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O SINCRETISMO NOS QUADRINHOS, Slides de Semiótica

Por esta razão, é importante lembrar que nesta perspectiva discursiva, qualquer texto de qualquer linguagem pode ser analisado enquanto uma ...

Tipologia: Slides

2022

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VI SEMINÁRIO LEITURA DE IMAGENS PARA A EDUCAÇÃO: MÚLTIPLAS MÍDIAS
Florianópolis, 19 e 20 de agosto de 2013
151
O SINCRETISMO NOS QUADRINHOS
Manoela Boianovsky da Costa 1
Murilo Scóz 2
RESUMO
O design é uma ferramenta sincrética que opera com a transmissão de mensagens, portanto
passível de análise sob aspectos da semiótica discursiva, da mesma forma que os quadrinhos e
o cinema.. Neste estudo é analisado o primeiro capítulo do livro A invenção de Hugo Cabret, de
Brian Selznick, intitulado “O ladrão”, particularmente seu aspecto de alternância verbovisual.
Serão aqui aplicados instrumentos da semiótica à esta linguagem, no intuito de investigar a
estratégias de sincretização adotadas pelo autor. Propõe-se estudar a partir do modelo de
análise greimasiana estas articulações verbovisuais num sistema com evidente vocação
sincrética.
PALAVRAS-CHAVE:
narrativa gráfica, semiótica visual, sincretismo, Selznick.
INTRODUçãO
A semiótica de matriz francesa, comumente identificada como discursiva, é menos
frequentemente referida como “semiótica narrativa”. Esta distinção não deriva de filiações
teóricas distintas, mas mais diretamente de uma demarcação metodológica que privilegia
um nível diferente de análise dentro do mesmo modelo semiótico, o chamado Percurso
Gerativo do Sentido. Por esta razão, é importante lembrar que nesta perspectiva discursiva,
qualquer texto de qualquer linguagem pode ser analisado enquanto uma narrativa, ou seja,
uma sequência encadeada de transformações.
Existem diferentes tipos de narrativa, que podem ser verbais, visuais, sonoras ou
mesmo sincréticas. Segundo Greimas, semióticas sincréticas são aquelas que se valem de
várias linguagens de manifestação em sua estruturação. (FIORIN, 2009, apud GREIMAS,
1979) Por conta dos diferentes níveis de articulação entre estas linguagens sincretizadas,
as possibilidades de criação de narrativas desta natureza (como a ópera, o cinema e o
teatro) são inúmeras, constituindo um rico objeto de estudo para a semiótica narrativa. Na
presente pesquisa, propõe-se abordar o universo dos quadrinhos a partir deste mesmo
pressuposto, possibilidade prevista em Volli (2012), que atribui também aos quadrinhos
a qualidade de texto sincrético, ou seja, “uma linguagem na qual as relações entre cada
1 Acadêmica do curso Bacharelado em Design Gráfico da Universidade Estadual de Santa Catarina.
2 Doutor em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design da PUC Rio. É professor efetivo do departamento de
Design da Universidade do Estado de Santa Catarina.
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Florianópolis, 19 e 20 de agosto de 2013

O SINCRETISMO NOS QUADRINHOS

Manoela Boianovsky da Costa^1 Murilo Scóz^2

RESUMO O design é uma ferramenta sincrética que opera com a transmissão de mensagens, portanto passível de análise sob aspectos da semiótica discursiva, da mesma forma que os quadrinhos e o cinema.. Neste estudo é analisado o primeiro capítulo do livro A invenção de Hugo Cabret, de Brian Selznick, intitulado “O ladrão”, particularmente seu aspecto de alternância verbovisual. Serão aqui aplicados instrumentos da semiótica à esta linguagem, no intuito de investigar a estratégias de sincretização adotadas pelo autor. Propõe-se estudar a partir do modelo de análise greimasiana estas articulações verbovisuais num sistema com evidente vocação sincrética.

PALAVRAS-CHAVE: narrativa gráfica, semiótica visual, sincretismo, Selznick.

INTRODUçãO

A semiótica de matriz francesa, comumente identificada como discursiva, é menos frequentemente referida como “semiótica narrativa”. Esta distinção não deriva de filiações teóricas distintas, mas mais diretamente de uma demarcação metodológica que privilegia um nível diferente de análise dentro do mesmo modelo semiótico, o chamado Percurso Gerativo do Sentido. Por esta razão, é importante lembrar que nesta perspectiva discursiva, qualquer texto de qualquer linguagem pode ser analisado enquanto uma narrativa, ou seja, uma sequência encadeada de transformações.

Existem diferentes tipos de narrativa, que podem ser verbais, visuais, sonoras ou mesmo sincréticas. Segundo Greimas, semióticas sincréticas são aquelas que se valem de várias linguagens de manifestação em sua estruturação. (FIORIN, 2009, apud GREIMAS,

  1. Por conta dos diferentes níveis de articulação entre estas linguagens sincretizadas, as possibilidades de criação de narrativas desta natureza (como a ópera, o cinema e o teatro) são inúmeras, constituindo um rico objeto de estudo para a semiótica narrativa. Na presente pesquisa, propõe-se abordar o universo dos quadrinhos a partir deste mesmo pressuposto, possibilidade prevista em Volli (2012), que atribui também aos quadrinhos a qualidade de texto sincrético, ou seja, “uma linguagem na qual as relações entre cada

(^1) Acadêmica do curso Bacharelado em Design Gráfico da Universidade Estadual de Santa Catarina. (^2) Doutor em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design da PUC Rio. É professor efetivo do departamento de Design da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Florianópolis, 19 e 20 de agosto de 2013

imagem são mais importantes que as próprias imagens”. Por meio desta análise, busca- se aclarar as articulações verbovisuais numa obra com particularidades estruturais que trazem diferentes implicações semânticas.

O objeto de estudo deste artigo é um recorte do livro “A invenção de Hugo Cabret”, de Brian Selznick, mais precisamente o primeiro capítulo da obra, intitulado “O ladrão”. Este livro apresenta-se sobre determinados aspectos como uma graphic novel, utilizando-se de uma narrativa de quadros em sequência associados a passagens verbais. De acordo com Discini (2009), apesar de uma história em quadrinhos obedecer a uma formatação, é um material flexível o bastante para permitir variadas situações de enunciação, sem perder o efeito de reconhecimento.

No capítulo em questão, somos levados através dos túneis e labirintos da estação de trem Montparnasse na França dos anos 30, para uma história em que um menino órfão

  • Hugo Cabret - reencontra o valor da família numa aventura que faz dialogarem o cinema mudo, a literatura juvenil, as fábulas infantis, o universo do ilusionismo e ainda as obras do cineasta Georges Méliès.

Figura 1: sequência de 8 páginas da narrativa Fonte: SELZNICK, A invenção de Hugo Cabret(2007)

Entretanto, o interesse sobre o objeto não decorre da história narrada, mas mais especificamente da forma como é apresentada essa narrativa. Diferentemente de outros quadrinhos, que articulam imagens e textos nos chamados balões de fala, “A invenção de Hugo Cabret” alterna sequências completas de ilustrações justapostas a passagens inteiramente textuais, resultando em um objeto similar a um storyboard. No total, 284 imagens alternam-se com texto verbal ao longo das 526 páginas da narrativa, sem que os dois elementos, verbal e visual, sobreponham-se um ao outro. Este estudo busca analisar este procedimento incomum adotado pelo autor enquanto estratégia de sincretização.

Para narrar a fantástica história de uma criança que descobre o paradeiro imaginário de Georges Méliės, recluso depois do término de sua carreira como cineasta, Selznick utiliza da relação tangencial e contínua entre texto e imagem, que ao longo da obra acabam por

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posto em sequência com os seguintes, narra graficamente uma história. Isso é somado à narrativa verbal e às características próprias das ilustrações de Selznick(2007), cujos enquadramentos e sequências possuem amplas referências do cinema e do storyboard.

A obra “A invenção de Hugo Cabret”(2007) apresenta característica de uma narrativa gráfica, termo que engloba também outras mídias com as quais dialoga, sobretudo o cinema. A narrativa gráfica, de acordo com Will Eisner (1996), abrange qualquer narração que utiliza-se de imagens para transmitir ideias, portanto uma série de imagens dispostas em sequência caracteriza-se como arte sequencial. Sua forma, no entanto, aproxima-se mais de um romance gráfico, devido ao detalhamento e atenção a cada imagem do quadro como uma ilustração em particular. Rui de Oliveira (2008) defende que “ilustrar é escrever por imagens”, o que pressupõe que a ilustração não apenas reitera o que se pode narrar verbalmente, mas adiciona uma nova dimensão estruturante à obra, capaz de resignificá-la por inteiro.

Em Hugo Cabret, Selznick alterna entre duas linguagens, a verbal e a visual, criando um efeito de encadeamento e continuidade entre as ilustrações (em pequenas sequências) e o texto verbal, sem submeter uma matriz a primazia da outra. Ao longo de suas 284 ilustrações, o autor (que é também o desenhista) carrega o leitor à Paris de 1931, representando de forma ao mesmo tempo lúdica e fidedigna o cotidiano de uma estação de metrô daquela cidade. É em meio a esse cenário presentificado vivazmente pelo traço expressivo de Selznick (2007) que surge o protagonista Hugo Cabret, menino órfão que vive entre os relógios e paredes da estação.

A personagem de Hugo é pobre e vive na clandestinidade, sempre temendo ser descoberto pela figura rígida do inspetor da estação, mas perseverante em seus objetivos e engenhoso dentro de suas habilidades. Hugo está determinado a conseguir peças suficientes para terminar a construção de um autômato, outro elemento de grande importância na trama. Os autômatos, criados como forma de entretenimento, eram ferramentas comumente usadas em espetáculos de mágica. A engenhosa estrutura dos autômatos geralmente imitava capacidades humanas, como desenhar e escrever. Os bonecos, cuja aparência muitas vezes imitava a de um ser humano, reproduziam mecanicamente desenhos complexos, fato que fascina até hoje qualquer visitante do Franklin Institute ao ver “Draughtsman-Writer”, construído por Henri Maillardet, em funcionamento.

A narrativa do primeiro capítulo, “O ladrão”, nos leva através dos túneis e labirintos da estação de trem Montparnasse, na França dos anos 30. Ao longo dos corredores dessa estação, encontramos figuras típicas do cotidiano parisiense dessa época, embora nossa atenção seja tomada por uma figura peculiar. Seguimos Hugo, um menino maltrapilho e ágil, em meio às passagens secretas da estação. Após acompanhar seu percurso, somos direcionados ao foco de sua atenção: uma loja de brinquedos guardada por um homem velho que ocasionalmente recebe a visita de uma garota de idade próxima a de Hugo.

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Através de seus olhos, vemos o interesse do menino nos brinquedos da loja, e uma vez que o velho adormece, Hugo se esgueira até a bancada para furtar um ratinho azul de brinquedo, mas é pego em meio a ação. Vendo-se obrigado a esvaziar os bolsos, Hugo revela a contragosto sua maior preciosidade: um caderno velho cheio de esboços de um misterioso homem-mecânico, que o velho da loja parece reconhecer. Hugo tem seu caderno confiscado, e vê-se obrigado a partir sob a ameaça da chegada do inspetor da estação. como o dono da loja de brinquedos de quem Hugo rouba peças mecânicas, e sua sobrinha bibliófaga. A trama desenvolve-se sob um caráter de filme preto e branco e apropria-se deste tema para o desenvolvimento da história, fazendo diversas referências e diálogos com o cinema que variam desde a forma e cor das ilustrações, sua sequencialidade, até títulos de capítulos que fazem alusão a filmes pioneiros em seu tempo.

ExpRESSãO E CONTEúDO

A semiótica que dedica-se especialmente à forma e ao conteúdo, significante e significado, é a semiótica do discurso, ou semiótica greimasiana, tributária da linguística saussureana. Sua abordagem baseia-se no tratamento ao mesmo tempo independente e relacionado de dois planos, o do conteúdo e da expressão, tidos como dimensões cuja reunião possibilita o estudo da emergência do sentido. Segundo Greimas, estes planos são como faces de uma mesma moeda, uma vez que encontram-se em relação de pressuposição recíproca (GREIMAS, 2008)

É possível concluir dessa forma que ambos os planos estão diretamente ligados, sendo instituída sua divisão por uma medida metodológica de análise e comente para fins de estudo. A partir desta divisão, é chamado sistema semi-simbólico o sistema em que se estabelecem correspondências entre categorias do plano da expressão e do plano do conteúdo. Em objetos sincréticos que recorrem a diferentes materialidades na construção de sua estrutura discursiva, como ocorre em A invenção de Hugo Cabret”, tal noção oferece valiosas contribuições ao entendimento das tais relações entre forma e significado.

A análise procede, inicialmente, com a distinção entre ambos os planos para atingir um estudo suficientemente minucioso no que diz respeito a seu funcionamento semiótico. É importante ressaltar, no entanto, a necessidade de manter em foco a totalidade do objeto de análise, uma vez que o sentido das partes só existe através das relações que se estabelecem no todo.

O plano do conteúdo, onde inicia a análise do primeiro capítulo da referida obra, é dividido em três níveis subsequentes, estruturados conforme um percurso gerativo: nível discursivo, nível narrativo, e nível fundamental, cada qual formados por uma dimensão sintática e outra semântica.

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personagem, é possível observar os temas da ilegalidade, da marginalização, da clandestinidade e do segredo, sedimentados em torno de figuras como a cortina de fumaça e o intrincado labirinto de túneis.

Estes investimentos figurativos e temáticos correspondem à chamada dimensão semântica do nível discursivo. Já na sua dimensão sintática, cabe analisar as relações estabelecidas na instância da enunciação (entre o enunciador e o enunciatário) e as categorias de tempo, espaço e atores (respectivamente, processos que aqui serão tratados como temporalização, espacialização e actorialização). A estas ancoragens de tempo, espaço e sujeito, Volli refere-se comodébreyage. Como afirma o autor, este procedimento se dá na instância da enunciação, como obter um efeito de objetivação do enunciado. Assim, é importante levar em conta o prólogo, onde são expostas através de uma narrativa em primeira pessoa as principais características de tempo, lugar e sujeito que se desenvolverão ao longo da obra.

“A história que estou prestes a contar se passa em 1931, sob os telhados de Paris. Aqui, você conhecerá um menino chamado Hugo Cabret que, certa vez, muito tempo atrás, descobriu um misterioso desenho que mudou sua vida para sempre. Mas antes de virar a página, quero que você se imagine sentado no escuro, como no início de um filme. Na tela, o sol logo vai nascer e você será levado em zoom até uma estação de trem no meio da cidade. Atravessará correndo as portas de um salão lotado. Vai avistar um menino no meio da multidão e ele começará a se mover pela estação. Siga-o, porque este é Hugo Cabret. Está cheio de segredos na cabeça, esperando que sua história comece.” (SELZNICK, 2007,p.1)

Figura 3: sequência de 8 páginas da narrativa Fonte: SELZNICK, A invenção de Hugo Cabret(2007)

Temos então tanto no texto verbal escrito quanto visual a reiteração de Hugo como protagonista da narrativa ao longo do capítulo, cujo ambiente e noção temporal nos são também introduzidos ao longo das primeiras 21 ilustrações. O leitor tem o olhar conduzido ao protagonista ao longo dessas ilustrações, através das quais explora a estação de trem, aprofundando-se cada vez mais em seus corredores.

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Hugo nos é apresentado neste capítulo como um menino maltrapilho que vive escondido dentro da estação de trem Montparnasse, em Paris, realizando pequenos furtos como poderia esperar-se de um personagem sem família ou moradia. O personagem possui familiaridade com o ambiente da estação, conhece seus corredores e demonstra afinidade com seus imensos relógios, o que mais tarde irá caracterizar sua capacidade e desejo de consertar coisas. Uma característica marcante deste personagem e que é reforçada neste e nos próximos capítulos é a determinação e o conhecimento empírico, principal ferramenta de Hugo ao longo da narrativa. Neste primeiro capítulo, e ao longo da primeira parte do livro, Hugo antagoniza com a figura do velho da loja de brinquedos, de quem o personagem precisa roubar peças para um fim que até o momento da narrativa não é esclarecido.

O personagem de Georges, o velho dono da pequena loja, é apresentado sob um olhar que simpatiza com a figura de Hugo, o protagonista e, portanto, sua primeira percepção é a de uma figura rígida e misteriosa. Georges demonstra-se astuto ao enganar Hugo até uma armadilha através da qual consegue pegar o garoto em flagrante, fingindo estar adormecido. Ele detém também força física o bastante para segurar Hugo, e o poder intimidador de chamar o inspetor da estação, figura que causa grande medo no garoto. Sua fraqueza é revelada quando o personagem abre o caderno de Hugo e lá descobre desenhos do autômato, um homem mecânico capaz de realizar algum movimento ou truque de mágica.

O autômato deve ser encarado também como um personagem, uma vez que não só possui papel de importância na trama, mas também passa por mudança e revela um saber, sendo uma figura sempre presente na narrativa. Talvez a mais intrigante qualidade do autômato seja o fato de que seu mecanismo é munido de uma minúscula caneta tinteiro, e a partir daí assume-se que haja uma mensagem a ser revelada, fazendo de toda a sua existência enquanto não-funcional um silêncio que Hugo não pode suportar.

A personagem de Isabelle é sob muitos aspectos oposta a de Hugo, e por esse motivo também é seu complemento. Ela é indicada como personagem no início da narrativa, quando discute com o dono da loja de brinquedos e o olhar de Hugo recai sobre ambos. Isabelle está quase sempre munida de um livro debaixo do braço, e acredita que qualquer solução pode ser encontrada num livro, sendo uma amante de bibliotecas e livrarias. No primeiro capítulo a narrativa não possui grande enfoque nesta personagem, embora sua importância seja revelada mais tarde. O conhecimento de Isabelle, em oposição ao de Hugo, é teórico e parte de estudo e leitura. A garota é curiosa e atenta, mas ainda em oposição a Hugo, é ousada e não teme novas aventuras em lugares onde nunca esteve.

Uma vez realizada a análise das figuras, temas, da espacialização, temporalização e actorialização, esse estudo parte então para o nível seguinte do plano do conteúdo, o nível narrativo, onde as figuras concretas do nível anterior tornam-se mais abstratas e abrangentes, englobando não apenas o sujeito da narrativa, mas as transformações

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Ao longo da narrativa, Hugo descobre-se como um menino capaz de reparar não apenas máquinas, mas pessoas também, e mais tarde, consegue reparar a si mesmo voltando a fazer parte de uma família. Esta, portanto, é uma narrativa sobre como um menino que repara máquinas consegue devolver também a seres humanos sua funcionalidade, e mais tarde recupera sua própria integridade.

Para melhor compreender a aplicação do quadrado semiótico a narrativa, podem ser adicionados os termos neutros e complexos.

Assim sendo, temos a união dos termos contrários funcional e quebrado, um objeto que não está em sua integridade, possui peças faltantes, mas ainda assim é dotado de alguma funcionalidade, e a este objeto chamaremos de uma engenhosidade, uma solução inesperada e persistente em realizar sua função. Unindo o implicante não-funcional ao termo quebrado, temos o conceito de sucata, um objeto que poderia facilmente ser descartado, pois está incompleto e devido a isso, não possui mais utilidade nem é capaz de exercer sua função. O termo neutro que surge da união entre não-quebrado e não- funcional é a definição de obsoleto, ou seja, objeto que apesar de estar em sua integridade, não exerce mais sua funcionalidade, sendo considerado inútil, velho, ou ambos. Já de união do implicante não-quebrado com o termo eufórico funcional, pode-se extrair o conceito de um objeto novo ou perfeitamente reparado, pois é capaz de exercer todas as funções a ele determinadas e apresenta-se em sua total integridade.

Aplicando então este modelo de quadrado semiótico aos sujeitos da narrativa de “A invenção de Hugo Cabret”, temos:

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Consideramos, por fim, uma narrativa em que o protagonista Hugo encontra-se em disjunção com o objeto de valor família, peça faltante em sua configuração, mas que nem por isso abandona sua funcionalidade em reparar sistemas, e que mais tarde recupera sua integridade e torna-se por fim completo e funcional, novamente reunido com o valor da família.

O plano da expressão é o lado oposto na moeda do plano de conteúdo, e como já mencionado, não pode dele ser dissociado, sendo esta divisão meramente didática. Este plano é de especial interesse nesse estudo, dada sua forte relação com o plano do conteúdo e a maneira como essa relação é estabelecida. De acordo com Pietroforte(2010), no que se trato de objetos semióticos de natureza plástica, sempre que houver uma relação semi- simbólica entre formas plásticas e formas semânticas, simplificadamente entre o que é dito e como é dito, há efeito de poeticidade, fato que será abordado ao final dessa análise.

Para iniciar o estudo do plano da expressão, é importante definir os quatro formantes que juntos o constituem, sendo eles o cromático, eidético, topológico e matérico. Iniciando a análise pelo formante referente a cor, temos a constatação de que grande parte do objeto foi criada a partir do contraste entre preto e branco e as tonalidades da escala de cinza, com exceção da capa que utiliza tanto cores chapadas quanto tonalidades de pastel azulado sobre uma suave escala de cinza. Todas as páginas possuem uma margem na cor preta, sendo a tipografia preta sobre um quadro branco quando a comunicação se dá por linguagem verbal escrita.

Na linguagem visual, há predominância de ilustrações criadas por Selznick através de mídia tradicional, grafite sobre papel, com forte presença de hachuras que sobrepostas criam variadas tonalidades de cinza. Há também fotografias em preto e branco e reproduções de desenhos e pinturas do cineasta Georges Méliès, facilmente diferenciáveis das ilustrações de Selznick que se caracterizam por suas texturas. As principais oposições encontradas em relação a esta categoria ocorrem entre o preto e o branco, claro e escuro, a cor chapada e as nuances e texturas, e entre desenho e fotografia ou reprodução.

Figura 4: relação entre cena de filme de Méliès e ilustração de Selznick Fonte: SELZNICK, A invenção de Hugo Cabret(2007)

Em relação ao formante eidético, aquele que se refere aos elementos plásticos como retas, paralelismos e pontos, podemos observar a representação dos túneis, escadarias e

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a uma enunciação única. É através do sincretismo que operam diversas linguagens, como o desenho e a linguagem verbal escrita, gerando um sintagma novo e único. No caso do objeto aqui estudado, essa sincretização ocorre de maneira diferenciada dos quadrinhos tradicionais devido a relação tangencial entre as diferentes linguagens, ou seja, não ocorre sobreposição das mesmas.

Figura 6: Trecho inicial da narrativa Fonte: SELZNICK, A invenção de Hugo Cabret(2007)

O primeiro aspecto a ser analisado é a clara relação do texto com o cinema. Esta relação se manifesta na enunciação, no prólogo que verbalmente conduz o leitor a uma comparação entre o livro e a mídia do cinema. Essa mesma relação com o descortinar de uma tela de um cinema antigo é reforçada na forma como as primeiras ilustrações de Selznick se apresentam, inicialmente contidas em um espaço pequeno em relação ao fundo negro e aumentando gradativamente até atingir a proporção da página, da mesma forma como um projetor que se aproxima da tela ao ser ajustado. Dessa forma, tanto a linguagem verbal escrita quanto a visual induzem o leitor a uma imersão na narrativa que se segue.

Uma vez que o olhar do leitor através das ilustrações de Selznick encontra o personagem Hugo, essa expansão da tela é contida e seu tamanho estabiliza-se pelo restante do livro até o momento daembrayage, em que é retomada a figura da lua cheia que, conforme mingua no céu, deixa também de ocupar espaço na página dupla e termina por entregar o leitor a uma página em preto, indicando o final não só da narrativa, mas da imersão típica do cinema.

Os quadros, diferentemente de quadrinhos típicos, tomam o espaço de uma

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página dupla cada um, reforçando a ideia deframe, ou seja, dando a cda quadro a ideia de movimento e continuidade em relação ao todo da cena que se desenvolve. Sob esse aspecto, Teixeira (2009) destaca a importância do sincretismo como ferramenta de coerção composicional, garantindo o entendimento e reconhecimento do texto como pertinente ao universo dos quadrinhos, ainda que relacionado ao cinema.

Outra relação estabelecida com o universo do cinema é a escolha da monocromia como expressão do formante cromático. A maioria dos filmes de Georges Méliès, cineasta pioneiro que é personificado em “A invenção de Hugo Cabret”, apresenta-se como filmes em preto e branco, como o clássico “Voyage dans la lune”, cuja imagem da espaçonave aterrissada no olho direito da lua tornou-se um ícone do cinema. A própria figura da lua é reiterada diversas vezes, tanto no que se refere a linguagem verbal, quanto no que se refere às ilustrações de Selznick, a imagem da lua que se repete no prólogo e no epílogo, e a reprodução da imagem do filme de Méliès.

A margem de cor preta que segue durante todo o livro é também um indicador dessa relação, sendo o preto referente a ausência de luz, escuridão, um aspecto típico do ambiente do cinema, onde a única fonte de luz é a projeção sobre a tela, nesse caso representada pelo espaço reservado as ilustrações ou o quadro branco onde se desenvolve a linguagem verbal escrita. O ambiente escuro tem também caráter de imersão, sobretudo na experiência sensorial do cinema, e devido a suas margens escuras, o livro fechado também reitera esse caráter.

Outro aspecto de grande relevância é a questão temporal dentro do objeto de estudo, especialmente a forma como linguagem verbal escrita e visual alternam-se ao longo do tempo que determina as ações. As passagens referentes ao clímax da história são geralmente retratadas com desenhos em sequência, e estas ocupam um espaço de tempo muito curto em relação ao tempo total da trama. Grandes passagens temporais são determinadas através da linguagem escrita, de forma semelhante ao cinema mudo, quando uma pausa entre imagens explicita um conceito dificilmente traduzível para a atuação silenciosa dos atores.

Essa relação não tangencial entre os elementos da linguagem dentro do texto “A invenção da Hugo Cabret” reforma sua relação com o universo do cinema. Da mesma forma que o cinema mudo com o qual Georges Méliès criava suas aventuras surreais, as linguagens verbal e visual não operam em sobreposição, em sim em justaposição. Essa escolha realizada por Selznick (2007) reitera as relações existentes dentro da narrativa e imerge o leitor em sua ficção.

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MERIGO, Carlos. Brainstorm9. A adaptação de “A Invenção de Hugo Cabret” por Martin Scorsese e Dante ferretti. 23/10/

http://www.brainstorm9.com.br/24821/entretenimento/a-adaptacao-de-a-invencao-de- hugo-cabret-por-martin-scorsese-e-dante-ferretti/, acessado em 01/07/13.

PIETROFORTE, Antônio: Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo, Editora Contexto, 2010.

SELZNICK, Brian: A invenção de Hugo Cabret. São Paulo, Edições SM, 2007.

VOLLI, Ugo: Manual de semiótica. São Paulo: Edições Loyola Jesuítas, 2012.