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Criação de uma Reserva Arqueológica em São Marcos, Sintra, Exercícios de Materiais

A criação de uma reserva arqueológica em são marcos, sintra, com o objetivo de salvaguardar um sítio arqueológico para a posteridade e permitir a pesquisa e valorização da estação arqueológica. A reserva abrange uma área de 2,6 ha e inclui um sítio arqueológico com ocupação proto-histórica e romana. O documento discute os objetivos da intervenção arqueológica, a caracterização das realidades observadas e a eventual preservação e integração das realidades descobertas.

O que você vai aprender

  • O que foi descoberto durante as campanhas de escavação em São Marcos, Sintra?
  • Como surgiu a ideia de criar uma reserva arqueológica em São Marcos, Sintra?
  • Qual é o objetivo da criação da reserva arqueológica em São Marcos, Sintra?
  • Por que é importante a criação de reservas arqueológicas em Portugal?
  • Como foram as características do sítio arqueológico de São Marcos, Sintra?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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REVISTA PORTUGUESA DEArqueologia.volume 8. número 2.2005, p.335-362
RESUMOApresentam-se os resultados dos trabalhos desenvolvidos, no Outono de 2002, no sítio
arqueológico de São Marcos, tendo em vista a preservação e salvaguarda das ruínas arqueo-
lógicas identificadas em 1979 e 1984. O povoado de São Marcos compreende uma vasta
área de vestígios arqueológicos atribuíveis à Proto-História e ao período romano, onde já
em época alto-imperial se terá, possivelmente, desenvolvido uma grande exploração agro-
pecuária. A colecção dos materiais arqueológicos, então exumada — hoje em reserva no
Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas —, comprova a permanência em São Mar-
cos de populações desde o século III a.C. até aos finais do século VI/VII d.C. A realização
desta campanha teve por principal objectivo proceder ao registo gráfico, topográfico e foto-
gráfico de todas as realidades arqueológicas ainda existentes no terreno, visando a criação
de uma área de reserva arqueológica. O estabelecimento da reserva arqueológica de São
Marcos constituiu uma medida ambiciosa e inovadora, porquanto se decidiu salvaguardar
um sítio arqueológico para a posteridade. Tal situação permitirá, no futuro, pesquisar e
valorizar a estação arqueológica, com o objectivo quer da obtenção de resultados que pos-
sibilitem, de modo rigoroso e exaustivo, reconstituir a verdadeira história da presença
humana no povoado de São Marcos, quer proceder à sua musealização e consequente usu-
fruto público das ruínas.
ABSTRACTThe following text presents the results of fieldwork conducted in autumn
2002 in the São Marcos archaeological site intended to preserve and safeguard the archae-
ological ruins identified in 1979 and 1984. The settlement of São Marcos covers a vast area
of archaeological remains attributed to the Protohistoric and the Roman periods, where a
major farming and cattle-raising activity may well been developed during the high impe-
rial period. The collection of archaeological artefacts uncovered in the site — now kept in
the São Miguel de Odrinhas Archaeological Museum — proves that São Marcos was popu-
lated from the 3rd century BC until the end of the 6th century AD. The main objective of
this archaeological campaign was to achieve a graphic, topographic and photographic
record of all archaeological evidence still to be found in the terrain, in order to create an
archaeological reserve in the site. The establishment of the archaeological reserve of São
O sítio arqueológico de São Marcos
(Sintra):criação de uma reserva
arqueológica
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R E S U M O Apresentam-se os resultados dos trabalhos desenvolvidos, no Outono de 2002, no sítio arqueológico de São Marcos, tendo em vista a preservação e salvaguarda das ruínas arqueo- lógicas identificadas em 1979 e 1984. O povoado de São Marcos compreende uma vasta área de vestígios arqueológicos atribuíveis à Proto-História e ao período romano, onde já em época alto-imperial se terá, possivelmente, desenvolvido uma grande exploração agro- pecuária. A colecção dos materiais arqueológicos, então exumada — hoje em reserva no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas —, comprova a permanência em São Mar- cos de populações desde o século III a.C. até aos finais do século VI/VII d.C. A realização desta campanha teve por principal objectivo proceder ao registo gráfico, topográfico e foto- gráfico de todas as realidades arqueológicas ainda existentes no terreno, visando a criação de uma área de reserva arqueológica. O estabelecimento da reserva arqueológica de São Marcos constituiu uma medida ambiciosa e inovadora, porquanto se decidiu salvaguardar um sítio arqueológico para a posteridade. Tal situação permitirá, no futuro, pesquisar e valorizar a estação arqueológica, com o objectivo quer da obtenção de resultados que pos- sibilitem, de modo rigoroso e exaustivo, reconstituir a verdadeira história da presença humana no povoado de São Marcos, quer proceder à sua musealização e consequente usu- fruto público das ruínas.

A B S T R A C T The following text presents the results of fieldwork conducted in autumn 2002 in the São Marcos archaeological site intended to preserve and safeguard the archae- ological ruins identified in 1979 and 1984. The settlement of São Marcos covers a vast area of archaeological remains attributed to the Protohistoric and the Roman periods, where a major farming and cattle-raising activity may well been developed during the high impe- rial period. The collection of archaeological artefacts uncovered in the site — now kept in the São Miguel de Odrinhas Archaeological Museum — proves that São Marcos was popu- lated from the 3rd century BC until the end of the 6th century AD. The main objective of this archaeological campaign was to achieve a graphic, topographic and photographic record of all archaeological evidence still to be found in the terrain, in order to create an archaeological reserve in the site. The establishment of the archaeological reserve of São

O sítio arqueológico de São Marcos

(Sintra): criação de uma reserva

arqueológica

CATARINA COELHO 1

Marcos constitutes an ambitious and innovative measure, given that it has been decided to safeguard an archaeological site for posterity. In the future this will make it possible to investigate and valorise this archaeological site, in order to establish a museological unit, enable public use of the ruins and obtain results that will make it possible to reconstitute in a rigorous and exhaustive manner the true history of the human presence in the settle- ment of São Marcos.

1. Implantação

A estação arqueológica de São Marcos loca- liza-se na freguesia de São Marcos (concelho de Sintra), no seio da urbanização epónima (Coord. UTM 29SMD765011). Está implantada numa encosta suave — formando aparentemente uma área tendencialmente de esporão —, com altitude média de 200 m, sobranceira, a norte e a nascente, à denominada Ribeira dos Ossos, e, a sul, à Ribeira de São Marcos. Na região circundante, também no Conce- lho de Sintra, encontram-se inventariados diver- sos sítios e monumentos arqueológicos coevos, como são exemplo o povoado da Idade do Ferro do Cotão, o sítio arqueológico de Colaride, a esta- ção romana e galerias de minas de granadas do Suímo e a barragem romana de Belas.

2. História do sítio

A Estação Arqueológica de São Marcos foi identificada em 1978, embora só no ano seguinte se tenha dado início a um conjunto de sonda- gens arqueológicas com o objectivo de detectar vestígios estruturais e estratigráficos conserva- dos, bem como obter algumas cronologias. Observaram-se, então, construções que apontavam para várias fases de ocupação do sítio. A identificação de um fragmento de ânfora neo-púnica e de um fragmento de sigillata foceense tardia estendia essa mesma presença desde o século II a.C. ao século VI/VII d.C. A longa diacronia de ocupação do sítio de São Marcos, traduzida pela grande diversidade tipológica e, sobretudo, cronológica dos materiais arqueológicos exumados, revelou, em pri- meiro lugar, a existência de um povoado proto-histórico em pleno funcionamento, pelo menos, desde o século III a.C. Nos alvores do Império Romano deverão ter ocorrido alterações arqui- tectónicas e funcionais neste aglomerado populacional, tendo-se transformado muito possivel- mente numa grande propriedade fundiária, dedicada à exploração agro-pecuária.

Catarina Coelho O sítio arqueológico de São Marcos (Sintra):criação de uma reserva arqueológica

Fig. 1 Localização do sítio arqueológico de São Marcos no actual território português e na Carta Militar de Portugal , Esc. 1:25 000, Fl. 430, ed. 1992].

restre ao longo do referido vale — próximo do qual, aliás, se sucedem os vestígios da ocupação romana (já no Concelho de Oeiras), como é o caso específico de Laveiras I, mesmo junto à ribeira, e Cotão Velho, Galegas, Leião, Talaíde e Alto das Cabeças, estas últimas numa perspectiva mais abrangente do território envolvente, mas coeva do ponto de vista cronológico (Cardoso e Car- doso, 1993). Aliás, segundo um dos autores “é nítida a distribuição de vestígios ao longo dos vales mais importantes, cujas veigas, especialmente na parte terminal dos principais cursos de água (…) seriam objecto de cultivo intensivo (Cardoso, 2000, p. 161-162). Para além desta componente marítima, tratava-se de um território virado para o interior, onde a exploração dos recursos naturais (das pedreiras, das minas e da produção agro-pecuária, entre outras) desempenhava um papel fundamental no seio dos agri abastecedores da grande cidade de Olisipo. A diversidade regional do espó- lio exumado, em São Marcos — con- cretamente as cerâmicas finas de importação e alguns contentores anfóricos em associação com pro- duções locais/regionais —, deverá ser, assim, entendido numa perspectiva de relação simbiótica entre o povo- ado, a urbs e o território envolvente. Uma significativa parte do con- junto material recolhido constitui um exemplo dos mais antigos docu- mentos arqueológicos fruto da comercialização de produtos romanos na Lusitânia, ilustrado pelos fragmentos de ânforas neo-púnicas e itálicas associados a cerâmicas campanienses. Revela, por outro lado, a existência de uma comunidade detentora de um considerável poder de compra, que lhe permitia a aquisição de produtos importados de grande distância. Situação esta que se estende por todo o longo período de ocupação do habitat de São Marcos, assistindo- -se ainda no século VI/VII d.C. à importação de produtos originários do Mediterrâneo oriental. O espólio arqueológico anteriormente exumado — actualmente em reserva do Museu Arqueo- lógico de São Miguel de Odrinhas — demonstra a permanência em São Marcos de populações desde o século III a.C. até ao século VI/VII d.C. O abundante conjunto artefactual recolhido caracteriza-se pela presença significativa de recipientes cerâmicos, onde se destaca o registo de utensilagem de uso comum de cozinha — panelas, potes e malgas; de armazenamento — como grandes talhas ( dolia ); de mesa — onde se observa a presença de cerâmicas campanienses, de produções de terra sigillata itálica, sudgálica, hispânica, norte-africana e foceense tardia; e de transporte, pela identificação de fragmentos de ânforas (classes 22, 23, 25, e 32 de Peackock e Williams, 1986) originários do Norte de África e da Bética, que traduzem a importação, em determinados períodos, de azeite e preparados de peixe para consumo local dos habitantes. Registou-se também a presença de pesos de tear que, associados a fusos e outros elemen- tos metálicos, em osso e cerâmica, reflectem a existência de actividades relacionadas com a tece- lagem, bem como com a própria manufactura dos pondera , eventualmente, em olarias locais, no âmbito da produção de cerâmica comum (Ribeiro, 1990, p. 9/2).

Catarina Coelho O sítio arqueológico de São Marcos (Sintra):criação de uma reserva arqueológica

Fig. 3 Sítio Arqueológico de São Marcos: localização face ao Rio Tejo (extracto da Carta Corográfica de Portugal , esc. 1:50 000, fl. 34 C: Cascais, ed. 1955.

Do conjunto de cinco numismas em bronze recolhidos, destaca-se pelo seu extraordinário estado de conservação um exemplar cunhado cerca de 230 d.C., cujo anverso ostenta a efígie de Iulia Mamaea e, no reverso, uma representação da Fecunditas Augustae — ou seja, da própria fecun- didade da família e acção imperiais.

Recolheram-se, ainda, alguns fragmentos de vidro correspondentes a pequenas taças de cores variadas, bem como objectos de osso, identificados como cabos de artefactos metálicos. Os pregos e cavilhas em ferro constituem o maior conjunto de metais exumados, natural- mente relacionados com os vestígios estruturais das edificações identificadas. Porém, regista-se ainda a presença de espátulas e chapas, em bronze e cobre, utensílios naturalmente relaciona- dos com o mobiliário e objectos do quotidiano. Os dois elementos de mó recolhidos são ambos de granito e, para além de atestarem a trans- formação dos produtos cerealíferos cultivados na área do povoado, permitem estabelecer uma evolução cronológica para o aproveitamento dos cereais, uma vez que se registou a presença de um dormente de mó manual, atribuível à Idade do Ferro, e de uma mó giratória, parcialmente fracturada, incontestavelmente já romana.

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Fig. 4 Numisma, de bronze, cunhado cerca de 230 d.C., cujo anverso ostenta a efígie de Iulia Mamaea e no verso Fecunditas Augustae.

Fig. 5 Mó de sela e mó giratória fragmentada, testemunhos da ocupação proto-histórica e romana do sítio arqueológico de São Marcos, respectivamente.

sítio arqueológico. Por outro lado, projectou-se a plantação de um prado sequeiro, sobre o qual se distribuiria um circuito de manutenção, sem fundações, de modo a não prejudicar os vestí- gios arqueológicos já identificados e que então seriam novamente soterrados. A construção de um campo de ténis e outro de futsal foi planificada, quase na totalidade, para uma área onde não haviam sido identificados vestígios arqueológicos nas intervenções efec- tuadas em 1979 e 1984. A finalizar, e já no exterior da área arqueológica, erigir-se-ia uma veda- ção em alvenaria e malha termo-soldada que protegeria, desta forma, o novo espaço lúdico-des- portivo.

3.2. Objectivos e metodologia

Dada a existência comprovada nesta área de uma estação arqueológica com ocupação proto- -histórica e romana — não obstante o espaço por nós disponibilizado, e que viria a ser afectado, fosse claramente limítrofe ao núcleo onde se havia registado a maior abundância de vestígios arqueológicos conservados —, os objectivos da presente intervenção visaram: 1) a identificação de possíveis vestígios e/ou estruturas conservadas nesta área específica do terreno; 2) a caracte- rização das realidades observadas; 3) eventual preservação e/ou integração das realidades pos- tas a descoberto; 4) a limpeza, registo gráfico e fotográfico, protecção e salvaguarda das estru- turas arqueológicas identificadas nas campanhas de 1979 e 1984. A intervenção arqueológica decorreu, tal como previsto, entre o dia 23 de Setembro e 29 de Outubro de 2002. Durante o desenvolvimento dos trabalhos de campo, concretamente no à frente designado sector norte, utilizou-se o método Barker-Harris. No sector norte, para onde estava prevista a construção dos equipamentos desportivos, marcou-se inicialmente o terreno com uma área de 12 m x 4 m, estabelecendo-se uma quadrí- cula de 4 m x 4 m designada por J5, J6 e J7. Após a intervenção manual destes 48 m 2 , dada a inexistência de estruturas e contextos arqueológicos preservados, prosseguiram-se os trabalhos através de meios mecânicos. Na área das valas de sondagem, abertas em 1984, limitámo-nos a limpar as estruturas, atri- buindo designações distintas, a saber: para as valas propriamente ditas, uma listagem alfabética, de acordo com o registo do caderno de campo das anti- gas campanhas. Às estruturas foi atribuí- da uma ordenação de I a XV conforme iam sendo inter- vencionadas no terreno. Esta classificação prendeu-se com a necessidade de se proceder ao registo seguro da proveni- ência dos materiais arqueo- lógicos inevitavelmente reco- lhidos durante as operações de limpeza.

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Fig. 6 Trabalhos de limpeza das estruturas existentes no terreno.

3.3. Leitura estratigráfica

Apenas na nova área intervencionada — para a aber- tura dos campos de futsal e de ténis — se registou uma estra- tigrafia muito simples, decor- rente de apenas dois estratos, intimamente relacionados quer com as práticas agrícolas desenvolvidas, pelo menos, até aos finais dos anos 1970, quer com o próprio substrato ro- choso do sítio. De facto, a observação do corte efectuado no ter- reno, abaixo do talude pree- xistente, para implantação dos campos de jogos denunciava já que a camada humosa assentava sobre a rocha. O substrato rochoso e a camada de terras amareladas “arenosas” que se lhe sobrepõe indiferenciadamente, encontrava-se sensivelmente a um metro de profundidade na cota mais baixa denunciando, assim, a eventual inexistência de estruturas arqueológicas conservadas nesta área específica do terreno: sector norte.

U.E. [0] Estrato de terras castanhas avermelhadas (5 YR 3/4 - dark reddish brown), de con- sistência encortiçada, com raríssimos materiais arqueológicos e algumas pedras de médias dimensões. Trata-se da camada superficial de terra arável e humosa que cobre toda a área arqueológica e se deposita imediatamente sobre a U.E. [1].

U.E. [1] Estrato correspondente à rocha de base, composta por argilas e monólitos de basalto (7,5 YR 5/8 - strong brown).

3.4. Descrição das estruturas (re)identificadas

As valas abertas no terreno, em 1984, bem como as estruturas então identificadas, foram assinaladas num levantamento topográfico à escala 1:100. Como base de trabalho para a presente campanha utilizou-se o supracitado levantamento, a fim de se poder localizar no terreno os vestígios das estruturas registadas, uma vez que não sabíamos se as mesmas tinham resistido às intempéries — e outras agressões, nomeadamente antrópicas — dado estarem há já quase duas décadas postas a descoberto. Em 1984, as valas foram dispersas no terreno numa trama tendencialmente ortogonal, em intervalos de dois metros cada. Optámos por designar as valas alfabeticamente N-S e numeri- camente E-O, em sintonia com o caderno de campo dessa campanha. Por outro lado, numera- ram-se sequencialmente as estruturas então identificadas. Estabeleceu-se a seguinte correspon- dência:

Catarina Coelho O sítio arqueológico de São Marcos (Sintra):criação de uma reserva arqueológica

Fig. 7 Sector norte: topo da U.E. [1].

mais a Nascente destruído e os materiais de construção dispersos pelo terreno. Trata-se de uma estrutura composta maioritariamente por monólitos isométricos de basalto e calcário e alguns fragmentos cerâmicos sem vestígios de argamassa entre eles. A limpeza desta área pôs a descoberto um ténue troço de muro no final da Vala C, cuja exis- tência não havia sido registada na década de 1980.

Estrutura II Identificadas anteriormente como dois troços de paredes paralelas. Sobreviveram, de facto, dois lanços de muros dispostos quase lado a lado, desenvolvendo- -se perpendicularmente a uma parede mais robusta, paralela à qual havia outro muro que hoje se apresenta apenas vestigial. A matéria-prima utilizada é idêntica à da estrutura I.

No interior dos dois muros paralelos registaram-se vestígios de opus signinum , como que a colmatar a área existente entre ambos. Porém, a exígua dimensão deste espaço específico — sensivelmente 1 m de largura — con- diciona a interpretação funcional do mesmo como um pavimento, mas poderá, eventualmente, estar em conformidade com um local para conter águas, como por exemplo um bebedouro para animais justaposto à parede exterior do edifício. A orientação dos muros identificados sugere alguma relação com as realidades observadas na Estrutura I.

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Fig. 9 A designada Estrutura II, onde se observam dois conjuntos de muros paralelos que entrecruzam perpendicularmente (perspectiva de Sul).

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Fig. 10 Pormenor de vestígios de opus signinum entre duas paredes da estrutura II.

Fig. 11 A designada Estrutura IX, eventual lajeado (perspectiva de Oeste).

Assim, apresenta o recurso a monólitos de basalto e calcário, sobretudo nos lanços norte e poente. As restantes paredes exibem uma grande percentagem de pedras pequenas e frag- mentos cerâmicos. Nenhum dos aparelhos regista sinais de argamassa. Novidade constitui a provável entrada deste compartimento observada no lado norte, bem delimitada por dois monólitos alongados de calcário.

Estrutura XIV Localizada numa área de intercepção das sondagens de 1979, das valas de 1984 e do pró- prio talude do terreno estava identificada como um troço de parede que formava uma ângulo agudo a sudoeste. De facto, tratam-se de três lanços de muro, dois dos quais perpendiculares entre si, for- mando um canto que fecha um provável compartimento. O terceiro troço de parede, implan- tado a Sudoeste, não parece estar associado aos outros dois, pois desenvolve-se numa ori- entação completamente diferente. Saliente-se que neste espaço eram muito abundantes os fragmentos de ímbrices, testemunhando a presença das estruturas de cobertura destes com- partimentos. A matéria-prima utilizada é o basalto e o calcário, bem como fragmentos cerâmicos, sem vestígios de argamassa.

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Fig. 13 A designada Estrutura XIII.

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Fig. 14 A designada Estrutura XIV onde são visíveis três troços de muros, dois dos quais formam um canto a sudoeste.

3.5.2. Vidros

Um fragmento de parede esverdeada sem qualquer definição tipológica, resume a totali- dade dos achados vítreos provenientes desta campanha.

3.5.3. Líticos

A recolha de 14 exemplares líticos distribui-se de forma gradual entre restos de talhe (8), lamela proximal retocada (1), lascas (3) e núcleos (2). Todos os exemplares são de sílex, à excep- ção de dois restos de talhe de quartzo. A presença deste tipo de materiais justifica-se, por um lado, porque o sílex é uma matéria- -prima que abunda no território envolvente, nomeadamente nas áreas de calcários. Assinale-se a presença desta rocha nas zonas a Norte de Ribeira dos Ossos, concretamente em Colaride, Roca- nes e Barota, Belas e Agualva, revelada por Carlos Ribeiro, ainda nos finais do século XIX (Ribeiro, 1880, p. 73-74). Por outro, já nas campanhas de 1979 e 1984 tinham sido exumados seis lascas e um núcleo de sílex, bem como um seixo rolado. Merece especial referência a recolha de materiais que exibem pátina brilhante, caracterís- tica dos artefactos associados à ocupação paleolítica desta região (um fragmento de núcleo, um fragmento de lasca retocada e um resto de talhe — Fig. 17, 1 a 3). As indústrias paleolíticas foram, igualmente, reveladas por aquele investigador (Ribeiro,

  1. na área de Colaride/Barota — e de novo registados durante os trabalhos de emergência ali decorridos em 1998 (Coelho, 2002)—, pelo que talvez possamos avançar com a hipótese de, dada a curta distância entre aquelas estações arqueológicas e São Marcos, se verificar o aproveita- mento da matéria-prima para a produção de artefactos em sílex por grupos humanos coevos. Uma ocupação neolítica parece, também, começar a evidenciar-se pela presença da lamela proximal retocada, entre os diversos restos de talhe e lascas (Fig. 17, 4 e 5). De facto, no que se refere à Pré-História Recente, também, podemos estabelecer ligações com a área de Colaride/Roca- nes, dado o aparecimento de fragmentos de machado de pedra polida durante a campanha de trabalhos arqueológicos supracitada, entre diversos fragmentos de cerâmica manual.

3.5.4. Restos faunísticos

Relativamente aos restos osteológicos de origem animal registou-se a total ausência dos mesmos no sector norte. Na limpeza das valas e das estruturas associadas foram apenas exuma- dos 13 fragmentos, donde se destaca a recolha de três dentes ou conjuntos de dentes.

4. A criação de uma reserva arqueológica

Actualmente, o local onde se implanta a estação arqueológica de São Marcos é património municipal. No conjunto de terrenos salvaguardados, que abrange cerca de 2,6 ha — uma área um pouco mais vasta do que o sítio arqueológico propriamente dito —, criou-se uma reserva arqueológica e foi elaborado um projecto de integração deste espaço na Urbanização de São Marcos, através

Catarina Coelho O sítio arqueológico de São Marcos (Sintra):criação de uma reserva arqueológica

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Fig. 15 Sítio arqueológico de São Marcos: levantamento topográfico das estruturas arqueológicas reidentifcadas, sobre ortofotomapa da área.

Após o registo exaustivo das várias estruturas reidentificadas, forraram-se as valas com rede sombra, no sentido de proteger os vestígios arqueológicos. Sobre esta tela foram depositados vários metros cúbicos de areia de rio, para assinalar a base das fossas. Estas foram preenchidas, posteriormente, com terra vegetal, em cima da qual foi plantado prado sequeiro. Finalmente, distribuíram-se os diversos elementos do circuito de manutenção, sem funda- ções profundas (entre 0,30 e 0,50 m), de modo a não prejudicar os vestígios arqueológicos iden- tificados. Em simultâneo, edificaram-se os campos de ténis e de fut-sal no sector norte, na área onde não foram identificados quaisquer vestígios estruturais e estratigráficos conservados. As formas e o regime de protecção previstos na legislação em vigor (Art.º 75.º da Lei 107/01, de 8 de Setembro) preconizam a criação de “reservas arqueológicas de protecção”, com vista à realiza- ção de intervenções arqueológicas que permitam, num futuro próximo, aferir o interesse científico e patrimonial de determinado sítio arqueológico. Relativamente ao povoado de São Marcos optou- se por ir mais longe. Ou seja, transformar o carácter temporário que a lei prevê num longo prazo, através do qual se possa estudar convenientemente este importante habitat dos agri olisiponenses. O estabelecimento da Reserva Arqueológica de São Marcos constitui, assim, uma medida ino- vadora, porquanto se decidiu salvaguardar um sítio arqueológico para a posteridade, não se proce- dendo desde já à sua exploração. Esta situação permitirá um dia — com maior oportunidade, mais meios financeiros, humanos e científicos — investigar e valorizar esta área arqueológica, com os objectivos quer da obtenção de resultados que então possibilitem, de modo rigoroso e exaustivo, reconstituir a verdadeira história da presença humana no povoado de São Marcos, quer a sua efec- tiva musealização e consequente usufruto público das ruínas, hoje salvaguardadas mas soterradas. Tal atitude deliberada e assumida promoveu, dessa forma, a transmissão às gerações vin- douras de um legado comum, visando a estimulação do interesse das populações para questões tão actuais como a salvaguarda e preservação do Património Histórico-Cultural.

NOTAS

(^1) Arqueóloga do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas. Agradece-se, igualmente, a Linda Pereira (CPL) a tradução para (^2) Agradece-se a colaboração de Ana Isabel Neves e Joel Marteleira língua inglesa do resumo apresentado. na execução dos desenhos dos materiais arqueológicos 3 A descrição das formas de cerâmica de uso comum segue a exumados e do registo das estruturas identificadas no terreno. tipologia de Pinto, 2003.

BIBLIOGRAFIA

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O sítio arqueológico de São Marcos (Sintra):criação de uma reserva arqueológica Catarina Coelho

Catálogo^3

SM(02)[0]87; sílex; frag. lasca cortical retocada parcialmente, com pátina brilhante (Paleol.); Fig. 17, 1. SM(02)[0]88; sílex; frag. núcleo com pátina brilhante (Paleol.); Fig. 17, 2. SM(02)[0]84; sílex; núcleo; Fig. 17, 3. SM(02)[0]85; sílex; lasca; Fig. 17, 4. SM(02)[0]86; sílex; lamela proximal retocada (Neol.); Fig. 17, 5. SM(02)[0]53; cerâmica; frag. de bordo voltado para o exterior de potinho (X-A); pasta pouco homogénea de cor castanha; bastantes c.n.p. finos e médios; superfícies rugosas castanhas; diâm. bordo 130 mm; esp. bordo 6 mm; esp. parede 7 mm; Fig. 18, 1. SM(02)[0]41; cerâmica; frag. bordo oblíquo, geralmente amendoado e voltado para fora de panela de pança esférica ou ovóide, sem asas (VIII-B-2); pasta homogénea de cor laranja- -rosada; c.n.p. finos e médios; superfícies alisadas laranja-rosadas; diâm. bordo 150 mm; esp. bordo 7 mm; esp. parede 5,5 mm; Fig. 18, 2. SM(02)[0]23; cerâmica; frag. bordo voltado par o exterior de pote (IX-A-1), de cerâmica cin- zenta; pasta muito homogénea de cor cinzenta; c.n.p. muito finos; superfícies alisadas cin- zento-claras; diâm. bordo 200 mm; esp. bordo 4 mm; esp. parede 4 mm; Fig. 18, 3. SM(02)[0]48; cerâmica; frag. bordo espessado para o exterior de potinho de colo pronunciado e largo levemente côncavo; pasta heterogénea de cor creme-rosada com núcleo acinzentado, c.n.p. finos; superfícies alisadas creme-rosadas; diâm. bordo 190 mm; esp. bordo 4 mm; esp. parede 6,5 mm; Fig. 18, 4. SM(02)[0]63; cerâmica; frag. bordo de pote grosseiro; pasta pouco homogénea de colora- ção laranja-acastanhada; bastantes c.n.p. finos; superfícies rugosas laranja-acastanhada (ext.) e castanha (int.); diâm. bordo 130 mm; esp. bordo 7 mm; esp. parede 10 mm; Fig. 18, 5. SM(02)[0]38; cerâmica; frag. bordo de cerâmica grosseira; pasta pouco homogénea de colo- ração laranja; bastantes c.n.p. finos; superfícies rugosas laranja; diâm. bordo 202 mm; esp. bordo 10 mm; esp. parede 7,5 mm; Fig. 18, 6. SM(02)[0]59; cerâmica; frag. bordo de pote grosseiro; pasta pouco homogénea castanha; c.n.p. finos; superfícies rugosas castanhas queimadas; diâm. bordo 138 mm; esp. bordo 8 mm; esp. parede 9 mm; Fig. 18, 7. SM(02)[0]78; cerâmica; frag. bordo formando garganta interna de pote (X-B); pasta pouco homogénea de cor castanha-escura; bastantes c.n.p. finos; superfícies rugosas negras quei- madas; diâm. bordo 104 mm; esp. bordo 5 mm; esp. parede 7 mm; Fig. 18, 8. SM(02)[0]68; cerâmica; frag. bordo horizontal amendoado e pequeno de pequena talha (XIII-A-1-c); pasta pouco homogénea de cor castanha-avermelhada; bastantes c.n.p. finos e médios; superfícies rugosas castanhas; diâm. bordo 226 mm; esp. bordo 16 mm; esp. parede 12 mm; Fig. 18, 9. SM(02)[0]33; cerâmica; frag. bordo de potinho/bilha; pasta homogénea compacta de cor laranja; c.n.p. finos; superfícies alisadas com engobe castanho-escuro; diâm. bordo 54 mm; esp. bordo 5 mm; esp. parede 7 mm; Fig. 19, 1. SM(02)[0]43; cerâmica; frag. bordo voltado para o exterior de bilha (XII-A); pasta homogé- nea compacta de cor laranja-vivo ; c.n.p. finos; superfícies alisadas laranja-claras; diâm. bordo 48 mm; esp. bordo 6 mm; esp. parede 2 mm; Fig. 19, 2.

Catarina Coelho O sítio arqueológico de São Marcos (Sintra):criação de uma reserva arqueológica