



Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Uma análise comparativa das obras 'amor de perdição' e 'coração, cabeça e estômago' de camilo castelo branco, onde se destaca a forma como o autor caracteriza o romantismo em ambas as obras. 'coração, cabeça e estômago' apresenta uma crítica ao romantismo, enquanto 'amor de perdição' é uma obra romântica ultra. O texto propõe evidenciar as visões da convenção romântica deixadas explícitas pelo autor, embora as obras tenham teor romântico e antirromântico respectivamente.
O que você vai aprender
Tipologia: Exercícios
1 / 7
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Autores
Daniele Barlati Arantes Josiane Maria de Souza
1. Introdução
As posturas românticas de duas obras de Camilo Castelo Branco: " Amor de Perdição" e "Coração, Cabeça e Estômago " são muito contraditórias entre si, e ao mesmo tempo concordam em alguns trechos das obras.
"Coração, Cabeça e Estômago" apresenta um anti-romantismo evidente e desconstrói as convenções românticas tanto no enredo da obra, quanto nos comentários a respeito da literatura romântica, que estão presentes em alguns dos trechos da narrativa.
Por sua vez, "Amor de Perdição" é uma obra ultra-romântica, contendo todas as características do romantismo, embora também apresente alguns trechos em que o narrador evidencia a inverdade da idealização romântica e a invenção do "amor" pelo romantismo.
2. Objetivos
Por meio de uma comparação entre ambas as obras de Camilo Castelo Branco, propõe-se destacar a forma como o romantismo é caracterizado em ambas as obras e pretende-se evidenciar a visão da convenção romântica que o autor deixa explícita em ambas as obras, embora "Amor de Perdição" seja de teor romântico e "Coração, Cabeça e Estômago" se apresente como uma paródia ou uma sátira ao romantismo.
3. Desenvolvimento
O levantamento de alguns trechos das obras acima citadas é feito com o critério único de expor as concepções de romantismo lançadas por Camilo Castelo Branco em ambas as obras.
O romantismo, que é tido como a expressão sincera dos sentimentos, sem mascaramento ou dissimulação, também pode ser visto como uma convenção criada pela literatura romântica, uma inverdade que tomou ares de verdade e se incutiu na mentalidade dos leitores.
4. Resultados
A obra "Coração, Cabeça e Estômago" apresenta uma crítica, ou uma paródia do romantismo e das diversas características do mesmo. Trata-se de três volumes escritos ou três capítulos, o primeiro com o título Coração, o segundo, Cabeça e o terceiro, Estômago. Estes dizem respeito a três fases da vida do personagem Silvestre da Silva, que de 1844 à 1854 se dedicou aos seus amores e às "coisas do coração", às quais ele depois diz ser "tolice brava"; de 1855 à 1860 ele então se dedicou ao "intelecto"; já de 1860 à 1861 afirma ter se rendido aos apelos do estômago até morrer e afirmar em um soneto antes de sua morte:
"E por muito comer eu desço à cova!"
A idealização do amor como sendo eterno e único, característica própria do romantismo, é totalmente contrariada nessa obra, pois Silvestre da Silva tem sete amores já no início de suas aventuras amorosas. Também as mulheres a quem Silvestre ama não são como as mulheres idealizadas no romantismo.
Silvestre não tinha as características do homem romântico, mas trata logo de forjá-las:
Como quer, porém, que a testa fosse menos acampada que o preciso para significar ‘desordem e gênio’, comecei a barbear a testa, fazendo recuar o domínio do cabelo, a pouco e pouco, até que me criei uma fronte dilatada, e umas bossas frontais, como a natureza as não dera a Shakespeare nem a Goethe.
Por ter uma aparência sadia, Silvestre então resolve dissimular olheiras com um líquido roxo indicado por um amigo médico. Ele se vê satisfeito com o resultado da transformação de sua aparência:
Fiz, pois, de mim uma cara entre o sentimental de Antony e o trágico de Fausto.
Silvestre age, portanto, como se o romantismo, o sentimentalismo e até mesmo o sofrimento pudessem ser construídos, e lança aí a idéia de que muitos sentimentos são "inventados" à sombra do romantismo.
Após ter muitas decepções amorosas com suas sete primeiras paixões, Silvestre encontra Paula, uma dama muito parecida com as donzelas dos romances, e crendo ele "precisar de um amor", trata logo de "se apaixonar" pela moça.
Silvestre é o narrador da história, e, e embora não seja um bom escritor, se considera ser dos melhores, o que fica claro em várias passagens da obra:
(...) vi encostado à parede fronteira de sua casa um vulto rebuçado, rebuçado amargo ao meu suspeitoso coração! (comprazo-me de ter feito destes dois rebuçados uma elegância de estilo, que é muinha, e, se alguma idêntica aparecer, sem a minha rubrica, será tida como furto, e os falsificadores serão perseguidos
Se alguma vez o romancista nos dá, no primeiro capítulo, uma menina bem fornida de carnes e rosada e espanejada como as belas dos campos, é contar que, no terceiro capítulo, ali a temos prostrada numa otomana, com olheiras a revelar o cavado do rosto, com a cintura a desarticular-se dos seus engonços, com as mãos translúcidas de magreza, os braços em osso nu e os olhos apagados nas órbitas, orvalhadas de lágrimas
Nesse trecho de " Coração, Cabeça e Estômago ", Silvestre, desgostoso de toda a influência que a literatura romântica tem na vida das jovens relata a freqüência com que os romancistas apresentam mulheres à se definhar por amor nos seus romances.
No romance "Amor de Perdição" , também do autor Camilo Castelo Branco, Tereza, a heroína romântica da obra, apresenta exatamente essas características da mulher romântica, pois no fim do romance, após muito sofrer por amor, Teresa adoece e sua aparência é descrita dessa forma:
(...) Distintamente Simão viu um rosto e uns braços suspensos das reixas de ferro; mas não era Teresa aquele rosto; seria antes um cadáver que subiu da claustra ao mirante, com os ossos da cara inçados ainda das herpes da sepultura.
Teresa está tão debilitada, que o herói romântico Simão, nem reconhece sua amada, que, no início do romance - assim como o personagem Silvestre de "Coração, Cabeça e Estômago" afirma como peculiaridade dos romances - o romancista a descrevia como saudável, corada, cheia de forças, "mulher varonil", com "força de caráter".
Contudo, ao decorrer da narrativa, Tereza definha, deixando de comer logo que ingressa, contra a vontade, em um convento, para ser apartada por seu pai de seu grande amor, Simão. A moça perde suas forças até morrer.
Silvestre da Silva, personagem de "Coração, Cabeça e Estômago" , acusa o romance de, através da idealização de uma "mulher romântica" influenciar no comportamento das jovens leitoras:
Foi o romance que degenerou as raças, porque lá de França todas as heroínas, em 8. º e a 200 réis ao franco, vêm definhadas, tísicas, em jejum natural, tresnoitadas, levadas da breca. Nunca se dá que os romancistas, nos digam o que elas comem, quantas horas dormem, quantos cozimentos de quássia tomam para dessaburrar o estômago, qual gênero de alimento preferem, que doutrinas de higiene adoptaram, quantos amantes afagam para cicatrizarem os golpes da perfídia com o pêlo do mesmo cão. (...)
(...) Estas mulheres desassisadas, que se imolam aos caprichos duma literatura, por não terem coisa séria em que empreguem a imensa energia do seu espírito, quando tornam a si, e se correm da sua inépcia, tarde
vem o arrependimento, que, nos melhores anos, deram cabo das melhores forças.
Portanto Silvestre afirma que o romantismo criou toda uma convenção que atingiu o imaginário das pessoas e reflete nas suas atitudes, o romance então não seria a expressão sincera dos sentimentos, mas a expressão exacerbada de sentimentos inventados, construídos pela literatura romântica.
Também na obra "Amor de Perdição" Camilo Castelo Branco discorre sobre a inverdade das convenções românticas:
A verdade é algumas vezes o escolho de um romance.
Na vida real, recebemo-la como ela sai dos encontrados casos, ou da lógica implacável das coisas; mas, na novela, custa-nos a sofrer que o autor, se inventa, não invente melhor; e, se copia, não minta por amor da arte.
Um romance que estriba na verdade o seu merecimento é frio, é imertinente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem tira a gente, sequer uma temporada(...)
(...)A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis ao público?
Nesse romance de caráter ultra romântico, em que os heróis e heroínas morrem por amor, o autor se permite exprimir a irrealidade do romantismo e suas inverdades.
Por sua vez, em "Coração, Cabeça e Estômago ", Silvestre expõe as circunstâncias em que o romance ou o "amor" foi inventado, devido a uma necessidade de desembrutecimento dos costumes gregos e romanos:
O amor inventou-o depois o estragamento dos bons costumes gregos e romanos, como coisa necessária e acirrante ao paladares botos dos filhos viciosos das cidades.
Até mesmo no romance " Amor de Perdição " a temática romântica é "criticada" ou satirizada em um trecho deveras engraçado em que, o irmão de Simão, Manuel Botelho, tem um caso com uma mulher casada com um médico. O narrador, no meio da sua narrativa dos acontecimentos prevê uma reação "romântica" das "leitoras sensíveis", mas logo depois desconstrói o romantismo que geraria tal reação:
Poucas horas depois, a esposa do médico...
_ Que tinha morrido de paixão e vergonha talvez! – exclama uma leitora sensível.
5. Considerações Finais
Em ambas as obras o autor expressa a inverdade do romantismo enquanto o afirma como uma convenção literária, utilizando-se da voz dos narradores das obras para tecer comentários à cerca da convenção romântica.
Comparando a forma como o romantismo é visto em ambas as obras pode-se concluir que Camilo Castelo Branco ao mesmo tempo que se utiliza de uma escrita romântica em uma obra ultra-romântica como "Amor de Perdição", também satiriza o romantismo nas suas mais evidentes origens e particularidades, tecendo comentários irônicos a cerca do romantismo em meio às suas narrativas.
Referências Bibliográficas
CASTELO BRANCO, C. Amor de Perdição. São Paulo: Martin Claret, 2001.
CASTELO BRANCO, Camilo. Coração, Cabeça e Estômago. Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1907, 3a. ed