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Neste documento, os autores discutem a importância da sanção premial no direito, contrastando-a com a sanção negativa tradicionalmente associada a ele. O texto aborda a distinção entre as diversas ordens sociais normativas, sublinha a importância da coação como critério absoluto do direito e avança sobre a teoria da sanção. Além disso, são discutidas as sanções positivas e negativas, as suas funções na sociedade moderna e as implicações para a dogmática jurídica.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Maurício Benevides Filho^1
RESUMO: Sanção jurídica deve ser compreendida modernamente, como uma reação ou retribuição prevista no ordenamento normativo, blindando-se esta contraprestação de uma feição premial (sanção premial), quando o agente adota a conduta aprovada ou esperada, ou um caráter punitivo (sanção negativa), quando o ato praticado é indesejado ou dissonante. Diante dessa nova realidade, da mutabilidade e da abertura das regras jurídicas ao progresso e à mu- dança social, imperioso, reformular-se o vetusto e arraigado pensamento jurídico, a fim de abrir-se espaço para a existência e aceitação doutrinária da sanção premial. PALAVRAS-CHAVE: Sanção. Definição. Análise funcional do Direito.
“Seria uma deplorável mutilação apresentar o Direi- to como implicando exclusivamente o modo de retri- buição danosa, a pena. A essência do Direito implica a retribuição, mas esta pode ser não apenas castigo, mas também a recompensa.”^2
O vocábulo sanção provem do latim santio, sanctionis , de sancire (es- tabelecer por lei)^3 , possuindo o vocábulo, etimologicamente, dois significa- dos distintos. O primeiro vincula-se ao processo legislativo, sendo ato de competên- cia exclusiva do presidente da república, onde este adere ao projeto de lei votado no Poder Legislativo, apondo sua aprovação e encaminhando-o para promulgação e publicação.^4 Já na segunda acepção, que será objeto de estudo no presente trabalho, representa conseqüência positiva ou negativa prevista em lei norma para determinado ato praticado por determinado indivíduo. Realizada certa ação ou omissão prevista na norma jurídica, a retribuição será a aplicação de uma sanção igualmente nela prevista.
(^1) Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFC. Mestre em Direito Constituci- onal. Livre-Docente em Direito. 2 Advogado. Lambias de Azevedo, Juan. Eidética y Aporética del Derecho Prolegomenos a la Filosofia del Derecho 3 , Editorial Galpe, Buenos Aires, 1940, p. 48
4 Silva, De Plácido e.^ Vocabulário Jurídico : Forense, 14. ed., p. 732 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo : Malheiros, 8. ed., p. 461
Imperioso, neste lanço, enfrentar-se algumas questões conceituais e fi- losóficas. A primeira que se apresenta é sobre a essência do Direito, bus- cando-se perquirir se a coerção ou a coação integram a natureza do Direito. Caso se constate que o Direito atua baseado unicamente na força, isto im- plicará na inaceitação e afastamento da hipótese de existência de uma san- ção positiva. Calha à fiveleta, uma vez que se investiga a essência de um ser, me- morar a lição lapidar de Spinoza: Digo que pertence à essência de uma coisa aquilo que, sendo dado, faz necessariamente com que a coisa exista, e que, sendo suprimido, faz necessariamente com que a coisa não exista.^5 Deste feito, empenha-se agora em descobrir a peculiaridade autônoma, o traço identificador, o que há de indispensável no Direito e o que o distin- gue de outros conjuntos de normas de conduta. Conveniente, ao ensejo, esclarecer-se meridianamente a distinção entre os termos coerção e coação, empregados por muitos, equivocadamente, como sinônimos, e indicados, por tantos outros, como característica funda- mental do Direito. Para tanto, trabalha-se, inicialmente, com os conceitos aristotélicos de “potência” e “ato”. Assim, verifica-se que coerção junge-se à possibilidade ou menção ao uso da força caso certa determinação sobeje desatendida. Já a coação corresponde ao ato em si, a concretização da potência, da ameaça, é, pois, o emprego direto da força. A idéia da coação e/ou coerção como parte indispensável de toda nor- ma, defendida pela chamada corrente coercitiva, é lugar-comum ao longo de toda a história da filosofia jurídica. Para Jhering, talvez o mais significativo representante dessa corrente, o Direito é uma reunião de regras asseguradoras da vida social, protegidas pelo poder do Estado mediante a coação, logo :
(^5) Spinoza, Baruch. Ética , “Os Pensadores”, Vol. XVIII, Ed. Abril Cultural, RJ, 1973, Cap. II, def. 2
Não se pode deixar de trasladar algumas das críticas feitas por Hart^9 às doutrinas coercitivas. Segundo ele, em qualquer sociedade regida por nor- mas, existem aqueles que voluntariamente cooperam para a manutenção destas e há aqueles que a rejeitam. Levando-se em conta essa diversidade de comportamento, pergunta como se poderá definir o Direito verificando-se apenas um desses aspectos? Miguel Reale vai mais além memorando que o grande mérito de Tho- masius foi justamente ter reconhecido que o Direito pode eventualmente estar unido à coação embora dela independa. A coação somente sobrevêm quando falha o cumprimento espontâneo. Destarte, o uso da força é uma segunda instância, um elemento virtual, podendo existir ou não: o Direito é de tal natureza que, quando se realiza a interferência da força, esta não afeta a sua essência. Também se acresça o fato de que nada muda no Direito mesmo que infringido ou não-observado.^10 Muitos outros argumentos anti-coercitivistas poderiam restar aqui elencados, todavia, oportuno repisar os ensinamentos do professor Álvaro Melo Filho, suficientes para defenestrar dúvidas que por ventura ainda re- manesçam:
Os que asseveram que a coerção é da essência do conceito de Direito comentem primário e grosseiro erro de natureza filosófica, pois a co- erção é potência, é a possibilidade jurídica da coação, configurando- se assim como coação virtual ou latente. E, se a coerção no mundo jurídico é potencialidade, ou seja, se ela pode aparecer ou deixar de aparecer, o que é possibilidade jamais poderá ser, filosoficamente considerada como parte essencial do Direito. Assim, facilmente compreende-se que a coerção é um elemento acidental e contingente do Direito, pondo-se por terra opiniões e argumentos expostos por muitos juristas. Para eliminar a validade das teses coativistas e demonstrar que a co- ação é um elemento eventual do Direito, basta apontar-se o seguinte silogismo: A coação só ocorre quando a norma jurídica é desatendida; Ora, o desatendimento ao preceito normativo pressupõe sua existên- cia;
(^9) Hart, H. L. A.: Law, Libert and Morality , Oxford University Press, 1968 (^10) Reale, Miguel: Filosofia do Direito , Ed. Saraiva, S. Paulo, 2º Vol., p. 575
Logo, a norma jurídica existe anterior e independentemente à coa- ção, que, como tal, não lhe é essencial.^11 Donde dessume-se que Direito não é tão-somente uma ordem coativa restrita a imposição de um ato de força contra as situação sociais considera- das indesejáveis. Esta é apenas a perspectiva mais alardeada e estudada. Cumpre, agora, avançar-se sobre a teoria da sanção.
“Conforme o modo pelo qual as ações humanas são prescritas ou proibidas, podem distinguir-se diferentes tipos - tipos ideais, não tipos médios. A ordem social pode prescrever uma determinada conduta humana sem ligar à observância ou não observância deste im- perativo quaisquer conseqüências. Também pode, po- rém, estatuir uma determinada conduta humana e, si- multaneamente, ligar a esta conduta a concessão de uma vantagem, de um prêmio, ou ligar à conduta oposta uma desvantagem, uma pena (no sentido mais amplo da palavra). O princípio que conduz a reagir a uma determinada conduta com um prêmio ou uma pe- na é o princípio retributivo (Vergeltung). O prêmio e o castigo podem compreender-se no conceito de sanção. No entanto, usualmente, designa-se por sanção somen- te a pena, isto é, um mal - a privação de certos bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, valores econômicos - a aplicar como conseqüência de uma de- terminada conduta, mas já não o prêmio ou a recom- pensa. “^12 Para Kelsen o Direito representa uma ordem à conduta humana. O Di- reito vale-se de um ato coativo para punir um delito com uma pena. Por coação entende-se a reação Estatal às condutas consideradas indesejáveis, reação esta externada através da inflicção de uma sanção – sempre acompa- nhada de um ato impositivo ou de força – nota que distinguiria o Direito dos outros sistemas de controle social.
(^11) Melo Filho, Álvaro: Teoria e Prática dos Incentivos Fiscais , Ed. Eldorado, Rio de Janeiro, 1976, p. 108-109. 12 Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito , Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1996, p. 26
O fundamento de validade desta norma estaria lastrado na Constitui- ção, que por sua vez busca sua razão justificativa na Norma Fundamental - o fundamento último de validade da ordem jurídica. Deste modo, quando um sistema coercitivo torna-se duradouramente eficaz, instaura-se uma ordem jurídica válida, independentemente de consi- derações derredor de seu conteúdo justo ou injusto. Ademais, pode-se questionar a definição de Direito como ordem coer- citiva tomando em consideração a existência de normas que não trazem em si sanções, como por exemplo, as normas autorizativas. No caso em tela, esclarece Kelsen, estamos diante de normas não autônomas, “...que apenas têm validade em ligação uma norma estatuidoras de um ato de coerção”.^13 Donde se dessume ser inimaginável uma definição de Direito em Kel- sen sem remissão a uma ordem coativa, dês que é por intermédio da coação que o Direito se distinguiria dos outros sistemas de controle social, mesmo contendo uma grande porção de normas autônomas. Demais disso, Kelsen separa o ato sancionador da coação pura e sim- ples. A coação pode acompanhar a sanção, deixando patente a sua possibili- dade (coercibilidade). Em segundo lugar, a sanção é sempre a conseqüência preestabelecida para determinado comportamento, podendo significar, tam- bém, a privação compulsória de determinado bem. Kelsen distingue, outros- sim, a sanção penal da sanção civil, citando, como exemplo, a pena para a primeira hipótese e a execução forçada para a segunda. Por último, assevera que ela será sempre imposta por autoridade competente, o que permitirá caracterizar determinado ato de coação como sanção e não como coerção indevida, sendo a autoridade competente determinada por norma superior. Com este arcabouço teórico torna-se possível analisar-se, agora, as imbricações existentes entre os demais conceitos contidos na Teoria Pura e a sanção. Primeiramente, vem a talho dar relevo a inversão do conceito de ato ilícito operada por Kelsen. Para ele não existe o mal em si, mas tão-somente o mal proibido. Em outras palavras, não é por determinada atitude ser con-
(^13) Ob. cit., p. 64
siderada ruim ou maléfica (qualidade imanente) que se lhe atribue uma sanção. Ao revés, uma ação ou omissão é considerada antijurídica somente por ter-lhe vinculada uma sanção como resultado. A valoração social de uma conduta é irrelevante para o conceito kelseniano de ilícito. Unicamente as concepções baseadas no Direito Natural pressupõe valor negativo ima- nente a uma conduta, atrelando a esta, então, uma sanção no Direito Positi- vo. A Teoria Pura pondera exatamente o contrário. Uma conduta é classifi- cada de ilícita apenas e tão-somente quando constitui pressuposto para apli- cação de uma sanção. Ligado ao conceito de ato ilícito vem o de dever jurídico. Kelsen con- sidera dever jurídico a “conduta oposta ao ato antijurídico”. O cidadão que comete o ilícito, viola o dever jurídico e gera a incidência negativa da nor- ma. O homem que não pratica ato ilícito, cumpre o dever e observa a nor- ma. Por conseguinte, o dever jurídico é a obrigação de conduzir-se de ma- neira contrária à norma que prevê a sanção, evitando sua aplicação. Doutro ângulo, Kelsen conceitua a responsabilidade como a possibili- dade de um indivíduo ser sancionado. Este conceito encontra-se intimamen- te ligado ao de dever jurídico, sendo, todavia, distinto. A sanção, como resultado do ilícito, pode ser imputada à pessoa responsável pelo ilícito, isto é, contra a pessoa cuja ação é pressuposto da sanção. Aqui o indivíduo obri- gado e o indivíduo responsável são a mesma pessoa. Responde pelo ato aquele que pode provocar ou evitar a sanção. Hipótese diferente, todavia, é aquela em que o indivíduo obrigado e o indivíduo responsável não são a mesma pessoa. O indivíduo responsável neste caso não pode através de sua conduta provocar ou evitar a sanção. O indivíduo que motivou a sanção é diverso do indivíduo responsável. O primeiro é sujeito da conduta delituosa (do dever jurídico), enquanto o segundo é objeto do ato de coerção (respon- sabilidade). Adiante os direitos subjetivos são definidos por Kelsen como a prote- ção jurídica de um interesse, existindo unicamente na medida em que a ordem jurídica os considera e protege. Outrossim, a pessoa física ou jurídica é concebida como um conjunto de normas, de direitos e deveres, individuais ou coletivos.
histórico-teórico a transmutação do Estado liberal em um Estado Promocio- nal. O Estado Liberal, essencialmente voltado para a segurança individual de seus co-partícipes e de suas relações negociais, não se preocupa em in- fluir no processo de desenvolvimento econômico e social, figurando o Di- reito como mero garantidor da eficácia das leis por intermédio de seu apara- to coativo. Já o Estado Social volta suas atenções para o desenvolvimento industrial, através da produção de bens e controle do processo econômico. Para atingir tal objetivo, amplia-se consideravelmente sua estrutura burocrá- tica, buscando não mais apenas castigar, mas também incentivar as condutas entendidas como socialmente úteis. Neste diapasão, Bobbio destaca a im- portância da função promocional do Direito, exercida através da criação de uma teia de incentivos, subsídios e prêmios. Esta nova função do Direito reduz a importância da imputação como elemento toque entre o pressuposto delituoso e a sanção fulcrada unicamente nos Direitos penal e civil. Assim, o Direito perde seu caráter essencialmente coativo, deixando a sanção nega- tiva de ser elemento central do sistema jurídico. Considerando a significativa tranformação sofrida pela sociedade, Bobbio desenvolve uma nova teoria das sanções, mais adequada à função promocional do Direito: a teoria das sanções positivas. Na sua opinião um dos problemas da teoria kelseniana reside na sua concepção de sanção como emprego da força física organizada. Bobbio modifica os termos e assevera que “... a diferencia de las sanciones socia- les, en el uso de la fuerza, [...], sino en una reacción a la violación, cual- quiera que sea, incluso economica, social e moral, que viene garantizada en ultima instancia por el uso de la fuerza”.^15 A nova relação entre a sanção e a coação operada por Bobbio dá a li- berdade de compreender como jurídicas algumas sanções positivas, aquelas “... que crean en el destinatário del premio una pretensión al cumplimiento,
(^15) Bobbio, Norberto. Contribuición a la teoria del derecho , Fernando Torres Editor, Valência, 1980, p. 387
protegida incluso mediante el recurso a la fuerza organizada de los poderes publicos”.^16 Ao lado das sanções negativas, Bobbio destaca também a existência de várias sanções positivas. Diferencia, ainda, as sanções positivas retributivas das indenizações. As primeiras constituem um prêmio para quem pautou seu comportamento em consonância com o desejado socialmente. As se- gundas são compensações percebidas por quem despendeu esforços a fim de praticar atos visando a consecução de uma vantagem para a comunidade. Outra comparação é feita entre as sanções positivas preventivas e as suces- sivas. As preventivas são anteriores à ação e procuram incentivá-las, como, v.g., as isenções fiscais. As sucessivas são posteriores ao ato, sendo recom- pensas devidas e aguardadas em razão da prática de ações meritórias. A teoria das sanções positivas de Bobbio acarreta uma mudança na tradicional interpretação estrutural do Direito, necessária para uma interpre- tação funcional do fenômeno normativo. Com efeito, se a teoria tradicional observa o Direito sob o prisma da integração e sistematização das normas, a teoria funcional procura estudar o Direito a partir de sua inserção nas socie- dades em transformação. Isto é, as sanções positivas correspondem a um novo tipo de controle social presente no estado promocional. Neste lanço, válido memorar as ponderações de Ferraz Júnior. Em sua opinião, as san- ções positivas ao regularem comportamentos permitidos e augurados, pro- piciam o surgimento de formas novas e amplas de atuação do poder Estatal.
“A sanção não é sempre e necessariamente um casti- go. É mera conseqüência jurídica que se desencadeia (incide) no caso de ser desobedecido o mandamento principal da norma. É um preconceito que precisa ser dissipado - por flagrantemente anti-científico - a afir- mação vulgar infelizmente repetida por alguns juris- tas, no sentido de que a sanção é castigo. Pode ser, algumas vezes. Não o é muitas vezes.”^17
(^16) Ibidem (^17) Ataliba, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1973, p. 38
Direito é um ordenamento coativo, cuja união com a força é necessária e indissolúvel. Isto talvez se deva, conforme sinalado por Santo Agostinho, ao fato de historicamente a administração da justiça sempre ter-se preocupado priorita- riamente com a mantença da ordem coexistencial, renegando a indução a comportamentos positivos a um segundo plano. Este vetusto conceito de sanção, tal como é empregado largamente na linguagem jurídica atual, é herança da tradicional corrente positivista inau- gurada por John Austin, que impinge ao Direito, a partir de uma perspectiva funcional, a tarefa de assegurar determinados interesses através da proteção de condutas adotadas em conformidade com as normas marchetadas e com a repressão dos comportamentos desviantes, considerando exclusivamente à dimensão negativa da norma. Kelsen, depois de admitir a possibilidade da existência de regras cuja conseqüência normativa fosse um prêmio e não um castigo, atribui-lhes uma importância secundária no contexto dos ordenamentos jurídicos que se afiguram, rigorosa e aprioristicamente, como ajuntamento de normas coerci- tivas. Como nota Bobbio, a noção de sanção positiva contrapõe-se e com- plementa a idéia de sanção negativa. Isto dá azo a uma elaboração conceitu- al onde ambas encontram-se dispostas de forma simétrica, conforme pensa- do pelas escolas penalistas do século XVIII. E termina afirmando : “o castigo é uma reação a uma ação má, o prêmio é uma reação a uma ação boa. No primeiro caso a reação consiste em devolver mal por mal; no segundo, bem por bem.”^18 Vem a talho repetir a conceituação elaborada pelo Professor Álvaro Melo Filho, para quem o gênero Sanção Jurídica subdivide-se na espécie Sanção Negativa ou Preventiva e espécie Sanção Positiva ou Premial. Continua Melo Filho revelando existir entre as sanções negativas pe- nas de caráter econômico, social e jurídica stricto sensu. Análoga classifica-
(^18) Bobbio, Norberto. Las sanciones positivas , in “Contribuición a la teoria del Dere- cho”, A. Ruiz Miguel Ed., F. Torres, Valência, 1980, p. 384
ção também é aplicável às sanções premiais, que podem ser de natureza econômica (recompensa em dinheiro), social (condecorações) e jurídica stricto sensu (incentivos). Giacomo Gavazzi esposa esta diferenciação, esclarecendo que a san- ção pressupõe sempre uma norma ou genericamente um modelo de compor- tamento que o grupo social considera desejável, definindo-a como àquela que consiste em um mal que advém ou deve vir imposto a quem haja viola- do a norma (sanção negativa), ou um bem que é ou deve ser atribuído a quem observou a norma (sanção positiva).^19 Desenvolvendo o assunto, assinala o doutrinador que a sanção negati- va é um mal, uma pena, uma privação, uma desvantagem; a sanção positiva é um bem, um prazer, uma vantagem; a primeira chama-se genericamente pena, e a segunda prêmio. É claro que a sanção negativa decorre da violação de uma norma, ao passo que a sanção positiva é concedida ou prometida em razão da obser- vância desta. A sanção negativa pretende desencorajar as condutas disso- nantes, preservando os preceitos insculpidos no ordenamento normativo ou, em caso de violação, providenciar sua restauração na medida do possível, tendo, por conseguinte, uma função reparadora. Já a sanção positiva objeti- va incentivar os comportamentos conformes, compensando o esforço e o sacrifício particular requisitado ao cidadão. Gavazzi insurge-se contra a visão exclusivamente negativa da sanção jurídica divulgada por diversos doutrinadores, condenando efusivamente este reducionismo, observando, adiante, que tal consideração representa uma verdadeira insensatez no plano fático, consistindo em uma clara detur- pação proveniente da parcialidade ideológica de alguns. Demonstra, ademais, que o Direito não prevê somente pena, ressarci- mento de dano, decadência, mas, além disso, prêmios, incentivos, isenções, honorificações. Assim, incluir-se no gênero sanção jurídica a espécie sanção positiva significa conceber o Direito não somente como simples custodiador e garantidor do equilíbrio estático, mas também como promotor de um
(^19) Gavazzi, Giacomo. Elementi di teoria del diritto , G. Giappichelli Editore, Torino, 1970, p. 64
Todavia, somente no século XV inaugura-se um movimento voltado à melhor utilizar e institucionalizar o uso político-normativo dos prêmios e das penas. Conforme destacado por Michel Foucault em seu opúsculo “A Vontade de Saber”, somente a partir da época iluminista é que as sociedades ocidentais viram desenvolver-se, no seu seio, novos instrumentos de poder - disciplinas dos corpos e controles reguladores das populações - que abrem a era do “bio-poder.”^22 A um tipo de poder durante muito tempo caracterizado pelo “direito de fazer morrer e de deixar viver” , exercido sob a forma nega- tiva da captura, da reclusão, da subtração ou da repressão que culmina na morte, sucedeu “ um poder destinado a produzir forças, fazê-las crescer e a ordená-las” , um “poder que se exerce positivamente sobre a vida, que se encarrega de a gerir, de a valorizar, de a multiplicar, de sobre ela exercer controles precisos e regulações de conjunto.” E Foucault, após ter notado que esta transformação nos mecanismos de poder significa “ nada menos que a entrada da vida na história ”, conclui a passagem pontificando que : “outra conseqüência deste desenvolvimento do bio-poder é a importância que toma o jogo da norma em detrimento do sistema jurídico da lei .”^23 Com isto Foucault não prediz que o desenvolvimento do bio-poder acarretará um processo de declínio do direito tradicional. Ao revés, aquele ensejará um profundo movimento de renovação da “sociedade normatizado- ra”, com a superação do conceito de poder estatal vinculado à soberania e de direito atrelado à força. Inscreve a norma entre as “artes de julgar”, sali- entando que esta tem relação ocasional com o poder, caracterizando-se não pelo emprego da força, de uma violência suplementar, de uma coerção re- forçada, de uma intensidade acrescida, mas de uma lógica, uma economia, uma maneira de o poder refletir as suas estratégias e definir os seus objeti- vos. Numa palavra, aquilo que lhe dá a forma de uma “bio-política”. As modificações sociais e a pressão dos interesses coletivos forçaram, então, a alteração na atuação Estatal. Derruiu-se definitivamente a concep- ção não-intervencionista, onde o papel do Direito restringia-se unicamente à preservação e proteção das situações constituídas através do uso da força e
(^22) Foucault, Michel. La Volonté de Savoir , Paris, 1976, p. 177 e segs. (^23) Idem, p. 189
castigos, exsurgindo, em seu lugar, um Estado promocional, voltado para as transformações socioeconômica e para o bem estar de toda a coletividade. Destarte, a ação promocional do Estado se traduz através da imple- mentação de medidas jurídicas adequadas visando acompanhar e incentivar as modificações socioeconômicas desejadas. A sanção penal, como técnica de controle social, embora permaneça importante como meio de obtenção da conduta augurada, tornou-se inadequada para o enfrentamento de diver- sos problemas da sociedade capitalista hodierna. Por isso, em paralelo com a pena, advoga-se a utilização da sanção premial, por configurar-se como mecanismo mais aplicável à equação dos entraves oriundos e próprios da necessidade de desenvolvimento econômico. Assim, diante da função mobilizadora das normas de encorajamento no Estado atual, tendo em vista que não se tratam de normas que tão- somente outorgam direitos e deveres, mas que, favorecem, estimulam e motivam positivamente determinados atos, dada sua especificidade e carac- teres, afigura-se obrigatória a ampliação da forma estrutural da norma jurí- dica, considerando-se, acima de tudo, a prática social, pois, conforme ensina Pasini :
[...] pode observar-se como a transformação estrutural e a mutação radical da realidade social implica incessantemente em novos pro- blemas, e estes exigem novos instrumentos e novos procedimentos, nova estrutura lógico-conceitual.^24 Urge, portanto, a elaboração de uma nova dogmática jurídica que reco- lha e sistematize os novos métodos jurídicos postos em prática pelo Estado contemporâneo. Deste feito, não se pode mais restringir o conceito de sanção a uma “resposta à violação” ou “como meio pelo qual, em um sistema normativo, trata-se de salvaguardar as leis, das condutas que lhe são contrárias ”^25 ,
(^24) Pasini, Dino, “Norma giuridica e realitá sociale”, in Rivista Internacionale di Filosofia del Diritto , ano XXXVII, Série III, Casa Ed. Dott. Antonino Giuffrè, Milano, 1960, p. 222 25 Pacheco, Angela Maria da Motta, Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributá- ria , Editora Max Limonad, S. Paulo, p. 60
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SPINOZA, Baruch. Ética , “Os Pensadores”, Vol. XVIII, Ed. Abril Cultural, RJ, 1973.