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Modulador de Le Corbusier: Forma, Proporção e Medida na Arquitetura, Notas de aula de Arquitetura

Ennio possebon discute o modulor de le corbusier, uma teoria de proporções e medições aplicáveis universalmente à arquitetura e mecânica. Le corbusier procurou um utensílio para medir visuais e geométricas, que facilitasse sua escrita e traria benefícios à composição arquitetônica.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jacirema68
Jacirema68 🇧🇷

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O MODULADOR DE LE CORBUSIER: FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA DA ARQUITETURA Ennio Possebon
R. Cult. : R. IMAE, São Paulo, a.5, n. 11, p. 68-76, jan./jun. 2004
O MODULOR DE LE CORBUSIER:
FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA NA ARQUITETURA
ESUMO
RR
RR
RBSTRACT
AA
AA
A
Le Corbusier é um dos raros
arquitetos, não só do século XX,
mas de toda a História da Ar-
quitetura, que propôs uma teo-
ria de proporções e forneceu
descrições de como foram apli-
cadas em seus projetos. Na sua
obra transparece, além do
olhar atento para a criação de
uma arquitetura consoante com
as transformações sociais,
trazidas pelas tecnologias
despontantes no século XX, um
pensamento lógico, racional e
disciplinador que encontra sua
plena expressão, em termos de
proporções, no seu sistema de-
nominado Modulor.
Palavras-chave: arquitetura,
comodulação.
LE CORBISIERS
MODULATOR: FORM,
PROPORTION AND
MEASURE IN
ARCHITECTURE
Le Corbusier is one of the few
architects, not only in the 20th
century, but in the whole history
of Architecture, to propose a
theory of proportions and to
make descriptions on how they
were applied to his projects. His
work shows, besides the attentive
look to the creation of an
architecture consonant with soci-
al changes brought by the 20th
centurys emerging technologies,
a logical, rational, and disci-
plinary thinking that finds its full
expression, in terms of
proportions, in his system named
Modulor.
Keywords: architecture,
comodulation.
* Ennio Possebon é graduado e mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Trabalha com arquitetura, design
gráfico e artes visuais. Leciona desenho arquitetônico no curso de Arquitetura e Urbanismo do UniFIAM-FAAM e desenho de
observação e geometria no curso de Educação Artística dessa Instituição.
Ennio Possebon*
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O MODULOR DE LE CORBUSIER:

FORMA, PROPORÇÃO E MEDIDA NA ARQUITETURA

RRRRR^ ESUMO^ AAAAABSTRACT

Le Corbusier È um dos raros

arquitetos, n„o sÛ do sÈculo XX,

mas de toda a HistÛria da Ar-

quitetura, que propÙs uma teo-

ria de proporÁıes e forneceu

descriÁıes de como foram apli-

cadas em seus projetos. Na sua

obra transparece, alÈm do

olhar atento para a criaÁ„o de

uma arquitetura consoante com

as transformaÁıes sociais,

trazidas pelas tecnologias

despontantes no sÈculo XX, um

pensamento lÛgico, racional e

disciplinador que encontra sua

plena express„o, em termos de

proporÁıes, no seu sistema de-

nominado ìModulorî.

Palavras-chave: arquitetura,

comodulaÁ„o.

LE CORBISIERíS

MODULATOR: FORM,

PROPORTION AND

MEASURE IN

ARCHITECTURE

Le Corbusier is one of the few

architects, not only in the 20th

century, but in the whole history

of Architecture, to propose a

theory of proportions and to

make descriptions on how they

were applied to his projects. His

work shows, besides the attentive

look to the creation of an

architecture consonant with soci-

al changes brought by the 20th

centuryís emerging technologies,

a logical, rational, and disci-

plinary thinking that finds its full

expression, in terms of

proportions, in his system named

ìModulorî.

Keywords: architecture,

comodulation.

  • (^) Ennio Possebon È graduado e mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Trabalha com arquitetura, design gr·fico e artes visuais. Leciona desenho arquitetÙnico no curso de Arquitetura e Urbanismo do UniFIAM-FAAM e desenho de observaÁ„o e geometria no curso de EducaÁ„o ArtÌstica dessa InstituiÁ„o.

Ennio Possebon *

e Corbusier È um dos ra- ros arquitetos, n„o sÛ do sÈculo XX, mas de toda a HistÛria da Arquitetu- ra, que propÙs uma teoria de propor- Áıes e forneceu descriÁıes de como foram aplicadas em seus projetos. Mais ainda, pretendeu e propÙs que sua teoria fosse utili- zada por outros. Seus desenhos e projetos s„o, por esta raz„o, um fÈrtil terreno para o estudo da Geometria na sua conex„o com a Arquitetura.

O M”DULO DE OURO

Segundo John Summerson, ì[...] nos primeiros anos da Se- gunda Guerra Mundi- al Le Corbusier criou o sistema que se cha- mou ëModulorí. Modulor È uma pala- vra composta a partir de module, ou seja, unidade de me- dida, e section d¥or ou secÁ„o de ouro: a divis„o de uma reta de tal modo que o segmento menor est· para o maior assim como o segmen- to maior est· para o todo. O Modulor È um sistema de propor- cionamento do espaÁo arquitetÙnico baseado neste critÈrio geomÈtrico, e oferece toda uma gama de dimen-

sıes. As dimensıes medianas est„o relacionadas com o corpo humano; as dimensıes extremas aplicam-se, por um lado, aos detalhes diminu- tos dos instrumentos de precis„o e, por outro lado,†‡ escala dos grandes projetos de planejamento.î^2

Na obra de Le Corbusier, transparece, alÈm do olhar atento para a criaÁ„o de uma arquitetura consoante com as transformaÁıes sociais, trazidas pelas tecnologias despontantes no sÈculo XX, um pensamento lÛgico, racional e disciplinador, ao buscar um traÁado orientador do projeto, baseado na proporÁ„o ·urea. E, aÌ, ele n„o È

menos cl·ssico que Palladio ou Alberti, ao retomar um tipo de con- trole de projeto t„o essencialmente pertencente ëa RenascenÁa.

A PORTA DOS MILAGRES DE LE CORBUSIER

ìA matem·tica È o magistral edifÌ- cio imaginado pelo homem para com- preender o Univer- so. Nela encontra- se o absoluto e o in- finito, o apreensÌvel e o n„o-apreensÌvel, e est· rodeada de altos muros diante dos quais pode-se passar e de novo passar sem proveito nenhum. Neles ‡s vezes abre-se uma porta, entra-se e aÌ se est· no lugar onde se encontram os deuses e as cha- ves dos grandes sis- temas. Estas portas s„o as portas dos milagres, e, franqueada uma delas, j· n„o È o homem quem atua, porÈm o Universo que se manifesta e diante dele desenrolam-se os pro- digiosos tecidos das combinaÁıes sem limites. Estais no paÌs dos n˙- meros. Deixai-vos permanecer nele, maravilhados diante de tanta luz in- tensamente espalhada.î 3

ìEstais no paÌs dos n˙meros. Deixai-vos permanecer nele, maravilhados diante de tanta luz intensamente espalhada.î (Le Corbusier)

L

2 S UMMERSON , John. in A linguagem cl·ssica da Arquitetura, p.116. 3 L E CORBUSIER, in Modulor1, p. 69. (Trad. nossa.)

cala humana ó tanto para a Arqui- tetura quanto para a Mec‚nica. Des- de o inÌcio do sÈculo XX ele vinha observando em obras de arquitetu- ra aquilo que chamou de ìo ‚ngulo reto dirigindo a composiÁ„oî. Tam- bÈm encontraram resson‚ncia nele as palavras de Choisy com sua His- tÛria da Arquitetura (1902), especi- almente quando trata de traÁados re- guladores ao explicar a organizaÁ„o de composiÁıes arquitetÙnicas.

Na revista L¥ Esprit Nouveau, junto com outros, Le Corbusier pro- duz artigos teÛricos, base doutrin·- ria para sua atividade projetual pos- terior. ìA grande ind˙stria deve ocupar-se com a edificaÁ„o e esta- belecer em sÈrie os elementos da casa. Deve ser criado o estado de espÌrito da sÈrie: de construir casas em sÈrie, de habitar casas em sÈrie, de conceber casas em sÈrie.î 6 E aqui a normatizaÁ„o se torna ques- t„o fundamental.

Depois que publica o artigo ìOs traÁados reguladoresî na L¥ Esprit Nouveau, em 1921, Le Corbusier conhece os livros de Matila Ghyka, sobre a proporÁ„o ·u- rea, que lhe confirmam e demons- tram matematicamente assuntos que j· o ocupavam. E tambÈm em suas pinturas, experimenta a plasticidade sobreposta a uma rigorosa geometria.

Posteriormente, por volta dos anos 1940, as idÈias desenvolvidas por Wittkower a respeito do Renascimento, da proporÁ„o e dos traÁados reguladores de projetos tambÈm encontrar„o resson‚ncia em Le Corbusier. Embora tenha expres-

sado algumas crÌticas ‡ arquitetura renascentista, por ver nas suas cons- truÁıes, quando rigorosamente ori- entadas pela geometria, e por vezes segundo complexas estruturas, a pressuposiÁ„o de um observador ideal que teria de se colocar no cen- tro da obra e perceber como um todo, simultaneamente, todos os de- talhes. Contra essa interpretaÁ„o ele argumenta, ent„o, que o observador concreto sempre est· de pÈ, tem o foco de vis„o a mais ou menos 1, m de altura e est· em movimento pelo espaÁo, apreendendo, a cada vez, e no decorrer do tempo, as suas v·rias perspectivas. Tem percepÁıes diferenciadas a cada momento e, enfim, uma estatura que deve ser sempre considerada.

Nos anos de ocupaÁ„o da Fran- Áa durante a Segunda Guerra Mun- dial, instituiu-se o AFNOR , um Ûrg„o cuja funÁ„o era auxiliar a reconstru- Á„o do paÌs. Industriais, engenheiros e arquitetos foram convocados a

participar do empreendimento. Le Corbusier foi um deles.

ìO AFNOR propıe normatizar os objetos da construÁ„o e seu mÈtodo È simplista: simples aritmÈtica aplicada aos usos e utensÌlios dos arquitetos, engenheiros e industriais. Parece-me arbitr·rio e pobre. As ·rvores, por exemplo, com seu tronco, seus ramos, suas folhas e nervuras, me afirmam que as leis de crescimento e combina- Á„o podem e devem ser mais ricas e sutis. Um laÁo geomÈtrico tem de in- tervir nestas coisas e sonho instalar nas obras que mais tarde cobrir„o o paÌs, um enredado de proporÁıes tra- Áado sobre o muro ou apoiado nele, feito com ferros laminados e soldados, que ser· a regra da obra, o modelo que inicia a sÈrie ilimitada das combi- naÁıes e das proporÁıes. O pedreiro, o carpinteiro e o serralheiro ir„o aÌ escolher as medidas para seus traba- lhos, os quais, diversos e diferencia- dos, ser„o testemunhos da harmonia. Tal È o meu sonhoî. 7

6 In ìCasas em sÈrieî, L¥ Esprit Nouveau, 1921, citado em L E C ORBUSIER, Modulor 1, p. 31. (Trad. nossa.) 7 L E CORBUSIER, in Modulor 1, p. 34. (Trad. nossa.)

ìNos anos de ocupaÁ„o da

FranÁa durante a Segunda

Guerra Mundial, instituiu-se

o AFNOR, um Ûrg„o cuja

funÁ„o era auxiliar a

reconstruÁ„o do paÌs.î

TENTATIVA E ERRO NA

INVEN«√O DO MODULOR

Em 1943, Le Corbusier propıe a seu assistente Hanning uma tare- fa: ìTome um homem com o braÁo levantado com 2,20 m de altura, inscreva-o em dois quadrados superpostos de 1,10 m, coloque-o a cavalo sobre os dois quadrados e um terceiro quadrado resultante lhe dar· uma soluÁ„o. O ëlugar do ‚n- gulo retoí deve poder ajud·-lo a co- locar o terceiro quadrado. Com este enredado, regido por um homem instalado no seu interior, estou se- guro que chegar· a uma sÈrie de medidas que poder„o colocar de acordo a estatura humana (o bra- Áo levantado) e a Matem·tica.î 8

Essa indicaÁ„o, um tanto enig- m·tica quando meramente lida, en- tretanto, continha o germe do que viria a ser claramente desenvolvido no traÁado final do modulor. Era ainda uma primeira intuiÁ„o.

Mas daÌ surgiu o primeiro tra- Áado, em 25 de setembro de 1943, que sofreria uma retificaÁ„o realiza- da por Elisa Maillard, trÍs meses depois, em 26 de dezembro de

  1. Ambos os traÁados tÍm ain- da incoerÍncias e incorreÁıes geo- mÈtricas, que, embora n„o interfi- ram totalmente na praticidade e na aplicabilidade da idÈia, ser„o revis- tos posteriormente, e mediante v·- rias tentativas e aproximaÁıes, pro- gredir„o atÈ resultar num traÁado rigoroso e preciso em todos os sen- tidos. O traÁado definitivo contou com a colaboraÁ„o de dois jovens,

o uruguaio Justino Serralta e o fran- cÍs Maisonnier, e foi relatado no Modulor 2. Esse traÁado produz duas sÈries de valores baseados na proporÁ„o ·urea, ent„o chamadas ìsÈrie vermelhaî e ìsÈrie azulî, esta ˙ltima correspondendo aos valores referidos ao duplo quadrado.

Essa rede de proporÁıes antropometricamente combinadas, recebeu depois a denominaÁ„o ìmodulorî (sugerida a Le Corbusier por Robert Lancrey-Javal, doutor em Direito). O modulor, na sua pri- meira vers„o, tinha como base um homem com 1,75 m (a altura mÈ- dia de um francÍs), de onde resul- tavam suas medidas principais. Tec- nicamente foi definido da seguinte maneira: ìO modulor È um aparato de medida fundamentado na estatu- ra humana e na matem·tica. Um homem com o braÁo levantado d· os pontos determinantes de ocupa- Á„o do espaÁo: o pÈ, o plexo solar, a cabeÁa e a ponta dos dedos com o braÁo levantado ó trÍs interva- los que definem uma sÈrie de secÁıes ·ureas de Fibonacci; e ain- da por outra parte, a matem·tica, que oferece a variaÁ„o mais imedi- ata e significativa de um valor: o simples, o dobro e as duas secÁıes ·ureas. ì^9 Em sÌntese, a unidade, a duplicidade e a proporÁ„o ·urea ó o modulor. Essa rÈgua de proporÁıes com- bina-se, assim, atravÈs do ponto das duas sÈries de segmentos ·ureos, que ele chamou de ìvermelhaî e ìazulî, com a estatura humana nos seus principais pontos de ocupaÁ„o do espaÁo. Num momento posterior,

a altura padr„o do homem ser· retificada para 6 pÈs ou 182,88 cm. (altura mÈdia de um inglÍs), valor esse que ir· satisfazer mais, em vir- tude de os valores em polegadas corresponderem com mais proximi- dade ‡ sÈrie Fibonacci que se forma na sÈrie azul: 3, 5, 8, 13, 21, 34 ...

Le Corbusier quer contribuir para o jogo das normatizaÁıes ne- cess·rias a uma produÁ„o em sÈrie, racional e eficiente, de elementos prÈ-fabricados. Mas quer evitar tam- bÈm o empobrecimento formal pro- duzido por normatizaÁıes efetuadas pelo mÌnimo esforÁo. Quer colocar no lugar do trivial, do monÛtono e sem graÁa o harmonioso, o diverso, o elegante. E remover o obst·culo que resulta da incompatibilidade das medidas centÌmetro e polegada.

ìO modulor rege as longitudes, as superfÌcies e os volumes, manten- do sempre a escala humana, pres- tando-se a infinitas combinaÁıes e assegurando a unidade na diversi- dade: benefÌcio inestim·vel, milagre dos n˙meros.î 10

Quando elege a proporÁ„o ·urea como princÌpio estruturador do seu enredado de proporÁıes (modulor), Le Corbusier preocupa-se em acoplar nele a estatura humana (estabelecida no padr„o mÈdio de 1,82 m ou 6 pÈs) e pretende com isso criar um disposi- tivo proporcionador das medidas de sua arquitetura. E neste aspecto pare- ce se colocar em perfeita sintonia com o conceito vitruviano de sime- tria, de comodulaÁ„o. A proporÁ„o ·urea È o mÛdulo que engendra as

8 Idem, op. cit., p. 35. (Trad. nossa.) 9 L E CORBUSIER, in Modulor 1, p. 52. (Trad. nossa.) 10 Idem, op. cit., p. 88. (Trad. nossa.)

Sobre o modulor, o rigoroso Ernst Neufert, a despeito de algumas crÌticas com relaÁ„o ‡s aproximaÁıes e arredondamentos de medidas esta- belecidos nas sÈries vermelha e azul, comentou em seu livro A industria- lizaÁ„o das construÁıes:

ì[...] È importante que um ar- quiteto de tanta popularidade como Le Corbusier tenha dedicado sua atenÁ„o ao problema das medidas na construÁ„o e que tenha coloca- do em primeiro plano necessidades arquitetÙnicas que haviam sido dei- xadas de lado, como pouco acerta- das, substituÌdas por normatizado- res mec‚nicos e exclusivistas.

N„o menos importante È o fato de que para desenvolver as constru- Áıes se possa jogar com proporÁıes baseadas na secÁ„o ·urea. 13 î

E Wittkower comenta em So- bre a arquitetura na idade do humanismo, em tom um tanto exa- gerado e claramente apologÈtico:

ì[...] Todos sabemos que quan- do a geometria n„o-euclidiana pas- sou a ser a base da vis„o moderna do universo no final do sÈculo XIX e inÌcio do XX, produziu-se uma ruptu- ra b·sica com o passado, mais pro- funda atÈ que aquela entre o univer- so hierarquizado e escol·stico da Idade MÈdia e o matem·tico e euclidiano de Leonardo, CopÈrnico e Newton. Que repercussıes teve e ter· sobre a proporÁ„o nas artes e a subs- tituiÁ„o das medidas absolutas do espaÁo e do tempo por uma nova re- laÁ„o din‚mica espaÁo-tempo?

O modulor de Le Corbusier constitui uma resposta preliminar. ¿ luz da HistÛria aparece com a inten- Á„o fascinante de coordenar a tradi- Á„o com o nosso mundo n„o- euclidiano. Em primeiro lugar por- que toma como ponto de partida o homem e seu entorno, e n„o um conjunto de univers·lias. Com isto Le Corbusier acerta o passo das nor- mas absolutas com o das relativas.

PorÈm, tenta uma nova conso- lidaÁ„o neste nÌvel. Os velhos sis- temas de proporÁıes eram o que po- derÌamos chamar de sistemas de m„o ˙nica, por constituÌrem desen- volvimentos coerentes de conceitos b·sicos, geomÈtricos ou numÈricos (mais aritmÈticos). Outro tanto ocorre com o modulor de Le Corbusier. Seus elementos s„o ex- tremamente simples: quadrado, du- plo quadrado e as secÁıes ·ureas. Estes elementos se fundem num sis- tema de razıes geomÈtricas e numÈ- ricas: o princÌpio b·sico da simetria se combina com as duas sÈries di- vergentes de n˙meros irracionais derivados da secÁ„o ·urea.

A despeito do que esta opini„o possa suscitar, se trata, sem d˙vida, da primeira sÌntese coerente desde a decomposiÁ„o dos velhos siste- mas, sÌntese que reflete a natureza da nossa prÛpria civilizaÁ„o e È, ao mesmo tempo, um testemunho de nossa tradiÁ„o cultural. E, igual- mente como as proporÁıes da geo- metria plana utilizadas na Idade MÈdia e as proporÁıes musicais e aritmÈticas do Renascimento, o sis- tema dual de magnitudes irracio-

nais de Le Corbusier segue depen- dendo dos conceitos que o pensa- mento pitagÛrico-platÙnico legou ‡ humanidade do Ocidente.î^14

Num encontro com Albert Einstein, Le Corbusier relata que, apÛs ouvir suas explicaÁıes e co- ment·rios, e depois de ter verifica- do matematicamente os esquemas do modulor, teria assim resumido seu parecer a respeito: ìUma esca- la de proporÁıes que torna o mau difÌcil e o bom f·cilî. 15 Essa boa receptividade ele encontrou tambÈm entre numerosos matem·ticos, enge- nheiros e arquitetos. O modulor re- almente despertou, na Època, um significativo interesse no ambiente profissional e acadÍmico.

Com o passar dos anos o inte- resse se esmaeceu e o prÛprio Le Corbusier acabou pondo de lado sua obsess„o inicial e o uso persistente e sistem·tico do sistema. E, desafor- tunadamente, tambÈm deixou de ser estudado com a profundidade que merece o que representou esse im- portante processo surgido dentro da obra de um dos mais representativos arquitetos do sÈculo XX.

O PRODUTO MODULOR

John Summerson tambÈm afir- ma: ìLe Corbusier defendeu inten- samente o Modulor como um siste- ma que, se amplamente adotado, poderia solucionar muitos dos pro- blemas de padronizaÁ„o na ind˙s- tria e, ainda, dar harmonia ao con- junto do meio fÌsico. Talvez isso pu- desse ter acontecido. PorÈm desde

13 N EUFERT, Ernst. in Industrializacion de las construciones, p. 35. (Trad. nossa.) 14 W ITTKOWER, Rudolf. in Architectural principles in the age of humanism, p. 537-538. (Trad. nossa.) 15 L E C ORBUSIER, in Modulor1, p. 55. (Trad. nossa.)

a sua publicaÁ„o, em 1950, o inte- resse por esse sistema vem diminu- indo. Estou inclinado a pensar que, como em outras situaÁıes seme- lhantes, a import‚ncia real do Modulor est· em que ele È parte da aparelhagem mental de seu autor e lhe permite realizar projetos t„o originais como a capela de Ronchamp ó um edifÌcio de forma t„o livre que chega a ser quase uma escultura abstrata ó, seguro de seu completo domÌnio dos procedimen- tos racionais.î 16

Summerson parece ter alguma raz„o quando afirma que a raciona- lidade conquistada por Le Corbu- sier, ao aprofundar-se na pesquisa da proporÁ„o ·urea e sua express„o sistematizada, que È o Modulor, tem um valor relativo, isto È, vale como ferramental de projeto de seu autor, porÈm n„o pode como tal servir a mais ninguÈm.

Mas tambÈm essa afirmaÁ„o tem valor relativo. Pois ao esforÁo de Le Corbusier para chegar atÈ este pretendido produto final, o Modu- lor, subjaz todo um processo de pensamento organizacional de projeto que tem a proporÁ„o ·urea como cÈlula-m„e e se desdobra em harmonias derivadas dela. E o que tem valor maior, finalmente, È a compreens„o que hoje temos desses desdobramentos que ele pÙde exe- cutar, operando com este paradig- ma, e n„o aquilo que ele bem- intencionadamente, mas talvez equi- vocadamente, tenha sonhado em oferecer ‡ cultura do sÈculo XX como produto. O resgate e o aprofundamento no estudo desse processo de busca de uma comodu-

laÁ„o, que est„o contidos no seu tra- balho, È que podem ser de imenso valor.

Ou seja, se o Modulor n„o pÙde servir como produto final, pronto e acabado para ser usado por outros È, no mÌnimo, um imen- so manancial de pesquisa para uma profunda imers„o no significado real e mais profÌcuo do que pode a Geometria, quando bem compreen- dida, significar para o trabalho do arquiteto. Mas mesmo arquitetos e teorizadores que tiveram o velho mestre como a grande figura inspiradora de uma arquitetura ra- cional, liberta das formas do pas- sado, criativa e inovadora, parecem ter deixado de lado esse aspecto de sua obra.

Mas a carÍncia dos tempos sempre acaba por despertar potencialidades latentes. Klaus- Peter Gast, por exemplo, È uma bem-vinda alteraÁ„o dessa situaÁ„o com seu livro Le Corbusier. Paris- Chandigarh, recentemente publica- do (2000).

PoderÌamos discutir a estÈtica de suas obras, questionar atÈ que ponto Le Corbusier conseguiu, por esse seu geometrizar, resultados sig- nificativos e expressivos. Mas, inde- pendente disso, sua atuaÁ„o como arquiteto-geÙmetra, que È ineg·vel, est· longe de ser entendida e divulgada tanto quanto o s„o tantos outros aspectos exemplares e conhe- cidos de sua obra. E dentro do ‚m- bito desta pesquisa, nossa Ínfase È justamente no processo geometri- zador por meio do qual eram gera- dos seus projetos.

CRÕTICAS UNILATERAIS

Recentemente, Frings, num ar- tigo sobre a ocorrÍncia e o papel que a proporÁ„o ·urea desempenhou na teoria da Arquitetura, escreve duras e unilaterais crÌticas ao traba- lho de Le Corbusier, embora, em exame de detalhes, tambÈm possam ser justificadas em parte. E como contraponto ao que j· foi exposto atÈ agora, cabe aqui tambÈm a sua apresentaÁ„o:

ìO Modulor, na proposta de Le Corbusier, combina quadrado e secÁ„o ·urea, mas como resultado n„o oferece nada alÈm de um siste- ma modular. Da sÈrie azul de n˙me- ros (secÁ„o ·urea da altura total) e da sÈrie vermelha (altura do umbi- go) resulta uma seq¸Íncia de medi- das de 27 a 226 cm (e mais alÈm) em degraus de 27 e 16 cm. Na fun- Á„o desempenhada pelo umbigo como origem da sÈrie vermelha, Le Corbusier alude ‡ tradiÁ„o do homo vitruvianus e ‡s especulaÁıes relacionadas com as harmonias num cosmos antropocÍntrico, bem mostrados numa figura emblem·- tica no livro Modulor 2.î

O Modulor tem, entretanto, al- gumas deficiÍncias. Primeiro, em- bora Le Corbusier pretenda que seja usado para todas as dimensıes, verticais e horizontais, ele prioriza a dimens„o vertical. AlÈm disso, È baseado em aproximaÁıes aos n˙- meros da sÈrie Fibonacci. E desde que as sÈries azul e vermelha podem ser combinadas ao sistema, ele se torna t„o el·stico que a secÁ„o ·u- rea acaba sendo difÌcil de detectar. Neufert critica, numa ediÁ„o mais

16 S UMMERSON , John.in A linguagem cl·ssica da Arquitetura, p.117.