Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Evolução do Parlamento no Império do Brasil: Análise Eleitoral e Papel do Imperador, Notas de aula de Direito

Uma análise histórica do sistema parlamentar no império do brasil, enfatizando a importância da configuração eleitoral e do papel do imperador na disputa política. O texto discute as fraudes eleitorais, a manipulação de resultados e a convergência de ideias entre liberais e conservadores, além da transformação do senado em principal foco da oposição. O documento também aborda a questão de saber quem governava no império e a natureza do sistema de governo durante o segundo reinado.

O que você vai aprender

  • Qual foi a importância do Senado como principal foco da oposição no Império?
  • Qual foi a importância da configuração eleitoral no sistema parlamentar do Império do Brasil?
  • Como o Imperador influenciou os gabinetes durante o Segundo Reinado?
  • Como os partidos políticos se relacionavam no contexto parlamentar do Império do Brasil?
  • Quais foram as principais características do sistema eleitoral antes de 1855?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jorginho86
Jorginho86 🇧🇷

4.6

(97)

230 documentos

1 / 19

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 213
Sumário
Introdução
A partir do início do Segundo Reinado,
o Império do Brasil passou a apresentar prá-
ticas de governo que em muito se aproxima-
vam do modelo parlamentar tradicional,
numa situação institucional que veio a se
consolidar com a edição da Lei no 523, de
1847, por meio da qual foi criado o cargo de
Presidente do Conselho de Ministros.
Essa evolução histórica do sistema de go-
verno imperial, narrada com maiores deta-
lhes na primeira parte deste estudo, deu-se
à margem de uma alteração constitucional,
mantendo os poderes do Império suas atri-
buições originais. Isso significava, na essên-
cia, a prevalência do poder pessoal do Im-
perador no jogo político, em detrimento da
Assembléia Geral, o que contraria a base do
parlamentarismo, no qual o Parlamento é o
principal ator da cena política.
A superação dessa situação dizia com a
legitimação democrática dos poderes par-
lamentares, com o desenvolvimento de uma
efetiva representação na Assembléia Geral
O parlamentarismo no Império do Brasil (II)
Representação e democracia
Carlos Bastide Horbach
Carlos Bastide Horbach é Doutor em Direi-
to do Estado pela Universidade de São Paulo,
Mestre em Direito do Estado e Teoria do Direi-
to pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Professor dos cursos de graduação e Mes-
trado em Direito do Centro Universitário de
Brasília – UniCEUB, Advogado em Brasília – DF.
Introdução. 1.Eleições e representação. 1.1.
Os partidos do Império (1847–1889). 1.2. Siste-
ma eleitoral. 1.3. Representação e oposição. 2.
Democracia com coroa? 2.1. O Imperador reina
e governa? 2.2. O Imperador e os Gabinetes.
2.3. A queda do 3o Gabinete Zacarias. 2.4. O
sorites de Nabuco. Conclusão.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Evolução do Parlamento no Império do Brasil: Análise Eleitoral e Papel do Imperador e outras Notas de aula em PDF para Direito, somente na Docsity!

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 213

Sumário

Introdução

A partir do início do Segundo Reinado, o Império do Brasil passou a apresentar prá- ticas de governo que em muito se aproxima- vam do modelo parlamentar tradicional, numa situação institucional que veio a se consolidar com a edição da Lei n o^ 523, de 1847, por meio da qual foi criado o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Essa evolução histórica do sistema de go- verno imperial, narrada com maiores deta- lhes na primeira parte deste estudo, deu-se à margem de uma alteração constitucional, mantendo os poderes do Império suas atri- buições originais. Isso significava, na essên- cia, a prevalência do poder pessoal do Im- perador no jogo político, em detrimento da Assembléia Geral, o que contraria a base do parlamentarismo, no qual o Parlamento é o principal ator da cena política. A superação dessa situação dizia com a legitimação democrática dos poderes par- lamentares, com o desenvolvimento de uma efetiva representação na Assembléia Geral

O parlamentarismo no Império do Brasil (II)

Representação e democracia

Carlos Bastide Horbach

Carlos Bastide Horbach é Doutor em Direi- to do Estado pela Universidade de São Paulo, Mestre em Direito do Estado e Teoria do Direi- to pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professor dos cursos de graduação e Mes- trado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Advogado em Brasília – DF.

Introdução. 1.Eleições e representação. 1.1. Os partidos do Império (1847–1889). 1.2. Siste- ma eleitoral. 1.3. Representação e oposição. 2. Democracia com coroa? 2.1. O Imperador reina e governa? 2.2. O Imperador e os Gabinetes. 2.3. A queda do 3 o^ Gabinete Zacarias. 2.4. O sorites de Nabuco. Conclusão.

214 Revista de Informação Legislativa

e com um sistema eleitoral capaz de compor verdadeiras maiorias. Esses aspectos, rele- vantes para a configuração de um regime parlamentar, serão a seguir analisados, para que se possa, ao final, tomando como parâ- metros os critérios expostos por Douglas Verney (1979), avaliar a natureza do parla- mentarismo no Império do Brasil.

1. Eleições e representação

A base da representação é um sistema eleitoral forte, que, por sua vez, somente é viável ante a existência de partidos políti- cos organizados. Tais partidos, defenden- do os diferentes ideais presentes na socie- dade, geram as maiorias e minorias no Par- lamento, formando o governo e a oposição. O correto funcionamento de um sistema parlamentar passa, necessariamente, por esses fatores, que ora são objeto de exame.

1.1. Os partidos do Império (1847–1889) Para muitos historiadores, o marco do nascimento dos partidos políticos brasi- leiros é o 7 de abril de 1831, a abdicação de D. Pedro I, quando as tendências divergen- tes tomaram seus rumos próprios: “os ‘exaltados’, que, com os repu- blicanos e os revolucionários de toda ordem, agrupar-se-iam no Partido Liberal; os ‘moderados’, os partidári- os da Constituição que seriam o nú- cleo do Partido Conservador; os rea- cionários, adeptos da volta do Im- perador deposto – o célebre partido ‘Caramuru’ que desapareceu com a morte de D. Pedro I” (TORRES, [1985?] apud CHACON, 1985, p. 28). Quando da instituição do cargo de Pre- sidente do Conselho de Ministros, já está definido o quadro partidário brasileiro. De um lado, o Partido Liberal; doutro, o Con- servador. Os conservadores eram popular- mente chamados de “saquaremas”, isso por- que Joaquim José Rodrigues Tôrres (Viscon- de de Itaboraí), que integrava, juntamente com Eusébio de Queirós e o Visconde do

Uruguai, o chamado “triunvirato conserva- dor”, possuía em Saquarema, Rio de Janeiro, uma fazenda onde ocorriam reuniões da cúpula conservadora, que ficaram conheci- das como os “consistórios”. Por sua vez, os liberais eram conhecidos como “luzias”, numa alusão à Batalha de Santa Luzia, em que os liberais de Minas Gerais derrotaram as forças do Governo durante a Revolta Li- beral de 1842.^1 Os partidos do Império eram partidos de quadros, nunca foram nem pretenderam ser partidos de massas. Igualmente nunca tive- ram programas muito definidos ou definiti- vos, eram grupos políticos que variavam de posicionamento conforme a postura do opo- sitor e conforme a posição de situação ou oposição que ocupavam. Tanto era assim que vários grandes nomes do Império troca- ram de partido no decorrer de suas vidas públicas. Foi assim com Nabuco de Araújo, que de conservador passou a líder liberal, bem como com o Visconde de Abaeté, o Vis- conde do Bom Retiro e o próprio Visconde de Rio Branco, todos liberais que se torna- ram conservadores. É importante registrar, entretanto, que, enquanto os liberais têm a sua semente lan- çada no projeto de reforma da Constituição, em 13 de outubro de 1831, com propostas se repetindo, de modo mais ou menos extre- mado, em programas seguintes, o Partido Conservador apenas assume um comporta- mento de reação, que se transforma em imu- tável compromisso, a partir da queda do re- gente Feijó, em 1837. Os liberais, assim, apre- sentam vários projetos partidários e os con- servadores nenhum. Os luzias tentaram, até o fim do Império, modificar o status quo , ob- tendo certo êxito até, enquanto saquaremas se limitaram a perseverar na resistência, ce- dendo aos poucos (CHACON, 1985, p. 35). O ideal que inspira as ações do Partido Conservador é a rigorosa observância dos preceitos constitucionais, o que o coloca numa posição completamente oposta à dos liberais, que, por reformadores, necessita- vam reformar o texto de 1824. Mesmo assim,

216 Revista de Informação Legislativa

tância a configuração do regime que rege a disputa entre esses partidos, a configura- ção do regime eleitoral. O Direito Eleitoral é um instrumento precioso do sistema parla- mentar, pois a eleição é o modo mais claro de pressionar o governo, demonstrando as verdadeiras tendências da vontade política nacional. Assim, para uma completa visão de um sistema parlamentar, imprescindível é a análise de seu regime eleitoral, o que ain- da é mais necessário quando se trata de um estudo sobre o parlamentarismo no Império do Brasil. A Constituição de 1824 adotou um siste- ma de sufrágio parcial e indireto. Resumi- damente, poder-se-ia dizer que o sistema funcionava assim: os eleitores de primeiro grau, que deveriam ter uma renda mínima anual líqüida de 100$ (cem mil réis), esco- lhiam os eleitores de segundo grau, que de- veriam ter renda mínima anual líqüida de 200$ (duzentos mil réis), que escolhiam os deputados, cuja exigência era de renda mí- nima anual líqüida de 400$, e votavam nas listas tríplices para senador, cargo que exi- gia uma renda de 800$, de onde o Impera- dor escolhia, segundo as atribuições do Po- der Moderador, o novo membro vitalício do Senado (LOPEZ, 1993, p. 67). Além da restrição financeira, o Capítulo VI do Título IV da Constituição de 1824 es- tabelecia outras limitações ao direito de su- frágio. Nas eleições de primeiro grau, as as- sembléias paroquiais, eram impedidos de votar os menores de 25 anos (com exceção dos casados, dos oficiais militares maiores de 21 anos, dos bacharéis formados e dos clé- rigos de ordens religiosas); os “filhos-famí- lia”, isto é, os filhos que viviam com os pais (com exceção daqueles que servissem em ofícios públicos); os criados de servir e os religiosos de clausura. Nas eleições de se- gundo grau, os conselhos provinciais, não poderiam votar os libertos, nem os crimino- sos pronunciados em querela ou devassa.^3 Não se pode olvidar, igualmente, que o arti- go 5 o^ da Constituição estabelecia como reli- gião oficial a Católica Apostólica Romana,

negando, dessarte, direitos políticos aos não- católicos. Essas eram as regras gerais do sistema eleitoral do Império, constantes da Consti- tuição de 25 de março. O artigo 97 determi- nava que uma lei regulamentar deveria re- grar de forma prática as eleições. Algumas leis se sucederam na regulamentação dos pleitos, mas claramente se pode traçar três períodos do regime eleitoral no Império do Brasil: antes da Lei de 19 de setembro de 1855, entre 1855 e a Lei Saraiva, de 1881, e depois da Lei Saraiva. Cabe agora arrolar as características básicas desses três perío- dos distintos. Antes de 19 de setembro de 1855, as elei- ções seguiam o sistema que ficou conhecido como “eleições por chusmas”. Nesse regi- me, o eleitor de segundo grau votava, entre uma lista de nomes apresentada por cada partido no âmbito provincial, nos candida- tos que achava os melhores para ocupar os assentos da província na Câmara. Sobre as chusmas, discursa o Marquês de Paraná na Sessão de 27 de agosto de 1855 no Senado: “As chusmas, senhores, convêm muito a alguns, porque é verdade que sendo eu eleitor, tendo de votar sobre 10 ou 12, e examinando uma chapa de 20, posso deixar escapar um ou outro de menos capacidade...” (NABUCO, 1997, p. 207). É nesse período, que vai até 1855, que se desenvolve a principal característica do sis- tema eleitoral de todo o Império, a fraude. As eleições eram feitas por agentes admi- nistrativos nomeados pelo Governo, pelo Gabinete que estava no poder. O Governo, com base no artigo 102, n o^ 4, da Constitui- ção, nomeava os presidentes das provín- cias, que tinham vastos poderes, inclusive o de chefiar o Comandante Militar da região, convertendo-se os presidentes nos princi- pais agentes da fraude eleitoral. Por outro lado, a polícia era unificada e centralizada na Corte, o judiciário era subordinado ao Gabinete e o clero igualmente submetido ao Governo. Essas três categorias, fundamen-

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 217

tais para as eleições, eram ligadas a secreta- rias do Ministério da Justiça, o que trans- formava o titular desta pasta noutra impor- tante personagem na manipulação das elei- ções. Ilustra bem essa característica do siste- ma eleitoral do Império a eleição para o Se- nado no pleito de 1851 em São Paulo. Nesse ano, foi nomeado para a Presidência da Pro- víncia de São Paulo o então deputado sa- quarema José Thomaz Nabuco de Araújo. Era Presidente do Conselho de Ministros o Visconde de Monte Alegre, que exigiu do Presidente da Província a eleição de José Antônio Pimenta Bueno, futuro Marquês de São Vicente, para a lista tríplice de senador por São Paulo. Entretanto, a candidatura de Pimenta Bueno era repelida pelos líderes conservadores paulistas, além do que o can- didato contrário, Joaquim José Pacheco, go- zava de maior popularidade do que o ungi- do pelo Governo. Assim, Nabuco de Araújo enviou correspondência ao Presidente do Conselho, indagando se não seria mais pru- dente abrir mão da candidatura Pimenta Bueno, reconhecendo-se a vantagem de Pa- checo. A resposta de Monte Alegre é preciosa para a compreensão das eleições no Império: “O governo quer que se faça a elei- ção dos dois senadores que faltam por essa província, usando de toda a influ- ência legítima que lhe dão o poder e a opinião. Não deseja que a oposição vença nem um candidato, e tem como seu principal adversário Joaquim José Pacheco, que o tem guerreado dentro de suas próprias fileiras mais, e fa- zendo-lhe mais danos do que seus descobertos adversários. Já sabia de tudo quanto V. Exa. me diz acerca do Pimenta Bueno, mas ele não pode dei- xar de fazer parte da chapa do gover- no. Os partidos em nossa terra não po- dem coisa alguma contra a vontade do governo, e só a fraqueza do poder e a pouca vontade de os sujeitar à discipli- na é que traz as derrotas, quando as tem havido”(NABUCO, 1997, p. 134).

Pimenta Bueno foi incluído na lista trí- plice e escolhido pelo Imperador, tornando- se Senador do Império. Outra peculiaridade desse período da história eleitoral do Império é a contagem dos votos duvidosos. Ainda que não se ti- vesse certeza do conteúdo dos votos, dos candidatos escolhidos pelo eleitor, a autori- dade eleitoral poderia interpretar o voto, atri- buindo-lhe valor e contando o duvidoso como se válido fosse. Vários parlamentares se opunham a essa prática, ressaltando que a representação não poderia ser duvidosa, que os mandatos não poderiam ser presu- midos. A ação do governo por meio de seus agentes eleitorais era radical, usando-se in- clusive de força para coagir o eleitorado. Os agentes policiais e a guarda nacional agi- am violenta e diretamente no processo de fraude, fazendo com que, durante o Impé- rio, as eleições ganhassem, desde o pleito de 13 de outubro de 1840, a alcunha de “elei- ções do cacete”, que produziam câmaras unânimes em perfeita harmonia com o Ga- binete. É somente com o Ministério Paraná de 1853 que o quadro eleitoral começa a modi- ficar-se. Desde a instauração do Ministério, a idéia fixa de seu presidente, o Marquês de Paraná, era a eleição por círculos, ou distri- tos, de um deputado. Paraná desejava, com a reforma, uma representação real do país na Câmara dos Deputados^4 , expressando a verdadeira maioria do círculo, fosse quem fosse o eleito. A eleição por círculos, por sua vez, trazia consigo, na visão dos mais con- servadores, a negação de uma das princi- pais características dos parlamentos libe- rais: a natureza do parlamento como um órgão de notáveis. Temiam os opositores da reforma que os deputados saíssem não das pessoas notáveis e bastante conhecidas nas províncias, mas de funcionários subalter- nos favorecidos por pequenas influências locais.^5 A ocasião, porém, era propícia para a aprovação de reformas, vivia o regime par-

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 219

rio, a Câmara formada por uma eleição não era composta exclusivamente pelo partido do Governo, sendo que tal realidade levou D. Pedro II a afirmar que foi com a lei dos círculos que nasceram as minorias no par- lamento imperial (NABUCO, 1997, p. 356). Entretanto, a mais correta análise acerca da reforma eleitoral é a do Imperador, ver- dadeiramente o vestido em nada mudava a messalina, e de vestal, provaram as eleições seguintes, pouca coisa tinha o regime dos pleitos do Império. O resultado das eleições de 1856 refletiu mais a falta de adaptação do esquema de fraude ante a nova realida- de do que uma real mudança do sufrágio no Brasil. Bastou uma eleição para que as for- ças regionais que regiam os pleitos apren- dessem como agir sob o regime que se ins- taurara, fazendo com que a lei de 19 de se- tembro de 1855, apesar de cumprida fiel- mente, não atingisse os seus objetivos. Des- sarte, passaram os reformadores liberais a imaginar um novo vestido, esse mais elabo- rado e de difícil aceitação tanto por parte dos conservadores quanto do Imperador: a eleição direta. O espírito reformador, que, como visto, estava concentrado no Partido Liberal, pas- sou então a propor uma nova reforma elei- toral, a instituição de eleições diretas no Império, com a extinção dos dois graus de votação e dos colégios eleitorais, onde ocor- ria grande parte das fraudes. Porém, os re- formadores já não mais viam o problema de forma isolada, as reformas deveriam alcan- çar os demais fatores que contribuíam para o falseamento dos pleitos. Foi Nabuco de Araújo, agora o principal líder luzia, que da tribuna do Senado, em 17 de julho de 1868, mostrou quão abrangentes deviam ser as reformas para libertar as eleições no Brasil: “A reforma eleitoral não será efi- caz sem que tiremos ao Poder Executi- vo toda a força, que lhe foi dada para reprimir revoltas, e de que hoje se uti- liza para comprimir o povo. Assim, a reforma eleitoral de nada servirá sem a extinção do recrutamento (...), sem a

extinção da guarda nacional(...), sem a organização do Poder Judiciário cons- titucional e independente(...). A refor- ma eleitoral, finalmente, é incompatí- vel com essa organização policial que possuímos” (NABUCO, 1997, p. 781). Não é de se espantar, portanto, que te- nha constado do já referido Programa Libe- ral de 1869 a reforma eleitoral nas bases por Nabuco propostas nesse discurso. Todavia, já no Gabinete São Vicente, que se inicia em 29 de setembro de 1870, os con- servadores passaram a dar sinais de apro- vação para a reforma eleitoral, uma vez que sua grande bandeira era a conservação do elemento servil, como eufemisticamente era chamada a escravidão. 6 Mas se não mais havia resistência dos saquaremas, ela vinha de esferas mais superiores. O Imperador, reformador adiantado e radical em matéria de escravidão, era refratário a qualquer mudança político-constitucional, como o fim da eleição indireta expressa no texto de 1824 (NABUCO, 1997, p. 813). A única mudança no sistema eleitoral efetivada durante a década de 1870 gerou poucas conseqüências práticas. A reforma foi proposta durante o Gabinete Rio Branco em 1874, sendo aprovada somente na ses- são seguinte, em 1875, já sob o Gabinete Caxias-Cotegipe. Essa reforma trouxe al- guns pontos importantes como a interven- ção da magistratura no alistamento eleito- ral, o julgamento das questões eleitorais pelo Poder Judiciário e o estabelecimento de al- gumas incompatibilidades eleitorais e par- lamentares. O mais importante ponto da lei de 1875, porém, foi a transformação dos cír- culos de um deputado em círculos de três deputados, no sistema do voto incompleto, em que um terço era deixado à representação das minorias (NABUCO, 1997, p. 995-996). Foi somente em 1881, oito anos antes da queda do regime monárquico, que o Impé- rio deu um passo decisivo na direção da re- gularização dos pleitos. Em 1880, chamou D. Pedro II um liberal para compor o ministé- rio, era o Conselheiro José Antônio Saraiva,

220 Revista de Informação Legislativa

que desde logo colocou como meta funda- mental de seu Gabinete a reforma para a instituição das eleições diretas. Saraiva op- tou não pela reforma constitucional, mas por uma lei ordinária, que teve seu texto re- digido pelo então deputado Rui Barbosa (CALMON, 1959, p. 1788). Além da eleição direta, estabelecia a reforma de Saraiva as condições de implementação de uma Justiça Eleitoral, restabelecia os círculos com um de- putado, regulamentava as incompatibilida- des, impunha penalidades rigorosas contra as fraudes, alargava o voto aos naturaliza- dos, acatólicos e libertos, além de introduzir os títulos eleitorais, uma de suas mais impor- tantes inovações (CHACON, 1985, p. 31). Com a Lei Eleitoral de 1881 pronta, Sa- raiva apresentou sua demissão, para que ou- tro gabinete presidisse a eleição, sendo que o Imperador negou-se a demitir o ministé- rio. José Antônio Saraiva nomeou então uma comissão mista, dos dois partidos, para a regulamentação da lei, bem como designou, para as províncias, presidentes neutros, deixando claro que não havia candidatos oficiais. Em 31 de outubro de 1881, 96.411 eleito- res, dos 150.000 alistados, foram às urnas nos 122 círculos em que estava dividido o Império. O pleito correu como o esperado pelo governo, sendo que o resultado confir- mava a sua correção: foram eleitos 68 depu- tados liberais e 54 conservadores, sendo que dois ministros de Estado, Homem de Melo e Pedro Luís, foram derrotados em seus cír- culos. Com a missão cumprida, Saraiva rei- terou seu pedido de demissão ao Impera- dor, que dessa vez a aceitou, chamando para a Presidência do Conselho um outro luzia, Martinho de Campos, líder da maioria que se estabelecera (CALMON, 1959, p. 1789). O sucesso de Saraiva, por outro lado, foi relativo. A execução de um pleito honesto mostrou quão dividida era a vida partidá- ria brasileira, que antes de 1881 produzia, incrivelmente, câmaras unânimes; mas res- saltou o problema social da falta de um elei- torado forte no Brasil, referido anteriormen-

te. Com esse primeiro ensaio de verdade elei- toral, o país ficou tão anarquizado quão cor- rompido; o parlamento veio representar a doença geral das localidades, a fome de emprego e de influência; a dependência para com o governo (NABUCO, 1997, p. 1089). Se, antes da eleição direta, o que viciava o pleito era a vil influência do poder central que emanava da Corte, com a eleição direta surge a não menos vil influência das oligar- quias locais, num sistema de “voto de ca- bresto”, que nada mais era do que um anún- cio do Coronelismo típico da República que se aproximava. O incremento das instituições eleitorais é uma preocupação que acompanhou a po- lítica do Império durante toda a sua exis- tência, até 15 de novembro de 1889. O últi- mo Gabinete da monarquia, organizado pelo Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de Assis Figueiredo), trazia, no seu progra- ma, o projeto de “alargamento do direito de voto” (CHACON, 1985, p. 32).

1.3. Representação e oposição Como visto, o sistema eleitoral do Impé- rio do Brasil era um sistema viciado, seja pelo voto censitário, seja pela influência fraudulenta do poder central, seja pela ma- nipulação dos resultados por parte das oli- garquias locais. A verdade é que a formação de uma representação condizente com a vontade da população representada era pra- ticamente impossível. A própria fluidez dos partidos contribuía para a falta de identifi- cação entre o eleitorado e as câmaras que ocupavam a cena política no Parlamento. As eleições do Império e as câmaras delas advindas não conseguiam fazer presente e concreto o eleitorado, o povo brasileiro. Isso gerava conseqüências que variavam de época para época. Nos primeiros perío- dos do Segundo Reinado, houve uma radi- cal dicotomia entre a província e a Corte, bem como entre a política feita nesses dois cenários. A conseqüência da falha na repre- sentatividade nacional fazia com que mui- tos buscassem, na política local, a satisfa-

222 Revista de Informação Legislativa

Para tanto, para exercer essa representa- ção das idéias conservadoras, detinha o Se- nador um mandato vitalício, como visto anteriormente. Assim, como os partidos al- ternavam-se no poder e como ambos frau- davam eleições, os senadores eleitos para a lista tríplice donde escolhia o Imperador eram sempre do partido do governo, como bem demonstra o episódio da eleição de Pimenta Bueno. Os partidos colocavam, no Senado, seus principais líderes, que, a par- tir daquele momento, ganhavam vida autô- noma no cenário político nacional, não de- pendendo mais das eleições, que ora eram fraudadas por uns, ora por outros. Assim, o Senado, que teoricamente não deveria fazer política, como sustentava Nabuco de Araújo, tornava-se o principal foco da oposição, pois, ante o fenômeno das câ- maras unânimes, era o único locus de debate político no Império onde se conservava a bi- polaridade do sistema Situação x Oposição. Novamente é interessante transcrever parte do já referido discurso de Nabuco de Araújo de 17 de julho de 1868, na tribuna do Senado: “A vitaliciedade do Senado é hoje um grande bem, porque abriga a oposi- ção independente, excluída da Câma- ra pelos instrumentos do governo. A temporariedade, sem reforma eleitoral, seria uma desgraça; com a liberdade das urnas, não teria o alcance espera- do por seus apologistas”(NABUCO, 1997, p.782). A oposição no Senado era combativa, sendo famosa a fiscalização que faziam os senadores dos atos do ministério. Zacarias de Góis e Vasconcelos, que dividia com Nabuco de Araújo a liderança do Partido Liberal, entrou para a história parlamentar do Império não somente pelos três gabine- tes que comandou, mas principalmente pela oposição firme que, da tribuna do Palácio do Conde dos Arcos, impôs a seus êmulos conservadores.^7 A oposição no Senado era forte e, apesar de aquela casa não ter a prerrogativa dos

votos de desconfiança, tinha de fato o poder de derrubar ministérios. Exemplo clássico dessa força é o episódio da queda do Gabi- nete Itaboraí. Em 1868, para substituir Zacarias, chama o Imperador para compor o novo gabinete o Visconde de Itaboraí, prin- cipal líder saquarema e membro do famoso “triunvirato conservador”. Nessa época, diante das circunstâncias da queda de Zacarias, que se verá mais adiante, a oposi- ção liberal no Senado era mais contundente do que nunca. Assim, no final da sessão le- gislativa de 1870, no dia 19 de setembro, efe- tuaram os liberais a manobra que viria a der- rubar o Gabinete Itaboraí. Tratava-se de um aditivo para o orçamento de 1871, no qual os liberais destinavam 1.000 contos de réis para a alforria de escravos, tendo sido redigido por Nabuco e assinado pelos grandes líderes lu- zias, Zacarias, Souza Franco, Paranaguá, Cansansão de Sinimbu, Chichorro da Gama, Silveira da Mota e Dias de Carvalho. Aceitar aquele aditivo era demais para um Governo conservador como o de Itaboraí, cuja base partidária era radicalmente con- trária à emancipação. Entretanto, a investi- dura do Gabinete era dupla, não só do par- tido vivia um ministério no sistema parla- mentar do Império, e é exatamente aí que reside a crise do Visconde de Itaboraí. O Imperador era simpático à emancipação, sendo que os primeiros projetos abolicionis- tas, os redigidos por São Vicente em 1865, foram inspirados por determinações do monarca. Assim sendo, D. Pedro chegou inclusive a enviar um bilhete a Itaboraí ma- nifestando-se favorável ao aditivo. Ante as circunstâncias, somente restou uma opção ao velho saquarema que honrasse sua con- dição de “cardeal” do partido e membro do “triunvirato”: a demissão.^8 Tendo somente no Senado a oportuni- dade de manifestar-se dentro das institui- ções do Estado imperial, a oposição ia bus- car na imprensa a força que o regime eleito- ral lhe negava. Consciente da força que ti- nha a imprensa, também os ministérios bus- caram, por meio dos periódicos de então,

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 223

formar a opinião pública. A utilização da imprensa para a formação da vontade polí- tica da nação é um capítulo intrigante da História do Império, uma vez que a liberda- de de que gozavam os jornalistas contrasta- va com a realidade eleitoral, totalmente atre- lada ao poder central. Cada um dos grandes partidos tinha o seu órgão de divulgação na imprensa, tanto na Corte quanto nas províncias. Existiam igualmente jornais que, apesar de apresen- tarem certas tendências, guardavam a im- parcialidade. Os veículos de imprensa go- zavam, no Império, de grande liberdade de expressão, sendo que inexistia qualquer tipo de censura aos jornalistas, nem assuntos proibidos para as páginas dos jornais. Essa liberdade de imprensa era, também, uma das coisas que mais preocupavam D. Pedro II, seu constante defensor. Até mes- mo os veículos republicanos gozavam da proteção do monarca. Nada abalava as duas idéias do Imperador: que não se devia tocar na imprensa e que as opiniões republica- nas não inabilitavam nenhum candidato para os cargos que a Constituição fizera só depender do mérito. O diálogo de Pedro II com o Marquês de São Vicente, então Presi- dente do Conselho, quando da publicação do manifesto republicano de 1870 e do lan- çamento do A República, é característico dessa posição. Respondendo a São Vicente, que lhe pedia para agir contra os republica- nos, disse o Imperador: “Sr. São Vicente, o país que se governe como entender e dê ra- zão a quem tiver”. São Vicente, preocupa- do, argumentou com o soberano que a mo- narquia era um dogma da Constituição que D. Pedro jurara defender. O Imperador riu e encerrou a discussão: “Ora São Vicente, se os brasileiros não me quiserem para seu Imperador, irei ser professor” (NABUCO, 1997, p. 817). Outra questão relevante envolvia a im- prensa no Segundo Reinado, qual seja, a subvenção por parte dos ministérios. Nas contas das verbas secretas dos gabinetes, havia sempre pagamentos destinados a jor-

nalistas, prática comum e reconhecida sem maiores preocupações pelos ministros. O próprio Marquês de Paraná, quando Presi- dente do Conselho, defendeu tal subvenção da tribuna da Câmara dos Deputados, em 26 de maio de 1855: “O sr. deputado reconhece que é sabido geralmente que em toda a par- te onde há sistema representativo, o governo não pode durar muito lutan- do com a imprensa, se em face dessa imprensa não houver quem o defen- da, quem o justifique e quem explique a sua política. É sabido, e o sr. deputa- do o assinalou, de que esta tarefa de que acabo de falar custa sacrifícios que não são lucrativos, e por conse- guinte é necessário que essa tarefa seja recompensada. Não pretendo que meu ministério seja diferente dos outros” (NABUCO, 1997, p. 203).

2. Democracia com coroa?

2.1. O imperador reina e governa? Ante a análise até agora feita do sistema parlamentar imperial, cabe discutir até que ponto é verdadeira a afirmação feita pelo general Bartolomeu Mitre, Presidente da Argentina (1862–1868), de que o Império do Brasil nada mais era do que uma “democra- cia con corona” (MITRE, [199-?], p. 107). Para tanto, há necessidade de recorrer-se aos tradicionais conceitos de democracia, para, assim, compará-los aos praticados na mo- narquia brasileira. Para Carl Schmitt, democracia é a iden- tidade entre governantes e governados, en- tre dominantes e dominados, entre os que mandam e os que obedecem, negando qual- quer diferença qualitativa entre os que man- dam e os que obedecem, formando a igual- dade democrática (SCHMITT, 1992, p. 230). Esse conceito talvez seja complementado pelo de Pontes de Miranda, para quem de- mocracia é a participação do povo na or- dem estatal: na escolha dos chefes, na esco- lha dos legisladores, na escolha direta ou

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 225

Dom Pedro tinha um instrumento fun- damental que lhe permitia governar, ele ti- nha o poder para nomear e demitir minis- tros, o que fazia quando o governo destes não mais o agradava. O Imperador “não governa diretamente e por sí mesmo, cinge-se à Constituição e às reformas do sistema parlamentar; mas ele só é o árbitro da vez de cada parti- do e de cada estadista, e como está em suas mãos o fazer e desfazer os minis- térios, o poder é praticamente dele. A investidura dos gabinetes era curta, o seu título precário – enquanto agradas- sem ao monarca; em tais condições só havia um meio de governar, a confor- midade com ele. Opor-se a ele, aos seus planos, à sua política, era renunciar o poder. (...) É ele só quem regula os aces- sos e as garantias. (...) Ninguém sabe o dia seguinte senão ele” (NABUCO, 1997, p. 1086). Ante a falta de um sistema eleitoral ho- nesto e de um eleitorado capaz de se deci- dir claramente entre uma opção política ou outra, era o Imperador quem chamava ao poder liberais ou conservadores. Conforme fossem seus planos de governo, chamava D. Pedro os saquaremas ou os luzias, que permaneciam no poder até a implementa- ção dos projetos que o monarca considera- va necessários. O Imperador promovia a al- ternância no poder que os eleitores, por in- capazes e por estarem submetidos às frau- des, não podiam promover. Esse poder era tão grande que Pedro II, sem maiores razões, podia diretamente der- rubar um ministério, como ele mesmo admi- te a sua filha, a Princesa Imperial Isabel, Con- dessa d’Eu: “Desde 1840 que só para a retirada de três ministérios tenho concorrido voluntariamente e são estes: o que se retirou em 1843, por ter eu negado a demissão do inspetor da Alfândega pe- dida pelo Ministro Honório Hermeto Carneiro Leão (...); o presidido pelo Visconde de Abaeté que pediu sua de-

missão porque eu não quis anuir à proposta de adiamento das Câmaras (...) e o presidido por Zacarias de Góis e Vasconcelos” (D. PEDRO II, 1958, p. 54 apud SOUZA JÚNIOR, 1984, p. 391). Voluntária e diretamente foram estes três, mas, para a retirada de todos, concorreu o Imperador, de uma forma ou de outra, num exercício de poder pessoal, o “imperialis- mo”, que levou à hipertrofia do Poder Mo- derador, apontada por muitos como uma das causas da República. A expressão “imperialismo”, além de significar o absolutismo constitucional, a que a falta de eleições reais reduzia o regi- me representativo, o polichinelo eleitoral dançando segundo a fantasia de ministéri- os nomeados pelo Imperador, significava a ação de um poder irresponsável por parte do monarca, a causa da decadência política e a aspiração de poder absoluto em um país livre, nulificando a nação representada no Parlamento (NABUCO, 1997, p. 683). Entre os exemplos de gabinetes derruba- dos, arrolados por Pedro II à Princesa Isabel, o episódio que mais patente deixa o “impe- rialismo” é o da queda de Zacarias de Góis e Vasconcelos em 1868, sendo extremamen- te importante o conhecimento dessa passa- gem da história do Segundo Reinado para se compreender o sistema parlamentar do Império.

2.3. A queda do 3 o^ Gabinete Zacarias Em 1866, durante a Guerra do Paraguai, chamou o Imperador para organizar o novo gabinete o Senador Zacarias de Góis e Vasconcelos, líder do Partido Liberal, que tinha a maioria na Câmara dos Deputados. Entre os novos ministros, permaneceu, da composição anterior, Ângelo Muniz da Silva Ferraz (Barão de Uruguaiana) no Ministé- rio da Guerra, sendo ele protagonista do início da crise ministerial de 1868. A crise do Ministério Zacarias inicia-se com a nomeação do Marquês de Caxias para o comando das forças brasileiras no teatro de guerra. O problema é que Caxias e Ferraz

226 Revista de Informação Legislativa

tinham uma desavença antiga, sendo que estar submetido às ordens de seu adversá- rio era demais para os brios do Marechal, que, além disso, era um tradicional saquare- ma servindo com os luzias. Assim, no início de 1868, pede Caxias sua demissão, alegan- do estar o Ministério desenvolvendo uma campanha para tirar-lhe a autoridade moral. Ante o pedido de Caxias, o Imperador, que o considerava fundamental para a vitó- ria brasileira na guerra, convoca o Conselho de Estado^10 , estabelecendo como pauta de deliberação uma singular questão: o Impera- dor deve conceder demissão ao Marechal Caxias, generalíssimo no Paraguai, ou ao Gabinete? O Conselho de Estado, na Sessão de 20 de fevereiro de 1868, primeiramente foi quase unânime em conceder a demissão de Caxias, uma vez que o poder civil deveria prevale- cer ante o militar, como defenderam conser- vadores do nível de São Vicente. O Marquês de Olinda vota pela demissão de Caxias e do Gabinete. Entretanto, Nabuco de Araújo, liberal, pondera a importância de Caxias para a guerra e vota pela demissão do Gabi- nete. Seguem-se então votos de conservado- res pela demissão do Gabinete, vencendo, ao final dos debates, uma solução salomô- nica: mantinha-se Caxias no comando da guerra, mantinha-se o Gabinete Zacarias e demitia-se Ferraz, o fator de discórdia entre Caxias e o Governo. Em 20 de fevereiro, saiu o ministério da sessão do Conselho de Estado sem força política. O Imperador havia hesitado na sua escolha, tendo ouvido o conselho. Nabuco, membro da situação, votara contra o gabi- nete. Ferraz, Ministro da Guerra experiente, era demitido ante pressão do poder militar. Gradativamente a falta de poder se agrava- va, sendo que, em junho, Zacarias profere na Câmara o famoso “discurso da caudi- lhagem”, em que sustenta que “a mudança interna não se pode operar pela influência da espada e da caudilhagem”. A reação conservadora foi imediata, sen- do reforçada pela volta do Visconde de Ita-

boraí, que desde 1853 encontrava-se na Eu- ropa. Era a volta do último grande líder con- servador na ativa, o último cardeal, o últi- mo membro atuante do “triunvirato” saqua- rema. Ante a reação conservadora, negava- se o Imperador em demonstrar a autoridade do ministério liberal. O episódio final da crise é a nomeação de Sales Torres Homem para o Senado, que Zacarias se recusa a referendar e que o Im- perador leva a cabo mesmo assim. A autori- dade de Zacarias fora completamente nega- da, sendo que, em 16 de julho, o Presidente do Conselho apresenta a demissão do mi- nistério, que é de pronto aceita pelo Impera- dor. Preocupado com o andamento da guer- ra, Pedro II não quer arriscar chamar nova- mente os liberais para formar o novo minis- tério, apesar de a maioria na Câmara ser luzia. Assim, o Imperador chama o partido que tinha os quadros em que mais confiava, o Conservador. Dessa forma, o novo gabi- nete é formado pelo financista de confiança de Pedro II, o recém-chegado Visconde de Itaboraí, que reúne o militar de confiança do Imperador, Caxias, bem como o seu di- plomata de confiança, Rio Branco, e o seu jurista de confiança, São Vicente (NABUCO, 1997, p. 761). Por sua vontade pessoal, o Imperador havia contribuído para a queda de um Gabinete que tinha a maioria na Câ- mara, substituindo-o por outro, que, apesar de sua confiança, não tinha qualquer res- paldo parlamentar. Era a negação de todo o sistema parla- mentar que se tentava desenvolver no Impé- rio, era a negação dos ensinamentos de um dos grandes líderes conservadores, Uruguai (SOUZA, 1997, p. 313), que, em sua obra de 1862, dizia que “nenhum Monarca irá pro- curar para Ministros homens que não te- nham apoio nas Câmaras. Nenhum homem de juízo aceitará o Ministério, não podendo contar com o apoio das Câmaras”. Aceita- ram, entretanto, os conservadores por esta- rem certos de que o Imperador usaria de suas prerrogativas e dissolveria a Câmara, sen-

228 Revista de Informação Legislativa

imperial. É por meio do discurso de Nabuco de Araújo que se pode entender o porquê de o parlamentarismo do Império ser chama- do de “invertido” ou “às avessas”. Enquanto no parlamentarismo normal, como o praticado na Inglaterra, a maioria faz o governo, no parlamentarismo do Im- pério, o governo fazia, por meio de eleições fraudulentas, a maioria. Nessa equação po- lítica, uma grandeza necessariamente anu- lava outra, o Poder Moderador anulava o eleitorado, transformando o sistema parla- mentar num reflexo de sua vontade, de suas aspirações políticas para o governo. O Imperador não era o árbitro do jogo parlamentar imperial, ele era o único joga- dor, o único que controlava e ditava regras, era ele quem montava os cenários e chama- va os atores do teatro político, era ele quem escrevia os roteiros e dizia como interpretá- los, era ele quem distribuía os ingressos para a platéia e escolhia os que ficavam de fora da sala de espetáculos, onde era, a cada Gabinete, encenada a grande peça da polí- tica brasileira. Durante a encenação, era fá- cil notar o sotaque inglês dos atores, que não conseguia apagar, porém, o estilo lusitano de interpretação, uma vez que o autor do texto era formado na escola do absolutismo português. O povo ficava completamente alijado do governo. Ainda aqueles que tinham o direi- to de votar nas eleições em nada participa- vam, na prática, das decisões relevantes para o país. Nem mesmo os representantes eleitos, deputados e senadores, atuavam di- retamente no estabelecimento dos rumos políticos da nação, somente o fazendo sob a influência e o beneplácito do monarca. O sistema parlamentar do Império é Pedro II; é a vontade pessoal do soberano de dar apa- rência parlamentarista a um regime de po- der pessoal; é, talvez, uma brilhante de- monstração de despotismo esclarecido. Provavelmente, o mais fiel retrato do Se- gundo Reinado seja o feito por Ferreira Viana, Conselheiro de Estado e membro do Partido Conservador, que com acrimônia

sentenciou: “O Imperador levou cinqüenta anos a fingir que governava um povo livre”.

Conclusão

Ante a realidade da política e das insti- tuições do Império do Brasil, cabe questio- nar a natureza do sistema de governo vi- gente durante o Segundo Reinado, durante o período que se inicia em 1847, com a Lei da Presidência do Conselho, e se estende até 1889, com a Proclamação da República. Foram as instituições desenvolvidas no Im- pério exemplo de sistema parlamentar? As características do parlamentarismo imperi- al brasileiro eram compatíveis com o padrão que a doutrina geralmente estabelece na qualificação do sistema parlamentarista? Para tanto, interessante retomar os dez pontos elencados por Douglas Verney (1979) e citados na Introdução da primeira parte deste estudo, pelos quais se pode estabele- cer um padrão básico de sistema parlamen- tar, cotejando-o com o sistema implementa- do no Império do Brasil. 1 o^ – O Executivo é dividido em duas partes. Desde 1847, o Executivo é, na prática, divi- dido entre o Imperador e o Presidente do Conselho de Ministros, cabendo ao primei- ro o Poder Moderador e ao segundo a chefia do Poder Executivo. Entretanto, a Constitui- ção permanece inalterada, garantindo ao Imperador prerrogativas para governar e influir diretamente nos rumos dos ministé- rios. 2 o^ – O Chefe de Estado indica o Chefe de Governo. Cabia exclusivamente ao Impera- dor nomear, na titularidade do Poder Mo- derador, os ministros de Estado, inclusive o Presidente do Conselho, escolhendo-o en- tre aquelas pessoas que considerasse capaz para o cargo, numa opção submetida uni- camente ao seu arbítrio. 3 o^ – O Chefe de Governo indica o Ministé- rio. O Presidente do Conselho tinha, apesar de algumas ingerências do monarca, liber- dade para escolher os membros do Gabine- te, que eram nomeados pelo Imperador.

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 229

4 o^ – O Ministério é um corpo coletivo. O Con- selho de Ministros era um corpo que delibe- rava coletivamente, sendo o Presidente o di- retor dos trabalhos, um primus inter pares. 5 o^ – Os ministros são membros do Parlamen- to. Os membros do Gabinete, durante o Im- pério, não precisavam ser membros do par- lamento, eram escolhidos pelo arbítrio do Presidente do Conselho. Entretanto, podi- am os ministros acompanhar as sessões da Câmara dos Deputados, sendo-lhes permi- tida a manifestação e a defesa, da tribuna, de projetos e posicionamentos do governo. 6 o^ – O Gabinete é politicamente responsável perante o Parlamento. No sistema parlamen- tar do Império, o gabinete recebia a sua in- vestidura, em parte, do Parlamento, o que fazia com que perante ele fosse responsá- vel. A Câmara dos Deputados dispunha do mecanismo do voto de desconfiaça para afas- tar o ministério que entrasse em choque com a política desenvolvida no Legislativo. 7 o^ – O Chefe de Governo pode recomendar ao Chefe de Estado a dissolução do Parlamento. Na monarquia brasileira, o Imperador tinha a prerrogativa, expressa no artigo 101, 5o^ , da Constituição, de dissolver a Câmara dos Deputados, o que fazia por seu arbítrio, não estando tal faculdade submetida a qualquer pedido do Presidente do Conselho, o que, na visão de Verney (1979), caracteriza uma monarquia pré-parlamentar. 8 o^ – O Parlamento como um todo é superior ao Governo. Segundo a Constituição de 1824, a Assembléia Geral era, juntamente com o Imperador, representantante da nação bra- sileira. Isso, desde logo, coloca o Parlamen- to acima do Governo, que, no sistema parla- mentar imperial, era mero agente do Impe- rador, chefe legal do Poder Executivo. En- tretanto, a prática constitucional brasileira transformou, como visto, o Presidente do Conselho em Chefe de Governo, que tinha poder superior ao das câmaras enquanto go- zasse do beneplácito do Poder Moderador. 9 o^ – O Governo somente é reponsável indire- tamente perante o eleitorado. Essa característi- ca apontada por Verney (1979) tem sentido

completo nos regimes em que os ministros saem do corpo parlamentar. Como no Brasil imperial isso não era regra, aqui há um dis- tanciamento do padrão parlamentarista. Quanto aos ministros parlamentares, a re- gra se aplica, ressaltando-se que, antes de serem responsáveis diretamente perante o Parlamento, o eram perante o Imperador. 10 o^ – O Parlamento é o foco de poder no sis- tema político. É exatamente nesse ponto, o que mais fortemente caracteriza o sistema parlamentar, que o regime do Império era totalmente contrário à doutrina parlamen- tarista. Como visto, o foco real de poder no sistema político do Império era o Impera- dor, titular dos poderes Moderador e Exe- cutivo, que reinava e governava, nulifican- do as maiorias formadas no parlamento e relegando os representantes da nação a um plano secundário da vida política nacional. Assim, ante a análise dos dez pontos apresentados por Verney (1979) como ca- racterísticos do modelo institucional do sis- tema parlamentar, somente resta constatar que o regime desenvolvido no Império, em muitos pontos, dele dissentia. Provavelmen- te, a evolução das instituições levasse o Im- pério a viver, verdadeiramente, sob a égide de um sistema parlamentar, uma vez que, como ressaltava Alves Branco no Senado em 1841, a interpretação do texto constitucio- nal de 1824 variava de geração para gera- ção, estando num constante aperfeiçoamen- to, interrompido pela República em 1889. Talvez, os planos de D. Pedro fossem mais audaciosos e prudentes. Talvez, não fosse o advento da República, o reinado de Pedro II teria entrado para a história do Bra- sil como um governo de transição. Transi- ção entre o absolutismo cru da tradição por- tuguesa representada por seu pai, Pedro I, e um reinado de efetivo regime parlamentar, chefiado por sua filha, a Princesa Imperial Isabel, futura Imperatriz. Entretanto, isso é uma especulação e, como pregava Weber, a cátedra não existe nem para os demagogos, nem para os adivinhos; não sendo, portan- to, ambiente para especulações.

Brasília a. 44 n. 174 abr./jun. 2007 231

CALMON, Pedro. História do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959. 5 v.

CARNEIRO, Levi. Uma experiência de parlamentaris- mo. São Paulo: Martins, 1965.

CARVALHO, José Murilo de. A construção da or- dem : a elite política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: UFR; Relume Dumará, 1996.

CHACON, Vamireh. História dos partidos políticos brasileiros. Brasília: UnB, 1985.

D. PEDRO II. Imperador do Brasil. Conselhos à re- gente. Rio de Janeiro: São José, 1958.

LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil imperial. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Democracia,liberdade, igualdade: os três caminhos. São Paulo: Saraiva, [19—?].

MITRE, Bartolomeu. Historia de San Martin. [S. l: s. n, 199-?]. NABUCO, Joaquim. Um estadista do império. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. Madrid: Alianza, 1992. SOUSA, Paulino José Soares de. (Visconde do Uru- guai). Ensaio sobre o direito administrativo. Brasília: Ministério da Justiça, 1997. SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. O consensus no constitucionalismo ocidental. 1984. 541 f. Tese (Dou- torado em Direito)—Universidade de São Paulo, São Paulo, 1984. VERNEY, Douglas V. The analysis of political systems. London: Routledge & Kegan Paul, 1979.