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Síndrome Asperger
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Dissertação apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia. Orientadora:Profa. Dra. Mariza Vieira da Silva
Brasília Novembro de 2001
Profa. Dra. Mariza Vieira da Silva
Prof. Dr. Jairo Werner Júnior
Profa. Dra. Elizabeth Tunes.
A minha, inicialmente, orientadora, mestra, professora, e hoje, também, amiga Mariza Vieira da Silva - pela competência e profissionalismo com que conduziu esse trabalho, sem, no entanto, esquecer da delicadeza, do incentivo e do carinho que permeiam as relações entre sujeitos. A Faculdade de Ciências da Saúde do Centro Universitário de Brasília – FACS - UniCEUB - pela oportunidade da realização dessa pesquisa. Aos meus sujeitos–SA, meus eternos “meninos”, e suas famílias, pela confiança depositada em mim e por me darem a oportunidade de mudança de paradigma profissional, A minha família, em especial, meus irmãos Sergio e Murilo, a Rosane e Renata, pela ajuda muitas vezes desapercebida, mas fundamental; ao meu avô, Sr. Silva, que mesmo de longe é fonte de apoio e orgulho e a pequena e linda Caroline, por sua contagiante alegria de viver. As minhas alunas de iniciação científica – Tathiana, Márcia, Kênia, Flávia, Cecília e Andréia – pela ajuda indispensável na realização da pesquisa. Às Profas. Elizabeth Tunes e Albertina Martínez pelas valiosas contribuições feitas durante o exame de qualificação. À amiga Maria Cristina Loyola responsável pelo “empurrãozinho” na entrada da vida acadêmica. Às amigas de sempre Sandra, Andréia, Alessandra e Ana Cristina pelo incentivo e compreensão nos momentos de “crise”.
O presente trabalho visa à compreensão da constituição do sujeito com Síndrome de Asperger, a partir de minha prática clínica e de uma revisão bibliográfica sobre Síndrome de Asperger, tendo como referencial teórico e metodológico a Análise de Discurso da escola francesa que me possibilitou entender o funcionamento da linguagem do indivíduo não apenas como transmissão de informações, mas como um complexo processo de constituição do sujeito e de sentidos em formações discursivas determinadas. Trabalhando com os conceitos da Análise de Discurso vi abalada a própria posição-psicólogo e alguns conceitos dominantes da Psicologia enquanto ciência, o que me levou a realizar um trabalho de des-construção e compreensão do funcionamento discursivo do campo disciplinar da Psicologia e, conseqüentemente, da concepção de deficiência daí decorrente e um trabalho de construção do conhecimento acerca das patologias em Psicologia tendo como referência a Defectologia de Vygotsky, permitindo-me sair de uma posição positivista e idealista e tomando consciência da contradição que envolve os conceitos de normal e anormal. Neste processo de compreensão da constituição de uma subjetividade específica, a do sujeito com Síndrome de Asperger, faço, também, uma incursão inicial na análise do discurso "das" crianças com Síndrome de Asperger, contrapondo-o aos discursos "sobre" a Síndrome de Asperger. Consideramos que os padrões de comportamento referentes à linguagem e à interação social, que o Manual Diagnósticos e Estatísticos de Transtornos Mentais, 4a. edição, (APA,1995) trata como déficits ou prejuízos para classificar a síndrome, sejam formas de reação a uma sociedade que não sabe lidar institucionalmente com a diferença, com alteridade. Cabe aos cientistas e a instituições sociais, como a escola, antes mesmo, de classificarem os indivíduos ou proporem tratamentos, compreenderem essa forma de individuação. Concluímos, então, que o indivíduo com esta síndrome se constitui de forma específica e, portanto, apresenta uma forma específica de interação social e verbal.
“Para explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem é imprescindível sair dos limites do organismo, buscar as origens desta vida consciente e do comportamento categorial”, não nas profundidades do cérebro, ou da alma, mas, sim, nas condições externas da vida e em primeiro lugar, da vida social, nas formas histórico-sociais da existência do homem”. (Vigotsky)
No atendimento às crianças com Transtornos graves de conduta e Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID), no Centro de Formação de Psicólogos do Centro Universitário de Brasília, CENFOR – UniCEUB, deparei-me com algumas questões em relação às crianças com Síndrome de Asperger (SA), que me motivaram a buscar o curso de Mestrado em Psicologia na tentativa de compreender a constituição desses sujeitos. Em sua maioria, as crianças com Síndrome de Asperger - crianças com SA - que chegam a este centro de atendimento são encaminhadas pela escola, trazendo como queixas principais a inadaptação escolar e as dificuldades de aprendizagem, ou seja, elas não realizam as atividades escolares da forma esperada, pois só aceitam as atividades que estão relacionadas ao seu interesse específico; apresentam dificuldades de compreensão e interpretação de textos, apesar de conseguirem se alfabetizar (geralmente de forma independente) numa idade muito precoce; apresentam, também, dificuldades no uso da linguagem oral, uma vez que não conseguem estabelecer diálogos e têm dificuldades no relacionamento interpessoal. Essas crianças encaminhadas são avaliadas de acordo com os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais, 4a.^ edição- DSM IV (APA, 1995). Segundo este manual, a Síndrome de Asperger caracteriza-se pelo trio sintomático dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID): déficit na interação social, prejuízos na comunicação e apresentação de comportamentos e interesses repetitivos e estereotipados, porém num grau mais leve que os outros TIDs, como o Transtorno Autista, Síndrome Rett e Transtorno Desintegrativo da Infância. No centro de atendimento onde trabalho, as crianças com SA são atendidas em sessões semanais a fim de favorecer sua “adaptação social”. Como a principal queixa das escolas era em relação à linguagem, no que se refere à interpretação e compreensão de textos orais e escritos, e a literatura da área centrava sua atenção sobre a linguagem, embora de forma controvertida, apontando esta como um dos principais fatores responsável pelo problema de aprendizagem e de dificuldades de relacionamento, decidi, então, focalizar minha prática clínica com as crianças com SA na linguagem. Nessa época, comecei a observar, de forma assistemática ainda, que essas crianças apresentavam uma maneira diferenciada de se comunicarem que parecia variar de acordo com a situação e com a posição de enunciação que elas assumiam, ou seja, a interação verbal e comportamental se modificavam em função do número de pessoas envolvidas na situação, do
papel social de cada interlocutor – mãe, terapeuta, colega - , do tipo de atividade solicitada, enfim, das condições de produção dos enunciados. Recordo-me de uma situação em que pude observar mudanças de comportamento nas crianças em função da alteração dessas condições de produção. Os atendimentos eram sempre realizados individualmente, ficando no consultório somente eu e a criança. Nessas ocasiões, os diálogos eram curtos e a criança se limitava a responder o que lhe era perguntado. Em um determinado dia, agrupei as quatro crianças com Síndrome de Asperger que atendia. Iniciei a sessão com uma apresentação geral dizendo seus nomes, porém ninguém se olhava. Quando me retirei da mesa, dirigindo-me ao armário para buscar o material com o qual iria trabalhar, as crianças começaram a falar, de maneira espontânea, sobre temas relacionados ao seu interesse específico - eletricidade, shopping, histórias da turma da Mônica, etc - mas, aparentemente, não se dirigindo a ninguém, pois falavam todos ao mesmo tempo, continuamente, sem interrupções, num tom de voz alto. O que me fez suspeitar de que eles estavam chamando minha atenção, para que eu voltasse novamente ao grupo, e competindo uns com os outros. Passei, então, a duvidar da idéia de que eles não se importavam com a presença do outro. Chamava, ainda, minha atenção a maneira das crianças com SA estabelecerem o vínculo interpessoal, utilizando-se de uma linguagem que parecia revelar padrões específicos, evidenciando a possível presença de regularidades. Na verdade, tal percepção já fora mencionada pela literatura que toma, contudo, tais regularidades como padrões para reforçar a idéia de dificuldade e de incapacidade. Bauer (1995), por exemplo, escreve que a compreensão verbal das crianças com Síndrome de Asperger tende ao concreto e que essas crianças apresentam dificuldades na produção dos chamados significados literais e implícitos, na prosódia, na manutenção de diálogos, no entendimento de trocadilhos, em suma, esses estudos concluem que suas dificuldades estariam relacionadas à linguagem que denominam pragmática e social. Para mim, contudo, parecia que havia um sentido outro e que eu não conseguia apreendê-lo, mas que não se tratava de déficit ou falhas na comunicação. Neste sentido, o próprio conceito de comunicação me parecia ambíguo e contraditório face às situações observadas. Além disso, observava a discrepância, também já mencionada pela literatura, entre a capacidade intelectual (normalmente essas crianças apresentam QI acima da média) e a natureza da produção lingüística das crianças com SA que eu atendia, ou seja, crianças inteligentes produzindo enunciados desconexos, incompletos. Rutter (em Araújo, 1997) apresenta a hipótese
Linguagem outros conhecimentos que me permitiriam ampliar e mesmo deslocar certos conceitos da Psicologia. Neste sentido, tomei como referencial teórico e metodológico para a análise dos enunciados e textos sobre a síndrome e para aqueles produzidos por crianças portadoras da SA, a Análise de Discurso (AD) da escola francesa, pois esta busca entender o funcionamento da linguagem do indivíduo não apenas como transmissão de informações, mas como um complexo processo de constituição do sujeito em formações discursivas determinadas. A AD faz-nos refletir sobre as concepções de linguagem, língua, comunicação e interação o que me permitiu compreender as chamadas “faltas” ou “dificuldades” do sujeito com SA. Neste processo de analisar a linguagem da criança com SA e compreender como se dá a constituição desse sujeito, não pude deixar de considerar uma questão relevante e que há algum tempo vem sendo discutido na área das ciências da Saúde Mental, o conceito de patológico e a definição diagnóstica das patologias. O trabalho de Vigotsky, especialmente os da área de defectologia, foi tomado também como referência teórica, trazendo novos pontos de sustentação para esta dissertação, permitindo rever e compreender o caráter fragmentário e classificatório do diagnóstico, pois ele não somente leva em conta os aspectos qualitativos do problema, como percebe indivíduos como essas crianças não como deficientes, mas como pessoas cujas diferenças são marcadas e marcantes para e na vida em sociedade. Ao refletirmos criticamente a respeito do quadro patológico da Síndrome de Asperger, esperamos que, ao final deste trabalho, possamos ter uma maior compreensão do problema para sustentar as práticas clínica e educativa daqueles que atuam com as crianças com SA, em moldes distintos daqueles que as vêem como treinamento de habilidades. Esta preocupação com a aplicação dos resultados deste trabalho, não deve obscurecer, contudo, a natureza desta dissertação que está centrada na compreensão do processo de constituição do sujeito com SA. O mesmo posso dizer quanto aos fatos lingüísticos por mim descritos e analisados, pois, embora vá trabalhar com a produção textual das crianças que atendo, é do lugar de analista de discurso, sustentada por determinada teoria psicológica, que farei a interpretação dos recortes discursivos estabelecidos na delimitação do corpus. Assim, no primeiro capítulo, faço uma revisão bibliográfica sobre a Síndrome de Asperger, apresentando um histórico que vai desde a primeira descrição da síndrome na década de 40 até a caracterização atual descrita pelo DSM IV (APA, 1995), apontando também as
principais pesquisas desenvolvidas nos últimos dez anos, com dados e resultados relevantes, sobre diagnóstico, etiologia, prevalência e tratamento da SA. No segundo capítulo, apresento o dispositivo teórico da Análise do Discurso (AD) que me possibilitou um deslocamento crucial no modo de perceber e compreender a linguagem das crianças com SA e levou-me, ao tratar de suas bases epistemológicas - a Lingüística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise -, a realizar um novo recorte de análise. Trabalhando certos conceitos afetos a essas bases epistemológicas da AD, vi abalada a minha própria posição de psicóloga e os conceitos da Psicologia, enquanto ciência, que então dominava. Assim, no terceiro capítulo, realizo uma análise discursiva da constituição do campo disciplinar da Psicologia e da própria concepção de diagnóstico defendida por determinadas correntes da Psicologia. No capítulo seguinte, retomo o levantamento bibliográfico, de caráter descritivo, realizado no primeiro capítulo e, à luz das reflexões e análises realizadas nos capítulos segundo e terceiro, busco conhecer de um outro lugar teórico a Síndrome de Asperger, a partir da classificação do DSM IV (APA, 1995). Dentre as teorias da Psicologia, escolhi apresentar no quinto capítulo desta dissertação, as noções de defectologia, defendidas por Vigotsky, por ser uma teoria que trabalha com a relação dialética entre indivíduo e sociedade numa perspectiva analítico-histórica. No sexto capítulo, faço uma incursão, inicial diria, na análise do discurso "das" crianças com SA, contrapondo à análise dos discursos "sobre" a Síndrome de Asperger realizada, buscando compreender o processo de constituição de uma subjetividade específica que aí se delineia. Gostaria de observar que, inicialmente, pensava em ter como corpus tão somente as falas dessas crianças. Contudo, nos deslocamentos produzidos pela AD, principalmente no que diz respeito às condições de produção e a compreensão de que a relação do sujeito com o que diz é complexa e não podemos abordá-la de maneira mecanicista e automática, percebi que os problemas a serem compreendidos eram outros e anteriores, e os caminhos a serem percorridos teriam de passar também por outros portos. No sétimo e último capítulo trago as conclusões e considerações finais em relação a uma forma de individualização determinada: a do portador da Síndrome de Asperger, bem como sobre a posição sujeito-psicólogo, e delineio as possibilidades de futuros trabalhos sobre um tema
Neste capítulo, faço uma revisão bibliográfica inicial sobre a Síndrome de Asperger de caráter mais descritivo, de forma a situar o leitor face ao trabalho atual na área das Ciências da Saúde Mental, deixando para o quarto capítulo, um trabalho de leitura crítica deste referencial sob o crivo teórico da Análise do Discurso. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais - DSM IV (1995) da Associação Psiquiátrica Americana (APA), em sua 4a. edição, e o Código Internacional de Doenças - CID 10 (1993) da Organização Mundial de Saúde (OMS), em sua 10a. edição, trazem a caracterização mais recente da Síndrome de Asperger e, atualmente, as diretrizes diagnósticas propostas ali são as mais utilizadas para se fechar o diagnóstico da referida síndrome, por serem considerados os manuais oficiais de classificação das doenças. As crianças que atendo, e que deverão participar direta e indiretamente desta dissertação, foram diagnosticadas com Síndrome de Asperger (SA), com base nos critérios deste DSM IV (1995), que a classifica dentro dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID), caracterizando este transtorno da seguinte forma: “Os Transtornos Invasivos de Desenvolvimento caracterizam-se por prejuízo severo e invasivo em diversas áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação, ou presença de comportamentos, interesses e atividades estereotipados. Os prejuízos qualitativos que definem essas condições representam um desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do indivíduo” (pág.65). E quanto ao Transtorno de Asperger aponta: “... as características essenciais do Transtorno de Asperger são: prejuízo severo e persistente na interação social, desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesse e atividades. A perturbação deve causar prejuízo significativo nas áreas social, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento.” (pág. 74). O DSM IV (1995) diferencia o Transtorno de Asperger do Transtorno Autista por considerar que o primeiro não apresenta atrasos clinicamente significativos na linguagem, isto é, as palavras e frases com função comunicativa aparecem na idade adequada de desenvolvimento, além de não existir no portador de SA atrasos clinicamente significativos de desenvolvimento cognitivo, de comportamento adaptativo, de habilidades de auto-ajuda e da curiosidade a cerca do ambiente. Ainda no DSM IV (1995), encontraremos considerações a respeito do curso da SA como contínuo e de duração vitalícia. Essa síndrome pode ser identificada mais tarde que o
F.Não são satisfeitos os critérios para um outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento ou Esquizofrenia”. (pág. 76)
Oficialmente são estes os parâmetros para o diagnóstico e classificação de crianças com Transtorno de Asperger. Muitos trabalhos, contudo, vêm sendo desenvolvidos desde 1944, quando Hans Asperger descreveu a síndrome pela primeira vez. Podemos, assim, considerar como um marco de referência a década de 40, quando Kanner descreveu, em 1943, onze crianças com um quadro único de desordem mental severa. Suas colocações trouxeram referenciais importantes para o quadro de desordens mentais infantis, pois apresentavam, como critérios, distorções no processo de desenvolvimento não mais baseados nas psicoses do adulto. Nessa ocasião, ele denominou essa patologia distúrbio autístico do contato afetivo, onde as características principais eram incapacidade para relacionamentos com pessoas e obsessiva insistência em permanecer na mesmice. Kanner chegou a inferir que essas crianças tinham “uma incapacidade inata para fazer contato afetivo normal com pessoas - um dado biológico - assim como outras crianças chegam ao mundo com deficiências físicas ou intelectuais inatas” (em Araújo, 1997). Mais tarde, substituiu-se a denominação do quadro por autismo infantil precoce. Um ano depois, independentemente de Kanner, um pediatra vienense, Hans Asperger descreveu quatro casos que denominou de patologia autística da infância e esboçou como principais características, segundo Bowler (1992).
“As crianças e adolescentes descritos por ele tinham aparência normal, mas tinham distintos prejuízos de fala e de comunicação não-verbal, bem como de habilidades interpessoais e sociais. Sua fala, embora surgisse numa idade adequada e apresentasse sintaxe normal, era caracterizada por inversão pronominal, especialmente em crianças mais jovens. Embora houvesse alguma ecolalia, a principal característica da linguagem dos casos de Asperger era o uso do pedantismo e às vezes se envolvia com estilo de fala literal ou concreta. Aspectos não-verbais da comunicação, tais como uso de gestos espontâneos e expressões faciais estavam ausentes, exagerados ou usados inapropriadamente. Nos testes de inteligência obtiveram resultados medianos e a performance em testes de memória foi melhor. Alguns tinham desenvolvido interesses específicos.(...) Mas a principal anormalidade notada por Asperger foi os comportamentos sociais ingênuos e peculiares, sugerindo que eles tinham perda de qualquer conhecimento intuitivo de como se comportar em situações sociais. Apesar de se retirarem ou evitarem situações sociais, seus pacientes eram capazes de interagir com outras pessoas , mas somente de maneira estranha, parcial e na qual demonstravam quase uma completa falta de compreensão de regras que governam interações sociais.” ( págs.877 e 878).
A literatura pesquisada por mim revela que, por volta dos anos 50, Asperger reconheceu a similaridade de seus casos com os de Kanner, muito embora em 1979 tenha reconhecido também serem tipos basicamente diferentes. Por outro lado, Kanner mesmo tendo acesso a trabalhos com crianças que apresentavam traços similares à patologia autística de Asperger, não mencionou o trabalho deste último. Apesar de, mesmo no início dos anos 40, Asperger já ter apontado características da síndrome que a diferenciavam do autismo, descrito originalmente por Kanner, somente em 1981, Lorna Wing fez a primeira descrição sistemática do quadro que recebeu o nome de Síndrome de Asperger. Wing estudou 34 casos, na Inglaterra, e encontrou em sua amostra, complementando as características descritas por Asperger, o que chamou de ausência de jogo simbólico e ausência de atenção dirigida. Desde a publicação de Asperger em 1944 até o início dos anos 80, ou seja, durante quase 40 anos, somente 4 publicações foram feitas referindo-se à patologia autística da infância, com exceção dos próprios artigos de Asperger (Gillberg, 1998). Entendemos que a descoberta de Asperger não teve repercussão nem reconhecimento da comunidade científica até essa época e, basicamente, quase todas as crianças com traços similares eram diagnosticadas como pertencendo ao quadro do autismo infantil de Kanner. Esse esquecimento parece-me, contudo, significativo, sinalizando para a necessidade de maior compreensão da natureza dos trabalhos realizados pelo próprio Asperger e já revelando a dificuldade em se determinar o quadro patológico da síndrome, bem como as determinações históricas implicadas no processo de produção do conhecimento. Apesar de existir, atualmente, um diagnóstico oficial para a Síndrome de Asperger, os artigos recentemente publicados ainda apresentam ambigüidade e confusão nos critérios diagnósticos, bem como no uso da nomenclatura. Considero importante fazermos uma breve revisão destes estudos, o que redundará na apresentação de diversos pontos de vista, que dão ênfase a um ou outro aspecto da síndrome, sendo que muitas vezes – ou quase sempre - esse embate vai estar centrado principalmente no aspecto da linguagem dos portadores da SA. Segundo Bowler (1992), embora houvesse diferenças marcantes entre os casos descritos por Kanner e os casos descritos por Asperger e Wing, as características encontradas em ambos os casos sugeriam uma compreensão comum da patologia. Por essa razão, Wing e Gould, em 1979, desenvolveram o termo continuum autístico, argumentando que indivíduos autistas podem exibir vários níveis de prejuízos, em diferentes dimensões, do funcionamento psicológico,