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O Papel da Audiência de Custódia, Esquemas de Direito Processual Penal

Por ser um documento mais resumido, ele traz a importância e o papel que a audiência de custódia teve para a diminuição das prisões cautelares, contribuindo para uma diminuição na superlotação carcerária, respeitando é claro os direitos e garantias fundamentais, em principal o da dignidade da pessoa humana.

Tipologia: Esquemas

2023

Compartilhado em 26/07/2023

cairo-figueiredo
cairo-figueiredo 🇧🇷

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ISSN Eletrônico: 2674-5755
ISSN Impresso: 2674-5739
VOLUME II - Nº 02
Defensoria Pública
Revista da
do Distrito Federal
Journal of Brazilian Federal District Public Defensorship
ISSN: 2674-5739 / ISSNe: 2674-5755
Dossiê Temático
VOLUME 2 – Nº 2– 2020
“Direito e Justiça em tempos
de pandemia.”
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ISSN Eletrônico: 2674- ISSN Impresso: 2674-

VOLUME II - Nº 02

Defensoria Pública

Revista da

do Distrito Federal

Journal of Brazilian Federal District Public Defensorship

ISSN: 2674-5739 / ISSNe: 2674-

Dossiê Temático

VOLUME 2 – Nº 2– 2020

“Direito e Justiça em tempos

de pandemia.”

Sumário

Editorial .................................................................................................. 9

Editorial (Alberto Carvalho Amaral)

1) Reflexos da pandemia da Covid-19 para as famílias afetadas pelo

vírus zika no Brasil ............................................................................... 13

Impacts of the Covid-19 pandemic on families affected by the Zika virus epidemic in Brazil: the urgency to realize the right to social protection (Amanda Luize Nunes Santos) (Luciana Alves Rosário)

2) O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria

Pública no controle da violência policial e na redução do

encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia

The role of custody audiences and the performance of Public Defense in the control of police violence and in the reduction of immoderate charge, especially in times of pandemic (Marina Carvalho Freitas)

3) Infodemia e desinformação em tempos de pandemia: um

levantamento das principais notícias falsas disseminadas nas redes

sociais no Brasil durante o estágio inicial da Covid-19 ................. 61

Infodemic and misinformation in times of pandemic: a survey of the main false news spread on social networks in brazil during the first stage of Covid- (João Victor Barbosa Ferreira)

4) O valor das palavras no processo penal: ponderação das palavras

isoladas da vítima e do réu em casos de violência doméstica .... 83

The value of words in the Brazilian criminal process: weighting the words isolated from the victim and the defendant in judicial cases of gender-based violence (Luís Roberto Cavalieri Duarte)

O PAPEL DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO CONTROLE DA VIOLÊNCIA POLICIAL E NA REDUÇÃO DO ENCARCERAMENTO IMODERADO, SOBRETUDO EM TEMPOS DE PANDEMIA The role of custody audiences and the performance of Public Defense in the control of police violence and in the reduction of immoderate charge, especially in times of pandemic Marina Carvalho Freitas* Resumo: A instituição das audiências de custódia (também conhecida como audiência de apresentação) representou um grande avanço no tocante ao necessário controle da violência policial comumente praticada contra as zonas sociais marginalizadas. No ano de 2015, o STF, em julgamento histórico, ao reconhecer que o sistema carcerário passa pelo Estado de Coisas Inconstitucional, determinou a imediata realização de audiências de custódia em todo o país, a fim de mitigar o superencarceramento e também na tentativa de afastar as prisões desnecessárias. Assim, a Defensoria Pública não só acompanhou esse avanço, mas também se mostra como instituição essencial no controle da violência policial e prisões provisórias desnecessárias, sobretudo em tempos de pandemia do COVID-19. Palavras-chave: Audiência de custódia, Defensoria Pública, Violência policial, Pandemia. Abstract: The implementation of custody hearings (also known as a presentation hearing) represented a major advance in terms of the necessary control of police violence commonly practiced against marginalized social zones. In 2015, the STF, in a historic judgment, recognizing that the prison system passes through the State of Unconstitutional Things, determined the immediate holding of custody hearings across the country, in order to mitigate the over- incarceration and also in an attempt to remove unnecessary arrests. Thus, the Public Defender's Office not only followed this advance, but also shows itself as an essential institution in the control of police violence and unnecessary provisional arrests, especially in times of the COVID-19 pandemic. Keywords: Custody hearing, Public Defender, Police violence, Pandemic.

Recebido em: 29/06/ Aprovado em: 28/10/

  • (^) Defensora Pública do Distrito Federal. Pós-graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Candido Mendes. Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. E-mail: mdefensora@gmail.com.

Introdução

Cezar Roberto Bitencourt (2004, p. 2/3), ao realizar o seu doutoramento junto à Universidade de Sevilha (cuja tese era a “Falência da pena de prisão”), deu início à sua defesa com uma frase impactante (e um tanto verdadeira): “a prisão é uma exigência amarga, mas imprescindível”. Prosseguindo, ao citar o Projeto Alternativo Alemão de 1966, afirmou que “a

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pena é uma amarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeitos como são os homens.” (BITENCOURT, 2004, p. 2/3).

Não se pretende defender aqui a ilusão do abolicionismo. Com o necessário respeito aos seus adeptos, abrir mão totalmente do direito penal (e, consequentemente, da pena de prisão) é algo delirante^1. Como sempre diz Aury Lopes Jr., “punir é necessário e democrático”^2.

A grande questão que se põe, porém, é como fazer isso sem que sejam violados a dignidade da pessoa humana e outros direitos/princípios tão fundamentais quanto esse, uma vez que, como se sabe, o propósito de ressocialização do encarceramento jamais apresentou resultado positivo^3.

Ainda nesta introdução, cabe destacar que o foco do artigo consiste em ressaltar a indispensável atuação da Defensoria Pública nas audiências de custódia, como forma de enfrentar o problema do imoderado encarceramento e da violência policial, sobretudo em tempos de pandemia. Para tanto, abordar-se-á, brevemente, a instituição das audiências de custódia e a relevante atuação do(a) Defensor(a) Público(a). Ademais, é válido tecer considerações acerca dos excessos policiais praticados quando da prisão em flagrante e, por fim, a atualíssima questão da pandemia no sistema carcerário brasileiro.

Maurício Stegemann Dieter, professor titular de criminologia da USP, afirmou, em recente publicação, que “o maior crime em curso hoje no Brasil é o sistema penitenciário”^4. Ele justifica

(^1) O abolicionismo penal, também conhecido como política criminal verde, defende a eliminação do direito penal, por entender que os resultados obtidos são mais prejudiciais do que positivos. Em breve síntese, o sistema penal não consegue resolver o problema da criminalidade e tampouco da pretendida e quase que utópica ressocialização. Ao contrário do que muito tem se afirmado, o professor Zaffaroni (2015, p. 322) não é adepto do abolicionismo e deixa isso claro em uma de suas obras. Ele afirma o seguinte: “Tem razão quando prega a redução da repressividade do sistema, mas não tem fundamento a abolição total do sistema penal. Este é só uma forma de controle social e se ele acabar dará lugar a outros sistemas que nem sempre serão os melhores com relação ao respeito à dignidade da pessoa humana”. (ZAFFARONI, 2015, p. 322). 2 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago-17/limite-penal-dez-mandamentos-provocar-jurista- selvageria-hermeneutica> Acesso em: 7/10/2020. Ao elaborar o referido artigo, Aury Lopes Jr., em parceria com Alexandre Morais da Rosa, incita os juristas e os operadores do direito à reflexão de forma mais atenta à realidade e, também, em suas palavras: “fora da caixinha jurídica”. É nesse caminho que os autores propõem dez mandamentos para provocar o jurista em meio à selvageria hermenêutica. E, já na exposição do primeiro mandamento, ambos fazem afirmação real, ponderada e equilibrada de que punir faz parte do jogo, em que pese seja perceptível que uma das funções veladas do direito penal é de se realizar um controle social da pobreza. 3 A despeito da falácia da ressocialização, o professor Baratta (2016, p. 184) traz curioso debate em seu livro “Criminologia Crítica e Crítica do direito penal”. Ele se propõe, inicialmente, à análise das características do padrão carcerário nas sociedades capitalistas e assim chega a destacar: “A comunidade carcerária tem, nas sociedades capitalistas contemporâneas, características constantes, predominantes em relação às diferenças nacionais, e que permitiram a construção de um verdadeiro e próprio modelo. As características deste modelo, do ponto de vista que mais nos interessa, podem ser resumidas no fato de que os institutos de detenção produzem efeitos contrários à reeducação e à reinserção do condenado, e favoráveis à sua estável inserção na população criminosa. O cárcere é contrário a todo modelo ideal educativo, porque este promove a individualidade, o autorrespeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o edu 4 cador tem dele.” (BARATTA, 2016, p. 184/185). Disponível em: <https://conselhodacomunidadecwb.com.br/2017/10/20/mauricio-stegemann-dieter-e-os-150-anos- de-ressocializacao-do-brasil/> Acesso em: 7/10/2020.

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reiteradamente ser alvos da “política de tolerância zero”, em meio a um contínuo e frágil discurso da defesa social^8.

O leitor pode estar se perguntando: a qual tipo de arquétipo se refere a abordagem? Simples. São pessoas (imensa maioria de homens) pobres, jovens, sem nível fundamental de escolaridade e negras^9.

Nesse contexto, situo os assistidos da Defensoria Pública – e tal afirmação possui respaldo na experiência diária na qualidade de Defensor(a) Público(a) lotado(a) na área criminal – que se encontram em um estado de extrema estigmatização, perseguição e são os alvos certos das instâncias de controle. São os clientes vip’s do direito penal, aqueles que estão em zonas sociais marginalizadas. Sofrem todos os dias com a atuação hiperbólica, desequilibrada e desproporcional da Polícia no ato de efetuar prisões.

Não se pode esquecer, além disso, os excessos que também são praticados mesmo diante de reais situações de flagrante-delito. Nesse momento, é relevante, diante do atual cenário político, indicar um fato que tomou proporções mundiais e que só ratifica o que foi dito acima.

Em 25 de maio de 2020, o cidadão negro e americano George Floyd foi morto em razão de uma criminosa, autoritária e arbitrária abordagem policial extremamente violenta e desproporcional. George Floyd, ao sair de uma loja de conveniência, foi preso por suspeita de portar notas falsas. Foram quatro policiais brancos que o imobilizaram no chão. Sem qualquer

(^8) A Política de Tolerância Zero, de origem norte-americana, foi marcada pela ideia de que, mesmo os pequenos delitos deveriam ser sancionados de forma “exemplar” a impedir que a conduta tida por desviante se repetisse, ensejando, assim um descontrole sobre as “condutas desviantes”. Deram-se grandes poderes às polícias, o que resultou em um sistema de repressão mais intenso. Trata-se de política criminal orientada pelo Movimento da lei e da ordem e cujas diretrizes foram, inicialmente, propostas por Rudolf Giuliani, então prefeito de Nova Iorque. O que se pretendia com a referida política era a redução de delitos. No entanto, a grande marca do referido movimento consistiu no encarceramento em massa de pessoas vulneráveis (mendigos, pobres, negos, desabrigados etc.) e o crescimento da violência policial praticada em detrimento dessas mesmas pessoas. Além disso, a utilização indiscriminada do direito penal também marcou a Política de Tolerância Zero, gerando, pois, a indesejável hipertrofia desse ramo do Direito. Em uma análise breve, poder-se-ia afirmar que as balizas do Movimento da Lei e da Ordem estavam na contramão dos princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da fragmentariedade. Atualmente, é perceptível o ranço do referido movimento nas práticas de autoridades que, a pretexto de empregar e oferecer uma “falsa percepção de segurança à população” - o que nos remete ao direito penal simbólico - não só admitem como incentivam a atuação exagerada e truculenta da força policial. 9 A fim de corroborar a afirmação levantada, é interessante expor os dados, extraídos do portal do Ministério da Justiça, no campo de levantamento nacional de informações penitenciárias. Vale salientar que os últimos dados foram levantados no ano de 2017. Os números mostram que 46,2% das pessoas presas são pardas; 35,4% da população carcerária são brancas e, por fim, 17,3%, pretas. As pessoas presas de cor/etnia pretas e pardas representam 63,6% da população carcerária nacional. No Distrito Federal, esse abismo é ainda maior. Dos dados extraídos, verifica-se que 15,68% dos presos são brancos, seguidos de 24,74% da população cuja cor da pele é preta e, por fim, os pardos somam 56,65%. Em relação ao nível de escolaridade, 51,3% das pessoas presas possuem o Ensino Fundamental Incompleto, seguido de 14,9% com Ensino Médio Incompleto e 13,1% com Ensino Fundamental Completo. Por fim, o percentual de presos que possuem Ensino Superior Completo é de 0,5%. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019- 0721.pdf> Acesso em: 22/06/2020.

O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria Pública no controle da violência policial e na redução do encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia

chance de defesa e aos gritos de pedestres, George Floyd agonizava sussurros de que não conseguia mais respirar, que iriam matá-lo e a tortura – sim, não se visualiza exagero ao comparar tal conduta policial como ato de tortura – durou mais de oito minutos até provocarem o seu óbito.

Esse fato teria tudo para entrar na lista de apenas mais uma atrocidade praticada pela Polícia, se não fosse um importante detalhe: pedestres que ali passavam e as câmeras de segurança do local registraram todos os instantes de truculência e de perversidade que foram causas eficientes para a morte de um cidadão que faleceu pela marca de um racismo estrutural e, nesse caso, escancarado.

O que era para ser apenas mais um episódio policial se transformaram em uma grande onda de revolta e de protestos espalhados pelo mundo. Um lamentável fato ocorrido em outro lugar do mundo para confirmar o que se vê, diariamente, nas atividades de um(a) Defensor(a) Público(a): o direito penal (ou pelo menos, uma parcela de seus operadores) tem uma predileção por certo arquétipo.

Não é necessário fazer esforço para lembrar que, no Brasil, a violência contra a população negra também se mostra muito presente. O caso “João Pedro” chocou o país. O adolescente de 14 (quatorze) anos foi morto quando brincava com parentes dentro de sua casa. Pessoas presentes no momento da morte do menor afirmaram que os agentes policiais já ingressaram na casa com tiros e atingiram João Pedro. Por outro lado, os policiais argumentam que houve um confronto e que o rapaz teria sido atingido de forma acidental. Após ser gravemente ferido, foi socorrido e um helicóptero o levou para hospital. No entanto, a família de João Pedro percorreu inúmeros hospitais, mas não obtiveram notícias dele. Infelizmente, o corpo só foi localizado dois dias após o ocorrido, no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo.

Mais uma vez, deve-se ressaltar a preocupação em afirmar que o presente trabalho não sustenta a extinção do direito penal ou até mesmo das prisões. A preocupação é racionalizar o ato da prisão, afastando qualquer arbitrariedade, abuso e truculência, sobretudo quando tal atuação se dá em desfavor das pessoas em estado de vulnerabilidade. Não se pretende ter uma postura condescendente com o crime, mas a ideia é que o ato da prisão e das abordagens policiais sejam realizados de forma mais criteriosas e sem violência. Para tanto, inobstante os incontáveis problemas, há uma otimista percepção de efetivação na justiça penal: a audiência de custódia.

E, nesse momento, é de se argumentar que a determinação de realização de audiência de custódia ganha uma especial relevância: os diversos operadores do direito (Juiz, Promotor de Justiça e Defensor Público/advogado), em contato com o preso e pouco tempo após o ato da prisão,

O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria Pública no controle da violência policial e na redução do encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia

conversões de flagrante delito em preventiva, 856 (oitocentos e cinquenta e seis) decisões conferindo liberdade provisória aos acusados e, por fim, 5 (cinco) relaxamentos de prisões ilegais. Tais dados são de extrema importância quando se pretende avaliar a repercussão positiva do referido instrumento processual na análise da (in) dispensabilidade de manutenção das prisões^10 (^11).

As informações apresentadas são ainda mais significativas ao considerar o trágico contexto de pandemia do COVID-19 que tem se alastrado, de forma mais nefasta, nas prisões de todo o país. Diante dessa conjuntura, os operadores do direito devem ter ainda mais atenção para a regra da excepcionalidade da prisão, para que se evite o contágio de detentos. A questão da pandemia, contudo, será tratada, de forma mais específica, em tópico próprio.

No Brasil, apesar de fazerem parte do ordenamento jurídico desde a adesão aos já citados instrumentos internacionais, as Audiências de Custódia só foram instituídas a partir do que ficou decidido na ADPF 347, ajuizada pelo PSOL, a fim de que o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciasse a questão do superencarceramento que o país enfrentou e tem enfrentado nos últimos anos. Ficou consignado, nesse acórdão, que o sistema carcerário padece de um “Estado de Coisas Inconstitucional”. Ainda que a expressão sofra de certa dose de abstração significativa, é certo que a intenção do julgador foi dizer que o contexto carcerário brasileiro é de total desprezo aos mínimos direitos fundamentais dos presos, situação reconhecida por todos (ou quase todos).

O atual cenário do sistema prisional é, no mínimo, assustador. Os problemas e os desafios a serem enfrentados pelos diversos órgãos – Ministério Público, Poder Judiciário, Poder Executivo, Legislativo, Defensoria Pública – são extensos e variados. Desde a superlotação carcerária^12 , a falta de alimentos, a escassez de higiene, as doenças, a violência entre os

(^10) Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/transparencia/estatisticas/produtividade/produtividade-nucleo-de- audiencias-de-custodia/copy_of_ano-2019/nac-2019> Acesso em:22/06/2020. 11 Os dados apresentados são lançados, desde meados de 2015, no portal de transparência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Nessa toada, verifica-se que a publicação dos referidos números é indispensável à contínua tarefa do jurista no acompanhamento e avaliação da utilidade/adequação das prisões realizadas pelas instâncias de controle. Com efeito, continuando a análise do mês de abril de 2020, o percentual de decisões de concessão de liberdade provisória foi de 75%, contando com 1% de decisões impondo o relaxamento da prisão contra 24% de conversão de flagrante delito em prisão preventiva. Ora, os números apresentados mostram que, na detida e acurada avaliação dos magistrados que presidiram tais audiências, a maioria das prisões não eram medidas necessárias (não está se afirmando que o crime não existiu ou que a prisão foi ilegal), o que leva a crer que, de fato, as audiências de apresentação estão cumprindo seu papel constitucional salutar, bem como foram instituídas para fazer valer dispositivo da Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil aderiu. 12 Ainda trazendo alusão ao problema da superlotação e do déficit de vagas nas prisões, relatório do Departamento Penitenciário Nacional expõe os seguintes dados: “Em relação ao déficit total de vagas é possível inferir que há uma carência superior a 300 mil vagas em todo o sistema penitenciário brasileiro. Concentrando a maior parte deste déficit no regime fechado, com uma necessidade de mais de 114 mil vagas, seguido pelos detentos em regime provisório - sem condenação, cujo déficit é acima de 95 mil vagas e os custodiados em regime semiaberto, no qual o déficit apresentado foi na ordem de 43.436 vagas”. De forma mais específica, no caso do Distrito Federal, são apenas 6 (seis)

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encarcerados até a não observância dos aspectos legais estabelecidos pela LEP, nada está perto do padrão minimamente aceitável.

Além disso, uma parte bastante significativa dos que se encontravam em situação de cárcere ainda não tinham condenação definitiva (os chamados presos provisórios). Segundo informações do Ministério da Justiça, em 2017, o percentual de presos provisórios no Distrito Federal era de 20,53%, totalizando o número de 3.263 (três mil duzentos e sessenta e três) detentos^13.

Dessa forma, em meados de 2015, quando da análise da ADPF nº 347, em sede cautelar, a maioria dos Ministros decidiu pela obrigatoriedade de instituição das audiências de custódia, a fim de resguardar as imposições dos artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão (STF, 2016).

É cediço que a instituição das Audiências de Custódias se deu pela tardia constatação do STF acerca da falência do sistema penitenciário brasileiro, pelas constantes violações de direitos fundamentais, conclui-se que o sistema prisional brasileiro passa pelo “estado de coisas inconstitucional”. Tal cenário consiste na verificação de violações generalizadas e sistêmicas de direitos fundamentais, gerados pela inércia das autoridades públicas em modificar tal situação, de forma que apenas transformações estruturais do Poder Público possam alterar esse contexto.

Com a referida orientação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a efetivação das audiências de custódia. Tal determinação encontra-se alinhada com o Pacto de San Jose da Costa Rica, promulgado no Brasil pelo Decreto 678/92, cujo art. 7º destaca:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal (...)

  1. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)

unidades prisionais ativas com uma população prisional de 15.894 (quinze mil oitocentos e noventa e quatro) detentos, porém, com apenas 7.395 (sete mil trezentas e noventa e cinco) vagas, o que resulta na carência de 8.499 (oito mil, quatrocentos e noventa e nove) vagas. Informações retiradas do site do DEPEN. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019- 0721.pdf> Acesso em: 22/06/2020. 13 Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev- 12072019-0721.pdf> Acesso em: 22/06/

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Com efeito, os ilustres doutrinadores entendem que a audiência de apresentação se mostra como um avanço na tentativa de se controlar os excessos de autoridades policiais, o que se mostra compatível com a sistemática dos direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico vigente.

2. Audiência de custódia e Defensoria Pública: forma de minimizar as prisões

desnecessárias e os excessos praticados nas operações policiais

Diante do cenário mencionado de implantação das audiências de custódia, as Defensorias Públicas de todo o país procuraram se adequar, para promover a imediata realização das audiências de apresentação. No âmbito de Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), optou-se por criar uma Defensoria Pública específica, “Defensoria de Audiência de Custódia e da Tutela Coletiva dos Presos Provisórios”. A atribuição desse(a) Defensor(a) Público(a) consiste, em especial, no acompanhamento de presos autuados em flagrante nas audiências de custódia que são feitas diariamente.

Essa iniciativa, que foi recebida com aplausos e com grandes expectativas, demostra a preocupação com a questão da hipertrofia do sistema prisional e das constantes violações que ali ocorrem e também posiciona a DPDF em um lugar de resistência a uma cultura oficial equivocada e que, infelizmente, só cresce. Além disso, situa o Órgão como uma instância de efetiva valorização dos direitos fundamentais, o que é, sob qualquer ângulo, totalmente desejável.

Assim, sabe-se que a incapacidade do sistema penal de salvaguardar os direitos humanos é compensada pela difusão de ideias na sociedade de uma ilusão de segurança jurídica, acompanhada de uma sensação de confiança no sistema penal e no intenso acionamento das instâncias de controle. Desse modo, o sistema carcerário serve de instrumento para a repressão, mas não para a garantia de direitos, deturpando todo o sistema penal (ANDRADE, 2015, p. 97).

Nesse contexto, a prisão gera uma satisfação para aqueles que são entusiastas da defesa social e acham que o encarceramento resolve todo e qualquer problema relacionado à alta criminalidade. Mas, como é sabido, há um grande engano em acreditar que a prisão resolve toda e qualquer questão que perpassa pelo direito penal. Trata-se de um tema que requer uma análise mais profunda e que demanda muito da criminologia. No entanto, o que se quer passar é a concepção de que a audiência de custódia foi implantada para se evitar as prisões desnecessárias, bem como para se possibilitar o devido controle de eventuais excessos praticados pelas autoridades policiais.

O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria Pública no controle da violência policial e na redução do encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia Portanto, o campo de atuação da Defensoria Pública nas audiências de custódia é por demais abrangente: alcança o primeiro contato do autuado em flagrante; e presta a devida orientação jurídica tanto do preso quanto de familiares que, porventura, queiram acompanhar o ato. Realiza-se a entrevista prévia com o autuado, colhendo dados importantes como endereço e contatos telefônicos, para que se possa estabelecer comunicação do preso com sua família ou pessoa por ele indicada. Por óbvio, o(a) Defensor(a) Público(a) representa o autuado nas audiências de custódia e postula a medida cabível. Alcança também possível impetração de habeas corpus ou o manejo de outras medidas, a depender do caso.

Considerando que à Defensoria Pública incumbe a promoção dos Direitos Humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos aos necessitados, o papel dessa instituição é de extrema relevância, pois visa enfrentar as problemáticas decorrentes das violações constantes dos direitos da população carcerária, inclusive, quanto aos presos provisórios.

Por todas as razões acima mencionadas, o foco da mencionada atuação no âmbito da Defensoria Pública consiste na delimitação de pessoas que, de forma ainda provisória, tornaram- se alvos do sistema carcerário penal. Em suma, foram atingidos pelo sistema de criminalização secundária, que nada mais é do que a forma de agir das agências penais (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário) e inserir determinados grupos de pessoas no estigmatizante sistema carcerário brasileiro.

Os resultados decorrentes da atividade do(a) Defensor(a) Público(a) lotado(a) no Núcleo de Assistência Judiciária de Custódia são extremamente relevantes. Antes da determinação do CNJ acerca da necessária realização das audiências de custódia, os flagranciados poderiam levar meses até que fossem apresentados perante uma autoridade judicial, o que prejudicava a análise da legalidade da prisão em flagrante suportada. Além disso, muitos presos demoravam a estabelecer contato com familiares. Levava-se, inclusive, muito tempo para que, aqueles desprovidos de recursos, pudessem entrevistar-se com um(a) Defensor(a) Público(a) ou com um advogado. Dessa forma, a figura do(a) Defensor(a) Público(a), nas audiências de apresentação, mostra-se compatível com a promoção de diversos direitos do custodiado.

É importante, além do que foi acima mencionado, travar um diálogo com as instâncias de controle penal, quais sejam: órgãos policiais, Ministério Público e Poder Judiciário, a fim de que se reafirmem os diversos benefícios das audiências de custódia. Com efeito, a constante comunicação entre Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Judiciário, voltada a dar plena

O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria Pública no controle da violência policial e na redução do encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia A atuação do(a) Defensor(a) Público(a) lotado na Defensoria Pública de Custódia e Tutela Coletiva do Preso Provisório deve ser no sentido de analisar e avaliar a existência de irregularidades nas unidades carcerárias.

Com efeito, o artigo 5°, XLIX, da Constituição da República assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, sendo dever do Estado garantir a vida dos detentos sob sua guarda. Portanto, ao Estado cabe a adoção de todas as providências necessárias para conferir condições mínimas de sobrevivência e de dignidade a todos aqueles que se encontram encarcerados.

Contudo, o que se tem notícia é que os direitos dos presos são constantemente violados, com flagrantes desrespeitos aos dispositivos constitucionais, legais (Lei de Execução Penal), bem como convenções internacionais. Tais violações, quando constatadas, devem ser objeto das demandas judiciais cabíveis, quando as medidas adotadas não forem suficientes à cessação de desrespeito aos direitos das pessoas encarceradas na esfera administrativa.

Dessa forma, é consagrado o dever do Estado de punir - bem como implantar políticas públicas que garantam o mínimo necessário à dignidade dos presos - e o direito subjetivo do detento à preservação de sua integridade física e moral. Para isso, é imprescindível ajustar o pedido de uma prestação positiva da Administração Pública, inclusive por meio de ação judicial, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Em tempos de pandemia, essa atribuição ganha extremo destaque, já que, diante do crescente número de presos infectados pelo COVID-19, é oportuno acompanhar os cuidados dispensados à população carcerária e também a realização de pedido coletivo de prisão domiciliar para os que integram o grupo de risco.

Em suma, a atuação dos Defensores Públicos na defesa dos presos provisórios é importante para que os preceitos contidos na LEP sejam respeitados, contribuindo diretamente para a redução do nível de violência institucional e dentro das unidades carcerárias, bem como para que se possa acompanhar a efetivação de medidas sanitárias, em especial no contexto de pandemia pelo COVID-19, como será a seguir explorado.

4. Dos efeitos da pandemia do Covid-19 no sistema carcerário

O tema ora abordado não poderia deixar de constar no presente trabalho, pois as consequências causadas pela pandemia do COVID-19 somente confirmam a flagrante e reiterada violação de direitos humanos da população carcerária.

Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal

Com efeito, o ano de 2020 tem sido marcado por constantes crises, sejam elas políticas, econômicas ou de natureza sanitária. Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a propagação do COVID-19 como pandemia. A nota característica de uma pandemia consiste na proliferação de uma determinada doença por uma grande quantidade de regiões no mundo. Em suma, trata-se da propagação de enfermidade que ultrapassa os limites de uma localidade^15.

E aqui se pretende colocar as audiências de custódia em um lugar de destaque. Com a conjuntura de uma pandemia quase sem precedentes, as audiências de custódia são imprescindíveis para evitar encarceramento em larga escala e maiores desastres quando se fala em contágio da referida doença no âmbito da população carcerária. Se antes a prisão já era – ou ao menos, deveria ser – a ultima ratio, agora, com mais razão, o operador do direito deve se preocupar em desencarcerar e não em aumentar o número de indivíduos que podem sofrer com maior propensão do contágio da doença, dadas as condições precárias e superlotação das prisões.

Aliás, ao se falar em propagação de doenças, é certo que o cenário se mostra mais preocupante quando estamos diante do sistema carcerário brasileiro, que desconhece, por completo, condições mínimas de higiene e de garantia à saúde dos presos.

Não é novidade que uma das medidas consideradas eficazes contra o contágio do COVID- 19 consiste no isolamento social. De início, a população carcerária já se encontra em desvantagem, considerando que é impossível colocar em prática a referida recomendação. E o pior: como se não bastasse a impossibilidade de manter o distanciamento, muitas celas e alojamentos se encontram abarrotados, o que facilita a proliferação da doença. Não há distribuição de álcool em gel ou sequer é possível proceder à adequada higienização, que se mostra salutar para o impedimento do progresso da contaminação^16 , além disso, as celas também não possuem ventilação adequada. Esses diversos aspectos contribuem para alastrar a doença. Assim, é certo que as medidas de higienização são salutares para impedir o avanço da contaminação pela doença.

(^15) Disponível em: https://www.biologianet.com/doencas/pandemia.htm Acesso em: 22/06/2020. (^16) Com base na evolução dos casos no Brasil, até o momento, estima-se que, sem a adoção das medidas propostas pela pasta para prevenção, o número de casos da doença dobre a cada três dias. Atitudes adotadas no dia a dia, como lavar as mãos e evitar aglomerações, reduzem o contágio pelo coronavírus. O Ministério da Saúde também orienta a redução do contato social o que, consequentemente, reduzirá as chances de transmissão do vírus, que é alta se comparado a outros do passado. Sendo assim, muito se tem a preocupar com as diversas circunstâncias prejudiciais que se encontram as pessoas privadas de liberdade, já que o sistema carcerário sempre contou com o elevado número de diversas doenças (tuberculose, AIDS etc) e não possui estrutura mínima para encarar a proliferação do COVID-19. Disponível em: <https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a- disseminacao-do-coronavirus> Acesso em: 22/06/2020.

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Certamente ainda há muito que ser feito, porém a Defensoria Pública estará sempre pronta para fazer valer os direitos humanos das populações subprivilegiadas e vulneráveis, especialmente em situações de extrema gravidade, como a da pandemia que se apresenta atualmente.

5. Conclusão

O contexto apresentado pelo trabalho mostra que a Defensoria Pública é órgão de resistência e de combate às injustiças que incidem sobre as comunidades e sobre as pessoas mais fragilizadas. Logo, a presença de um(a) Defensor(a) Público(a) em qualquer ato, policial ou judicial, é um claro recado de que o autoritarismo não será tolerado. O lugar de fala da Defensoria Pública sempre será o do constrangimento ao abuso e o da repressão a qualquer tipo de violência institucional praticada em desfavor das zonas sociais mais vulneráveis e desassistidas.

Assim, em um indesejável, mas real, contexto de hipertrofia do direito penal e de nítido avanço do poder punitivo, a Defensoria pública não pode se acanhar em lutar contra o velho e ultrapassado discurso da Defesa Social que tanto preza pelo encarceramento em massa e sem critérios – basta, para os punitivistas, um pequeno deslize para que se justifique a drástica medida do encarceramento. Nesse aspecto, a atuação do(a) Defensor(a) Público(a) nas audiências de custódia é primordial para minimizar excessos nas abordagens policiais e para evitar as prisões indevidas, em total salvaguarda dos princípios da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade das medidas estatais.

O direito penal deve ser direcionado, efetivamente, à redução da violência nas diversas instâncias de sua atuação (abordagens policiais, julgamento, repressão etc.), fazendo valer, portanto, o garantismo penal. Deve-se afastar o vício das instâncias penais de se pretender aprimorar uma política criminal com o uso meramente repressor e punitivista do direito penal.

Portanto, com a finalidade de promover maior controle das prisões e dos eventuais excessos praticados pela Polícia, é que se fizeram imprescindíveis a instituição e a manutenção das audiências de custódia. Para tanto, a Defensoria Pública busca, desde o início da atuação penal, o acompanhamento daqueles que são presos em flagrante. As razões são as mais diversas: a figura do(a) Defensor(a) Público(a) garante ao preso a possibilidade de se fazer representar na audiência de custódia e de levantar questões extremamente pertinentes, como eventual equívoco da prisão, ilegalidades do ato ou até a violação de direitos e de garantias fundamentais. Violações essas consistentes em diligências que violam o domicílio e desrespeitem o sigilo telefônico – a exemplo

O papel das audiências de custódia e a atuação da Defensoria Pública no controle da violência policial e na redução do encarceramento imoderado, sobretudo em tempos de pandemia

da hipótese em que policiais acessam as conversas de aplicativo de mensagens, como o WhatsApp e o Telegram^20.

Enfim, toda a análise dos aspectos da prisão será, evidentemente, averiguada pelo magistrado, que indaga o autuado sobre a existência de excessos na execução da prisão. Contudo, ao fazer a entrevista prévia, o(a) Defensor(a) Público(a) já deve questionar o autuado se sofreu alguma violência policial para que, no momento oportuno, possa requerer as providências pertinentes. É, portanto, um mecanismo que visa a repercutir na forma mais amena da atuação policial, já que os autuados são imediatamente levados à presença da autoridade judicial e, dessa forma, a constatação de violência tende a ser mais eficaz.

O que se espera com a deflagração das audiências de custódia é lutar por um controle preciso da forma de abordagem policial quando da prisão em flagrante delito, bem como reduzir o nível de encarceramento, sobretudo no caso de presos provisórios.

Portanto, observa-se a pretensão de pensar em instrumentos capazes de reduzir a violência no exercício da atividade policial, bem como de maximizar a obediência aos direitos humanos com a incessante busca por formas de controles moderados que não sejam agressivos (em seus aspectos físicos e morais), desautorizando a normalização da violência policial em toda e qualquer atuação da referida instituição.

Igualmente, este artigo não poderia deixar de abordar alguns aspectos relacionados ao surto da doença do COVID-19, em razão da sua relevância, bem como da atualidade da matéria. Com a pandemia do Coronavírus, a Defensoria Pública passou a fazer ajustes nos atendimentos para resguardo da saúde de todos, mas a instituição não para. Com os devidos cuidados (atendimentos remotos, central de atendimento por telefones institucionais etc.), a Defensoria Pública permanece a amparar seus assistidos. Além disso, deve-se destacar que as audiências de custódia ainda são

(^20) Nesse aspecto não é demais relembrar que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de considerar ilícita a prova extraída diretamente de dados constantes de aparelho celular, decorrentes do envio e/ou recebimento de mensagens de texto SMS, conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas e/ou recebidas por meio de correio eletrônico etc no momento da prisão em flagrante delito, sem prévia autorização judicial. Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ACESSO AOS DADOS DE APLICATIVO CELULAR WHATSAPP. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO ABSTRATA. QUANTIDADE NÃO RELEVANTE DE DROGA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido por ocasião da prisão em flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Estando o decreto prisional ancorado apenas na gravidade abstrata e na quantidade não relevante de droga (41 gramas de maconha e folhas frescas prensadas de maconha pesando, aproximadamente, 2 gramas), inidônea é a constrição do recorrente. 3. Recurso em habeas corpus provido para a soltura do recorrente MATEUS SLAVIERO, o que não impede nova e fundamentada decisão cautelar penal, inclusive menos gravosa do que a prisão processual, bem como para declarar a nulidade das provas obtidas por meio de acesso ao celular do recorrente, sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (STJ, 2019).