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Guias e Dicas
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Obra Fuvest, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

Publicado em 1956, como parte do volume Corpo de. Baile, “Campo Geral” passa a pertencer a Manuelzão e. Miguilim, um dos três livros em que se desdobrou ...

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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AE_CAMPO_GERAL_Fabiana_2021 26/06/2020 08:24 Página I
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A mãe, os irmãos, o Tio Terêz, o vaqueiro Salúz, todos se despedem do menino – que deixa os cachorros, o Papaco-o-Paco, o gato Sossõe, o Dito e a Cuca Pingo- de-Ouro, o pai, os vivos e os mortos, os medos e as mágoas – o menino deixa a infância, a ingenuidade e o mundo mágico em que vivera, para, enfim, acabar de crescer. Estudar. Enxergar com nova clareza as coisas da vida e as coisas da morte. Em “Campo Geral”, o aprendizado – a travessia é a perda da ingenuidade através da dor de crescer, de aprender as coisas do mundo.

4. NARRADOR

Publicado em 1956, como parte do volume Corpo de Baile , “Campo Geral” passa a pertencer a Manuelzão e Miguilim , um dos três livros em que se desdobrou Corpo de Baile , em 1960. Com o foco narrativo em terceira pessoa, esta história centraliza-se num menino de oito anos:

(...) um certo Miguilim (que) morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango- d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. ( CG^2 , 1984, p. 13)

Através da percepção deste menino é que vamos aprendendo, durante a leitura, os detalhes das coisas, a magia dos pequenos fatos, a solene importância dos brinquedos, o susto com a crueldade do mundo, o medo da morte, a preocupação religiosa. Defrontamo-nos assim com o universo infantil, cuja subjetividade é desvendada pelo narrador onisciente, assim como as outras personagens: o pai de gênio agressivo, de personalidade autoritária, mãe linda, de cabelos pretos e compridos, que se doía de tristeza de ter que viver ali. Estas e outras personagens, o Tio Terêz e os irmãos, como os animais e a paisagem – animizados – nos são revelados pela óptica de Miguilim , a quem adere o narrador em todos os momentos da história. Indeciso entre o bem e o mal, entre o que é certo e o que é errado, o menino faz uma travessia ao longo da narrativa e leva o leitor em sua companhia, em direção às veredas distantes do Mutum , lugar que considera bonito sem ter certeza, mas que a mãe acha feio. A ingenuidade, a delicadeza, a sensibilidade, a magia de uma criança, em seu universo também mágico, e o sertão permitem por meio do conto um mergulho no universo mítico e poético de Guimarães Rosa: alógico e encantado como a infância de Miguilim.

5. BREVE ANÁLISE DE “CAMPO GERAL”

Na prosa lírica de Campo Geral” o mundo se recria sob a alma da criança primordial, que em si mesmo condensa o saber dos loucos e dos poetas. Em “Miguilim”, esse tema terá solução das mais comovedoras, pois dá-se aí uma biografia infantil – centrada nesse menino do Mutum remoto e misterioso. Mesmo que escrita por terceira pessoa, a história é filtrada pelas vivências desse Miguilim sensível, empenhado em entender as coisas e as pessoas. As outras personagens ganham sentido apenas pela relação que têm com ele, Miguilim, a mãe, o pai, irmãos, o tio, avó e os outros do Mutum:

Desse mundo infantil de afetos, deslum- bramentos e tristezas, há um sem-número de coisas a encantar a personagem, de modo a que com elas também nos encantemos: a viagem primeira, a beleza ou a feiúra do Mutum (controvérsia entre Nhanina e Miguilim); o irmão Dito, a quem amava pela alma e respeitava pela inteligência, um irmão que pela morte o fez viver a dor de haver a morte; o diagnóstico da miopia, prefácio da visão que lhe foi dada apenas no provar de uns óculos etc. (Beth Brait. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p.84)

Neste Mutum isolado e primitivo, mora Miguilim com sua família: Bernardo (Nhô Bero) – homem embrutecido, rústico, que ao se martirizar, acaba por martirizar os outros; a mãe – Nhanina – frágil e melancólica; os irmãos – Dito, Tomezinho, Chica e Drelina –; a avó Izidra, o Tio Terêz; Rosa e Mãitina, que ajudam no serviço da casa; os vaqueiros vizinhos, o papagaio, Pingo-de-Ouro, o gato, os cachorros; os malvados Liovaldo (irmão da cidade) e Patori, são o seu universo, entre o Mutum e a vida a prometer-se fora dele. Terêz, o tio, que Miguilim amava, é forçado a partir. O pai desconfiava dele com Nhanina, e, entre o tio e o pai premido, Miguilim tem seu inferno. Sofre por não poder ajudar Tio Terêz em sua paixão pela mãe de Miguilim, Nhanina. E sofre de medo de morrer e de viver: eis uma experiência dos limites. Mas a dor maior chegaria com o falecimento de Dito, o irmão querido, sábio e cúmplice, pessoa única que o compreendia. A morte agrava os outros medos: o medo das almas penadas, dos lobisomens, da guerra entre o pai, a mãe e o tio apaixonado (Miguilim não entregara um bilhete do tio (^2) O título Campo Geral será indicado pelas iniciais CG neste trabalho. para sua mãe e sofria por isso, porém mais sofreria se

acaso o entregasse). O pai exige que o menino trabalhe. Ele odeia o pai, depois da surra. Só não odeia Mãitina e Rosa, que o consolavam da morte do irmão. Mas uma desgraça acontece: Nhô Bero, o pai, se mata arrependido de haver assassinado Luís Altino. Assim, Terêz volta e casa com Nhanina. Miguilim, quase curado, está pronto para a travessia: a redescoberta do Mutum e a descoberta de um mundo irrevelado. Dr. José Lourenço, em visita, percebe a miopia do menino e lhe oferece os óculos. É um novo mundo que começa por um par de lentes:

Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... (1984, p. 139-140).

O doutor, então, convida Miguilim para ir à cidade, onde ele poderia cuidar do estudo e da visão. O menino, uma vez mais, quer pôr os óculos. Quer ver o Mutum de novo. E vê como o Mutum era bonito. Vão todos à despedida dele, e ele deixa a infância para trás, e com ela o mundo em que vivera. Começava nova travessia. Ao longo do aprendizado, as dimensões das coisas existentes ao redor de Miguilim modificam-se por meio de sua vivência. Os passarinhos, por exemplo, motivo de divertimento e brincadeira, viram arma de vingança do pai, que os liberta da gaiola para castigar o menino. A saída do Mutum para a cidade é a mudança fundamental de espaço e também de tempo esquematizada em “Campo Geral”. Da ingenuidade, do sonho, do universo mítico e primitivo da infância, Miguilim passa à maturidade, à iniciação intelectual, ao universo urbano, ampliador de seus horizontes. Entre a maldade de Liovaldo (o irmão que morava na cidade) e a pureza de Dito, entre a fragilidade da mãe e a força bruta do pai, entre o bem e o mal, Miguilim cresce e se desloca do seu lugar. Para onde ele se dirige, continuará a conviver, com estas forças em que se enraíza a sua infância: se abandonará ou não o Mutum e/ou a infância como Liovaldo, ou se preservará a magia, a pureza do universo em que começou a crescer, não se saberá, mas se pode pressentir em “Campo Geral” o que Guimarães Rosa teoriza em sua obra prima:

O sertão é sem lugar. O senhor empurra para trás, mas, de repente, ele volta a rodear o senhor

dos lados. Sertão é quando menos se espera. Sertão – se diz – o senhor querendo procurar nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem. Viver é muito perigoso... O diabo não há! É o que digo, se for... Existe é homem humano. Travessia. ( Grande Sertão: Veredas , 1984, p. 78_._ )

A escrita de Guimarães Rosa abole as barreiras entre a lírica e a narrativa e, assim, revitaliza a prosa brasileira com surpreendente renovação estilística, na qual têm papel importante as aliterações e rimas, invenções de palavra e deslocamentos sintáticos, figuras, associações e uma infinidade de efeitos expressivos. Desde Sagarana , Rosa fixara um fraseio de certas áreas de Minas Gerais e trabalhara esse tipo dialetal em suas possibilidades de sublimação e alargamento, chegando a um estilo próprio.

As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos de baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...

Um boi preto, um boi pintado, Cada um tem sua cor. Cada coração um jeito De mostrar o seu amor. Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem volta, vem na vara, vai não volta, vai varando... ( Sagarana , p. 37)

O processo criativo do autor manifesta-se também em passagens valiosas como: algumas frases a seguir, de “Campo Geral”: Lua era o lugar mais distanciado que havia, claro impossível de tudo. ( CG , 1984, p. 94) O ruim tem raiva do bom e do ruim. O bom tem pena do ruim e do bom... Assim está certo. ( CG , 1984, p. 99) O mole judiado vai ficando mole, mole... ( CG , 1984, p. 99) Só a Rosa parecia capaz de compre- ender no meio do sentir, mas um sentimento sabido e um compreendido adivinhado. Porque o Miguilim queria era assim como algum sinal do

Miguilim doidava de não chorar mais e de correr por um socorro. Correu para o oratório e teve medo dos que ainda estavam rezando. Correu para o pátio, chorando no meio dos cachorros. Mãitina caminhava ao redor da casa, resmungando coisas na linguagem, ela também sentia pelo estado do Dito. – “Ele vai morrer, Mãitina?!” Ela pegou na mão dele, levou Miguilim, ele mesmo queria andar mais depressa, entraram no acrescente, lá onde ela dormia estava escuro, mas nunca deixava de ter aquele foguinho de cinzas que ela assoprava. – “Faz um feitiço para ele não morrer, Mãitina! Faz todos os feitiços, depressa, que você sabe...” Mas aí, no voo do instante, ele sentiu uma coisinha caindo em seu coração, e adivinhou que era tarde, que nada mais adiantava. Escutou os que choravam e exclamavam, lá dentro de casa. Correu outra vez, nem soluçava mais, só sem querer dava aqueles suspiros fundos. Drelina, branca como pedra de sal, vinha saindo: – “Miguilim, o Ditinho morreu...” ( CG , 1984, p. 107-109)

Em “Campo Geral” os problemas assumem a

dimensão da tragédia e da morte: não parece haver

soluções, pois o menino ainda não as conhece. É o que

ocorre quando ele acha que está muito doente. Afetado

pela religiosidade, faz um pacto com Deus: se ele tiver

que morrer quando criança, que isto aconteça em três

dias. No terceiro dia, Miguilim fica esperando a chegada

da morte, que obviamente não vem: aqui, a linguagem

recria o espanto da criança que vive uma experiência

com o sagrado e com a morte.

Agora era o dia derradeiro. Hoje, ele devia de morrer ou não morrer. Nem ia levantar da cama. De manhã, ele já chuviscara um chorozinho, o travesseiro estava molhado. Morria, ninguém não sentia que não tinha mais o Miguilim. Morria, como arteirice de menino mau? – “Dito, pergunta à Rosa se de noite um

pássaro riu em cima do paiol, em cima da casa?” O dia era grande, será que ele ia aguentar de ficar o tempo todo deitado? – “Miguilim, Mãe está chamando todos! É p’ra catar piolho...” Miguilim não ia , não queria se levantar da cama. – “Que é que está sentindo, Miguilim? Está doente, então tem de tomar purgante...” A mãe já estaria lá, passando o pente-fino na cabeça dos outros, botava óleo de babosa nos cabelos de Drelina e da Chica, suas duas muito irmãzinhas, delas gostava tanto. Tomezinho chorava, ninguém não podia com Tomezinho. – “Miguilim está mesmo doente? Que é agora que ele tem?” Era Vovó Izidra, moendo pó em seu fornilho, que era o moinho de mão, de pedra-sabão, com o pião no meio, mexia com o moente, que era um pau cheiroso de sassafrás. Miguilim agora em tudo queria reparar demais, lembrado. Pó, tabaco-rapé, de fumo que ela torrava, depois moía assim, repisando – a gente gostava às vezes de auxiliar a moer – o pó ela guardava na cornicha, de ponta de chifre de boi, com uma tampinha segura com tirinha de couro, dentro dela botava também uma fava de cumaru, para dar cheiro... ( CG , 1984, p. 62-63)

Com sete estórias-poemas de CORPO DE BAILE “Campo Geral”; “Uma Estória de Amor”; “A Estória de Lélio e Lina”; “O Recado do Morro”; “Lão-Dalalão” (“O Devente”); “Cara-de-Bronze” e “Buriti” – Guimarães Rosa inaugura na Literatura Brasileira uma épica de sacralização do homem, do espaço e da cultura nacionais. O autor chama poemas a suas estórias, porque, para além do que é lógico e formal na prosa, seus textos buscam reunir o que é sagrado ao que é profano. Amplifica-se também a saga sertaneja, pois Guimarães Rosa infunde, nos homens rústicos de Minas Gerais, a dimensão humana e universal das grandes personagens. A língua oral, por sua vez, deixa-se levar pelo caráter inventivo e renova a arte de contar “causos”.

6. BIBLIOGRAFIA

ABDALA, Benjamim e SCARPELLI, Marli Fantini. (Org). Portos flutuantes: trânsitos ibero-afro-americanos. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004.

BIZARRI, Edoardo. Correspondência com seu tradutor italiano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1984.

BRAIT, Beth. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

COUTINHO, Afrânio (Org). Guimarães Rosa. Coleção Fortuna Crítica. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1991.

PEREZ, Renard. Guimarães Rosa. In: COUTINHO, E. (org). Coleção Fortuna Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

ROSA, J. G., LORENZ. G. Diálogo com Guimarães Rosa. In: COUTINHO, E. (org). Coleção Fortuna Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

ROSA. João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

________. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986

1) “Campo Geral” tem como elemento narrativo principal o enfoque que Miguilim tem da vida e do mundo. Resposta: C

2) A narrativa de “Campo Geral”, uma das novelas de Manuelzão e Miguilim, não se desenvolve num universo fantástico. Capta o rito de passagem da infância para a maturidade de Miguilim, menino que vive no interior de Minas Gerais, no Mutum. Embora o narrador seja de terceira pessoa, a perspectiva de narrativa provém de Miguilim, que se espanta, se emociona diante das transformações psicológicas e existenciais. A revelação da chegada da maturidade, de uma nova visão sobre a existência, é cristalizada no momento em que Miguilim põe os óculos. Resposta: D

3) Os diminutivos “Miguilim”, “Tomezinho”, “rapa-zinho”, entre outros, contribuem para criar uma linguagem afetiva, mimetizam a emoção da cena de despedida de Miguilim. Resposta: B

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