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o mito do rei arthur e suas influências na literatura, Notas de aula de Literatura

narrativas das lendas Arthurianas: o livro de Thomas Malory, traduzido em português como Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda e o filme King Arthur, ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Nazario185
Nazario185 🇧🇷

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O MITO DO REI ARTHUR E SUAS INFLUÊNCIAS NA LITERATURA
CONTEMPORÂNEA
Murilo Quevedo (UFRGS)
Os mitos se produzem a partir da tensão entre o real e o ficcional e têm suas
raízes no território do real e do imaginário. Entre os mitos mais conhecidos e
revisitados na atualidade está aquele ligado à figura do Rei Arthur. De acordo com
Yara Vieira, (In: A morte do Rei Artur, 1992), “No século XII, [...], as histórias relativas
ao Rei Artur já haviam evoluído e constituíam o cânone da cavalaria, então em plena
ascensão.”. (grifo da autora).
De lá pra cá, foram muitos os autores que adaptaram as lendas Arthurianas
em algum formato de mídia, recontando-o sob uma perspectiva. Nesse choque
mito/realidade, percebemos que a mitologia diferencia-se da história quanto aos
detalhes e apenas isso, e, mais ainda, cada vez que esse mito é recontado, surgem
alterações nesses pormenores que acabam por não apenas modificar o mito, como
gerar aquilo que Lévi-Strauss (1978) classifica como minimito, uma vez que a estrutura
continua a mesma, mas o conteúdo da mesma pode variar, não sendo mais o mesmo.
Como a maioria dos mitos, a tradição Arthuriana cresce via literatura oral,
mais de mil anos e foi ampliando-se e englobando outras histórias de diversos países
europeus, assimilando um pouco da cultura e dos costumes da época, até ser fixada
na forma escrita por Sir Thomas Malory, no século XV. A compilação de Malory, feita
em inglês médio, chamada Le Mort, d’Arthur foi revisitada e reinterpretada muitas
vezes e por diversos autores, o que elimina a noção de que a partir do momento que a
história é transcrita, ela não pode mais ser alterada.
Com o objetivo de identificar como uma mesma história, que vem sendo
recontada em momentos diversos e regida por paradigmas diferentes pode revelar
formas contrastantes de pertencimento ético, moral, filosófico e religioso, analisei duas
narrativas das lendas Arthurianas: o livro de Thomas Malory, traduzido em português
como Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda e o filme King Arthur, dirigido por
Antoine Fuqua em 2004, privilegiando as diferenças nas percepções de mundo
refletidas nas duas obras.
O LIVRO DE THOMAS MALORY
A fim de conhecer um pouco mais da obra busquei edições diferentes de
mesmo título e autor. Li, portanto, uma adaptação voltada ao público infanto-juvenil,
uma tradução em português, uma obra de mesmo título, mas de autoria anônima e
uma versão traduzida do inglês médio para o inglês moderno. Dentro dessas obras,
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O MITO DO REI ARTHUR E SUAS INFLUÊNCIAS NA LITERATURA

CONTEMPORÂNEA

Murilo Quevedo (UFRGS)

Os mitos se produzem a partir da tensão entre o real e o ficcional e têm suas raízes no território do real e do imaginário. Entre os mitos mais conhecidos e revisitados na atualidade está aquele ligado à figura do Rei Arthur. De acordo com Yara Vieira, (In: A morte do Rei Artur , 1992), “No século XII, [...], as histórias relativas ao Rei Artur já haviam evoluído e constituíam o cânone da cavalaria, então em plena ascensão.”. (grifo da autora). De lá pra cá, foram muitos os autores que adaptaram as lendas Arthurianas em algum formato de mídia, recontando-o sob uma perspectiva. Nesse choque mito/realidade, percebemos que a mitologia diferencia-se da história quanto aos detalhes e apenas isso, e, mais ainda, cada vez que esse mito é recontado, surgem alterações nesses pormenores que acabam por não apenas modificar o mito, como gerar aquilo que Lévi-Strauss (1978) classifica como minimito, uma vez que a estrutura continua a mesma, mas o conteúdo da mesma pode variar, não sendo mais o mesmo. Como a maioria dos mitos, a tradição Arthuriana cresce via literatura oral, há mais de mil anos e foi ampliando-se e englobando outras histórias de diversos países europeus, assimilando um pouco da cultura e dos costumes da época, até ser fixada na forma escrita por Sir Thomas Malory, no século XV. A compilação de Malory, feita em inglês médio, chamada Le Mort, d’Arthur foi revisitada e reinterpretada muitas vezes e por diversos autores, o que elimina a noção de que a partir do momento que a história é transcrita, ela não pode mais ser alterada. Com o objetivo de identificar como uma mesma história, que vem sendo recontada em momentos diversos e regida por paradigmas diferentes pode revelar formas contrastantes de pertencimento ético, moral, filosófico e religioso, analisei duas narrativas das lendas Arthurianas: o livro de Thomas Malory, traduzido em português como Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda e o filme King Arthur , dirigido por Antoine Fuqua em 2004, privilegiando as diferenças nas percepções de mundo refletidas nas duas obras.

O LIVRO DE THOMAS MALORY A fim de conhecer um pouco mais da obra busquei edições diferentes de mesmo título e autor. Li, portanto, uma adaptação voltada ao público infanto-juvenil, uma tradução em português, uma obra de mesmo título, mas de autoria anônima e uma versão traduzida do inglês médio para o inglês moderno. Dentro dessas obras,

descartei a adaptação infanto-juvenil de minhas análises, pois, considerando o público a qual era direcionada, a narrativa era escassa de dados, sendo insuficiente para comparação e servindo apenas para me apropriar do enredo. Considerando as três obras com corpus maior para análise, percebi pequenas nuances entre elas, que me pareceram ser mais variações da tradução do que alterações no conteúdo da obra. Excetuando a narrativa anônima, o enredo é subdividido em quatro partes principais: “O Rei Arthur”, “Lancelot do Lago”, “Em busca do Santo Graal” e “A Morte de Arthur”. Nessa primeira parte, a narrativa apresenta o Rei Uther Pendragon, o Mago Merlin e a relação entre esses dos personagens, explicando de onde surgiu a tutoria de Merlin sobre Arthur; como Arthur se tornou rei (a história da espada encravada na bigorna); o casamento de Arthur e Guinevere, seguida da criação da Távola Redonda, representando a igualdade entre os cavaleiros. Essa seria considerada a ‘Era de Ouro’ do reinado de Arthur, onde ele era o mais respeitado rei, casado com a mais bela donzela, dono de inúmeras riquezas e com bons cavaleiros ao seu lado. Na segunda parte, o leitor é introduzido a Lancelot do Lago, que tem a fama de ser o melhor cavaleiro do mundo. Aqui, o foco muda e começam a ser apresentados os outros cavaleiros da Távola Redonda, os mais nobres e qualificados, por assim dizer. Então, além de Lancelot, surge a figura de Tristão, Bors, Palamidas e outros tantos. Pode-se considerar que o declínio do reinado começa aqui: o foco é dirigido aos demais cavaleiros e suas proezas em nome do Rei Arthur, que pouco participa das aventuras, mas é citado como respeitado e poderoso. É também nessa parte que Lancelot se apaixona por Guinevere e o triângulo amoroso desponta na história, bem como Tristão apaixona-se por Isolda, casada com seu tio. Na terceira parte ocorre a maior das reviravoltas: Merlin está morto e os Cavaleiros da Távola Redonda partem em busca do Santo Graal, dando um viés cristão fortíssimo ao apresentar Galaad, filho de Lancelot e descendente de José de Arimatéia. As justas, torneios e feitiços dão lugar à religiosidade e o Reino de Arthur corre perigo. Na quarta parte, e especificamente nessa, os três livros têm em comum. Lancelot não está mais na corte, assim como a maioria dos cavaleiros, enfraquecendo Arthur que é ameaçado por seu sobrinho Mordred. São chamados reforços, que chegam atrasados e o Rei Arthur vê-se obrigado a duelar, matando seu sobrinho, mas sendo vítima de um ferimento mortal. Assim seu corpo é levado até Avalon, onde desaparece nas brumas. A história termina e sua morte não é confirmada, subentendendo-se o seu retorno como aguardado.

eventos contemporâneos, especialmente quanto a questões de gênero, relações de poder e estudos de alteridade.

COMPARANDO OS LIVROS E O FILME Ainda que não se possa afirmar a veracidade de um ou de outro, para quem conhece a história dos Cavaleiros da Távola Redonda, o enredo do filme é completamente diferente. No livro, Arthur é filho de Uther Pendragon, nascido e criado na Bretanha e, ainda que seja incerto afirmar, há indícios de que Camelot seja Glastonbury, ou Somerset. No filme, por outro lado, Artorius é um oficial romano, que luta para manter o território bretão. Muito pouco é falado sobre suas origens. Na obra de Malory, Merlin é um mago, filho íncubo de uma feiticeira e, após prestar favor ao Rei Uther Pendragon, clama pela tutela de Arthur, para ensiná-lo a ser um bom governante no futuro. Quando Arthur se torna rei, ele precisa ter, necessariamente, uma esposa e encontra em Guinevere a pessoa ideal para tanto. Guinevere é filha de um rei muito poderoso que tem admiração pelo jovem Rei Arthur. Na produção de 2004, contudo, tanto Merlin quanto Guinevere são pictos, de maneira que a influência mística do líder das hostes pictas foi muito mais presente para os ‘selvagens’, incluindo Guinevere, nesse grupo, do que para Arthur, de quem ele foi tutor. Outro detalhe importante é o anacronismo de certos eventos do filme. Os cavaleiros mais prestigiados e talentosos de Arthur – Lancelot, Tristão, Bors – são retratados no filme como companheiros de longa data nas armas, planejando estratégias em uma mesa redonda, análoga a Távola Redonda e, depois da fatídica Batalha de Badon, Arthur vem a se casar com Guinevere. Outro fator importante de se ressaltar no filme é que em nenhum momento mostrou a proclamação dele como rei, mas a fala de todos os presentes no casamento foi “Vida longa ao Rei Artur!”. Nas obras escritas, por outro lado, isso acontece ao contrário: Arthur casa-se com Guinevere e recebe a Távola Redonda de presente de casamento do seu sogro. Além disso, a Távola, com capacidade para 250 pessoas tinha sido presente de Uther Pendragon para o rei em questão. Por isso, para não desmerecer o Rei Arthur, além da gigante mesa, foi-lhe dado 150 cavaleiros para prestarem seus serviços ao Rei, sendo esses, portanto, os primeiros 150 cavaleiros da Távola Redonda. Depois houve o embate contra Lancelot, onde o Rei Arthur quebrou sua espada e recebeu Excalibur da Dama do Lago. Lancelot, posteriormente se uniu aos Cavaleiros, movido pela admiração que tinha pelo Rei Arthur.

Dadas essas e outras discrepâncias entre as duas narrativas, é impreciso dizer qual delas é mais próxima da história real e, mais ainda, se realmente é uma história real, o que me proponho a questionar no capítulo seguinte.

REI ARTHUR: MITO OU VERDADE? Antes de tudo, é preciso contextualizar a Bretanha da época. Estima-se que Arthur tenha vivido no século V, aproximadamente entre os anos 450 – 530 d.C. Os reis da época diferem muito do conceito de reis que temos hoje. Na verdade, eles seriam o que hoje conhecemos como chefes de clã e sua autoridade era demonstrada no campo de batalha, onde quem tivesse mais sucesso, quem tivesse mais homens à disposição ou um clã maior, seria mais poderoso. Foi por essa época que os Romanos se retiraram da ilha britânica, e que os Saxões começaram a invadi-la. As tribos deixadas nas pequenas comunidades existentes tiveram que defender seus territórios dos povos além das frágeis fronteiras, a contar: os Pictos, ao norte da Muralha de Adriano, os Scots, da Irlanda e os próprios Anglos, Saxões e Jutos vindos do continente. Poucos são os registros que comprovam a existência de Arthur. Jenkins cita os Anais da Páscoa, encontrados na Historical Miscellanny, e um capítulo da História Britonum, de Nênio, onde na primeira o nome ‘Arthur’ aparece ligado à Batalha de Badon e, mais adiante, na Batalha de Camlann, citando, inclusive, Mordred. Essa seria, supostamente, a batalha na qual Arthur e Mordred duelaram até a morte. Ainda nas compilações de Nênio, há outra passagem onde são listadas doze batalhas lutadas por Arthur, das quais apenas duas ocorreram em locais identificáveis, o que aumenta as dúvidas acerca da lenda. Nesses registros, todavia, Arthur não é chamado de rei, mas considerado um comandante, líder de batalhas, lutando contra a invasão desses povos. O próprio Nênio, em um capítulo de suas compilações, chamado The Marvels of Britain o chama de “simples soldado” (Jenkins, 1994). Ainda que se considerem essas informações, contidas nesses documentos históricos, é ainda prematuro afirmar que Arthur realmente existiu e usar esses documentos como base para filmagens, dando novas perspectivas à lenda. Isso porque, numa das diversas batalhas contra os saxões, muitos registros se perderam, destruídos no caos da batalha, na época conhecida como os Anos Negros. Dessa fase, pouco sabemos, apenas por fragmentos de informação. Salientam-se os registros de um monge britânico, que viveu cerca de cem anos depois da retirada dos romanos, chamado Gildas, o Sábio. Os seus escritos, chamados Liber Querelus, são repletos de informações históricas. Nesse relato, o monge refere-se a um capitão

A MORTE do Rei Artur: Romance do Século XIII. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 243 p. FUNCK, Élvio. Breve História da Inglaterra. Porto Alegre: Movimento, 2012. 407 p.

JENKINS, Elizabeth. Os Mistérios do Rei Artur : O Herói e o Mito reavaliados através da história, da arqueologia, da arte e da literatura. São Paulo: Ed. Melhoramentos,

  1. 202 p.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Porto: Edições 70, 1978. 81 p.

KING Arthur. Direção de Antoine Fuqua. Produção de Jerry Bruckheimer. Roteiro: David Franzoni. [s.i], 2004. (146 min.), son., color. Legendado.

MALORY, Thomas. O Rei Artur e seus Cavaleiros. Porto Alegre: Editora Globo, 1973. 227 p. Tradução de: Pepita de Leão.

MALORY, Thomas. King Arthur and his Knights. London: Oxford University Press,

  1. 231 p.