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Este documento discute a situação atual dos povos centro-americanos, caracterizada por injustiça estrutural, guerras revolucionárias e perda de soberania nacional. O autor insiste na necessidade de abordar as raízes sociais dos problemas, em vez de atribuir-los à recente confrontação entre leste e oeste. Além disso, ele critica a atenção predominante dos psicólogos centro-americanos aos setores sociais mais ricos e o foco excessivo em raízes pessoais dos problemas, esquecendo os fatores sociais. O texto propõe uma abordagem alternativa para os conflitos sociais, enfatizando a importância de mudar a consciência individual e social, e de se colocar o indivíduo em seu contexto social e nacional. O objetivo primordial da psicologia centro-americana deve ser prestar atenção especial às vítimas da guerra, buscando uma nova identidade para as pessoas como membros de uma comunidade humana.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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O papel do Psicólogo 1
Ignácio Martín-Baró
O trabalho profissional do psicólogo deve ser definido em função das circunstâncias concretas da população a que deve atender. A situação atual dos povos centro-americanos pode ser caracterizada por: (a) a injustiça estrutural, (b) as guer- ras ou quase-guerras revolucionárias, e (c) a perda da sobe- rania nacional. Ainda que o psicólogo não seja chamado para resolver tais problemas, ele deve contribuir, a partir de sua especificidade, para buscar uma resposta. Propõe-se como horizonte do seu quefazer a conscientização, isto é, ele deve ajudar as pessoas a superarem sua identidade alie- nada, pessoal e social, ao transformar as condições opressi- vas do seu contexto. Aceitar a conscientização como hori- zonte não exige tanto mudar o campo de trabalho, mas a perspectiva teórica e prática a partir da qual se trabalha. Pressupõe que o psicólogo centro-americano recoloque seu conhecimento e sua práxis, assuma a perspectiva das maio- rias populares e opte por acompanhá-las no seu caminho histórico em direção à libertação.
xiste uma crescente consciência entre os psicólogos la- tino-americanos de que, na hora de definir a nossa iden- tidade profissional e o papel que devemos desempe- nhar em nossas sociedades, é muito mais importante exami-
nar a situação histórica de nossos povos e suas necessidades do que estabelecer o âmbito específico da psicologia como ciência ou como atividade. Percebe-se cada vez com maior clareza que as definições genéricas procedentes de outros lu- gares trazem uma compreensão de nós mesmos e dos outros muitas vezes míope diante das realidades que a maioria dos nossos povos enfrenta e são inadequadas para captar sua especificidade social e cultural. Assim, com relação à ques- tão do papel do psicólogo no contexto atual da América Cen- tral, antes de perguntarmos sobre o quefazer específico do psicólogo, devemos voltar nossa atenção para esse contexto, sem presumir que o fato de fazermos parte dele torna-o sufi- cientemente conhecido, ou que nele viver o converte automa- ticamente no referente de nossa atividade profissional. Em uma caracterização superficial e passando por cima de diferenças importantes, podemos estabelecer três aspectos primordiais que parecem caracterizar o momento atual dos povos centro-americanos: a situação estrutural de injustiça, os processos de confrontação revolucionária e a acelerada conversão das nações em satélites dos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, frente aos diagnósticos que preten- dem atribuir os problemas da América Central à recente confrontação entre Leste e Oeste, e a subida ao poder do governo sandinista, e necessário insistir que os problemas fundamentais da área centro-americana são devidos a uma estruturação injusta de seus sistemas sociais (Torres Rivas, 1981; Rosenthal, 1982). Sobre sociedades pobres e subde- senvolvidas assentam-se regimes que distribuem desigual- mente os bens disponíveis, submetendo a maioria dos po- vos a condições miseráveis que permitem a pequenas mi- norias desfrutar de todo tipo de comodidade e luxo (para um caso paradigmático, ver Sevilla, 1984). Na América Central, a maior parte do povo nunca teve suas necessida- des mais básicas de alimentação, moradia, saúde e educa- ção satisfeitas, e o contraste entre essa situação miserável e a superabundância das minorias oligárquicas constitui-
pelo menos vinte anos e que, no melhor dos casos e na mais favorável das projeções, o país poderia recuperar no final do século a situação em que se encontrava no mo- mento em que começou a guerra (ver Instituto, 1983; Argueta, 1985; Ibisate, 1985). Economias por si só débeis, como a salvadorenha ou a nicaraguense, se vêem forçadas a dedicar a maior parte de suas reservas ao esforço bélico, isto é, à destruição de seu próprio povo e de seu próprio país. Onde deveriam surgir fábricas, constróem-se quar- téis, e onde o dinheiro deveria ser investido em sementes e tratores, é usado para bombas e helicópteros armados. A militarização da área centro-americana é um dos proces- sos mais graves que estamos presenciando (Bermudez, 1985; Bermudez & Cordova, 1985). Se El Salvador tem enfrentado durante mais de 50 anos um regime de exploração opressiva sob a administração das Forças Armadas que, em 1979, con- tava com mais ou menos 15.000 homens e 300 oficiais, o que fará no futuro com um exército que, neste momento, conta com 50.000 homens mais 15.000 membros dos chamados “corpos de segurança” e aproximadamente 2.300 oficiais, e que aspira a chegar aos 100.000 homens em um futuro muito próximo? Adicione-se a essas cifras, o número de guerrilhei- ros, provavelmente não menor que 10.000, tão ou mais militarizados que o exército governamental, e grupos para- militares armados pelo governo ou setores de extrema direi- ta, e teremos uma patética perspectiva da situação de El Sal- vador. A situação não é melhor na Nicarágua ou na Guatemala. Honduras, como é sabido, foi convertida em um campo mili- tar norte-americano, com gigantescas manobras militares su- cedendo-se uma às outras, e com o câncer dos “contras” anti- sandinistas que, por razões logísticas óbvias, não podem con- formar-se em permanecer na fronteira com a Nicarágua. E a Costa Rica? Costa Rica, assediada pela crise econômica e com sua dose de “contras”, também está se deixando militarizar aceleradamente pelo belicismo de Reagan. Um dia, que temo ser muito breve, despertando de seu estupor anti-sandinista, irá descobrir, sem saber ou querer, que já tem um verdadeiro exército a quem alimentar e a quem manter feliz e ocupado.
A terceira característica da situação atual da América Cen- tral é a sua acelerada satelitização nacional. Trata-se de uma conseqüência óbvia da doutrina da “segurança nacional”, se- gundo a qual toda a existência dos países deve submeter-se à lógica da confrontação total frente ao comunismo (ver Mattelart, 1978; Insulza, 1982). Certamente, a América Cen- tral tem sido durante este século, parte do quintal norte-ame- ricano e, em nenhum momento, constituiu-se em uma ironia afirmar, como o fazia o poeta salvadorenho Roque Dalton, que “o presidente dos Estados Unidos é mais presidente do meu país que o presidente do meu país”. Não obstante, os avatares da política norte-americana permitiram momentos em que os países da área desfrutaram de uma certa autono- mia, ao menos na sua política interna (ver Maira, 1982). Es- ses “graus de liberdade”, se me permitem a expressão, estão sendo eliminados rapidamente. Dir-se-ia que os governantes centro-americanos repetem hoje o que há vinte anos expres- sava com grande clareza o general Castelo Branco, sobre o golpe de estado que instalou no Brasil um dos regimes milita- res mais repressivos da história do continente sul-americano: “o caráter crítico do momento exige o sacrifício de uma parte da nossa soberania nacional” (Mattelart, 1978, p. 56). O caso de El Salvador é paradigmático, mas não é exce- ção. Como demonstram as vicissitudes do processo de Conta- dora, a Costa Rica, El Salvador e Honduras só resta interpre- tar as músicas compostas em Washington, com os instrumen- tos fabricados em Washington, e para satisfazer os gostos de Washington. Aceitar que a pobreza de nossos países contém uma certa dependência daqueles que podem nos ajudar a en- frentar os nossos problemas não é tão ruim; o que é pior é que estamos hipotecando nossa própria identidade e autonomia sem com isso resolver nossos problemas, até mesmo eliminan- do a possibilidade de um futuro para os nossos povos. As grandes decisões políticas de nossos países são tomadas em função da segurança nacional dos Estados Unidos, não das necessidades dos nossos povos, com a justificativa de que São Salvador ou Manágua estão menos distantes de São Fran-
pam no discurso político e cultural dominante, ou quando se pondera sobre o papel desempenhado pela maior parte dos psicólogos em nossos países, não se pode deixar de conceder uma boa dose de razão a Deleule. O problema, obviamente, não pode ser visto na intenção subjetiva que podem ter os profissionais da psicologia em um determinado país, nem se- quer, me atreveria a dizer, em sua opção política. O problema reside nas próprias virtualidades da psicologia como quefazer teórico-prático. Não se trata, portanto, de se perguntar o que pretende cada um fazer com a psicologia, mas antes e funda- mentalmente, para onde vai, levado por seu próprio peso, o quefazer psicológico; que efeito objetivo a atividade psicológi- ca produz em uma determinada sociedade (Martín-Baró, s. d.). Entre as críticas que com maior freqüência são feitas aos psicólogos da América Central estão a de que a maioria dedi- ca sua atenção predominante, quando não exclusiva, aos se- tores sociais mais ricos, e que sua atividade tende a centrar de tal maneira a atenção nas raízes pessoais dos problemas, que se esquecem dos fatores sociais (ver também Zúñiga, 1976). O contexto social converte-se assim em uma espécie de natu- reza, um pressuposto inquestionado, frente a cujas exigênci- as “objetivas” o indivíduo deve buscar a solução para seus problemas de modo individual e “subjetivo”. Com este enfo- que e com esta clientela, não é de se estranhar que a psicolo- gia esteja servindo aos interesses da ordem social estabelecida, isto é, que se converta em um instrumento útil para a reprodu- ção do sistema (Braunstein et al., 1979). Poder-se-ia dizer, e com razão, que todas as profissões em nossa sociedade encontram-se a serviço da ordem estabelecida, e que, nesse sentido, nossa profissão não seria uma exceção. Poder-se-ia também mostrar todos os casos de psicólogos que têm servido e que continuam servindo as causas populares e revolucionárias. Mas esses pontos mostram que, se tomamos como ponto de partida o que psicólogos fizeram ou estão fa- zendo, não poderemos desbordar uma idéia positivista que nos mostrará uma imagem factual mais ou menos satisfatória, mas que deixará de lado todas aquelas possibilidades que, historicamente, têm sido descartadas. Daí o imperativo de exa-
minar não só o que somos, mas o que poderíamos ter sido, e sobretudo, o que deveríamos ser frente às necessidades de nossos povos, independentemente de contarmos ou não com modelos para isso. Cabe perguntar, por exemplo, se os psicólo- gos nicaragüenses continuam usando hoje os mesmos esque- mas de trabalho que usavam no tempo de Somoza, ou se a mudança de clientela, a necessidade de atender aos setores populares, os levou a mudar também seus modelos conceptuais ou práxicos (Whitford, 1985). Uma boa maneira de se abordar o exame crítico do papel do psicólogo consiste em voltar às raízes históricas da pró- pria psicologia. Seria necessário reverter o movimento que levou a limitar a análise psicológica à conduta, isto é, ao com- portamento enquanto observável, e dirigir de novo o olhar e a preocupação à “caixa preta” da consciência humana. A cons- ciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e sen- tir subjetivo dos indivíduos, mas, sobretudo, aquele âmbito onde cada pessoa encontra o impacto refletido de seu ser e de seu fazer na sociedade, onde assume e elabora um saber so- bre si mesmo e sobre a realidade que lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social. A consciência é o saber, ou o não saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e so- bre os demais, um saber práxico mais que mental, já que se inscreve na adequação às realidades objetivas de todo com- portamento, e só condicionada parcialmente se torna saber reflexivo (ver Gibson, 1966; Baron, 1980). A consciência, assim entendida, é uma realidade psicos- social, relacionada com a consciência coletiva de que falava Durkheim (1984). A consciência inclui, antes de tudo, a ima- gem que as pessoas têm de si mesmas, imagem que é o produto da história de cada um, e que obviamente, não é um assunto privado; mas inclui, também, as representações sociais (Banchs, 1982; Deconchy, 1984; Farr, 1984; Jodelet, 1984, Lane, 1985) e, portanto, todo aquele saber social e cotidiano que chama- mos “senso comum”, que é o âmbito privilegiado da ideolo- gia (Martín-Baró, 1984b). Na medida em que a psicologia tome como seu objetivo específico os processos da consciên- cia humana, deverá atender ao saber das pessoas sobre si mes-
pessoal e social que experimentam os oprimidos latino-ameri- canos quando se alfabetizam em dialética com o seu mundo (Freire 1970, 1971, 1973; INODEP, 1973). Para Freire, alfabe- tizar-se não consiste simplesmente em aprender a escrever em papéis ou a ler a letra escrita; alfabetizar-se é sobretudo aprender a ler a realidade circundante e a escrever a própria história. O que importa não é tanto saber codificar e decodificar palavras estranhas, mas aprender a dizer a palavra da própria existência, que é pessoal mas, sobretudo, é coletiva. E, para pronunciar esta palavra pessoal e comunitária, é necessário que as pessoas assumam seu destino, que tomem as rédeas de sua vida, o que lhes exige superar sua falsa consciência e atin- gir um saber crítico sobre si mesmas, sobre seu mundo e so- bre sua inserção nesse mundo. O processo de conscientização supõe três aspectos: a. o ser humano transforma-se ao modificar sua realidade. Trata-se, por conseguinte, de um processo dialético, um pro- cesso ativo que, pedagogicamente, não pode acontecer atra- vés da imposição, mas somente através do diálogo. b. Mediante a gradual decodificação do seu mundo, a pes- soa capta os mecanismos que a oprimem e desumanizam, com o que se derruba a consciência que mistifica essa situação como natural e se lhe abre o horizonte para novas possibilida- des de ação. Esta consciência crítica ante a realidade circun- dante e ante os outros traz assim a possibilidade de uma nova práxis que, por sua vez, possibilita novas formas de consciência. c. O novo saber da pessoa sobre sua realidade circundante a leva a um novo saber sobre si mesma e sobre sua identidade social. A pessoa começa a se descobrir em seu domínio sobre a natureza, em sua ação transformadora das coisas, em seu papel ativo nas relações com os demais. Tudo isso lhe permi- te não só descobrir as raízes do que é, mas também o horizon- te do que pode chegar a ser. Assim, a recuperação de sua me- mória histórica oferece a base para uma determinação mais autônoma do seu futuro. A conscientização não consiste, portanto, em uma sim- ples mudança de opinião sobre a realidade, em uma mudança da subjetividade individual que deixe intacta a situação objeti-
va; a conscientização supõe uma mudança das pessoas no pro- cesso de mudar sua relação com o meio ambiente e, sobretu- do, com os demais. Não há saber verdadeiro que não seja essen- cialmente vinculado com um saber transformador sobre a re- alidade, mas não há saber transformador da realidade que não envolva uma mudança de relações entre os seres humanos. Ao afirmar que o horizonte primordial da psicologia deve ser a conscientização, se está propondo que o quefazer do psicólogo busque a desalienação das pessoas e grupos, que as ajude a chegar a um saber crítico sobre si próprias e sobre sua realidade. Como conseqüência do viés da psicologia, assu- me-se como óbvio o trabalho de desalienação da consciência individual, no sentido de eliminar ou controlar aqueles meca- nismos que bloqueiam a consciência da identidade pessoal e levam a pessoa a comportar-se como um alienado, como um “louco”, ao mesmo tempo em que se deixa de lado o trabalho de desalienação da consciência social, no sentido de suprimir ou mudar aqueles mecanismos que bloqueiam a consciência da identidade social e levam a pessoa a comportar-se como um dominador ou um dominado, como um explorador opres- sivo ou um marginalizado oprimido. Se até o DSM III (American Psychiatric Association, 1983) reconhece que todo comportamento envolve uma dimensão social, o quefazer do psicólogo não pode limitar-se ao plano abstrato do individu- al, mas deve confrontar também os fatores sociais onde se materializa toda individualidade humana. Ao assumir a conscientização como horizonte do quefazer psicológico, reconhece-se a necessária centralização da psico- logia no âmbito do pessoal, mas não como terreno oposto ou alheio ao social, mas como seu correlato dialético e, portanto, incompreensível sem a sua referência constitutiva. Não há pessoa sem família, aprendizagem sem cultura, loucura sem ordem social; portanto, não pode tampouco haver um eu sem um nós, um saber sem um sistema simbólico, uma desordem que não se remeta a normas morais e a uma normalidade social. Como remete a uma circunstância social e a uma história concretas, no nosso caso, as dos países centro-americanos, a concientização obriga à psicologia a dar respostas aos gran-
ção das pessoas se, ao mesmo tempo, não se projetar o indiví- duo em seu contexto social e nacional e, por conseguinte, se ao mesmo tempo não se coloca o problema da sua autenticida- de como membro de um grupo, parte de uma cultura, cidadão de um país. É possível que para a maioria dos psicólogos a dificulda- de não resida tanto em aceitar este horizonte para o seu quefazer , mas em visualizá-lo em termos práticos. O que sig- nifica conscientizar na e com a atividade psicológica? Trata- se de aplicar alguma técnica particular? Deve-se incluir nos processos alguma forma de reflexão política? Significa mu- dar os tipos de testes empregados ou os temas daqueles que usamos? Devemos abandonar a terapia individual e realizar algo assim como ergoterapias coletivas? Tentaremos dar mais forma a esta tese com dois exemplos sobre como buscar a conscientização com a atividade psicológica. É claro que um dos problemas mais graves com que se depara atualmente na América Central é o das vítimas de guer- ra: soldados e guerrilheiros feridos ou inválidos por toda a vida, traumatizados talvez pelas experiências vividas em cam- po de batalha; populações aterrorizadas pela experiência de bombardeios, as operações contra-insurreicionais ou as matan- ças “sanitárias”; testemunho de crueldades repressivas, víti- mas das táticas do terror ou da tortura, crianças órfãs marcadas por fugas prolongadas em meio à violência bélica. Todos eles constituem essa população de deslocados ou refugiados, de filhos da repressão ou da guerra, cujo número cresce acelerada- mente e alcança já uma cifra não inferior a dois milhões de centro-americanos (ver, por exemplo, Lawyers, 1984; Instituto, 1985). Sem dúvida, essa população não só tem necessidades materiais sérias de alimentação, teto, saúde e trabalho, mas também tem outras necessidades que, embora não tão premen- tes, não por isso menos graves, de desenvolvimento pessoal e relações humanizadoras, de amor e esperança em sua vida, de identidade e significação social (Peña, 1984). Por isso, um objetivo primordial da psicologia centro-americana no presen- te e futuro próximo, deve ser prestar atenção especial às víti- mas da guerra, sejam elas quais forem. Essa atenção irá re-
querer a abertura da clínica a grupos majoritários, que são os que mais estão sofrendo o impacto do conflito bélico. Será que poderemos enfrentar esse gravíssimo problema das vítimas da guerra simplesmente estendendo a mais pes- soas o alcance do trabalho da psicologia clínica realizado na atualidade? Não representaria essa opção um simples restabe- lecimento dos termos de uma realidade social que está precisa- mente na raiz do conflito que se vive? A atenção clínica às vítimas das guerras centro-americanas deve constituir-se em um processo conscientizador, um processo que devolva a pala- vra às pessoas, não somente como indivíduos, mas como par- te de um povo. Isto significa que a psicoterapia deve apontar diretamente para o desaparecimento de uma identidade soci- al cultivada sobre os protótipos de opressor e oprimido, e a configurar uma nova identidade das pessoas enquanto mem- bros de uma comunidade humana, responsáveis por uma histó- ria (Martín-Baró, 1984a). A superação dos traumas da guerra deve incluir uma tomada de consciência sobre todas as realida- des, coletivas e individuais, que estão na raiz da guerra. As- sim, pois, uma psicoterapia conscientizadora deve constituir- se em um processo que permita ao indivíduo afirmar sua identi- dade pessoal e social como parte de um movimento de afirma- ção coletiva e nacional. Um bom número de psicólogos centro-americanos dedi- ca-se à orientação escolar. Esse trabalho costuma se reduzir à aplicação mais ou menos sistemática de baterias de testes, com as quais se pretende conhecer o nível de desenvolvimen- to e o grau de aprendizagem de cada estudante, detectar seus possíveis problemas, assim como definir uma perspectiva adequada aos seus interesses e capacidades. O pressuposto implícito dessa atividade baseia-se em que a sociedade exis- tente constitui o âmbito em cujo interior cada qual deve en- contrar formas mais produtivas e satisfatórias de acordo com suas características e ideais pessoais. Trata-se, portanto, de se conseguir um acoplamento, uma adaptação entre cada indiví- duo e a sociedade, que em nenhum momento põe em questão os esquemas básicos da convivência e, portanto, a determina- ção dos papéis sociais que devem ser assumidos. A orienta-
ão, não se trata de abarcar exclusivamente uma área de traba- lho, mas de se fixar um horizonte para o quefazer profissio- nal, qualquer que seja a área em que se trabalhe. Por isso, as perguntas críticas que os psicólogos devem se formular a res- peito do caráter de sua atividade e, portanto, a respeito do papel que está desempenhando na sociedade, não devem cen- trar-se tanto no onde, nas no a partir de quem ; não tanto em como se está realizando algo, quanto em beneficio de quem ; e, assim, não tanto sobre o tipo de atividade que se pratica (clínica, escolar, industrial, comunitária ou outra), mas sobre quais são as conseqüências históricas concretas que essa ativi- dade está produzindo.
É claro que não é o psicólogo que será chamado para re- solver os problemas fundamentais com que se defrontam os povos centro-americanos na atualidade. Pensar outra coisa seria enganar-se tanto a respeito do que é a psicologia, como a respeito dos problemas centro-americanos, e incorrer nesse psicologismo que ten sido justamente denunciado como uma ideologia de reconversão. Não está nas mãos do psicólogo, enquanto tal, mudar as injustas estruturas socioeconômicas de nossos países, resolver os conflitos armados ou resgatar a soberania nacional, servilmente penhorada aos Estados Unidos. Não obstante, há uma tarefa importante que o psicólogo deve cumprir e que requer tanto o reconhecimento objetivo dos principais problemas que afligem os povos centro-ameri- canos como a definição da contribuição específica do psicólo- go em sua resolução. Pois se o psicólogo, por um lado, não é chamado a intervir nos mecanismos socio-econômicos que articulam as estruturas de injustiça, por outro é chamado a intervir nos processos subjetivos que sustentam e viabilizam essas estruturas injustas; se não lhe cabe conciliar as forças e interesses sociais em luta, compete a ele ajudar a encontrar caminhos para substituir hábitos violentos por hábitos mais racionais; e ainda que a definição de um projeto nacional autô- nomo não esteja em seu campo de competência, o psicólogo pode contribuir para a formação de uma identidade, pessoal e coletiva, que responda às exigências mais autênticas dos povos.
É indubitável que nós, psicólogos centro-americanos, en- frentamos um desafio histórico para o qual provavelmente não fomos preparados. Contudo, não se trata de encontrar jus- tificativas para nossas deficiências, mas de ver como pode- mos assumir nossa responsabilidade social (Martín-Baró, 1985). Três pontos parecem necessários a esse respeito:
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