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O Poço do Visconde: Conceitos de Geologia, Política e Proatividade para Crianças, Notas de estudo de Geologia

Este documento discute o livro 'o poço do visconde' de monteiro lobato, que aborda a exploração de petróleo no brasil e a importância da educação e proatividade para crianças. O autor discute a história do descobrimento do petróleo no brasil, a luta de monteiro lobato pela exploração nacional e a transposição destes temas para a literatura infantil. O documento também enfatiza a importância da consciência crítica e cidadania nas crianças.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Andre_85 🇧🇷

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66 | INTERSEMIOSE | Revista Digital | ANO III, N. 06 | Jul/Dez 2014 | ISSN 2316-316X
O Poço do Visconde:
conceitos de geologia, política e
proatividade para crianças
Jéssica Maciel de Andrade
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Resu mo:
A ideia do presente artigo é apresentar, de forma breve, o contexto de ensino-aprendizagem no
Sítio do Picapau Amarelo, mais precisamente na obra O Poço do Visconde (1937) de Monteiro
Lobato. Primeiramente, falaremos brevemente sobre o envolvimento do autor com a questão do
petróleo brasileiro no início do século XX, para então observarmos a transposição didática do
tema para o imaginário infantil. Observaremos, principalmente, como a influência dos estudos
críticos se dão na atmosfera do Sítio.
Palavras- chave: Literatura infanto-juvenil; Ensino-aprendizagem, Monteiro Lobato.
Abstract:
The present article’s idea is to show, in a brief way, the context of teaching and learning in Sítio
do Picapau Amarelo, more precisely in the work O Poço do Visconde (1973) of Monteiro Lobato.
First, we will talk briefly about the involvement of the author with the problem of Brazilian
energy resources at the beginning of the twentieth century, and then we will observe the didactic
transposition of the theme to the children’s imaginary world. We will notice, mainly, how the
influence of the critical studies happen in the “Sítio” atmosphere.
Keywords: Children and youth literature, Teaching and learning, Monteiro Lobato.
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O Poço do Visconde:

conceitos de geologia, política e

proatividade para crianças

Jéssica Maciel de Andrade

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Resumo: A ideia do presente artigo é apresentar, de forma breve, o contexto de ensino-aprendizagem no Sítio do Picapau Amarelo, mais precisamente na obra O Poço do Visconde (1937) de Monteiro Lobato. Primeiramente, falaremos brevemente sobre o envolvimento do autor com a questão do petróleo brasileiro no início do século XX, para então observarmos a transposição didática do tema para o imaginário infantil. Observaremos, principalmente, como a influência dos estudos críticos se dão na atmosfera do Sítio. Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil; Ensino-aprendizagem, Monteiro Lobato. Abstract: The present article’s idea is to show, in a brief way, the context of teaching and learning in Sítio do Picapau Amarelo, more precisely in the work O Poço do Visconde (1973) of Monteiro Lobato. First, we will talk briefly about the involvement of the author with the problem of Brazilian energy resources at the beginning of the twentieth century, and then we will observe the didactic transposition of the theme to the children’s imaginary world. We will notice, mainly, how the influence of the critical studies happen in the “Sítio” atmosphere. Keywords: Children and youth literature, Teaching and learning, Monteiro Lobato.

Jéssica Maciel de Andrade Introdução Em 1938, o governo federal decidiu explorar um poço no município de Lobato, na Bahia, e constatou a existência de petróleo. No ano seguinte, criou o Conselho Nacional do Petróleo, que seria a primeira iniciativa para regular e estruturar a exploração do minério. Até então, havia uma disputa entre empresários e ideais nacionalistas, divulgados pelo governo getulista, sobre a exploração petrolífera no país. Uma alteração de última hora no decreto-lei que instituiria o CNP passou a considerar patrimônio da União todas as jazidas de petróleo em solo brasileiro, inclusive as ainda não encontradas. Leonardo Contesini. A história de Monteiro Lobato e o petróleo brasileiro Chega. Não quero nunca mais tocar neste assunto de petróleo. Amargurou- me doze anos de vida, levou-me à cadeia – mas isso não foi o pior. O pior foi a incoercível sensação de repugnância que desde então passei a sentir sempre que leio ou ouço a expressão ‘Governo Brasileiro’… Monteiro Lobato Numa dessas estranhas ironias do destino, o petróleo brasileiro foi descoberto, meio por acaso, num lugar chamado “Lobato”, depois da acirrada luta do escritor em defesa da exploração de jazidas em território nacional. José Bento Monteiro Lobato, que havia sido preso por defender a nacionalização do petróleo na década de 1930, concedeu uma entrevista à Rádio Record, uma década depois, onde reafirmava sua posição favorável à campanha “O Petróleo é Nosso!”, de ampla mobilização nacional, que conseguiu impedir a tramitação do Estatuto do Petróleo no Congresso, em 1948, elaborado segundo a política liberal do presidente Dutra, que defendia a abertura ao capital estrangeiro. Mais tarde, essa campanha contribuiu para o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo e para a criação da Petrobrás. Quase setenta anos depois, a Petrobrás vive o pior momento de sua história, afundada num escândalo sem precedentes. Felizmente, o escritor não sobreviveu para testemunhar esse episódio lamentável envolvendo uma empresa cuja existência re- presentaria, para ele, a realização de um sonho. Dois dias após aquela entrevista, ele teve um espasmo cerebral e morreu aos 66 anos de idade, depois de perder em seus projetos empresariais todo o dinheiro que havia ganho com seus livros.

Jéssica Maciel de Andrade na imaginação de crianças e adultos até hoje. Desses 17 livros, escolhemos para esta análise, O Poço do Visconde. Publicado em 1937, O Poço do Visconde trata da revolução ocorrida no sítio e em seus arredores depois dos estudos de Geologia feitos pela turma. É notória a proatividade das crianças que, cientes das imensas demandas de geração de energia necessária ao desenvolvimento do país; e cientes, também, da existência de petróleo em território nacional – o que não se admitia à época de Lobato – resolveram elas mesmas realizar explorações no sítio. Aborrecido com as notícias de jornal, Pedrinho constata a ineficácia do governo brasileiro: “Bolas! Todos os dias os jornais falam em petróleo e nada do petróleo aparecer. Estou vendo que se nós aqui do sítio não resolvermos o problema, o Brasil ficará toda vida sem petróleo.” (LOBATO, 1972, p. 7-8). A partir de então, o Visconde – que, nesse momento, torna-se o professor mais adequado, visto que já estudara um livro inteiro sobre Geologia – inicia os serões abertos a todos, adultos e crianças, sobre o assunto, em mais uma demonstração da grande escola inclusiva que é o Sítio. O livro aborda temas socioeconômicos do contexto brasileiro da época, focalizando principalmente a questão energética. Um país com as dimensões e a riqueza de recursos naturais como o Brasil não realizava investimentos concretos para a descoberta de jazidas de petróleo, e andava a passos lentos na geração de outras formas de energia. A questão do petróleo e do ferro já havia sido levantada por Lobato em diver- sos artigos de jornais, visto que ele mesmo perdera bastante tempo e dinheiro tentando explorar o petróleo em solo brasileiro, mas sempre sendo repreendido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o qual tinha o interesse em vender as terras pe- trolíferas brasileiras para os estrangeiros. Estes artigos foram responsáveis por sua prisão durante a ditadura de Getúlio Vargas. A compilação destes textos foi publicada um ano antes do livro O Poço do Visconde , em 1936, intitulada O escândalo do petróleo e ferro. É importante frisar que nas aulas do Visconde existe uma partilha de conhecimentos entre as personagens. Dependendo do assunto ou do tema de que tratam as aulas, os detentores do conhecimento deste assunto específico – que talvez em outro momento não seriam os professores – , trocam ideias entre si, da maneira menos autoritária possível. O que mostra existir no sítio um verdadeiro desejo de aprender, e um sincero sentimento de partilha. Segundo Alvarez:

O Poço do Visconde: conceitos de geologia, política e proatividade para crianças Apesar do liberalismo contido em muitas correntes pedagógicas amplamente discutidas nas décadas de vinte e de trinta, a escola nem sempre era risonha e franca. O que se passava no sítio de Dona Benta não poderia ser projetado como a imagem do ambiente escolar da época e ainda menos do que representava a vida das crianças nos lares de então, no que diz respeito ao relacionamento com pais e adultos em geral. (...) O caráter dialético das confrontações explode numa dinâmica marcada pelo humor e pela vivacidade das colocações em conflito. (ALVAREZ, 1982, p.10-11) Estaria a pedagogia da época pronta para lidar com esse tipo de revolução? No Poço do Visconde, encontramos momentos onde a ironia lobatiana dá respostas à recepção externa e às avaliações pedagógicas negativas em vigor na época, que criticavam a petu- lância da boneca Emília, cujas falas descabidas assustavam os teóricos. Não eram raras as condenações dos livros do Sítio, considerados maus exemplos para as crianças e para a manutenção da ordem em sala de aula e na sociedade: Dona Benda advertiu-a. – Emília, as professoras e os pedagogos vivem condenando seu modo de falar, que tanto estraga os livros do Lobato. – Dona Benta a senhora me perdoe, mas quem torto nasce tarde ou nunca se endireita. Nasci torta. E, portanto, ou falo como quero ou calo-me. Isso de falar como as professoras mandam, que fique para Narizinho. Pão pra mim é pão; besteira é besteira. (LOBATO, 1972, p. 46) Emília comete o “erro” de ser uma criança natural; isto é, questiona, pergunta e é ainda desaforada em alguns momentos, pois não desenvolveu os mecanismos de controle e submissão, nem frequentou escolas onde se educam os comportamentos esquemáticos e a obediência cega à autoridade. Suas dúvidas, indignações e reações são espontâneas e legíti- mas, movidas pelo raciocínio, pela lógica e pelo bom-senso – ainda alheio ao “senso comum”. É importante que se faça um adendo ao fato de este livro ter sido bastante criticado por tratar de temas que, segundo intelectuais da época, não eram para crianças. Seja pelo conhecimento científico a ser discutido, seja por incitar as crianças a perceberem coisas que adultos da época não percebiam ou fingiam não perceber, seja por tratar das questões políticas relacionadas à questão político-econômica da extração/produção e comerciali- zação do petróleo no Brasil, Lobato nessa época já era criticado por não subestimar e não enganar as crianças acerca dos problemas importantes pelos quais o país passava. Para Kruel de Morais, por exemplo:

O Poço do Visconde: conceitos de geologia, política e proatividade para crianças sabem que a curiosidade da criança deve ser aguçada e não estancada. Os termos com que o Visconde descreve a erosão, por exemplo, são claramente revolucionários, e percebidos pelos ouvintes, personagens e leitores: Neste ponto começou a dar-se um fenômeno muito interessante. A água, de tanto lidar com o Calor e o Ar, fez com eles um trato. “Está muito feia a terra, assim reduzida a uma rocha dura.” – disse a Água. “Precisamos combinar umas modificações que permitam o aparecimento da Vida. Quero ver a terra cheia de verdura e de bichos que andem, corram e se ataquem us aos outros”. (...) Sempre por artes da Senhora Erosão. Na sua mania de corroer tudo, ela vai rebaixando o solo, afundando-o até que alcança o alto da capa impermeável e a ataca. (...) Como é democrática!

  • exclamou Narizinho. (LOBATO, 1972, p. 14-35) Os conceitos geológicos, biológicos e químicos são descritos por Narizinho como conceitos políticos: pela noção de “democrático”, mostrando como todo o aprendizado ad- quirido de nada serve se não for alavancado pela consciência das massas sobre a pertença de seus bens e sobre a necessidade do uso dos recursos de seu território para o desenvol- vimento de seu país. Lobato sabia, por experiência própria, o quanto encontrar petróleo no Brasil não era uma questão meramente científica, mas de direcionamento e vontade política. Por isso ele desejava esclarecer esses fatos aos futuros adultos brasileiros, que não receberiam tais informações na escola tradicional, nem nos meios de comunicação oficiais, como a imprensa. Seu livro foi considerado profundamente “subversivo” por- que conscientizava os brasileiros desde a infância, capacitando-os a resistir aos avanços abusivos dos governantes e aos interesses de forças dominantes e hegemônicas externas ao país – o que poderia atrapalhar os planos desses grupos. Mas Lobato sabia que, em- bora um indivíduo possa ser aprisionado e silenciado, é muito mais difícil controlar um contingente de pessoas esclarecidas. Daí a necessidade de promover uma educação de qualidade, com bons conteúdos e sobretudo voltada para o desenvolvimento do senso crítico e da autonomia do cidadão. Depois de estudar os princípios básicos da geologia, as próprias crianças também aderem a um discurso ecológico, por compreenderem que, na natureza, tudo tem seu tempo e precisa deste para renovar os seus ciclos. Desde o início, portanto, a noção de exploração dos recursos energéticos, segundo Lobato, não deveria se dissociar da

Jéssica Maciel de Andrade consciência dos limites impostos pela natureza para a renovação desses mesmos recursos. Assim, muito antes que se falasse em ecologia no Brasil, ele já pregava o “desenvolvi- mento sustentável”. O conhecimento crítico – posto que as crianças refletem sobre tudo que aprendem – faz a diferença no modo como o texto incentiva a pesquisa e a extração de recursos naturais: voltadas não para um lucro indiscriminado, mas para o benefício da população, sem comprometer a saúde da terra. As crianças do sítio sabem que os Estados Unidos possuem um grande poderio internacional graças ao controle do petróleo que exercem no mundo. Mas são instruídas a refletir sobre as implicações do capitalismo indiscriminado, que vê razões apenas no lucro das empresas, sem ligar para o retorno social e para o impacto ambiental de suas atividades. O despreparo das companhias energéticas brasileiras é condenado, mas o crescimento desarrazoado das companhias americanas, cujos procedimentos nem sempre atendem aos interesses da maioria da população e do planeta, já eram discutidos pelas crianças do sítio nos anos 1930: Mas a culpa do petróleo acabar depressa vai caber aos americanos. Tiram petróleo demais; gastam-no demais. Quantos milhões de anos não levou a natureza para fabricar cada bilhão de barris que eles extraem anualmente? Nem tem conta. (LOBATO, 1972, p. 47) Todo conhecimento no sítio é construído através do desenvolvimento de uma visão crítica e racional, que deve ser estimulada, incentivada e até mesmo treinada na infância. Desse modo, Lobato mostra que todo tipo de conhecimento pode e deve ser passado às crianças, desde que haja a transposição didática adequada, capaz de atender à sede de aprendizagem desta fase, capacitando os cidadãos corretamente para o atendimento de suas reais necessidades e para os desafios da vida adulta. Crianças politizadas Em todos os livros infantis de Monteiro Lobato é comum observar as tentativas de pensar o cidadão brasileiro como um homem político desde a infância, através do despertar da criança leitora de livros, e através disso, do ser humano capacitado a uma

Jéssica Maciel de Andrade um dos maiores aterros que o mundo conhece.” (LOBATO, 1972, p.24). Noutro momento, Emília questiona sobre as companhias supostamente brasileiras de petróleo:

  • E por que o Brasil também não produz milhões e milhões de barris? Será que não existe petróleo aqui? – Não existem perfurações, isso sim. (...) Quando um povo embirra em não arregalar os olhos não há quem o faça ver. (LOBATO, 1972, p. 38-39) Após o estudo geológico, as crianças compreendem que o Brasil possui um solo perfeitamente adequado para a exploração de jazidas e já desconfiam das intenções das companhias petrolíferas. Desconfiança que é legitimada pelo Visconde quando explica que não é interessante para as companhias estrangeiras – que controlam as nacionais – que o país explore petróleo. E a boneca ainda completa: “— Pudera! — gritou Emília. — Num país onde até os ministros não pensam em petróleo, ou quando falam nele é para negar, só mesmo dando a palavra a um sabugo.” (LOBATO,1972, p.45). Mais uma “alfinetada” do senhor Lobato pela boca de uma boneca de pano que julga melhor a realidade do que os homens do governo. A ineficiência das governanças brasileiras é constantemente alvo das discussões nes- te livro. Para Lobato, somente a realidade dos brasileiros, destituída de condições mínimas de sobrevivência, e minada pela inexistência de uma educação verdadeira, explicaria este estado de coisas, esta subserviência do povo aos poderes locais e estrangeiros. Enquanto não possuir condições para sobreviver, o cidadão brasileiro não poderá desenvolver-se nem atingir um estágio de independência e autossuficiência, restando-lhe a opção de servir como subalterno ao sistema. Sem investimentos reais na saúde, na educação, na moradia e no transporte, o cidadão não poderá se desenvolver em plenitude. Segundo o Visconde, a exploração do petróleo nacional aumentaria infinitamente as condições de riqueza do país, promovendo não só uma autonomia energética importante para todos os setores produtivos no campo e na cidade, como também poderia angariar recursos com exportações. A disponibilização do petróleo nacional levaria a um maior desenvolvimento tecnológico, à acessibilidade às máquinas, e consequentemente ao progresso da nação. Outro ponto bastante explorado no livro é a especulação sobre os possíveis inves- timentos resultantes da riqueza advinda da exploração do petróleo. Dona Benta e as

O Poço do Visconde: conceitos de geologia, política e proatividade para crianças crianças já têm consciência de que grande parte da população brasileira vive em estado de miséria. O conhecimento desta dura realidade não é negado às crianças do sítio; pelo con- trário, elas sabem que ocupam uma situação socialmente privilegiada, e por isso decidem desenvolver a região em que vivem, construindo escolas de qualidade, criando oficinas de trabalhos técnicos e prevendo futuras universidades. Discutem ainda sobre como investir na saúde, com a implementação de hospitais. As crianças simulam discussões sérias, de um governo justo, que pensa no desenvolvimento do seu povo: Isto é, iremos construindo estradas de rodagem de verdade. E também poderemos criar umas boas escolas profissionais para esta caboclada bronca – propôs Narizinho. – E também organizaremos umas casas-de- saúde bem modernas, com os melhores médicos e todas as comodidades, como os hospitais americanos que a senhora contou outro dia. – E construiremos para eles casas decentes, com higiene e coisas modernas, que lhes sejam vendidas a prestações bem baixinhas. E eu acho que devemos criar casas de ciências para o aproveitamento dos meninos que mostrarem vocação para os altos estudos. (LOBATO, 1972, p.144-145) Vemos aqui a partilha do conhecimento, e o desenvolvimento da cidade em todas as suas áreas. Lobato mostra que os “lucros”, no sítio, não ficariam apenas para os seus moradores, mas que fariam parte de projetos de desenvolvimento para o bem comunitário, atingindo a todos. Seu discurso se configura como uma crítica ao capitalismo irresponsá- vel: Lobato oferece à criança leitora a ideia de que o desenvolvimento de uma sociedade só é efetivo quando se faz de forma equitativa. Descredibiliza a ideia de ambição e do acúmulo individual, e aponta para o crescimento pelo bem comum. Crianças proativas, imaginativas e criativas Assim como o homem Lobato, as crianças do sítio são ávidas por conhecimento. Isto é bem certo; porém, como seu autor, elas não concebem ter o conhecimento e não poder aplicá-lo na prática. Também não concebem não ter o conhecimento e não buscá-lo. Os personagens lobatianos são inquietos: imaginem, inventam, criam, aplicam os conheci- mentos adquiridos na vida “real”, buscando melhorar a qualidade de vida de todos. É Pedrinho quem leva o sítio para o mundo do petróleo: seja organizando as aulas

O Poço do Visconde: conceitos de geologia, política e proatividade para crianças Dona Benta explica o mérito das crianças, que “se meteram a estudar geologia” e tomaram a iniciativa de explorar o petróleo brasileiro, sendo bem-sucedidas. Dona Benta explicita ainda que aquilo que é referente ao petróleo (comprovações, perguntas, “banhos de petróleo”) deve ser tratado com os netos, visto que eles foram os responsáveis pela exploração e descoberta do petróleo brasileiro. Considerações finais Com ideias muito avançadas sobre educação, as quais, em muitos aspectos, des- toavam do lugar-comum de seu tempo (antecipando temas como interdisciplinaridade, políticas públicas e desenvolvimento sustentável), Lobato se preocupava profundamente com os rumos do país. Fazia críticas ferrenhas ao “jeitinho brasileiro” e denunciava essas questões em suas obras infantis; visto que, para ele, era necessário abrir os olhos da socie- dade para o desenvolvimento da sua criticidade. Qual o lugar melhor para começar essa revolução do que o pensamento das crianças, agentes do futuro? Nunca subestimando a infância, e jamais banalizando a literatura infantil, Lobato cria um sítio utópico, um lugar onde as pessoas podem aprender e atuar livremente. Só uma literatura libertária como essa seria capaz de estimular o pensamento político-crítico dos futuros cidadãos, solapados por governos incapazes e corruptos. É inegável a atualidade da obra de Monteiro Lobato na realidade brasileira do século XXI. Lobato atenta para uma revolução do pensamento que precisa continuar a ser feita, para que o povo não se escravize ao pensamento alheio e possa modificar sua realidade para melhor. Sua obra deve, portanto, continuar a ser lida pelas crianças de hoje, através de um olhar livre de preconceitos.

Jéssica Maciel de Andrade Referências ALVAREZ, Reynaldo Valinho. Monteiro Lobato, escritor e pedagogo. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1982. AZEVEDO, Carmem Lúcia de; CAMARGOS, Marcia; SACCHETA, Vladimir. Furacão na Botocúndia. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000. CECCANTINI, João Luís, LAJOLO, Marisa (orgs.). Monteiro Lobato, livro a livro – Obra infantil. São Paulo: UNESP, 2008 CONTESINI, Leonardo. A história de Monteiro Lobato e o petróleo brasileiro. Disponível em: http://www.flatout.com.br/historia-de-monteiro-lobato-e-o-petroleo-brasileiro/ LAJOLO, Marisa (org.). Monteiro Lobato, livro a livro – Obra adulta. São Paulo: UNESP, 2014. LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1950. ______. O escândalo do petróleo e ferro. São Paulo: Brasiliense, 1957. ______. O Poço do Visconde. São Paulo: Brasiliense, 1972. SARTRE, Jean-Paul. O que é a literatura? São Paulo: Editora Ática, 2004.