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Este texto discute a importância do rap na cultura popular brasileira, deslocando a perspectiva do 'literário' para o campo da 'cultura'. O autor propõe a análise crítica dos estudos culturais em relação às mensagens poéticas do rap dos racionais mc's e outros grupos do movimento hip hop. O documento aborda a questão da busca por legitimação de muitos jovens que estão à margem dos territórios da cidadania, as mensagens belicistas e reivindicativas do rap, e a relação entre o estético e o político na poesia rap. O texto também discute a importância da retórica pedagógica no rap e a 'violência estética' que surge como um caminho para a aparição de narrativas deslocadas e 'marginais'.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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REVISTA CONTEXTO - 2011/1 213
Quem encontra ainda pessoas que saibam con- tar histórias como elas devem ser contadas? (Walter Benjamin)
É, doutor, seu Titanic afundou Quem ontem era caça, hoje, pá, é o predador. (Racionais MC’s)
RESUMO: Através de uma discussão sobre a questão da “cultura popular”, pretende-se avaliar a produção do grupo paulistano Racionais MC’s en- quanto uma forma de poesia popular contemporânea. Assim sendo, busca- -se, a partir da análise de dois RAPs, investigar esse tipo de produção cultu- ral como possibilidade de expressão e comunicação de jovens das periferias urbanas brasileiras. PALAVRAS-CHAVE: RAP. Racionais MC’s. Poesia.
ABSTRACT: Through a discussion of the concept of “popular culture”, this paper focuses on the cultural production of the paulistano group Racionais
Jorge Nascimento Ufes jorgelizn@gmail.com
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MC’s as a form of contemporary popular poetry. The analysis of two RAP songs provides the basis for an investigation of that kind of cultural produc- tion as possible means of expression and communication for young people from the Brazilian urban periphery. KEY-WORDS: Popular poetry, RAP, Racionais MC’s. Poetry.
Se existem como sabemos, ao longo da história, campos defi- nidos como lugares de cultura preferencial, arte preferencial, po- esia preferencial, no Brasil, as manifestações culturais, definidas como pertencentes à esfera do “popular”, estariam configuradas como formas de representação daquilo que está sempre abaixo da linha indelével que define padrões e delimita espaços reservados. Porém, com o advento de ocupação cultural dos espaços periféri- cos, como por exemplo os Saraus de Poesia da COOPERIFA,^1 em São Paulo, parece que há tentativas de descentralização dos luga- res produtores e difusores de Cultura. Tal processo põe em xeque o próprio termo Cultura, que quase sempre foi resguardado em seu purismo, protegido da contaminação do “popular”, já que este adjetivo impõe uma delimitação, refere-se a um outro cam- po de expressões artísticas nas quais as formulações “estéticas” estão aquém do que seria “o estético”, criando uma contradição
(^1) “A Cooperifa é um dos fenômenos culturais mais importantes desses anos 00. Achamos im- portante registrar como surgiram esses encontros, de onde vem esse poeta revolucionário - que em pleno século XXI refaz não apenas o caminho antropofágico da poesia modernista e sua Semana de Arte Moderna, mas sobretudo recria agora, dono de sua voz, o grande quilombo da poesia paulista”, afirma Heloisa Buarque de Hollanda, curadora da coleção Tramas Urbanas, que dá voz a diversas manifestações artísticas e intelectuais das periferias brasileiras. Disponível em: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/cooperifa-antropofagia-periferica
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muitos jovens de todo o mundo, que é a busca por legitimação
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seus alicerces os Racionais Mc´s, representantes maiúsculos des- sa nova formulação estética provinda do movimento de mundia- lização do movimento Hip Hop e do próprio RAP. O grupo se consolidaria como o mais importante representante dessa forma poética popular, que agrega valores performáticos e que, fun- damentalmente, busca, através da emissão da palavra cantada (ou do canto falado), a conscientização dos Manos e Minas das pobres periferias urbanas de São Paulo e do Brasil. Surge então um discurso poético proveniente de vozes às quais historicamente foram negadas, dentre outras tantas essencialida- des, acessibilidade à cultura, aos grandes saberes. E temos uma agravante no caso do RAP dos Racionais MC’s e de outros grupos que integram o movimento Hip Hop: querer produzir Poesia que interceda na Vida, querer criar e usar a criação como arma contra o tal do “sistema”. Ora, sabemos das doutrinas de não-interferên- cia que norteiam e abalizam o valor de obras poéticas, sabemos que Poesia não tem, necessariamente, uma ligação historicista e/ ou socialmente determinada, isso é o que nos foi “passado” pelas instâncias moduladoras do saber literário. Então, o que está ocor- rendo? Como vozes proferidas por jovens pobres, mal escolariza- dos, podem querer dizer e dizer-se através da arte, da poesia? E as mensagens poéticas do RAP dos Racionais vêm con- tundentes, belicistas, reivindicam exigindo, pedem ameaçando, vociferam as constrangedoras mensagens que, para ouvidos de- licados, podem parecer aterradoras; que, segundo outras per- cepções, agridem por serem grosseiras, misóginas, e que, por incrível que possa parecer, essencializam questões raciais em modelos exógenos, importado dos Estados Unidos. Falas estra-
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excluíssem aquilo que não fosse criado a partir dos modelos de dominação e subordinação pensados por Stuart Hall no texto “No- tas sobre a desconstrução do popular”. Segundo observação de Richard Shusterman, o problema é que “não admitimos que o ter- mo ‘estética’ origina-se dentro do discurso intelectual, tendo sido frequentemente aplicado às artes maiores assim como às refina- das formas de apreciação da natureza” (SHUSTERMAN, 1998, p_._ 103). Porém, ainda baseados em Hall, também sabemos da íntima relação existente entre os termos “cultura” e “classe”. Percebemos como formas que, pensadas de forma superficial, são “natural- mente” interdependentes, podem ser frutos de um acasalamento histórico gerenciado pelos mecanismos ideológicos. Claro está também que tais mecanismos visam à manutenção de caracterís- ticas de um status quo confortável para aqueles que sempre se beneficiaram com esses próprios modos de divisão estanque de forças culturais que são parte do jogo de relações de poder. A partir dessas inferências, então, planteamos outra questão: estamos lidando com manifestação de “cultura das ruas”, com o seguinte agravante, “cultura” produzida por representantes das chamadas “classes perigosas”. Sim, pois estamos nos referindo a falas e poesias de gente que foi descrita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como “jovens com ares de margi- nais”. Estamos falando de mensagens proferidas por jovens de periferias e favelas, com toda a carga estigmatizante e excludente que de tais nomes de “lugares” possam emanar. Tratamos de um fenômeno da indústria cultural que driblou os sistemas excluden- tes de veiculação e que ganhou uma força impensável para um tipo de “música” que não tocava nas rádios e que não era atraen-
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te para os empresários da indústria fonográfica do final dos anos 80 e início dos 90 do século passado. Mesmo assim, movendo-se nas fissuras das redes de poder dessa indústria, o RAP dos Ra- cionais floresceu e, dessa forma, as letras e as falas dessas vozes não gabaritadas intervieram e provocaram reações diversas em diferentes escalas da “cultura brasileira”. Retomando: essas narrativas, provindas dos guetos sub-urba- nos das periferias paulistanas, deram visibilidade ao discurso do RAP e a seus autores, assim sendo, esses representantes das “clas- ses perigosas” agora “ roubam a cena” através dessa poesia crua que retoma as falas das ruas. Manifestando e esclarecendo seu “lugar”, essa poesia, com seu tom pedagógico e realista, mostra idiossincrasias encobertas pelos discursos oficiais em suas falas “pelo” outro. Porém, agora esse outro é dono da palavra e, apo- derada, a palavra poética vem redesenhar cartografias, inverte olhares e demonstra uma autenticidade constrangedora para os ouvidos desatentos que percebem tal palavra como ameaçadora, vingativa e incitante a uma guerra que seria inexistente, ou que, para alguns, parece distante. Então, essa classe perigosa, não mais emudecida, reivindica juízos segundo um prisma enviesa- do, que “deforma” a realidade aparentemente tão bem narrada pelas autoridades e meios de comunicação. A partir das extremas condições vitais impostas, esses ex-objetos de estudos buscam o falar-se, imbuídos que estão agora de um discurso no qual uma arrogância, não tão comum nos tradicionais discursos do res- sentimento, reverbera e ecoa nas falas de muitos mil Manos. E sobre as possíveis mudanças no jogo do poder, muitos analistas já previam que as “relações sociais”, principalmente por motiva-
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ontem era caça, hoje, pá, é o predador”. Dentro da consciência dessa possibilidade da inversão de papéis cristalizados histori- camente, a poesia ressurge também como força motriz de um processo no qual muitos desses “ex-mulatos” assumem-se como negros que devem ter consciência das engrenagens que os fize- ram (sobre)viventes de Negros Dramas comuns aos Manos espa- lhados pelo Brasil. Fazemos aqui uma aproximação da questão histórico-social com a questão da presença de signos da negritu- de, pois sabemos, através de pesquisas, observações e vivências, que a questão racial, assim como a cultural, também se relaciona com classe. A esse respeito, parece ser conveniente a conclusão de Marcelo Paixão: ”Efetivamente aqueles indivíduos associados ao grupo afrodescendente, ainda que esta associação tenha uma carga muitas vezes subjetiva, sofrem continuamente com barrei- ras levantadas contra o seu processo de mobilidade social e, não raras vezes, mesmo física”. (PAIXÃO, 2003, p. 148). Claro que poesia dos Racionais, seja por modismo ou curio- sidade, ultrapassou os limites possíveis, estendeu-se para além dos receptores primários e preferenciais: os Manos & Minas das periferias. E o RAP, juntamente com a “Literatura Marginal”, tor- nou-se uma forma de expressão poética popular que proliferou e ramificou-se, porém já discutimos tais processos em outro texto. Porém, estamos aqui assumindo como ponto de vista a dimensão que essas vozes se pretendem dar como aquelas que buscam “representar” categorias que foram sempre mais tidas como es- tatísticas nefastas fruto das desigualdades sociais, do que como agentes de processos políticos e estéticos. Logicamente, tais nar- rativas e práticas performáticas podem parecer anacrônicas aos
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olhos dos muitos que estão acima desses pequenos conflitos so- ciais terceiro-mundistas. Em tempos em que parece haver um redescobrimento de outras potencialidades de brasilidades per- didas, o movimento Hip Hop, mundializado e juvenil, participa e revigora diversas discussões que gravitam em muitos espaços disciplinares. Centrando em questões mais específicas, o que pretendemos aqui é, brevemente, avaliar como uma Prática Po- ética Popular pode intervir em variados campos e forçar a visão por outras perspectivas que não as tradicionais bipolaridades en- tre o culto e o popular. E aqui estamos retomando Hall (2006: p. 241), para quem: “o essencial em uma definição de cultura po- pular são as relações que colocam a “cultura popular” em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante”. E, no Brasil, conforme Muniz Sodré, tal processo de tensão apresenta contornos específicos que estão presentes no próprio histórico constitutivo da nação:
A primeira coisa a ser dita é que a formação social brasileira é o caso patente, palpável, de coexistência e interpenetração multissecular de duas ordens culturais, a branca e a negra, funcionando esta última como uma fonte per- manente de resistência a dispositivos de do- minação, e como mantenedora do equilíbrio efetivo do elemento negro no Brasil. (SODRÉ, 1983, p. 123)
E se há um histórico de luta e resistência cultural das popu- lações negras, parece que tal processo agora se renova nas aspi-
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De um lado, a violência significa então a per- da, o déficit, a ausência de conflito, a impos- sibilidade para o ator de estruturar sua prática em uma relação de troca mais ou menos con- flitiva. ( Michel Wierviorka)
Então, a forma como determinados assuntos são tratados pelo RAP evidenciam a origem de tal discurso que é, assim, con- siderado geneticamente mal formado, visto como uma forma de ameaça à “normalidade democrática” do Estado e à “estabilida- de” das relações sociais. Ora, as próprias temáticas performa- tizadas pelo RAP dos Racionais já são marcas de um lugar de fala que não é visto com bons olhos pelos amantes das belas letras, existe um pragmatismo poético que tende a se radicalizar em uma escrita (ou fala) que, através das transgressões, regenera a degenerada fala das ruas e busca brutais sutilezas semânticas provindas dos guetos urbanos e do sistema carcerário. Com gin- ga e com gíria, as palavras-bala buscam veicular para seu públi- co específico – os Manos e Minas das periferias -, através de seu próprio vocabulário, as consequências individuais e coletivas das perversões cometidas pelo “sistema”. Por trás da aparente simplicidade poética e da dureza e caráter direto das mensagens, há uma complexidade polissêmica que é manufaturada através da inserção de várias falas, numa criação de significados dúbios, nos quais à aparente denotação explícita se somam significados outros, muitas vezes somente percebidos por iniciados que co- nhecem a proveniência vocabular e imagética de tal discurso, pois sabem de sua origem, conhecem sua efetividade. Por exem-
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plo, vejamos alguns versos de “Na fé firmão”:
Meu modo, meu ponto de vista
Século 21 eu sei muito bem o que eu quero Começo o plano dois zero zero dois É um mistério, trago na manga um suspense Tenho um revólver engatilhado dentro da mente Pense e vá, raciocine já A profecia diz que o mundo tá pra acabar Eu quero resgatar tudo aquilo que eu perdi Cronometrei o tempo só que ainda, truta, não venci
Esse RAP apresenta uma característica da própria estética do RAP, a marcação do tempo como instigador para que os ouvintes tenham a consciência de que “esse tempo” é um tempo especial, um tempo de mudanças. Aqui se nota a presença simbólica da mudança de século como o tempo de posta em prática de um plano e note-se também o verbo “cronometrar” que promove um elo entre o macro e o micro, ou seja, a ligação entre a história se- cular e o momento contemporâneo. Há a presença do belicismo mental e verbal – o “revólver engatilhado” –, mas tal belicismo é transmitido para a “mente”, reforçando a ideia de que a busca por conhecimento é uma arma que deve ser buscado pelos guer- reiros a fim de estarem preparados para esse novo tipo de bata- lha. Tal observação reforça o fato de que, em seus primórdios, as “batalhas” entre MC’s e DJ’s foi uma forma pensada para substi- tuir a guerra fratricida entre gangues de negros dos guetos norte-
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O que eu falo é ilícito sangue Demarco meu espaço sem aço sem gangue Aonde eu ande trago o anjo do bem que ilumina meu caminho me mostra quem é quem Comprei um colete à prova de bala Tenho a guerrilha na mente falange de senzala
Deve-se perceber nos versos acima, além da presença de sig- nos cristãos – o anjo benéfico que ilumina – e da continuidade das referências bélicas, e também a presença de referentes que criam elos históricos entre a falange de senzala e a guerrilha ur- bana contemporânea. Há a junção de termos “falange” e “senza- la” e tal procedimento, pela ambiguidade, reforça poeticamente a mensagem, pois o termo “falange”, além das acepções tradi- cionais, que remetem a “corpo de infantaria espartano e mace- dônio” ou “agrupamento maciço de pessoas; legião, multidão”, ou ainda “grupo marginal que atua organizadamente na socie- dade para fins ilícitos”, também exprime, na umbanda, o con- junto de entidades espirituais que agem dentro de uma mesma linha (faixa de vibração). Da pluralidade expressiva do termo, e da expressão dele derivada, surge uma formulação que amplia histórica e socialmente a questão das lutas travadas por liberdade e deixa no terreno das possibilidades receptivas a amplitude sig- nificativa tipicamente poética. Ou seja, embora aparentemente o campo semântico bélico não permita a divisão clara entre mal e bem, já havia sido esclarecida anteriormente a origem desse su- jeito, acompanhado pelo anjo do bem, alusão que será reiterada adiante no texto poético.
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Nos versos posteriores vem o esclarecimento da relação entre o discurso belicista e a própria força do RAP, da palavra, retomando a questão da fala-bala já referida. Nessa mescla de informações e imagens aparecem a figura do Mauricinho, o jo- vem de classe média, e a citação da famosa ROTA (As Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), cujos delitos e crimes já foram pes- quisados e tornados públicos por Caco Barcellos em seu livro “ROTA 66: a história da polícia que mata”, de 1987. Reforçan- do a proveniência desse poeta que rima – “sou lá do norte” -, é trazida outra questão: a do saber-se um “criminoso”, pois é através do discurso subversivo, desestabilizador, conflituoso, li- bertário, que o “delito” se configura, o rap como funciona como emissor de formulações que pretendem atingir a consciência do público-alvo (aqui é essencial essa terminologia), pois o som (e a mensagem) a bala. A apropriação parafrástica do hino nacional reconfigura a liberdade nacional no campo da luta de oprimidos de hoje pelos aparatos do poder – o discurso, a fala, são tratados como crimes hediondos. Outro constituinte presente marca uma característica: o uso dos provérbios, no caso a expressão “quem não deve não teme”. Som que abala, a parede estremece Playboy soa frio, mauricinho não se mete Sou lá do norte e eu venho pra rimar Eu sei dos meus direitos ninguém vai me in- timar Pra vala eu só vou se um pilantra me matar Quem não deve não teme, vem (To) bias de Aguiar No corredor da morte o apelo da sentença,
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conscientização de seu público.
Escuta aqui, escuta aqui, E D I inspirado na selva de Robin Hood, A fita foi tomada, se joga to envolvido Pilantra aqui não cabe é só guerreiro no abrigo (Refrão)
O refrão reitera a presença de um arquétipo, o ladrão socia- lista. Porém, Mauricio Molho, ao analisar a literatura popular eu- ropeia tradicional, indaga sobre uma possibilidade de utilização ideológica dual dessas manifestações literárias, inclusive como forma de evasão dos próprios problemas sociais. Especificamen- te sobre esse ser, o ladrão utópico, o estudioso propõe a seguinte indagação: A mim me interessaria saber se como se apre- senta o tema na autêntica literatura popular, se é que ela existe, para ver se a mítica figura do bandido generoso põe à mostra a imagem la- tente de uma revanche do pobre, ou se, ao con- trário, emana de uma habilidosa construção cuja finalidade seria tranquilizar o pobre para que não faça justiça com as próprias mãos, já que existe um super-homem sonhado suscetí- vel de restabelecer, através de seu generoso cri- me, uma igualdade mais justiceira. (MOLHO, 1976, p.30) (Tradução nossa)
Se o RAP propõe-se como uma forma poética popular que não pretende a evasão, mas a consciência, parece-nos que a uti- lização desse mito popular funciona de maneira positiva, pois ao
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estar inspirado na “selva de Robin Hood”, o emissor da mensa- gem, que se assume em primeira pessoa, com seu nome artístico, o nome da rua referenciado, mas também convoca a “falange” a participar do processo de resgate de perdas históricas, assim sendo, a cidade-selva brasileira do s. XXI deverá tornar-se uma contemporânea Sherwood. Então, nos versos abaixo, o discurso demonstra o ethos de um sujeito que sabe de seu lugar, a visão positiva vai situar o RAP como caminho vital, com informação interessante e como um caminho rumo à vitória, porém aqui não é o discurso, mas as práticas cotidianas que vão permitir a esse guerreiro/jogador lutar em busca do êxito, com firmeza, retidão, com comportamento ético e consciência do seu papel social:
(...) Voltei, tô firmão, então... daquele jeito Eu não sou santo eu tenho meus defeitos Meu homicídio é diferente Eu sou o bem, já citei, mato o mal pela frente No político, na Globo, em quem você confia Não sou o crime nem o creme Mas o meu time não hesita Aqui não treme Pra mim o rap é o caminho de uma vida A vida é o jogo e vencer é a única saída Cheguei até aqui e não posso perder Vacilar... vou prosseguir aprendi... sei jogar 30 anos se passaram não é nenhum brinquedo Eu tô na fé parceiro Prossigo sem medo Armadilha tem um monte a minha espera, Final feliz (hã) só em novela