CARLOS ROBERTO GONÇALVES^17 sustenta que, se o credor recebe o pagamento parcial no valor exato da quota-parte do devedor solidário sem ressalvas, a renúncia tácita se deduz das circunstâncias. Assim, se D 1 pagar R$ 10.000,00 e o credor receber o pagamento (no valor exato da quota-parte de D 1 ) sem nenhuma ressalva, o recebimento representa uma renúncia à solidariedade em favor de D 1. Nesse caso, apenas os devedores remanescentes continuam responsáveis pelo resto.

A propositura de ação pelo credor contra um dos devedores não importa em renúncia à solidariedade (art. 275, parágrafo único, do Código Civil), pois a renúncia interpreta-se estritamente (art. 114 do Código Civil). Porém, segundo o entendimento acima, se o credor exigir de D 1 apenas R$ 10.000,00, há configuração de renúncia tácita da solidariedade.

A renúncia à solidariedade (ou exoneração da solidariedade), prevista no art. 282 do Código Civil, não se confunde com a remissão de dívida, prevista no art. 277 do Código Civil. Se o credor perdoar D 1 (remissão de dívida), D 2 e D 3 continuarão devedores solidários no valor de R$ 20.000,00 e D 1 estará absolutamente exonerado. De outra maneira, se o credor renunciar à solidariedade em favor de D 1 , haverá apenas a cisão do vínculo obrigacional: D 2 e D 3 continuarão devedores solidários no valor de R$ 20.000,00 e D 1 só poderá ser cobrado no valor de R$ 10.000,00. D 1 não ficará livre do vínculo obrigacional.

Em relação aos devedores exonerados da solidariedade, aplica-se a sistemática da divisibilidade. A renúncia à solidariedade não gera o perdão da dívida. Ela apenas exclui os exonerados do regime da solidariedade.

O Código Civil de 1916 afirmava que se o credor exonerasse algum devedor da solidariedade, os demais devedores permaneceriam vinculados solidariamente, “abatendo no débito a parte correspondente aos devedores” exonerados (art. 912, parágrafo único). No entanto, o Código Civil de 2002 é lacunoso (art. 282, parágrafo único). Por isso, o Enunciado nº 349 do CJF confirma a necessidade de dedução da cota do devedor exonerado.

(^17) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.

A posição contrária (minoritária) sustenta que a alteração legislativa evidencia a vontade de afastar a possibilidade de se abater a cota do devedor exonerado. Assim, o credor poderia continuar exigindo os R$ 30.000,00 dos devedores não exonerados.

Se houver algum devedor insolvente, a sua cota deve ser rateada entre os demais devedores (art. 283 do Código Civil). No exemplo utilizado no presente trabalho, se D 1 pagar os R$ 30.000,00, extinguir-se-ão as relações externas e iniciar-se-ão as relações internas, cabendo a D 2 e D 3 pagarem R$ 10.000,00, cada um. Se D 2 for insolvente, deve haver o rateio de sua cota entre D 1 e D 3 , cabendo a D 3 pagar a quantia de R$ 15.000,00 a D 1. Mas, se o credor tiver previamente exonerado D 3 do regime de solidariedade e D 1 tiver adimplido os R$ 20.000, devidos, o rateio da cota do devedor insolvente (D 2 ) será realizado entre D 1 e D 3 , ainda que exonerado do regime de solidariedade (art. 284 do Código Civil). Essa solução é inspirada pelo princípio da relatividade, já que a exoneração acordada entre o credor e D 3 não pode prejudicar terceiros, no caso D 1. Esse princípio não tem previsão legislativa explícita, mas apenas pontual no art. 278 do Código Civil.

O Código Civil é omisso quanto ao caso de remissão de dívida. Para a corrente majoritária, o rateio entre os codevedores também se aplica nesse caso, pois a remissão não pode prejudicar terceiros, logo os perdoados da dívida também participam do rateio. O fundamento legal são os artigos 278 e 385 do Código Civil e o princípio da relatividade.

Por outro lado, GUSTAVO TEPEDINO^18 pensa diversamente, entendimento que é seguido pelo Enunciado nº 350 do CJF. O enunciado, contudo, não se posiciona a respeito das consequências da exclusão do devedor remitido. GUSTAVO TEPEDINO afirma que quem participa do rateio é o próprio credor remitente. O rateio deve ser realizado entre D 1 e o credor remitente. Com isso, preserva-se o princípio da relatividade.

Normalmente, quando um devedor solidário paga a dívida, ele só pode exigir dos outros devedores as suas respectivas cotas. Mas o art. 285 do Código Civil excepciona essa regra: se a dívida interessar exclusivamente a um dos devedores, este responderá por toda a dívida. Este é o caso da fiança. Havendo um devedor com dois cofiadores que renunciaram ao benefício de ordem, haverá três devedores solidários. Assim, se um fiador pagar a dívida, ele

(^18) TEPEDINO, Gustavo. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. São Paulo: Forense, 2008. v. X.