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Importância da Sintaxe em 'Tecendo a Manhã' de João Cabral, Notas de estudo de Construção

Neste artigo, mercedes sanfelice risso realiza uma análise detalhada do poema 'tecendo a manhã' de joão cabral de melo neto, enfatizando a importância da organização sintática na construção da mensagem poética. Ela examina como a tessitura sintática, apoiada em mecanismos variados de coesão e remontagem de estruturas, é expressão forte do artesanato poético e revela outro trabalho artesanal: o dos galos unidos na composição solidária e gradativa da manhã. Os termos chave deste estudo incluem construção sintática, coesão textual, elipse, recorrência lexical, seqüenciadores, coordenação, anáfora, cruzamento verbal e gradação.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da coesão textual na construção da mensagem poética em 'Tecendo a Manhã'?
  • Como a análise da tessitura sintática de 'Tecendo a Manhã' revela outro trabalho artesanal?
  • Como a organização sintática desempenha um papel importante na construção da mensagem poética em 'Tecendo a Manhã'?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Botafogo
Botafogo 🇧🇷

4.5

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Alfa,
o
Paulo
32:95-100,1988.
O
TECIDO
SINTÁTICO
"TECENDO
A MANHÃ"*
Mercedes
Sanfelice
RISSO
RESUMO:
O
artigo
é
uma
análise
do
poema
"Tecendo a
Manhã",
de João Cabral de Melo
Neto,
em que
a
organização sintática
é
tomada
como
principal
fator
verbal
caracterizadorda
construção
da
mensagem
poética
e
dlrecionador
de
outros
constituintes
lingüísticos
a ele
assimilados.
A
tessitura
sintática,
apoiada
em
mecanismos
variados
de coesão e
remontagem
de
estruturas,
é
vista
como
expressão
forte
do
artesanato
poético
a
revelar,
plasticamente,
um
outro
trabalho
artesanal:
o
dos
galos
unidos
na
composição
solidária
e
gradativa
da
manhã.
UNITERMOS:
Construção
sintática;
coesão
textual;
elipse;
recorrência
léxica;
seqüenciadores;
coordenação;
anáfora;
cruzamento
verbal;
gradação.
José Marfa
Diez
Borque, em seu livro El
comentário
de textos literários (2, p. 10), considera,
contra o perigo da prolixa enumeração de fatos na prática de análise de textos, a importância
da identificação dos agentes caracterizadores de sua estrutura, como etapa a
percorrer
na
apreciação critica do seu sistema de organização interna.
Sem pretender atribuir ao fator "caracterizador" a condição de agente absoluto e
exclusivo
da poeticidade, diríamos que o
nervo
lingüístico construtor do poema
"Tecendo
a Manhã", de
João
Cabral
de Melo
Neto
(5, p.
19-20),
é a sua organização sintática.
O arranjo dado às palavras, no plano sintagmático, orientado para uma espécie de configu-
ração icônica do tecer da manhã, promove-o à condição de fator verbal "dominante" e, portan-
to,
subordinante de outros planos de elaboração da linguagem, que se amoldam a ele e com ele
interagem na construção da mensagem poética e na conformação de seu significado.
A "dominante", que foi um dos conceitos mais elaborados e produtivos da teoria formalista
russa, é defendida por
Jakobson
(3, p. 145) como "o elemento focal de uma obra de arte: ela
governa, determina e transforma os outros elementos. É ela que garante a coesão da estrutu-
ra—.
Segundo
ressalta
Tynianov
(6, p. 102), a coesão de constituintes amoldados a um elemento
regente é fator de expressão do dinamismo da forma literária:
"A forma da obra literária
deve
ser sentida como uma forma dinâmica.
Esse
dinamismo manifesta-se na noção do princípio da construção.o há equivalência
entre os diferentes componentes da palavra: a forma dinâmicao se manifesta nem por sua
* O presente estudo tomou em
consideração
sugestões de análise
feitas
em apêndice â
antologia
Literatura
brasileira
em
curso,
organizada por
RIEDEL,
D. etalii
(6,
p.
444-5).
**
Departamento
de
Lingüística
-
Instituto
de Letras,
História
e Psicologia -
UNESP
-
19800
- Assis - SP.
*** Traduzimos.
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Alfa, São Paulo

O TECIDO SINTÁTICO "TECENDO A MANHÃ"*

Mercedes Sanfelice RISSO

RESUMO: O artigo é uma análise do poema "Tecendo a Manhã", de João Cabral de Melo Neto, em que a organização sintática é tomada como principal fator verbal caracterizadorda construção da mensagem poética e dlrecionador de outros constituintes lingüísticos a ele assimilados. A tessitura sintática, apoiada em mecanismos variados de coesão e remontagem de estruturas, é vista como expressão forte do artesanato poético a revelar, plasticamente, um outro trabalho artesanal: o dos galos unidos na composição solidária e gradativa da manhã.

UNITERMOS: Construção sintática; coesão textual; elipse; recorrência léxica; seqüenciadores; coordenação; anáfora; cruzamento verbal; gradação.

José Marfa Diez Borque, em seu livro El comentário de textos literários (2, p. 10), considera, contra o perigo da prolixa enumeração de fatos na prática de análise de textos, a importância da identificação dos agentes caracterizadores de sua estrutura, como etapa a percorrer na apreciação critica do seu sistema de organização interna.

Sem pretender atribuir ao fator "caracterizador" a condição de agente absoluto e exclusivo da poeticidade, diríamos que o nervo lingüístico construtor do poema "Tecendo a Manhã", de João Cabral de Melo Neto (5, p. 19-20), é a sua organização sintática.

O arranjo dado às palavras, no plano sintagmático, orientado para uma espécie de configu- ração icônica do tecer da manhã, promove-o à condição de fator verbal "dominante" e, portan- to, subordinante de outros planos de elaboração da linguagem, que se amoldam a ele e com ele interagem na construção da mensagem poética e na conformação de seu significado.

A "dominante", que foi um dos conceitos mais elaborados e produtivos da teoria formalista russa, é defendida por Jakobson (3, p. 145) como "o elemento focal de uma obra de arte: ela governa, determina e transforma os outros elementos. É ela que garante a coesão da estrutu- r a —. Segundo ressalta Tynianov (6, p. 102), a coesão de constituintes amoldados a um elemento regente é fator de expressão do dinamismo da forma literária:

"A forma da obra literária deve ser sentida como uma forma dinâmica. Esse dinamismo manifesta-se na noção do princípio da construção. Não há equivalência entre os diferentes componentes da palavra: a forma dinâmica não se manifesta nem por sua

  • O presente estudo tomou em consideração sugestões de análise feitas em apêndice â antologia Literatura brasileira em curso, organizada por RIEDEL, D. etalii (6, p. 444-5). ** Departamento de Lingüística - Instituto de Letras, História e Psicologia - UNESP - 19800 - Assis - SP. *** Traduzimos.

reunião nem por sua fusão (...), mas por sua interação e, em conseqüência, pela promoção de um grupo de fatores em detrimento de um outro. 0 fator promovido deforma os que lhe são subordinados".

'Tecendo a manhã" é a expressão clara de uma forma dinâmica constituída na base de um sistema estruturado de procedimentos, que se regem pela pauta da organização sintática.

"TECENDO A MANHÃ"

  1. Um galo sozinho não tece uma manhã:

  2. ele precisará sempre de outros galos.

  3. De um que apanhe esse grito que ele

  4. e o lance a outro; de um outro galo

  5. que apanhe o grito que um galo antes

  6. e o lance a outro: e de outros galos

  7. que com muitos outros galos se cruzem

  8. os fios de sol de seus gritos de galo,

  9. para que a manhã, desde uma teia tênue,

  10. se vá tecendo, entre todos os galos.

  11. E se encorpando em tela, entre todos,

  12. se erguendo tenda, onde entrem todos,

  13. se entretendendo para todos, no toldo

  14. (a manhã) que plana livre de armação.

  15. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

  16. que, tecido, se eleva por si: luz balão.

A análise da faixa sintática do poema deixa perceber particularidades de construção dignas de nota. A primeira delas diz respeito à conexão seqüencial entre os períodos que entram em sua constituição formal. Segundo uma divisão convencional, circunscrita à orientação de uma gramática da frase, quatro períodos estruturam o poema, todos eles delimitados por uma pausa acentuada, definida graficamente pelo ponto final (versos 2,10,14 e 16). Entretanto, a especificidade da construção da mensagem torna pouco sustentável essa de- limitação gramatical, uma vez que, no nfvel global ou textual do poema, um fio condutor passa por todos os segmentos, atando-os uns aos outros, num só "continuum". Esse fio condutor de- corre da atualização de fatores de coesão textual de diferente natureza, manifestando-se no decorrer de todo o poema. Destaquemos, primeiramente, a ocorrência de tais fatores nos espaços que medeiam entre o que poderia ser convencionalmente considerado o final de um período e o início de outro. A "amarração" sintática é, nesses pontos, assentada em mecanismos coesivos (v. 4, p. 15) ora do tipo substituidor, na base de uma elipse*-

  • Indicamos sempre a elipse pelo símbolo CZ5 , com a explicitação do elemento elíptico em seu interior.

Alfa, SSo Paulo, 32: 95-100,1988.

formas indefinidas de artigos e pronomes; estas aparecem, no poema, alternadas com o pro- nome pessoal de terceira pessoa, anafórico, que, por sua vez, formaliza o velho:

c) a reiteração léxica, onde se destaca a repetição da palavra galo (explícita oito vezes e implícita três, dentro da primeira estrofe), referida aos "tece- lões", bem como das palavras que denotam suas ações, cumpridas sempre em dois movimentos: um retrospectivo - apanhe (duas ocorrências) - e ou- tro prospectivo - lance (quatro ocorrências). Com relação a este último verbo, é importante ter em conta o enquadra- mento sintagmático que conduz a inferir em dois momentos sua presença, entretanto elipticamente processada, no final dos versos 3 e 5:

Nos dois casos, o verbo elidido aparece explícito imediatamente depois na seqüência, po- rém já referido a outro sujeito. Cria-se, então, como que uma remontagem de estrutura e de versos, altamente conotativa da correspondente remontagem de agentes e de ações: nem bem um grito é lançado por um galo, já é imediatamente apanhado e lançado por outro, a outro, num trabalho que não tem solução de continuidade.

Percebe-se já, por todos esses dados, a perfeita ajustagem da linguagem à realidade por ela evocada. A teia da manhã, que, no plano real, vai sendo tecida pela integração gradativa e co- munitária de fios de galos, no plano lingüístico vai sendo isomorficamente composta por uma sintaxe que avança e volta a seu ponto de partida e torna a avançar, mais volumosa, fixando sua tônica na coesão e continuidade dos constituintes.

Há, pois, em outros termos, "uma construção racional - um artesanato (o do poeta que tra- balha a língua) - artesanato que didaticamente descreve outro artesanato (o dos galos tecendo a 'teia tênue" da manhã" (5, p. 444-5).

Interagindo nesse processo de artesania poética, a figura da gradação percorre todo o poe- ma, projetando o crescendo progressivo de vozes de galo conformadoras da manhã. Para acompanhá-la, basta atentar para a evolução das formas pronominais indefinidas, numa escala que vai de "um galo sozinho" a "todos os galos", no desenvolvimento sintagmático da primeira estrofe:

A cadeia de formas indefinidas, além de revelar a acumulação gradativa dos agentes da manhã, revela também, pelo estatuto de "dêixis-zero" (1, p. 155) que as particulariza, o anoni- mato desses agentes, natural num trabalho em que cada um vale não por sua identidade pró- pria, mas por sua integração ao conjunto.

É o conjunto já formado que se firma na segunda estrofe, onde desponta a repetição da for- ma todos, diferentemente introduzida: "entre todos", "entrem todos", "para todos"... "no toldo".

"De um que apanhe esse grito que el< e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes! e o lance a outro; e de outros galos".

"um galo sozinho... um... outro... um outro... outro... outro... muitos outros entre todos os galos".

Projetada no final da cadeia sintática e sonora, esta última forma (toldo) é assimilada à se- qüência, tomando-se plurissignificativa e definindo simultaneamente o produto de um trabalho e os próprios trabalhadores: o toldo (da manhã) tecido por todos. Idêntico procedimento de plurissignificação apoiada na interação de unidades seqüenciais é registrado pouco antes no poema, a partir do primeiro verso da segunda estrofe, com término definido no terceiro verso, ou décimo terceiro de toda a composição: "E se encorpando em tela^lentrej todos, se er^u^n~doj|en|da ondelentréml todos, se lentrejtendjendol para todos, no toldo". No cruzamento fono-sintático e semântico é engendrado, aqui, no expressivo trabalho plás- tico de dispor palavras na linearidade sintagmática, cruzar suas categorias, contagiá-las umas de outras, tomá-las em parte, para, finalmente, juntá-las num todo, tecendo assim, aos poucos, uma rede sonora - entretendendo - que prende em si, num só conjunto, traços sêmicos de ca- da uma das partes que se somam.

Esse "entretecimento" léxico-sintático corporifica expressivamente, no plano da mensagem, o clfriax da solidariedade e da conjunção de forças no plano referencial. É exatamente após es- se ponto alto do processo dinâmico de construção da mensagem que o poema revela, em seus três últimos versos, a manhã como algo já definitivamente composto. Bastante engenhoso é o processamento das categorias verbais de modo e aspecto, na re- presentação das etapas dessa composição gradativa da manhã. Com efeito, nota-se, num primeiro momento, toda uma série de subjuntivos - apanhe (ver- sos 3 e 5), lance (versos 4 e 6), cruzem (verso 7), (verso 10) - que representam o que ain- da está por vir, ou o que é necessário para a conformação de um estado. Não perturbam a sig- nificação desse padrão modal aí instituído as duas fornias de indicativo ocorrentes nos dois primeiros versos: é de se observar que uma delas vem determinada por uma partícula de ne- gação ("não tece"), atestando o que certamente não se dá, e a outra incide sobre a expressão onitemporal ("precisará sempre") da própria necessidade de uma comunhão de forças para a concretização de algo novo. A visão da manhã como um fato real, concreto, visível, é dada pelo modo indicativo ocor- rente na parte final do poema, especificamente nas formas verbais: plana (verso 14) e eleva (verso 16). Essas formas, pela significação modal de constatação objetiva que em si encerram, representam uma ruptura do padrão subjuntivo instaurado no primeiro momento. Do ponto de vista aspectual, os dados verbais" tecendo" (últirpo verso da primeira estrofe) e "tecido" (último verso da segunda) correspondem, em relação ao processo de configuração da manhã, a duas fases de tessitura: na perffrase com gerúndio e nos outros gerúndios subse- qüentes (encorpando, erguendo, entretendendo - versos 11,12 e 13), o aspecto durativo cur- sivo assinala a ação em seu desenvolvimento e progressão; no particípio passado (tecido), a significação aspectual terminativa acusa a ação concluída, cujo efeito se concretiza no produto que ganha força e se desprende dos artesãos, síntese de tudo:

"(a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão".