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Este documento discute a noção de posição e pathos na civilização grega, particularmente em atenas, e sua relação com a retórica, a historiografia e o teatro. Também aborda a relevância desses conceitos para a psicopatologia fundamental. A noção de posição refere-se à postura do corpo e à maneira como os indivíduos se relacionam na polis, enquanto pathos se refere ao sofrimento, à paixão e à passividade. No teatro grego, pathos era o oposto de orthos, que significa rectitude ou correção, e era expresso através de discursos mito-poiéticos epopéicos que produziam experiência no público.
Tipologia: Notas de estudo
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Manoel Tosta Berlinck
Sociólogo, psicanalista, PhD pela Universidade de Cornell (EUA) Diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC/SP Coordenador da Rede Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental
O Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC-SP deu origem a Rede Universitária de Pesquisa em :Psicopatogia fundamental e reune pesquisadores de tfeze Universidades Brasileiras e duas Universidades Francesas. Posição e Pathos são palavras que definem o campo de trabalho em questão.
É necessário, então, que a palavra posição seja inicialmente entendida para que se compreenda, depois, o que é Psicopatologia Fundamental. Posição, que se origina no vocabulário militar romano, quer dizer, inicialmente, lugar onde uma pessoa ou coisa está colocada. Refere-se, no vocabulário latino, à distribuição do exército romano e de seus recursos no espaço de batalha, já que a civilização romana se funda na conquista de territórios, ao contrário da civilização grega onde a guerra servia à hegemonia de um tipo particular de cultura e para a emergência do herói. Uma vez ocupado um território, conquistada uma posição, o exército romano o integrava, com tudo o que continha, ao Império Romano. Os gregos, por sua vez, não tinham essa preocupação colonizadora. Na civilização grega, especialmente na Atenas de Péricles, a noção de posição, tendo também uma referência territorial, é de natureza muito mais relacional. As posições, em Atenas, referem-se à postura do corpo, à maneira, à pose como os moradores da polis - cidadãos e escravos, autóctones e estrangeiros - se relacionam numa trama discursiva que se realiza, por excelência, na agora, ou seja, no espaço da retórica. Richard Sennett em Carne e pedra. O corpo e a cidade na Civilização Ocidental (Rio, Record, 1997), chama a atenção para essa outra dimensão da noção de posição que se refere à postura do corpo, na Grécia de Péricles.
"A cultura grega", diz ele, "faz do andar e da postura ereta expressões de caráter. Caminhar com firmeza denotava masculinidade. Num trecho admirável da Ilíada, Homero escreveu que 'os troianos avançam em massa, seguindo Heitor, que os conduzia em largas passadas'. Por outro lado, 'quando as deusas Hera e Atena surgiram diante de Tróia para socorrer os gregos [segundo Homero], elas pareciam em seus passos de tímidas pombas - exatamente o oposto dos heróis de grandes passadas". Alguns desses atributos arcaicos persistiram na cidade. O andar calmo e firme também indicava nobreza; 'percorrer descuidado as ruas é um traço que reputo desmerecedor de um cavalheiro, quando se pode fazer isso de forma elegante', diz o escritor Alexis. Supostamente, as mulheres deviam caminhar lentamente, hesitantes, e o homem que fizesse o mesmo pareceria efeminado. Ereto, hábil, ciente de onde quer chegar; a palavra orthos - "irrepreensível" - carregava todas as implicações da retitude do macho e contrasta- va com a passividade desonrosa, marca dos homens que se submetiam à penetração anal". (Sennett,1997,p.44). Orthos, então, que mais tarde resultou em ortopedia - arte de evitar ou corrigir as deformidades do corpo - e ortodoxia
apresentava perigo para a linguagem, pois nele, em meio às atividades concomitantes e ininterruptas, as palavras se dispersavam entre os murmúrios e vozes; a massa de corpos em movimento nada percebia além de fragmentos do sentido que elas expressavam. Por isso, os cidadãos tinham que aprender a se destacar através da postura corporal, do uso educado da voz e pela capacidade de argumentação aprendida com filósofos, para se distinguirem dos escravos e dos metecos - os estrangeiros - que frequentavam esse mesmo espaço. Orthos regia o comportamento dos corpos humanos na agora. O cidadão procura- va andar de forma determinada e tão rapida- mente quanto possível, através do torvelinho, encarando calmamente os estranhos. Tais movimentos, postura e linguagem corporal irradiavam seriedade e correção de maneiras.
Segundo Sennett:
"É evidente que o comportamento corporal que impõe a ordem na cena da ágora não bastaria para conter os efeitos de ativida- des simultâneas sobre a voz. Na corrente humana, as conversas eram fragmentadas com o movimento dos corpos de um grupo para outro, gerando uma tensão individual quebrada e dispersa". (Sennett, 1997, p. 50) Essa posição se diferenciava pelo menos de outras duas: a do historiador e a do teatro. Cada uma dessas posições conferia à multidão uma experiência distinta da lingua- gem falada. Segundo Jeanne Marie Gagnebin (1997), a palavra grega historiè tem, na época de Heródoto de Halicarnassos, uma significa- ção bastante diferente das noções contempo- râneas de história.
Naquele contexto
"...ela remete à palavra histôr, "aquele que viu, testemunhou". O radical comum (v)id está ligado à visão (videre, em latim ver), ao ver e ao saber (oida em grego significa eu vi e também eu sei, pois a visão acarreta o saber). Heródoto quer apresentar, mostrar (apodexis) aquilo que viu e pesquisou. Trata-se, então, de um relatode viagem, de um relatório de pesquisa, de uma narrativa informativa e agradável que engloba os aspectos da realidade dignos de menção e de memória.... O que diferencia a sua pesquisa de outras formas narrativas não é o(s) seu(s) obJeto(s), mas o processo de aquisição destes conhecimentos. Heródoto fala daquiloqueele
separando assentos de pedra mais estreitos, o que evitava que elas incomodassem umas às outras com. suas idas e vindas. A atenção do espectador permanecia focada no - plano central. A palavra "teatro" deriva do grego theatrom, que pode ser traduzida literalmente como "um lugar para ver". Um theorus.- artista de teatro- era considerado como uma espécie de embaixador uma vez queo teatro realmen¬ te, corresponde a um tipo de atividade diplomá- tica, ao trazer aos olhos e ouvidos da assistência uma história de outro tempo ou lugar. Mas, nos tempos de Péricles, o teatro já não era feito para a retórica que vitimava a platéia, paralisando-a e humilhando-a com seu fluxo. Na nova época, quer na comédia, quer na tragédia, o relato teatral não podia provocar catharsis e sim experiência. Quando um tragediógrafo menos conhecido, pertencente já ao período da decadência ateniense, apresentou uma peça que desencadeou forte emoção nos espectadores, foi condenado ao ostracismo, ou seja, expulso de Atenas por 10 anos. As tragédias, representadas em Atenas, passam-se todas em Tebas, assegurando, assim, uma distância necessária para a existência da experiência, ou seja, o enriqueci- mento advindo dos pensamentos suscitados no público pelarepresentação. A posição do teatro se opõe, assim, à do orthos porque aquele não pretende convencer o interlocutor da irrepreensibilidade de sua posição e, sim, apresentar um discurso mito-poiético epopéico que produza experiência. O teólogo Walter Burkett resumiu esse contraste da seguinte maneira:
"Mythos como oposto de logos, que deriva de legein, quer dizer "reunir", ou associar fragmentos de indícios, de fatos verificáveis; logon didonai, significa prestar contas diante de uma audiência crítica e desconfiada; mythos é contar uma história sobre a qual não se tem responsabilidade: ouk emos ho mythos, não inyentei isso, apenas ouvi falar por aí. (cf-Sennett, 1997, p. 72). A linguagem de logos liga os elementos. Logon didonai permite conexões: existe um público suspicaz, julgando os argumentos do orador. Em todas as formas de logos - de onde se deriva a lógica, cada vez mais querida dos filósofos e que encontra em Aristóteles seu grande mestre grego - o orador é identificado por suas palavras; elas lhe pertencem e impõem uma responsabilidade inalienável. O pensamento político grego moldava idéias de democracia em torno de aspectos de logos. Conforme assinalou Clístenes, liberdade de expressão e debate só fazem sentido se as pessoas estão cientes de sua imputabilidade; caso contrário, os argumentos não têm valor, as palavras carecem de importância. O orador não é responsável pelo que diz no mito, cuja linguagem está vinculada à crença incorporada no aforismo helênico: "não inventei isso, apenas ouvi falar por aí". A maioria dos mitos, inclusive gregos, narra feitos de entes mágicos ou de deuses, o que leva a crer que tenham sido eles próprios seus autores; homens e mulheres apenas os passam adiante. Portanto, a audiência não pode suspeitar do simples relator, como do orador que, na assembléia política, revindicasse crédito para o que diz. O mito é, assim, a ratificação do compromisso social. Segundo a famosa definição de Aristóteles, trata-se de "uma suspensão voluntária da descrença". A mitologia que deu origem - epos - aos primei- ros dramas estabelece o verdadeiro contexto para tal afirmação. Mito diz respeito à crença nas palavras em si mesmas. (Sennett, 1997, p. 73). Segundo o classicista Froma Zeitlin, o teatro trágico grego (entenda-se, aqui, também, o teatro da comédia já que, como se sabe, tragédia e comédia andavam juntas, não se separavam) mostrava o corpo humano "...em um estado não natural de pathos (sofrimento), quando se afastava de seu ideal de força e integridade (...). A tragédia insiste (...) na exibição desse corpo". (cf.Sennett,1997,p.53). Nesse sentido, pathos, relato mito¬
poiético epopéico do sofrimento, era o oposto de orthos. Ora, assim entendida, a tragédia é pathos-logos, ou seja, linguagem de sofrimen- to que lança mão do recurso mito-poiético epopeico para permitir experiência.
Pathos
Além de sofrimento, de pathos deriva-se, também, as palavras "paixão" e "passividade". Assim, a Psicopatologia Fundamental está interessada num sujeito trágico que é constituí- do e coincide com o pathos, o sofrimento, a paixão, a passividade. Este sujeito, que não é nem racional nem agente e senhor de suas ações, encontra sua mais sublime representa- ção na tragédia grega. O que se figura na tragédia é pathos, sofrimento, paixão, passivi- dade que, no sentido clássico, quer dizer tudo o que se faz ou que acontece de novo, do ponto de vista daquele ao qual acontece. Nesse sentido, quando pathos acontece, algo da ordem do excesso, da desmesura se põe em marcha sem que o eu possa se assenhorear desse acontecimento, a não ser como paciente, como ator. Ora, é digno de nota que esse significado de pathos traga em sua franja o sentido etimológico de passividade, sentido lembrado por Descartes no começo do Tratado das paixões:
"Tudo o que se faz ou acontece de novo é geralmente chamado pelos filósofos de paixão (pathos) relativamente ao sujeito a quem isso acontece, e de ação relativa- mente àquele que faz com que aconteça". (cf.Lebrun,1987,p.17).
Aqui Descartes recorda brevemente a definição aristotélica do agir e do padecer. Esses dois conceitos são inseparáveis, mas cada um deles designa uma potência bem distinta. Padecer é inferior a agir por dois motivos. Em primeiro lugar, é próprio do agente encerrar em si mesmo um poder de mover ou mudar, do qual a ação é a atualização, o ajuste está naquilo que faz ocorrer uma forma. Diz-se paciente, ao contrário, àquele que tem a causa de sua modificação em outra coisa que não ele mesmo. A potência que caracteriza o paciente não é um poder operar, mas um poder tornar- se, isto é, a suscetibilidade que fará com que nele ocorra uma forma nova. A potência passiva está, então, em receber a forma. Em termos aristotélicos, deve ser lançada à conta da matéria. Em segundo lugar, padecer consiste essencialmente em ser movido, ao passo que o
agente, à medida que sua atividade própria está em comunicar uma forma, não é essencial- mente mutável. Ocorre, decerto, que deve mover-se para agir sobre o paciente, mas enquanto agente. É porque ele também é um ser que contém matéria. O paciente, como tal, é que, por natureza, é um ser mutável, caracteri- zado pelo movimento. Nessa inferioridade do padecer, encontra-se, assim, a desqualificação, própria dos clássicos gregos, da mobilidade relativa- mente à imobilidade. É por conter matéria, isto é, indeterminação, que um ser se move. O fato de ter que mudar (de lugar ou de quantidade ou de qualidade) para receber uma nova determinação mostra que ela não possui todas as qualidades de uma só vez, e que a aparição destas depende da intervenção de um agente exterior. Ora, este último aspecto é fundamen- tal para a determinação do pathos. É reagindo a uma ofensa que sinto raiva. Sinto medo ao imaginar um perigo iminente que me possa prejudicar ou destruir. O pathos é sempre provocado pela presença ou imagem de algo que me leva a reagir, geralmente de improviso. Ele é, então, o sinal de que eu vivo na dependência permanente do Outro. Um ser autárcico não teria pathos. Portanto, não existe pathos, no sentido mais amplo, senão onde houver mobilidade, imperfeição ontológica. Se assim for, pathos é um dado do mundo sublunar e da existência humana. Devemos contar com pathos. Devemos até aprender a tirar proveito dele. Tirar proveito de pathos significa transfor- má-lo em experiência, ou seja, não só conside- rar pathos como estado transitório, mas também como algo que alarga ou enriquece o pensamento. Na tradição trágica, pathos rege as ações humanas que, em determinadas circunstâncias, constituem um acontecimento. Assim é com o assassinato de Agamemnon, assim é com o assassinato de Laio. Quando isso acontece, pathos transforma-se em patologia, ou seja, um discurso sobre o sofrimento, as paixões, a passividade. Quando, entretanto, a experiência é anímica, ou seja, ao mesmo tempo terapêutica e metapsicológica, estamos, então, no âmbito da Psicopatologia Fundamental.
Pathos, então, não nasce no corpo pois vem de longe e de fora. Mas passa necessariamente pelo corpo e se expressa pela hybris, pela desmesura, fazendo parte da natureza humana, da physis, que melhor se traduz por brotação. Pathos brota no corpo sem dele fazer parte intrínseca e rege as ações humanas.
e terapia. Trata-se de uma posição porque reconhece a existência de outras posições na polis dentre as quais se destacam a do orthos e a do historiador. Essas posições nascem de posturas corporais e essas posturas - verdadei- ras formas de existência dos corpos - engen- dram discursos - logos - que representam essas posições. Na posição da Psicopatologia Fundamental, pathos - o sofrimento, as paixões, a passividade - assujeitam o ser humano criando um tipo particular de sujeito que também encontra suas origens no teatro grego do tempo de Péricles. Neste sentido, tanto o sofrimento como as paixões e a passividade se apoderam do corpo sem fazerem parte inerente dele. O pathos vem de longe e vem de fora e toma o corpo fazendo-o sofrer. Até mesmo na contemporaneidade é essa a noção que preside a definição de doença. O corpo, em sí, não é doente. Ele é natural. Por isso está sempre apto a ficar ou a cair doente, sendo possuído por algo que vem de longe e vem de fora, seja um vírus, seja uma crise psíquica. Mas o que vem de longe e vem de fora, introduzido no corpo aí brota dada a sua condição de natureza. O psiquismo, o aparelho psíquico, é, na ótica da Psicopatologia Fundamental, um prolongamento do sistema imunológico. Ele se constitui graças à violência originária e é uma resposta defensiva do organismo a ela. Pathos é sempre somático, ocorre no corpo; e a psique é, na tradição socrática, estritamente corporal não havendo, nunca, solução de continuidade entre essas duas instâncias,(cf. Reale, 1994).
Assim como a Psicopatologia Fundamental reconhece a existência de múltiplas posições corporais-discursivas na cidade, ela pretende, também, que os que ocupam outras posições na polis reconheçam a especificidade de sua posição. Desde as suas origens, a cidade abriga a multiplicidade e esta só cresce com os tempos. Além disso, a especificidade da posição da Psicopatologia Fundamental não quer dizer, também, que se trata de uma postura rígida e sem movimento. O psicopatólogo fundamental visita outras posições na cidade, assim como é visitado por aqueles que ocupam outras posições. Isso é particularmente verdadeiro na Universidade - uni[dade] na [di]versidade - onde, como propõe Fédida, as posições devem ser explicitadas e mantidas para que a experiência ocorra e se transforme em saber. (cf. Berlinck, 1997, p. 71). Desde que a p o s i ç ã o da Psicopatologia Fundamental é tal que se
dispõe sempre a escutar um sujeito que porta uma única voz que fale do pathos que é somático e que vem de longe e de fora, ela é sempre objeto da transferência, ou seja, de um discurso que narra o sofrimento, as paixões, a passividade que vem de longe e de fora e que possui um corpo onde brota, para um interlocu- tor que, por suposição, seja capaz de transfor- mar, com o sujeito, essa narrativa numa experiência. Esta palavra, aqui, adquire o sentido preciso de enriquecimento, ou seja, a experiência é a possibilidade de se pensar aquilo que ainda não foi pensado. Nunca é pouco repetir, a Psicopatologia Fundamental não ocupa o lugar do logon didonai, do discurso dos que estão sustentando uma posição irrepreenssível. É por isso que se diz que na posição da Psicopatologia Fundamental se produz metapsicologia, ou seja, um discurso mito-poiético epopéico que é uma experiência e que, como tal, é terapêutica. Por todas essas razões, a posição da Psicopatologia Fundamental é assim denomi- nada para se distinguir de uma outra posição que é a da Psicopatologia Geral. Enquanto esta rica posição é um discurso a respeito das doenças, das formas corporais-discursivas que assumem o pathos, a Psicopatologia Fundamental está interessada em suscitar uma experiência que seja compartilhada pelo sujeito. Trata-se, portanto, de uma posição médica, no sentido grego desta palavra, quando se refere ao médico de cidadãos. Por Isso, o psicopatólogo fundamental deve se interessar vivamente pela Psicopatologia Geral e deve visitá-la com a freqüência devida sem, no entanto, pretender habitar essa outra posição. A descoberta do inconsciente freudiano como manifestação do pathos e como algo que surge da violência primordial, bem como a consequente metapsicologia que é conhecida por psicanálise é a casa mais confortável existente na contemporaneidade para a Psicopatologia Fundamental. De fato, a psicanálise nasce e se desenvolve como uma Psicopatologia Fundamental, mas com a morte de Freud e a subsequente babelização da psicanálise, a casa da psicanálise fica tão vasta e comporta tantas posições que se torna necessário especificar cada vez mais precisamente qual a posição que se ocupa nesta enorme mansão. Assim, por exemplo, o psicanalista Fábio Herrmann, ao distinguir análise terapêutica e análise didática reconhece a possibilidade de uma psicanálise de e para normais. (cf. Herrmann, 1996, p. 204). Ora, a psicanálise
didática parece não só se afastar da posição da Psicopatologia Fundamental, mas, ao sugerir que a doença psíquica é para psiquiatras e pslcoterapeutas, a psicanálise, contendo um lugar para a Psicopatologia Fundamental, não se confunde com ela. A Psicopatologia Fundamental só é psicanalí- tica porque, apesar de psicanalistas, há, na casa da psicanálise, um lugar para ela. Realiza-se, assim, uma primeira especificação da posição da Psicopatologia Fundamental que orienta, dirige os trabalhos que estão sendo realizados no Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Núcleo de Psicanálise do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, crescentemente, em outras Universidades brasileiras e estrangeiras como atesta a Rede Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Como primeira especificação de uma posição, este texto é um tanto esquemático e categórico pois solicita clareza e concisão. Com isso, pretende-se afirmar que o trabalho de especifi- cação dessa posição está apenas no início e que requer um esforço permanente e sistemático de pesquisa que já vem sendo feito por todos os que pretendem ocupá-la. De qualquer forma, a Psicopatologia Fundamental faz parte de uma rica e honrosa tradição que trata do sofrimento humano e, por isso, merece ser cultivada.
Referências
bibliográficas
Berlinck, Manoel Tosta e Seincman, Monica, "Entrevista com Pierre Fédida" in Psicanálise e Universidade, no. 6, lo. semestre de 1997, pp. 57 - 71.
Fédida, Pierre, "Amor e morte na transferência", in Clínica psicanalítica: estudos, trad. de Martha Prada e Silva e Regina Steffen, rev. téc. de Durval Checchinato, São Paulo, Escuta, 1988, pp. 21 - 66.
Gagnebin, Jeanne Marie, "O início da história e as lágrimas de Tucidides" in Sete aulas sobre linguagem, memória e história, Rio, Imago, 1997, pp. 15 - 37.
Herrmann, Fabio, "Análise didática: uma história feita de criticas" in Slavutzky, Abrão; Brito, César Luís de Souza e Souza, Edson Luiz André de, História, clínica e perspectiva nos cem anos da psicanálise, Porto Alegre, Artes Médicas, 1996, pp. 195 - 228.
Kury, Mário da Gama, "Apresentação: a tragédia grega" in Ésquilo, Os persas; Sófocles, Electra; Eurípides, Hécuba, trad. de Mário de Gama Kury, Rio Jorge Zahar, 1992, pp. 9 - 1 6.
Lebrun, Gérard, "0 conceito de paixão" in Novaes, Adauto, Os sentidos da paixão. São Paulo, FUNARTE/Companhia das Letras, 1987, pp. 17 - 33.
Reale, Giovanni, História da filosofia antiga. I. Das origens a Sócrates, trad. de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine, São Paulo, Loyola, 1993.
Sennett, Richard, Carne e pedra. O corpo e a cidade na civilização ocidental, trad. de Marcos Aarão Reis, Rio, Record, 1997.