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Material TCC posteriormente transformado em livro publicado
Tipologia: Teses (TCC)
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A análise da imutável cultura dos camponeses e beduínos ao longo de mais de dois milênios realizadas por diversos pesquisadores e publicadas em seus trabalhos, ajudou-nos a descobrir as pressuposições culturais nutridas pelo narrador das parábolas em relação aos seus ouvintes. Os mesmos valores que causaram o impacto das parábolas no tempo de Cristo podem ser descobertas hoje, em comunidades agrícolas do Egito, do Líbano, da Síria e do Iraque. Como a passagem do tempo não causou transformações culturais importantes nesses lugares é possível saber, por exemplo, o que significa um filho pedir sua parte da herança antes da morte do pai.
Intentamos, através da presente obra, demonstrar a conservação da vitalidade e dinâmica do texto tal qual o mesmo soava aos ouvintes judeus do primeiro século, objetivamos, por meio de métodos escolásticos descritos a partir do “círculo hermenêutico”^1 , trazer à tona, pelo menos em parte, a supracitada
(^1) Maneira como eram interpretados os acontecimentos, ações e omissões dentro da própria comunidade cristã
Objetivamos apresentar, a partir dessa perspectiva cultural, fiando-nos para tanto, das observações dos mais destacados estudiosos do Novo Testamento, uma visão mais apurada das nuances que permeiam as “entrelinhas culturais” das parábolas de Cristo.
Sendo mais específicos, apresentaremos uma visão panorâmica da parábola, analisando sua a estrutura literária, o palco de sua narrativa, a perspectiva sociocultural da época quando do deslocamento do mais jovem para “um país distante”, e as metáforas e implicações cristológicas relacionadas ao conto. Demonstraremos, assim, com base na análise das expressões e atitudes idiomáticas dos personagens da narrativa e, algumas chocantes verdades uanto a caráter do primogênito que, como veremos adiante, não se encontrava tão distante da reprobibade do mais moço.
Figura 0 - 2 – Acampamento beduíno no deserto, mais dois mil anos de estaticidade histórica
Figura 0 - 1 – Caravana com Beduínos e camelos no deserto. Costume milenar
uma curiosa tendência, ao lidar com a humanidade de Jesus, de deixar passar despercebida a sua estatura intelectual completa.
Infelizmente, não há um consenso acerca do local da composição e da datação do evangelho de Lucas. A despeito de nossa convicção ortodoxa, através da qual atribuímos a autoria da missiva ao evangelista Lucas, do ponto de vista da crítica textual, nao há possibilidade de identificarmos o autor. Todavia, é sensato admitir, nas palavras do Teólogo Alemão Werner G. Kummel (3) que “(...) uma coisa se pode afirmar com certeza a respeito da sua autoria: “trata-se de um cristão proveniente da gentilidade”. Tal ponto de vista corrobora com tradição ortodoxa que atribui o conteúdo da carta ao “médico amado”.
No tocante ao local , um dos maiores especialistas no método histórico crítico, Carlos Mesters (4), afirma que é possível situar este evangelho na cidade de Antioquia, visto que o Livro de Atos guarda uma forte memória da igreja localizada nesta cidade (cf. Atos 11.19-26; 13.1-3) e também por ser uma carta que, em seu bojo descritivo, “possui todos os aspectos de uma cidade fronteiriça”.
Assim como não há consenso quanto à localização do evangelho de Lucas, também não há quanto a sua datação. Embora algumas
posições menos ortodoxas como a de Ivo Storniolo (5) o situe entre 80 e 90 e o já supracitado Mesters (4) colocando-o em torno do ano de 85, Kümmel (3) nos traz uma posição mais equilibrada e coerente com a tradição cristã, alocando-o pouco depois dos anos 70 do primeiro século de nosa era.
O conflito na comunidade lucana parece gravitar em torno da aceitação, ou não, no seio da comunidade primitivamente composta por judeus cristãos, de um grupo de conversos oriundas do mundo gentílico que não cumpriam as exigências das leis de pureza judaicas.
Acerca da vigência dessas leis, o teólogo noruegues Halvor Moxnes, lança luz sobre o tema ao asseverar que estas tinham grande importância porquanto eram "símbolos da identidade de grupo dos judeus" (6). Após os cativeiros, a destruição e reconstrução do templo, o conceito de pureza, que era espacial- geográfico, passa a ser ritual. O conceito de sagrado, que era ligado à terra e ao espaço, passa a se ligar, às práticas rituais vinuladas à pureza cerimonial. Dessa forma, "a violência e a exclusão eram dirigidas a todos que não cumpriam os princípios de pureza". (7)
no verso dezoito. Não obstante, ele é um símbolo de Deus e isso fica sedimentado nas palavras do grande especialista em estudos do Oriente Próximo, o teólogo luterano Joaquim Jeremias (9) quando este escreve que "(...) O pai não é Deus, mas um pai terreno; contudo, algumas das expressões usadas têm o objetivo de revelar que em seu amor ele é uma figura de Deus".
Nesse mesmo gancho, Geraint Vaughan Jones (10) afirma que a parábola a respeito do filho pródigo não é, primordialmente, a respeito de um rapaz extravagante, mas a respeito do relacionamento entre Deus, o pecador, e aquele que se julga justo. Não é prudente, portanto, identificar o filho mais velho apenas como um fariseu, pois isso estreitaria indevidamente o âmbito didático da narrativa. Em suma, Jesus estaria basicamente descrevendo tipos de pessoa.
Nessa mesma linha, o professor de Leis Orientais na Universidade de Londres, John Duncan Martin Derrett (11) também compreende esta parábola elevando-a a uma espeie de comparação superlativa, que conduz a uma dedução progressiva, ao argumentar que "se um pai terreno pode agir dessa forma, quanto mais o próprio Deus".
s versículos de 4 a 11 da parábola anterior compõem uma espécie de parábola dupla. Cada metade possui uma estrutura semelhante, porém distinta. O mesmo sucede nos verso 11-32. Aqui também temos uma parábola dupla e cada metade tem sua estrutura própria. Novamente, ambas as metades são semelhantes e, concomitantemente, diferentes.
Podemos expor uma organização dessa parábola dupla em estrofes que combinam uma com a outra usando quiasmas^4 ou em degrau e outras correspondências semânticas. Não temos encontrado melhor e mais didática forma de exposição da passagem ora citada, do que a forma como a organizou o pesquisador Keneth E. Bailey (1):
A - Havia um homem que tinha dois filhos 1 Um filho é perdido (v.12)
(^4) Quiasmo ou Quiasma (em grego: χιάζω, chiátsō, "formar como a letra Χ") é uma figura de linguagem ou uma figura de música em que elementos são dispostos de forma cruzada. Uma espécie de paralelismo invertido.
usado o princípio da inversão bastante característica da narrativa lucana (1).
A última linha de cada uma das primeiras seis estrofes relaciona- se com os desejos perdas e necessidades físicas. As últimas seis estrofes, em suas linhas finais tratam progressivamente da restauração à filiação e da alegria que se segue (1). As ligações entre as estrofes ficam evidentes. No centro apoteótico as duas queixas combinam linha a linha em paralelismo e em degrau. Na estrofe 3 o pai vem para reconciliar-se, enquanto que na 3‟ ouvimos um discurso de reconciliação. Já a estrofe 2 é um relatório da festa dado para o rapaz, e em 2‟ o pai defende o fato de ter iniciado esses mesmos eventos. O término está faltando: não há estrofe 1‟, algo, curiosamente, está inacabado.
A porção bíblica de Lc 15.11-32 é uma narrativa parabólica. Tal narrativa trata de um acontecimento de caráter único e não costumeiro o qual é narrado pormenorizadamente. Constata-se uma tendência de apresentar os personagens em determinada relação social (estrutura: superior, inferior; ou direito subalterno), por exemplo, a figura paterna. Com frequência são apresentados dois grupos, com um dos quais é é inevitáel se identificar.
No fundo literário geral das narrativas, Cristo utiliza o gênero das fábulas antigas familiar aos hebreus, ao passo que, conomitantemente as destina à uma aplicação aos seres humanos (1).
Muitas das narrativas começam como a parábola de Lc 15.11-32, com "havia um homem" ou “um certo homem”, sendo raramente autônomas com relação ao contexto dentro do qual está inserida e tem, amiúde, função retórica e argumentativa para a apreciação sistemática das parábolas, tendo a finalidade de prevenir o leitor contra a tendência de isolá-las de seu contexto.
Qo analisarmos o fluir da estória, é posível notar que a terceira linha de 5 é redundante e deslocada, no entanto, do ponto de vista da disposição textual, funciona maravilhosamente em seu contexto, uma vez que possibilita que se enxergue a estrutura (1). Com essas correspondências semânticas em mente, é necessário um aprofundamento na análise dos elementos culturais que permeiam a parábola, alguns dos quais, por sua vez, iluminarão outros paralelismos como veremos adiante.
Na Mishnah (12), a passagem chave, que trata detalhadamente sobre o tema e para a qual voltaremos repetidamente, é Baba Bathra^5 VIII. 7, que diz:
Se alguém cede a sua propriedade a seus filhos, por escrito, precisa escrever: “desde hoje e depois da (minha) morte”... Se alguém cede os seus bens por escrito a seu filho (para que se torne dele) depois da sua morte. O pai não pode vendê-la, visto que ela já está transferida para o seu filho, e o filho não pode vendê-la porque está sob o controle do pai... O pai pode colher (faze- la produzir) e alimentar dela a quem queira, mas o que ele deixar colhido pertence aos seus herdeiros.
À frase "depois da (minha) morte" o editor acrescenta esta nota: "Isto se refere a uma pessoa sadia que deseja reter o direito de se beneficiar com as suas posses (usufruto) durante a sua vida.”.
Mesmo não ortodoxos, como o próprio Joaquim Jeremias (9) e outros têm aceitado esta passagem como a melhor explicação da situação legal que está por detrás desta parábola. O Talmude
(^5) Bava Batra (também Baba Batra , Aramaico Talmúdico: בבא בתרא "O Último Portão") é o terceiro dos três tratos no Talmud na ordem Nezikin.
Babilônico^6 apresenta uma nota dando uma ilustração acerca da situação em que um homem em perfeita saúde pode transferir as suas propriedades aos seus filhos. A nota explica a Mishnah (13) citada acima, e diz:
Isto é, poderia tratar-se, num caso incomum, da história de uma pessoa em perfeitas condições de saúde, que desejava, por exemplo, casar-se pela segunda vez, e desejava proteger os filhos do primeiro matrimônio da sua segunda esposa que poderia apostar-se dos bens, como pagamento do seu Kethubah (contrato de casamento judaico, acordo nupcial judaico).
Assim sendo, para circunstâncias especiais a Mishnah^7 abre o precedente da feitura do testamento antes da morte, mas não há nenhum indício de qualquer pai tê-lo feito sob pressão de um filho mais novo.
(^6) O Talmude é um livro Sagrado dos judeus, um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história do judaísmo. (^7) A Mishná, também conhecida como Mixná ou Mixna[1] (em hebraico משנה, "repetição", do verbo שנה, ''shanah, "estudar e revisar") é uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada a Torá Oral.
Depois de transferir as suas posses aos seus filhos, o pai ainda tem o direito de viver do seu produto (o uso-fruto) enquanto viver. Aqui, o filho mais jovem o adquire (esse direito de dispor da propriedade), e, portanto subentende-se que ele o exigiu. Para tal disposição ele não tinha direito, falando explicitamente, antes da morte de seu pai. A implicação de "Pai não posso esperar até que o senhor morra" está subentendida em ambos os pedidos. Ela é ainda mais forte e culturalmente impactante, no segundo.
Podemos, ao realizarmos uma leitura superficial de todo o material rabínico citado acima, notar que “nenhum deles mostra um filho pedindo a sua herança a um pai que goza de perfeita saúde.” Apesar de notável que havia grande afluxo de judeus seguindo para a diáspora nesse período (14), esse fato, por si só, não nos concede arcabouço suficiente para presumir que esse tipo de prática culturalmente chocante e, de certa forma, ilegal, pudesse ser considerado um acontecimento normal. Podemos enxergar patente inverossimilhança nesse tipo de afirmação, novamente nas reflexões do pesquisador Keneth E. Bailey quando este pontua:
Tal assertiva não é verdade. Temos situação semelhante no Líbano hoje em dia. Com quase dois milhões de Libaneses vivendo e trabalhando
por todo o mundo, em sua "diáspora" característica. Mas o jovem que tem um pai vivendo em perfeita saúde que sai de casa para fazer fortuna. Não pede recebe e vende a sua parte dos bens da família antes de sair! (1)
O máximo que ele pode esperar é ganhar a passagem e um pouco de dinheiro para as primeiras despesas. Apesar de alguns autores (inclusive ortodoxos), como a “ex-bultmaniana”, Eta Linnemann, declararem (14) que “(...) segundo as leis da época, a fazenda era propriedade da família e juntamente com tudo o que pertencia a ela, passava para o filho mais velho” (conceito, provavelmente extraído a partir de Levítico 25: 23, que diz: “Também a terra não se venderá em perpetuidade."), é necessário, todavia, alocar a referida passagem em contexto originário: O Jubileu. O referido texto levítico não tem como escopo legislar acerca de heranças. O pedido de Lucas 12: 13. “Mestre. ordena a meu irmão que reparta comigo a herança”, demonstra rapidamente que as propriedades eram divididas entre os filhos.
Todavia, nem todos os estudiosos deixaram de notar que o pedido do filho mais jovem chega às raias de desejo pela morte do pai. O renomado teólogo do Novo Testamento Günther Bornkamm (15) diz, a respeito do pródigo, que “ele pede a sua parte dos bens, e trata o pai como se estivesse já morto. O