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Guias e Dicas
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Análise da Obra de Merleau-Ponty e a Relação com a Cegueira no Ensaio de Saramago, Resumos de Literatura

Nóbrega (2008) observa que, de acordo com merleau-ponty, a realidade do corpo permite sentir e perceber o mundo. Neste trabalho, utiliza-se de fenomenologia da percepção (2006), o visível e o invisível (2007), e o olho e o espírito (2004). Merleau-ponty ressalta que a consciência está para a coisa e para o espaço por intermédio do corpo. Cardim (2007) aponta que a atenção não é uma associação de imagens, mas a constituição ativa de um objeto novo. Merleau-ponty também afirma que o intelectualismo cria ilusões e a percepção pelo corpo nunca será completa. Saramago (1995) explora a perspectiva da cegueira como falta de consciência do mundo exterior. O ensaio expressa a importância do receptor táctil enquanto modo de percepção após a cegueira. As instruções do ensaio são detalhadas e destacam a importância de se adaptar à cegueira. O texto também explora a relação entre a cegueira e a agnosia mencionada pelo médico.

O que você vai aprender

  • Qual é a relação entre a cegueira e a agnosia, de acordo com o texto?
  • Qual é a importância da percepção pelo corpo, de acordo com o texto?
  • Qual é a importância do corpo na percepção, de acordo com Merleau-Ponty?
  • Como a cegueira é descrita no Ensaio de Saramago?
  • Como Merleau-Ponty descreve a atenção?

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Gaucho_82
Gaucho_82 🇧🇷

4.6

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DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
LITERATURA E INTERCULTURALIDADE
HUDSON MARQUES DA SILVA
O VISÍVEL E O INVISÍVEL EM ENSAIO SOBRE A
CEGUEIRA, DE JOSÉ SARAMAGO
CAMPINA GRANDE
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Baixe Análise da Obra de Merleau-Ponty e a Relação com a Cegueira no Ensaio de Saramago e outras Resumos em PDF para Literatura, somente na Docsity!

DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

LITERATURA E INTERCULTURALIDADE

HUDSON MARQUES DA SILVA

O VISÍVEL E O INVISÍVEL EM ENSAIO SOBRE A

CEGUEIRA , DE JOSÉ SARAMAGO

CAMPINA GRANDE

HUDSON MARQUES DA SILVA

O VISÍVEL E O INVISÍVEL EM ENSAIO SOBRE A

CEGUEIRA , DE JOSÉ SARAMAGO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Literatura e Interculturalidade – PPGLIcomo um dos pré-requisitos para a obtenção do – da Universidade Estadual da Paraíba, grau de Mestre em Literatura e Interculturalidade.

ORIENTADOR: ANTONIO CARLOS DE MELO MAGALHÃES

CAMPINA GRANDE

HUDSON MARQUES DA SILVA

O VISÍVEL E O INVISÍVEL EM ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA , DE

JOSÉ SARAMAGO

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Literatura e Interculturalidade àcomissão julgadora do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade da Universidade Estadual da Paraíba.

Aprovada em 12/04/

Ao meu pai ( in memoriam ) que, indireta e espontaneamente, me inspirou aos estudos acadêmicos. Àfortaleza. minha mãe, minha eterna

À minha esposa, com quem descobri o verdadeiro amor.

“[...] penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.” Saramago

“[...] a visão não é nada sem um certo uso do olhar.” Merleau-Ponty

“[...] nossa total consciência da realidade exterior é primariamente um produto da sensação e da percepção.” Schiffman

“O eu, é claro, é encarnado.” Giddens

RESUMO

Este trabalho objetiva analisar a obra literáriaescritor português José Saramago. Nesse romance Ensaio sobre a Cegueira ensaístico, um repentino (1995), do e inexplicável ataque de cegueira (branca) torna-se uma epidemia entre os habitantes de um grande centro urbano. A partir da perda de um órgão dos sentidos (a visão), as personagens – que são inominadas, como marca da impessoalidade – passam por um processo de mutação e, em seguida, transformam o mundo que as cerca, isto é, a obra apresenta, dentre outros aspectos, a relevância dos sentidos noprocesso de relação e compreensão do mundo. Nesse contexto, o conceito de estesia do corpo do filósofo francês Merleau-Ponty, apresentado, com efeito, nas obras Fenomenologia da Percepção (2005), O Visível e o Invisível (2007) e O olho e o Espírito do Ensaio (2004), apresenta-se como relevante tema a ser considerado na análise sobre a Cegueira , tendo em vista que tanto Merleau-Ponty quanto Saramago investem em uma filosofia do corpo, com foco na percepção pelos sentidos, afastando-se, sobremodo, do racionalismo e rompendo com as dicotomias clássicas. Portanto, este trabalho apresenta três capítulos: o primeiro discute, de modo mais geral, a relação entre a fenomenologia de Merleau-Ponty e a obra de Saramago,sentidos apresentadas no confrontando as Ensaio transformações com o conceito de e percepções estesia do corpo da realidade, buscando pelos mostrar a relevância dessa teoria para a compreensão da obra saramaguiana. O segundo capítulo analisa o Ensaio de forma mais específica, observando os processos perceptivos de cada gradiente sensorial (visão, audição, olfato, tato epaladar), enquanto instrumentos da percepção. Para tanto, apoiar-se-á nos estudos de Ozíris Borges Filho (2009; 2007) e Harvey Richard Schiffman (2005); autores que apresentam mais detalhadamente as funções desses sentidos no processo perceptivo, já que o conceito de estesia merleau-pontyana não é suficiente para tratar de tais especificidades. Por fim, o terceiro capítulo tenta interpretar algumas alegorias presentes noas quais representam, também, uma forte crítica ao comportamento do indivíduo Ensaio , focando o corpo e a percepção enquanto metáforas, pós-moderno, que, após os processos globalizantes, se torna cada vez mais individualista, passando a não mais perceber e sensibilizar-se com o Outro nem com o mundo. Nessa abordagem, serão utilizados principalmente os estudos de Coelho (2006), Lima (2008), Deoud (2010), Horkheimer (2007) e Giddens (2002). Portanto,apresenta-se a dimensão simbólica da cegueira, que surge tanto como representação de um ofuscamento da razão por parte desse indivíduo quanto como uma reconstrução ou processo de conscientização. PALAVRAS-CHAVE: Ficção, Fenomenologia Merleau-Pontyana, Estesia do Corpo,Alegorias.

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
    • 1.1 O gênero ensaístico CAPÍTULO 1 – O ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA E MERLEAU-PONTY
    • 1.2 O Ensaio e sua relação com a fenomenologia Merleau-Pontyana......................
    • 1.3 A estesia do corpo merleau-pontyana no Ensaio - 2.1 Os sentidos enquanto mediadores da percepção CAPÍTULO 2 – SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO NO ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
      • 2.2 “ O cérebro é quem realmente vê .”......................................................................
      • 2.3 2.4 ““ A voz é a vista de quem não vê!De vez em quando paravam, farejavam... ” ......................................................................”
      • 2.5 “ As mãos são os olhos dos cegos! ”
      • 2.6 “ Saboreia, um copo de água é uma maravilha. ”
      • 2.7 Tecendo os sentidos: em busca de uma estesia do corpo saramaguiana
      • 3.1 “ Cegos que, vendo, não vêem. ” CAPÍTULO 3 – PARA ALÉM DO VISÍVEL E DO INVISÍVEL
      • 3.2 “ O disco amarelo iluminou-se. ”
      • 3.3 3.4 ““ O medo ia tomando conta de todos.Apertados uns contra os outros, como um rebanho. ” ................................................................”........................................
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • REFERÊNCIAS

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de uma análise literária do romance ensaístico^1 Ensaio sobre a Cegueira (1995), do escritor português, José Saramago; obra em que, sobremodo, o autor propõe, através da ficção, reflexões tanto sobre a importância do corpo (por meio dos sentidos) para a percepção e compreensão da realidade quanto sobre o comportamento degradante-“irracional” do indivíduo contemporâneo, sobretudo, nos grandes centros urbanos, locais onde imperam a crueldade, o egoísmo, o descuido com o mundo e com o Outro , dentre outros aspectos. Embora outras obras desse autor também tenham abordado essa mesma temática, a exemplo de Todos os Nomes (1997), A Caverna (2000) e Ensaio sobre a Lucidez (2004), nesta dissertação, selecionou-se o Ensaio sobre a Cegueira como corpus de análise. Nesse Ensaio , através de um mundo ficcional ( diegese ), mas semelhante à realidade ( verossímil ), um repentino e inexplicável ataque de cegueira nas personagens – sendo estas inominadas, como marca da impessoalidade, bem como da perda de identidade do indivíduo moderno, sendo chamadas apenas de o primeiro cego , a mulher do primeiro cego, o médico , a mulher do médico , a rapariga dos óculos escuros , o velho da venda preta, o rapazinho estrábico e assim por diante – faz com que o mundo se torne algo negligenciado, sujo, diferente daquilo que se habituava a ser, pela simples perda de um órgão humano dos sentidos. Portanto, o corpo consiste em um dos temas centrais da obra, com atenção especial

(^1) Neste trabalho, a obra é chamada de romance ensaístico ou apenas de Ensaio baseando-se principalmente pela pessoalidade, em qu no estudo de Lima (2008), que conceituou ensaio como um texto que se caracterizae a voz do autor ou do narrador assume um papel explícito de orador, discutindo assuntos variados para conhecê sobre a Cegueira. E o próprio Saramago afirmou não ser romancista e sim ensaísta, pois, segundo o-los a fim de conhecer-se, característica esta do Ensaio autor, “[...] a substância, a matéria do ensaísta, é ele próprio.” ( 30). Sobre o gênero ensaístico, veja o início do primeiro capítulo.SARAMAGO apud ARIAS, 2004, p.

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Ainda nessa discussão, Nietzsche (2003, p. 94), em um de seus aforismos, já dizia que “Dos sentidos é que procede toda a autenticidade, toda a boa consciência, toda a evidência da verdade.” É nessa perspectiva que tanto o Ensaio saramaguiano quanto Merleau-Ponty desenvolvem parte de seu pensamento. Na perspectiva merleau-pontyana, serão utilizados neste trabalho a Fenomenologia da Percepção (2006), O Visível e o Invisível (2007)^2 e O olho e o Espírito (2004); obras nas quais o filósofo elucida o conceito de estesia do corpo , em que há um afastamento da filosofia da consciência e um investimento em uma filosofia do corpo, ideias estas que apresentam uma forte relação com o Ensaio de Saramago, na medida em que Merleau-Ponty (2006, p. 253) postula: “É por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu corpo que percebo ‘coisas’.”, da mesma forma como no Ensaio é pelos sentidos e, consequentemente, pelo corpo que as personagens transmutam sua visão de mundo. O filósofo tinha como perspectiva a ideia de que

O homem concretamente considerado não é um psiquismo unido aum organismo, mas este vai-vém da existência que ora se deixa ser corporal e ora se dirige aos atos pessoais. Os motivos psicológicos eas ocasiões corporais podem-se entrelaçar porque não há um só movimentorelação às intenções psíquicas, nem um só ato psíquico que não em um corpo vivo que seja um acaso absoluto em tenha encontrado pelo menos seu germe ou seu esboço geral nasdisposições fisiológicas. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 130).

Com efeito, tanto a visão merleau-pontyana quanto a ficção de Saramago sugerem ser equivocada a crença segundo a qual a verdadeira experiência existencial dar-se-ia apenas pela autorreflexão, porque isso desconsideraria o (^2) Note que o título dessa obra de Merleau-Ponty foi utilizado no título desta dissertação, primeiramente porque há um diálogo entre faz alusão às percepções das personagens ambos osdo Ensaio (^) autoresantes (o visível) e após (o invisível) a cegueira. (no 1º capítulo) e, em seguida, porque E, por fim, o visível pode representar os aspectos denotativos da obra (abordados no 1º e 2º capítulos), enquanto o invisível pode se referir às alegorias que serão discutidas no último capítulo.

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contato (corpóreo) com o outro, com o mundo, e é dessa forma que se dá a reciprocidade e a reflexividade eus-coisas e eus-eus, como explana Mantovani (2003). Nessa perspectiva, a experiência existencial humana seria protagonizada pelo corpo, devendo ser questionada qualquer forma de distanciamento entre o homem e o mundo sensível (OLIVEIRA, 2008). Com destaque para a visão, Merleau-Ponty apresenta a seguinte problematização: “Que seria a visão sem nenhum movimento dos olhos, e como esse movimento não confundiria as coisas se ele próprio fosse reflexo ou cego [...]?” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 16). O Ensaio sobre a Cegueira pode apontar caminhos de relevante discussão sobre esse questionamento, ao mostrar que a perda da visão daquelas personagens pôde transformar suas concepções sobre aquele mundo. Contudo, as teorias de Merleau-Ponty parecem não dar conta da riqueza de detalhes sensoriais que o Ensaio apresenta. Por essa razão, este trabalho recorrerá também aos estudos de Harvey Richard Schiffman (2005), que, a partir de uma abordagem interdisciplinar entre a psicologia e outras ciências, discute mais especificamente as funções e funcionamentos dos sentidos. Schiffman (2005) compreende a sensação e a percepção como perspectivas interdependentes, isto é, para ele, enquanto a sensação consiste no contato inicial entre o organismo e seu ambiente, a percepção, por sua vez, representa a interpretação e atribuição de sentido que se dá ao que os órgãos sensoriais apreendem inicialmente. E esses processos seriam unificados e inseparáveis. Do mesmo modo que Schiffman, Ozíris Borges Filho (2009; 2007) discute os sentidos de forma mais específica, porém, trazendo essa abordagem para o texto literário. O autor apresenta os gradientes sensoriais (visão, audição, olfato, tato e paladar) como forma de percepção do espaço, no caso de uma topoanálise (estudo do espaço). Embora este trabalho não

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seres coexistem, o que se distancia do intelectualismo^3 , utilizando os termos de Merleau-Ponty (2006). Nesse contexto, toma-se o conceito de estesia do corpo como forma de percepção da realidade, já que, no romance, após a perda da visão, as personagens transferem as percepções antes realizadas por esse órgão para os demais gradientes sensoriais: audição, olfato, tato e paladar. Portanto, o enredo, dentre outros aspectos, demonstra como o corpo pode mediar a existência ou o ser- no-mundo^4 como concebia Merleau-Ponty. Assim, neste primeiro capítulo, Merleau- Ponty e o Ensaio de Saramago surgem como interlocutores para fins comparativistas. O segundo capítulo discute mais especificamente como funcionam os processos perceptivos corporais em cada gradiente sensorial no Ensaio , observando suas funções e diferenças na relação sujeito-sujeito e sujeito-espaço. Busca-se observar nas personagens a importância desses sentidos para a autoconscientização e para a forma de viver coletivamente no mundo. Com a perda da visão, nota-se uma alteração significativa tanto na relação mútua entre as personagens, que apresentam dificuldades na realização das mais simples tarefas cotidianas, quanto na sua relação com o mundo, que passa a ser sujo e, até certo ponto, imperceptível. Neste capítulo, sendo o conceito de estesia merleau-pontyana insuficiente para tratar das especificidades narradas no Ensaio , como dito anteriormente, recorre-se, principalmente, aos estudos de Schiffman (2005) e Borges Filho (2009; 2007), que abordaram de modo mais detalhado cada gradiente

(^3) Merleau-Ponty utiliza o termo intelectualismo para se referir ao racionalismo, também chamado de filosofia da consciência. (^4) Em Merleau-Ponty, ser-no-mundo , ou existência, representa uma espécie de unidade entre a perspectiva psicológica e a fisiológica, a qual o filósofo classificou como que é aquilo que chamamos de ser no mundo.” (Merleau-Ponty, 2006, p.119). E o corpo é o veículo “[...] uma visãopré-objetiva para a existência.

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sensorial. Contudo, neste capítulo, tais autores não deixam de ser associados ao pensamento de Merleau-Ponty. O terceiro e último capítulo tenta aprofundar um pouco mais os fatores discutidos nos capítulos anteriores, buscando interpretar algumas alegorias presentes no Ensaio , tais como os significados da cegueira, o abuso imagético das grandes cidades, o comportamento das personagens – incluindo o medo e a (des)união – , dentre outros aspectos que sugerem uma forte crítica aos hábitos do indivíduo pós-moderno. Neste capítulo, dentre outros autores, serão utilizadas, principalmente, as considerações de Coelho (2006), Lima (2008), Deoud (2010), Giddens (2002), bem como o conceito de eclipse da razão de Max Horkheimer (2007), que pode fornecer bases importantes para essa interpretação. Portanto, a relevância deste trabalho reside em, a partir do diálogo entre literatura de ficção e teorias da percepção e alegóricas, ressignificar as dicotomias clássicas que permeiam muitas esferas da sociedade, frutos da herança deixada pelos intelectualistas , além de ressaltar a importância dos sentidos no processo de compreensão do mundo e discutir a crítica à irracionalidade do indivíduo pós- moderno a partir das alegorias presentes na literatura de ficção.

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novas visões que proporcionaram mudanças importantes na organização econômico-sociocultural da época, tais como “A Reforma religiosa, a recuperação de temas da Antiguidade Clássica, a valorização da vida terrena, o experimentalismo crítico das novas ciências, o racionalismo e o realismo político [...]” (LIMA, 2008, p. 19). Com isso, nota-se que houve uma espécie de sagração do sujeito individual em detrimento das posturas chamadas teocentristas, mas que, na verdade, caracterizaram-se mais como eclesiocentristas. Desse modo, o indivíduo “Queria ainda examinar criticamente o mundo das idéias, o mundo da natureza, as relações entre os homens e, a partir desse exame, agir sobre o seu próprio destino.” (LIMA, 2008, p. 20). Portanto, pode-se compreender o advento do gênero ensaístico, nessa nova conotação, como um produto do Renascimento. Nesse contexto histórico, o propósito inicial de Montaigne, com os seus Essais , era homenagear o seu amigo morto – Etienne de La Boétie – , ao defender sua memória, que havia sido prejudicada devido a um texto de sua autoria que fora alterado, fazendo com que parecesse simpatizar com o partido dos protestantes (LIMA, 2008). Montaigne compôs, assim, os Essais em três livros (o Primeiro, com 57 capítulos; o Segundo, com 37 capítulos e o Terceiro, com 13 capítulos). Uma forte característica que os Essais apresentaram e que se repetiu na maioria dos ensaios subsequentes consiste no seu caráter pessoal, como relata o precursor do gênero:

Há vários anos, somente a mim mesmo tenho como objetivo demeus pensamentos, somente a mim mesmo é que observo e estudo, se atento para outra coisa logo a aplico a mim ou a assimilo... Nãosão apenas meus gestos que escrevo, sou eu mesmo, é a minha essência. (MONTAIGNE apud LIMA, 2008, p. 23).

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Nessa perspectiva, o ensaio, dentre outros aspectos, caracteriza-se pelo pessoalismo, sendo neste caso o ensaio de , como no caso dos Essais de Montaigne, mas pode também se mostrar em forma de ensaio sobre , quando trata de assuntos diversos, exteriores ao autor, porém, sempre a partir de seu ponto de vista, isto é, o exame de assuntos diversos vem para “conhecê-los a fim de conhecer-se” (LIMA, 2008). E sendo um exame ou autoexame, o ensaio fica livre das tutelas cientificistas, dos dogmas, pois, como declara Adorno (2003, p. 25), “O ensaio não segue as regras do jogo da ciência e da teoria organizadas [...] não almeja uma construção fechada, dedutiva ou indutiva [...] recua, assustado, diante da violência do dogma [...]”. Nesse contexto libertário, o ensaio não busca definições absolutas ou convincentes, mas estabelece um diálogo entre ensaísta e leitor, como observa Moisés (2003). E nesse diálogo, “O pensador, na verdade, nem sequer pensa, mas sim faz de si mesmo o palco da experiência intelectual, sem desemaranhá-la.” (ADORNO, 2003, p. 30). Com efeito, nota-se que o ensaio representa um texto antropocêntrico par excellence. Uma característica do ensaio que talvez seja a que mais interessa à discussão que este trabalho propõe reside na sua relação entre ficção e realidade e/ou autor e narrador. Moisés ( apud LIMA, 2008) observa que, como o ensaísta utiliza uma linguagem referencial, ou seja, por meio de argumentação acerca do objeto em foco, o ensaio aproxima-se da filosofia, na medida em que “balança entre a literatura e filosofia [...] e nessa oscilação encontra sua mais alta realização como texto e pretexto, simultaneamente, para o autor e o leitor.” (MOISÉS apud LIMA, 2008, p. 27). Assim, pelo pessoalismo e pela linguagem referencial, o ensaio, mesmo que em forma de literatura ficcional, parece romper a barreira entre ficção e